Revista Jurídica da Unic / Emam - v. 1 - n. 1 - jul./dez. 2013
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE
LIMITADA: INOVAÇÃO OU CONFUSÃO?
Hellen Caroline Ordones Nery Bucair1
INTRODUÇÃO
O empresário individual, aquele que realiza atividade empresarial
nos termos do artigo 966, do Código Civil, ou seja, exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação
de bens ou de serviços, caracteriza-se por responder ilimitadamente pelas
dívidas que contrai perante credores, no exercício da empresa.
Há muito, tal responsabilidade incomoda quem atua na área.
Eis a razão da existência de inúmeras sociedades limitadas “de fachada”, cujas cotas são divididas apenas com o intuito de limitar a responsabilidade do sócio, verdadeiramente, um empresário individual.
Neste contexto, surge então a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, cujas características veremos a seguir, destacando-se, justamente a limitação da responsabilidade de quem a compõe, como cerne
do instituto.
Há dúvidas em relação à sua natureza jurídica, onde estão presentes
os questionamentos acerca da inovação ou confusão trazidas pelo legislador, que, ora faz entender a semelhança da EIRELI com o empresário
individual e ora a faz confundir com uma sociedade unipessoal.
EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada emerge da necessidade do empresário ver seu patrimônio protegido e sua responsabilidade limitada àquilo que ele predispôs para fazer parte da sua atividade. O
interessante é que aqui se opera a separação patrimonial, diferentemente
do que ocorre com o empresário individual.
1 Graduada pela Universidade de Cuiabá – UNIC, advogada regularmente inscrita na Ordem dos
Advogados do Brasil, na seccional de Mato Grosso, sob o nº. 12.011, Pós Graduada pela Universidade Gama Filho-RJ em Direito Público Material, professora do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Mato Grosso – IFMT. E-mail: [email protected].
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Empresa individual de responsabilidade limitada: inovação ou confusão?
Neste sentido, foi publicada a Lei 12.441 de 11.07.2011, com uma
vacatio legis de 180 dias, estando em vigor desde Janeiro de 2012.
A DENOMINAÇÃO “EMPRESA”
No tripé empresarial, estudamos que empresa é a atividade realizada pela pessoa, isto é, o objeto almejado pelo empresário.
O legislador, erroneamente, em nosso entender, denominou esta
nova pessoa de “empresa”, misturando os conceitos já consolidados no
Direito Empresarial.
A EIRELI é justamente uma pessoa jurídica que atua no ramo empresarial, buscando lucro, mediante uma atividade organizada.
O citado artigo 966, do Código Civil não deixa dúvidas quando
diz que o empresário é aquele que exerce a atividade (empresa), “pessoalmente”. O código o considera uma pessoa e diz exatamente que ele é
o responsável pelo desenvolvimento da atividade empresarial, esta sim,
denominada pela doutrina de “Empresa”.
Portanto, a correta denominação do instituto deveria ser “empresário individual de responsabilidade limitada”, enfatizando justamente o
sujeito que realiza a atividade, ressaltando, porém, o benefício trazido pela
inovação legislativa, qual seja, a limitação de sua responsabilidade.
O doutrinador Gladston Mamede2 também utiliza a expressão “empresário individual de responsabilidade limitada”.
O estudioso André Luiz Santa Cruz Ramos3 ressalva que o legislador
deveria ter criado a “sociedade unipessoal” ou o “empresário individual de
responsabilidade limitada”, com patrimônio de afetação destinado ao exercício da atividade, e que não se confundiria com seu patrimônio pessoal.
CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A EIRELI pode ser conceituada como uma pessoa jurídica de direito privado constituída com a finalidade de explorar atividade empresarial, tendo como principal característica a limitação da responsabilidade
do seu titular.
2 MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012. 520p.
3 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Método, 848p.
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Há discussão doutrinária acerca da sua natureza jurídica, existindo
três correntes tentando explicá-la.
Fábio Ulhoa4 entende que a EIRELI nada mais é do que uma sociedade unipessoal, considerando-a, deste modo, por possuir apenas um
sócio (artigo 980-A, do código civil).
A crítica a este posicionamento estaria no fato de que sociedade é
uma reunião de pessoas (mínimo duas), conceito do artigo 981 do código
civil, e a única possibilidade de existência de sociedade unipessoal seria a
de quando a sociedade constituída por apenas dois sócios, por exemplo,
por ocasião da morte de um deles, permanece com uma única pessoa
integrando o quadro societário. Neste caso, a lei determina que o sócio
remanescente regularize a situação da sociedade, no prazo de 180 dias,
tornando-se empresário individual ou chamando mais um sócio para a
manutenção da sociedade.
Ademais, a lei da EIRELI não teria criado uma nova espécie de sociedade, isto é, sociedade unipessoal, pois se a intenção do legislador fosse
esta, ele não teria inserido um novo inciso ao artigo 44, que trata das pessoas jurídicas de direito privado, pois este já trazia em seu rol a sociedade.
Wilges Bruscato5 defende a personalização de um ente ficcional a
partir de um objeto de direito: “considera-se que a empresa, por ser atividade específica, tem condições de ser sujeito de direito e titularizar patrimônio ou, então, que, justamente por haver um patrimônio, a empresa
tem essa condição”.
A crítica a este posicionamento estaria, justamente, no fato de que seria difícil imaginar como sendo sujeito de direito algo que, de maneira consolidada, sempre foi entendido como objeto, dentro do Direito Empresarial.
Solucionando as dúvidas acerca da natureza jurídica do instituto, a V
Jornada de Direito Civil esclarece que a EIRELI não é sociedade e a define
como sendo “novo ente jurídico personificado”.
DISPOSIÇÕES DA LEI 12.441/2011 E CARACTERÍSTICAS DA EIRELI
Foi disciplinada pela Lei 12.441, promulgada em julho de 2011, em
vigor desde janeiro de 2012.
4 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
5 BRUSCATO, Wilges. Apontamentos à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI: a saga continua. Revista Index Jur – Suplemento Especial, publicação eletrônica avulsa, 2011.
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Empresa individual de responsabilidade limitada: inovação ou confusão?
O referido diploma legal trouxe uma nova pessoa jurídica ao rol do
artigo 44 do código civil, inseriu o Título I-A e o artigo 980-A para disciplinar o novo instituto.
O caput do artigo 980-A disciplina que a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa e que esta
será titular da totalidade do capital social.
Em relação ao citado dispositivo, há algumas considerações feitas
pela doutrina.
O artigo utiliza a expressão “social” para designar a EIRELI em diversos momentos. Tal expressão estaria equivocada se considerarmos o
posicionamento da V Jornada de Direito Civil que já apontou não ser a
EIRELI uma sociedade. Por esta razão, não se poderia falar em contrato
social, mas sim em ato constitutivo.
A doutrinadora Wilges Bruscato traz ainda discussão acerca da adequada nomenclatura do titular da EIRELI:
•Sócio: não seria a melhor expressão, pois não estamos diante de uma
sociedade;
•Empresário: seria uma maneira correta de designar o titular da EIRELI, pois não existe empresa sem empresário;
•Empreendedor: também seria adequado, pois ele daria execução à
empresa;
•Instituidor: do mesmo modo, acertada designação, pois estaria se
referindo àquele que comporia a empresa individual de responsabilidade limitada.6
Podemos citar como principais características:
a) Formação: por uma única pessoa, sendo importante ressaltar que
devem ser preenchidos os requisitos do artigo 966, do código civil, quanto à capacidade do agente, objeto lícito, forma adequada
e manifestação de vontade livre e consciente;
b)Somente pode ser composta por pessoa física, lembrando que uma vez constituída a EIRELI, esta adquirirá personalidade jurídica. Há parte da doutrina entendendo que poderia a EIRELI ser constituída por pessoa jurídica;
c) Capital: não pode ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário6 BRUSCATO, Wilges. Op. cit.
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mínimo vigente no País e deve ser totalmente integralizado no
momento da inscrição da EIRELI. Em relação ao capital, há crítica
da doutrina no sentido de que o legislador estaria impedindo o
acesso aos pequenos empresários, como por exemplo, o microempreendedor individual que não pode ter renda bruta anual
superior a 60 (sessenta) salários mínimos. Foi proposta uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (4637), contra a exigência de capital mínimo;
d)Nome empresarial: firma ou denominação, devendo ser acrescida
a expressão EIRELI ao final do nome ou por extenso “empresa
individual de responsabilidade limitada” (art. 980-A, §1º, CC);
e)Limitação ao titular: a pessoa que compõe a EIRELI só poderá
figurar em uma única empresa dessa modalidade;
f) Aplicação subsidiária das regras das sociedades limitadas, naquilo que não for conflitante;
g)Não existe EIRELI de fato ou irregular, devendo todas as empresas desta modalidade serem devidamente registradas;
h)Sujeita-se à lei de falências (11.101/2005);
i) Limitação da responsabilidade do titular (apenas responderá no
limite do capital destinado à EIRELI).
Existe questionamento acerca da finalidade precípua da EIRELI. A lei
não é clara no que diz respeito à determinação do exercício de atividade empresarial, tendo a vasta doutrina entendido que a empresa individual de responsabilidade limitada pode atuar tanto no âmbito civil, como no empresarial.
Este aspecto influenciará no local onde deverá ser feito o registro
da EIRELI. Caso opte pela atividade empresarial, deverá ser registrada na
respectiva Junta Comercial. Se o exercício for civil, o órgão competente
será o Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
DIFERENÇAS ENTRE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E EIRELI:
Existem diferenças nas caracterizações do empresário e da empresa
individual de responsabilidade limitada que merecem ser destacadas, tendo sido, as mais importantes, sintetizadas no quadro explicativo:
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Empresa individual de responsabilidade limitada: inovação ou confusão?
Empresário
EIRELI
Individual
Responsabilidade
Ilimitada
Limitada (do seu titular)
Natureza Jurídica
Pessoa física
Pessoa jurídica (art. 44, VI, CC).
Capital mínimo para
Não há!
Não pode ser inferior a 100 (cem)
início da atividade
vezes o maior salário-mínimo
vigente no País.
Nome Empresarial
Firma individual
Firma ou denominação
Natureza do registro
Declaratória
Constitutiva
CONCLUSÃO
É importante destacar que com o surgimento da EIRELI não houve
o desaparecimento do empresário individual.
Apenas observa-se que com a limitação da responsabilidade do instituidor na empresa individual de responsabilidade limitada, a tendência é
que as pessoas passem a optar por essa modalidade, por apresentar maior
segurança àquele que a compõe.
Quando o empreendedor não tiver possibilidade de integralizar
capital igual ou superior a 100 (cem) salários mínimos, somente restará a hipótese de exercício da atividade empresarial como empresário
individual.
Portanto, embora verifiquemos algumas falhas legislativas na previsão da EIRELI, entendemos que houve acerto na inovação trazida pelo
instituto. Buscou-se a segurança do instituidor na atuação empresarial e,
com isso, a diminuição de fraudes na constituição de sociedades. Aquele
que evitava atuar de maneira autônoma por receio da responsabilidade
patrimonial passa a poder constituir EIRELI, não mais apresentando tal
preocupação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUSCATO, Wilges. Apontamentos à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - EIRELI: a saga continua. Revista Index Jur - Suplemento Especial, publicação eletrônica avulsa, 2011.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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FIUZA, Ricardo; TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Código Civil Comentado. 8ed.
São Paulo: Saraiva, 2012.
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
520p.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2. ed. São
Paulo, Método, 848p.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa: Lei n.10.406, de 10.01.2002. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2012.
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