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O PENSAMENTO DESCONSTRUTIVISTA APLICADO À CONSTRUÇÃO LEGAL
DA FIGURA DA SOCIEDADE UNIPESSOAL DE RESPONSABILIDADE
LIMITADA: CONTRIBUIÇÕES DE DERRIDA E BALKIN.
Adriana Aureliano1; Delina Santos Azevedo2
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Derrida e a Desconstrução; 2.1. Síntese Biográfica; 2.2.
Entendendo a Desconstrução; 3. As influências da Teoria Desconstrutivista de Jack Balkin
para o Direito; 3.1. A inversão de hierarquias; 3.2. A libertação do texto do autor; 4. A Teoria
Desconstrutivista aplicada ao instituto da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada;
4.1. Breve digressão acerca dos argumentos apresentados na justificação do Projeto de Lei da
Câmara nº 18, de 2011; 4.2. Desconstruindo a tese do Senado Federal: Parecer n° 380/2011;
5. Conclusão; Referências.
RESUMO: O direito empresarial brasileiro tem demonstrado em sua legislação interesse em
favorecer as micro e pequenas empresas, no intuito de aquecer o comércio e estimular a
criação de frentes de trabalho, aprovando leis que beneficiam o pequeno empresário.
Aparentemente ainda neste sentido, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei que cria no
Brasil a figura da ―empresa individual de responsabilidade limitada‖. Todavia, verifica-se que
este instituto está carregado de uma ideologia dissimulada de favorecimento dos grandes
empresários, contrariando o seu propósito inicial. Assim, o presente artigo visa aplicar a teoria
filosófica desconstrutivista para revelar conteúdos não explícitos presentes nesta norma, a
partir dos autores Jacques Derrida e Jack Balkin.
PALAVRAS-CHAVE: Direito, Desconstrução, Empresa individual de responsabilidade
limitada.
ABSTRACT: The Brazilian corporate law has shown an interest in legislation to encourage
small and micro enterprises in order to heat the trade and stimulate the creation of work
fronts, passing laws that benefit the small business owner. Apparently even in this sense, the
Brazilian Congress approved a bill that creates in Brazil the figure of the individual company
with limited liability. However, it appears that this institute is charged with an ideology
disguised favor of big business, contrary to its original purpose. Thus, this article aims to
apply the deconstructive philosophical theory to reveal explicit content not present in this
standard, the authors from Jacques Derrida and Jack Balkin.
KEY-WORDS: Law, Deconstruction, individual limited liability company.
1
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Salvador. Especialista em Direito Privado pela UNYAHNA
/CEJUS. Mestranda em Relações Sociais e Novos Direitos pela Universidade Federal da Bahia. Professora de
Direito Empresarial e Civil da UNIFASS, da IBES e da FACSAL. Contato da autora: [email protected].
2
Bacharel em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Pós-Graduanda em Direito Civil pela UFBA. Mestranda em
Direito Público pela UFBA. Atualmente, integra o quadro de servidores públicos do Ministério Público do
Estado da Bahia, no Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Meio Ambiente. Contato da
autora: [email protected].
2
1.
INTRODUÇÃO
O direito enquanto ordenamento jurídico é produto humano (social), que tem por finalidade
ordenar as condutas para a garantia do bem estar e da paz social. É também condição de
garantia da eficácia das relações sociais, realizada por meio de uma coerção legitimada.
Enfim, o direito é um conjunto de normas, princípios e regras, que têm por finalidade alcançar
uma convivência harmônica e ordenada.
Neste intuito, o direito, enquanto, ordem subdivide-se em diversas áreas ou disciplinas
jurídicas, na tentativa de regular ao máximo a vida em sociedade, desde os valores e diretrizes
gerais, a normas mais especializadas.
Sustenta-se que o conhecimento jurídico é conhecimento científico, obtido através de métodos
específicos aplicados às ciências sociais com o fim de proporcionar respostas aos problemas
que são propostos. A ciência busca alcançar a verdade, mesmo que temporária, por meio da
verificação dos conhecimentos e o Direito não foge à esta regra.
Portanto, no intuito de obter um pensar verificado da ciência jurídica é que se faz necessário
re-pensar os seus conceitos e normas, tendo como meta o ideal de justiça. Nesta tarefa de
repensar o Direito, nada mais oportuno e fidedigno que se utilizar da filosofia, mãe do
conhecimento e conhecimento científico, para fazer uma análise crítica do direito.
Apesar das dúvidas quanto à sua classificação, escolheu-se neste estudo utilizar-se da teoria
da desconstrução, desenvolvida pelo filósofo francês Jacques Derrida, para alcançar este
propósito. Derrida não a denominou como método ou técnica, mas sim como uma forma de
pensamento. Ele propôs em suas diversas publicações que se buscasse decompor um texto,
para tentar revelar o conteúdo dissimulado. Para tanto, ele criou significados para termos
como escritura, diferença (―différance‖), entre outros, para realizar a análise de textos.
Acredita-se que muito dos conceitos criados por este autor se aplicam e tem importância
relevante para os operadores do Direito, no exercício de repensar, tendo em vista o caráter
influente que este possui perante a sociedade e o quão imbricado de significações diversas
estão os textos normativos e sentenças judiciais.
3
O Direito Empresarial no Brasil há muitos anos vem discutindo a criação da Sociedade
Unipessoal de Responsabilidade Limitada como principal instrumento da micro e pequena
empresa no incentivo do empreendedorismo individual, visando, dessa forma, minimizar as
dificuldades que travam o desenvolvimento de atividades produtoras de bens e serviços.
A Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada enquanto instituto jurídico equitativo
e isotônico capaz de limitar a responsabilidade do seu titular, nos moldes do tratamento
dispensado às sociedades empresárias e em consonância com os preceitos constitucionais é
um importante redutor de riscos e de incentivo a atividade econômica
Entretanto, o que se verifica é que os interesses que perpassam a legitimação deste instituto
jurídico no cenário nacional não refletem o interesse almejado. Aparentemente, há uma
disparidade entre aquilo que dispõe o texto legal, enquanto vontade do legislador, sobretudo
quando se analisa a justificação de aprovação do Senado Federal contido no Parecer n°
380/2011.
Este estudo tem por objetivo aplicar a teoria da desconstrução para análise do instituto
jurídico da Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada, há muito discutido pela
doutrina, porém apenas recentemente criado no Brasil, a partir da utilização dos
conhecimentos adquiridos nas teorias filosóficas que demonstram a possibilidade de
utilização de uma ideologia dominante no discurso jurídico, de forma a mascarar um interesse
e ter maior aceitação perante a sociedade.
Buscando fundamentar e exemplificar as possíveis aplicações dos conhecimentos oriundos da
leitura de Derrida ao Direito, utilizaram-se ainda os artigos do autor americano Jack Balkin
em que ele fez, por meio de análises críticas, aplicação direta da teoria desconstrutivista no
texto legal e na prática jurídica. Ademais, foram utilizados autores da doutrina de Direito
Empresarial como Fábio Ulhoa Coelho, Rubens Requião, entre outros.
O presente artigo encontra-se estruturado em quatro tópicos, através dos quais se apresentará
a filosofia de Jacques Derrida e o pensamento da desconstrução. Em seguida, uma verificação
das influências de Jack Balkin, para uma análise crítica do Direito, depois uma apresentação
conceitual e histórica do instituto da sociedade unipessoal, perante o cenário brasileiro, e, por
fim, uma tentativa de desconstruir o texto do Projeto de Lei n° 18/2011, bem como da
4
justificação de aprovação apresentada pelo Senado Federal, que irá trazer alterações para a
diciplina do Direito Empresarial contida no Código Civil de 2002, lei n° 10.406/2002, com o
intuito de revelar a ideologia embutida neste discurso.
2.
DERRIDA E A DESCONSTRUÇÃO
Apresentar-se-á a seguir um breve resumo da vida deste filósofo, para que possamos entender
as suas características e influências recebidas e em seguida explicar-se-á a Desconstrução e
seus conceitos correlatos. É importante esclarecer que este autor não escreve sobre o jurídico,
mas sim sobre questões filosóficas e literárias, tendo uma preocupação marcante sobre os
textos e seus sentidos e significados.
2.1.
Síntese biográfica3
Jacques Derrida nasceu em 1930, em El-Biar, Argélia. Em 1949, mudou-se para Paris, onde
ingressou na École Normale Supérieure, três anos mais tarde. A partir de 1960, ensina
filosofia na Sorbonne, como professor-assistente. Nos Estados-Unidos, a partir de 1956,
lecionou nas universidades de Harvard, Yale e John Hopkins. Em 1967, Derrida escreve seus
três primeiros livros: Gramatologia, A Escritura e a Diferença e A voz e o Fenômeno. No
decorrer de sua vida ele publicou mais de 80 livros nos campos da estética, teoria da literatura
e filosofia do direito. Faleceu em outubro de 2004, em Paris, vítima de câncer.
A obra de Derrida tem por característica ser difícil, apresentando, muitas vezes como
indecifrável, o que por vezes pode dificultar uma abordagem clara e consensual de sua
produção intelectual. Como muitos intelectuais franceses de sua época, Derrida foi educado
na tradição continental da filosofia, cujas principais influências são Hegel, Husserl e
Heidegger.
Em seu livro Gramatologia4, Derrida apresenta conceitos e a base da sua Filosofia. Neste
livro, ele argumenta que a filosofia havia se equivocado ao buscar a verdade essencial que
estaria na ―essência das coisas‖. Para ele, ela deveria ter se concentrado na linguagem.
3
4
Informações obtidas em <http://www.unicamp.br/iel/traduzirderrida/biografia.htm>.
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradutor: Renato Janine Ribeiro. – 2. ed. - São Paulo: Perspectiva, 2008.
5
Derrida afirma que tudo que encontramos na linguagem é um sistema de diferenças múltiplas
e sutis de onde emergem os significados.
Expressamos nosso conhecimento na linguagem, só que toda palavra, toda expressão
e o modo como as utilizamos nos textos geram ambigüidades. Tanto a linguagem
falada como a escrita são recheadas de duplos sentidos e estão à mercê das
interpretações dos interlocutores ou leitores.
A utilidade da análise que Derrida propôs reside não naquilo que um texto significa e sim
como ele adquire aquele significado ou outros. Ele argumenta que nunca pode haver somente
um significado fixo para qualquer texto. A força de diferentes significados causa uma
disseminação de interpretações.
2.2.
Entendendo a Desconstrução
Derrida foi criador do conceito de Desconstrução aplicado a filosofia, que ele mesmo rejeitou
a sua classificação como uma teoria, método ou filosofia, considerando simplesmente como
uma leitura crítica da filosofia clássica, do entendimento de que a razão está no centro de
tudo. Luciano Rodrigues Lima explica que ―o pensamento de Derrida se fundamenta em
algumas linhas de ataque ao que ele próprio denomina de ‗metafísica ocidental‘. A metafísica
é um modo de pensar o mundo e, ao mesmo tempo, de utilizar a linguagem para expressá-lo e,
ainda, para ocultar as contradições desse sistema de idéias‖ 5.
Com o seu pensamento, Derrida buscou negar a validade do projeto cartesiano de descobrir
um fundamento auto-suficiente e inquestionável para filosofia, afastando a idéia de ser
possível, por meio da filosofia, alcançar verdades absolutas, criticando por vezes o
racionalismo e o símbolo máximo da razão, René Descartes.
Neste ponto, faz-se necessário esclarecer que o uso do termo ―desconstrução‖ não deve
significar destruição, mas sim desmontagem, decomposição dos elementos da escrita,
servindo para descortinar partes do texto que estão dissimuladas.
Com o seu pensamento, Jacques Derrida se tornou um dos grandes pensadores da pósmodernidade com o seu conceito de desconstrução, tendo ensinado em importantes
universidades da Europa e dos Estados Unidos, sendo reconhecido como um dos mais
importantes filósofos do pós-estruturalismo e pós-modernismo.
5
LIMA, Luciano Rodrigues. Desconstruindo a lingüística Estruturalista: o castelo de Saussure sitiado pelo
pensamento de Derrida. Literatura, Crítica, Teorias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2005.
6
O pós-estruturalismo seria, portanto, uma tentativa de avançar sobre o pensamento
estruturalista de apego à forma e à fala. O estruturalismo, através de seu principal
representante Ferdinand de Saussure, que cria o modelo de lingüística em seu livro Curso de
Lingüística Geral, tem por fundamento a apreensão da realidade social como um conjunto
formal de relações, sendo a língua um sistema no qual cada um dos elementos só pode ser
definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos
(sistema binário).
Em contraposição ao sistema binário ou logocentrismo, é criado o conceito de escritura e
diferença, concebendo a desconstrução como um descentramento, entendendo que o centro
não prevalece à periferia, podendo estar em qualquer lugar, encontrando-se dentro e fora da
estrutura. Buscou-se, a partir de uma desconstrução de seus termos, mostrar as contradições e
impossibilidades deste sistema.
Derrida compreendia que a essência não está na forma, mas sim no conteúdo e que a escrita é
mais importante que a fala, porque a escritura é algo que se exterioriza e garante a sua marca
no mundo, enquanto a fala é apenas discursos, que com a sua fluidez dissolve-se no ar. No
texto ―Edmond Jabès e a Questão do Livro‖, contido no livro A escritura – A diferença,
Derrida diz: ―E contudo (...), só o escrito me faz existir nomeando-me. É portanto
simultaneamente verdade que as coisas chegam à existência e perdem a existência ao serem
nomeadas. Sacrifício da existência, como dizia Hegel, mas também consagração da existência
pela palavra‖6.
O pós-estruturalismo tem por característica privilegiar uma análise das formas simbólicas, da
linguagem, mais como constituintes da subjetividade do que como constituídas por esta,
recusando atribuir ao cogito cartesiano, ao sujeito ou ao homem, qualquer privilégio
gnoseológico ou axiológico. Há, portanto, por parte dos pós-estruturalistas a não aceitação de
definições que encerrem verdades absolutas sobre o mundo, pois a verdade dependeria do
contexto histórico de cada indivíduo.
Nesse intuito de superar a importância atribuída pelos estruturalistas à forma e à estrutura,
Derrida e os desconstrucionistas concentraram sua filosofia na análise dos textos, por entender
6
DERRIDA, Jacques. A escritura, a diferença. – 2. ed. – São Paulo: perspectiva, 1995, p. 62.
7
que eles podem ter seus significados tradicionais corrompidos, a partir de novos contextos,
permitindo novas leituras em um processo contínuo.
Para Derrida, ―as palavras não têm a capacidade de expressar tudo o que se quer por elas
exprimir‖, de modo que palavras e conceitos não comunicam o que prometem. Segundo o
filósofo, a linguagem que o escritor utiliza, inevitavelmente, distorce o que ele pensa e
escreve. E suas palavras:
Escrever é saber que aquilo que ainda não está produzido na letra não tem outra
residência, não nos espera como prescrição em qualquer ―toros oupválos‖ ou
qualquer entendimento divino. O sentido deve esperar ser dito ou escrito para se
habitar a si próprio e tornar-se naquilo que a diferir de si é: o sentido 7.
Estende-se, pois a importância dada por Derrida à palavra que se exterioriza por meio da
escritura e também que a palavra ou a coisa dita terá o seu significado, a partir do momento
que é dita, considerando o momento, a historicidade.
Derrida trabalha sobre o conceito de escritura, fazendo referência a toda língua escrita,
considerando que a escritura concentra em si o advento do jogo, por meio da relação
significante-significado. Ele explica que no campo finito da linguagem ocorre o jogo através
das substituições infinitas no fechamento de um conjunto finito. De forma que ―esse campo só
permite estas substituições infinitas, porque em vez de ser um campo inesgotável, como na
hipótese clássica, em vez de ser demasiado grande, lhe falta algo, a saber um centro que
detenha e funde o jogo das substituições‖8.
A palavra encontra-se em estado de ausência de forma, que apenas quando ela for
exteriorizada é que lhe será incorporado o seu sentido.
Poderíamos dizer, servindo-nos rigorosamente dessa palavra cuja significação
escandalosa sempre se atenua em francês, que este movimento de jogo, permitido
pela falta, pela ausência do centro ou de origem, é o movimento da
suplementariedade. Não se pode determinar o centro e esgotar a totalização porque o
signo que substitui o centro, que o supre, que ocupa o seu lugar na sua ausência, esse
signo acrescenta-se, vem a mais, como suplemento9.
Verifica-se que a ausência, o silêncio, o vazio e a negatividade associam-se, pelo pensamento de
Derrida, ao conceito de escritura. É no jogo das substituições ou das várias significações que a palavra
receberá o seu suplemento e será naquele instante o seu significado.10 A lógica do suplemento acima
7
DERRIDA, Jacques. A escritura, a diferença. – 2. ed. – São Paulo: perspectiva, 1995, p.24.
Idem. p. 244-245.
9
DERRIDA, Jacques. A escritura, a diferença. – 2. ed. – São Paulo: perspectiva, 1995, p. 245.
10
LIMA, Luciano Rodrigues. Desconstruindo a lingüística Estruturalista: o castelo de Saussure sitiado pelo
pensamento de Derrida. Literatura, Crítica, Teorias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2005.
8
8
exposta é também utilizada por Derrida para desconstruir a hierarquia do discurso sobre a
escrita.
A importância atribuída à escritura se reflete nas palavras deste autor quando afirma que o que
está 'fora dos livros' é 'marginal', está à 'margem da tradição' e situa-se no 'limite do discurso',
revelando uma sobreposição da língua escrita sobre a falada. Ademais, numa relação
intrínseca com a escritura, Derrida trabalha ainda com o conceito de diferença ou
―differance‖, apresentando a língua como um sistema de relações binárias hierarquizadas, em
que um conceito se sobrepõe ao outro, como por exemplo, centro-periférico, presençaausência, essência-aparência.
Derrida sustenta que todo texto escrito não possui uma interpretação latente,
imanente, própria, definitiva ou correta, e que tão pouco possamos alcançar a
verdadeira intenção de um autor através de seu texto como pensa a hermenêutica, o
estruturalismo e o sistema logocêntrico. A razão para isso, é que o texto seria
naturalmente um sistema de signos que não se sustentam em nenhum significado
definitivo, ou absoluto. Nossa escrita, assim como qualquer escritura, se basearia em
um sistema não de significados, mas apenas de significantes.11
O que se entende é que as palavras possuem conceitos e significados a depender do contexto
em que é utilizada, tomando por base a relação de diferenças hierarquizadas, sendo que a
interpretação do texto, em qualquer de suas formas, é realizada por meio de relações entre os
significantes e os signos que compõem um sistema de linguagem. Para Derrida, o texto
permite, pela própria natureza, uma infinidade de interpretações, o que afasta qualquer
tentativa de unicidade ou absolutismo no discurso.
Assim, na desconstrução, o sentido de uma palavra é apenas a diferença entre ela e todas as
outras. A desconstrução parte da premissa lingüística de Ferdinand de Saussure de que a
língua é um sistema no qual o sentido de cada palavra é a diferença entre ela e todas as
outras12.
Derrida introduz o seu conceito de diferença para abalar e substituir as oposições
binárias do sistema logocêntrico. A diferença é um ponto não fixo que pode estar em
qualquer lugar da escala imposta pelas oposições binárias hierarquizadas. A
diferença é, na verdade, um arquiconceito, pois nele estão contidos outros conceitos
que compõem a noção de desconstrução como o descentramento (o centro podendo
estar em qualquer lugar, sem precedência sobre a periferia, que deixaria assim de
existir), o fármaco ( a idéia da variação infinita da dose, que pode matar ou curar), a
escritura (como o outro, o complemento da fala e não o seu oposto), o suplemento (
enquanto possibilidade da escrita de proliferação de significados não previstos pelo
11
LOPES, Arthur Viana. Não faz Différance: Um ensaio sobre a relevância da Desconstrução de Derrida.
Disponível em: <http://www.revistadoinfinito.pro.br/Forum/ForumReplies.aspx?m=2&c=c4811601-8bad-4c288b90-89a9d59700af&t=75ed1455-ad3a-405e-898c-7fc81045c576> . Acesso em: 09 jul 2011.
12
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Tradutor: Renato Janine Ribeiro. – 2. ed. - São Paulo: Perspectiva, 2008.
9
autor, isto é, a valorização da ausência), o jogo ( como possibilidade incontrolável e
imprevisível da linguagem de criar significados, enquanto
sistema aberto), de rastro (como arquiorigem, ou origem da origem, capaz de abalar
a idéia de precedência do original sobre a cópia, do texto original sobre a
tradução,etc)13.
O conceito de diferença ou différance é, pois, uma relação à alteridade, o significado com
base no outro, no seu oposto, do diferido pelo tempo e espaço.
Correlacionando os conceitos de desconstrução, escritura e diferença marcantes na obra de
Derrida, acredita-se, com este estudo, que o pensamento desconstrutivista tem de fato uma
aplicabilidade no campo do direito, no sentido de utilização da filosofia e a sua auto-crítica no
campo jurídico que está imerso em convicções absolutas e pretensas verdades, que por seu
discurso podem ser questionadas, desestabilizadas.
No livro Força de Lei, Derrida apresenta a possibilidade de utilização da desconstrução no
direito, por entender que este é formado por textos interpretáveis. Ele disrtingue o conceito de
direito do conceito de justiça, em que o primeiro seria fruto de normas fundadas no elemento
da autoridade, enquanto que a segunda seria o esperado, a experiência almejada, de forma que
o direito não é justiça. E esclarece que o direito é desconstruível, porque é construído,
enquanto que a justiça não pode ser desconstruída14.
Os discursos jurídicos são, em regra, carregados de força, num intuito de formar um juizo de
valor e torná-lo verdade absoluta. Ocorre que, por sua própria natureza, o direito é construção
histórica e social e precisa estar apto a responder às demandas da sociedade. Daí verifica-se
outro ponto trazido pela desconstrução de que um mesmo texto pode ter diversos significados
a depender do contexto, do locutor e do receptor. Há na essência do discurso jurídico uma
realidade questionável, muitas vezes paradoxal, pois os valores que o compõe são
modificáveis a depender da interpretação utilizada no caso concreto. Nas palavras de Derrida:
Na estrutura que assim descrevo, o direito é essencialmente desconstrutível, ou
porque ele é fundado, isto é, construído sobre camadas textuais interpretáveis e
transformáveis (e esta é a história do direito, a possível e necessária transformação,
por vezesa melhora do direito), ou porqueseu fundamento último, por definição, não
é fundado15.
13
LIMA, Luciano Rodrigues. Desconstruindo a lingüística Estruturalista: o castelo de Saussure sitiado pelo
pensamento de Derrida. Literatura, Crítica, Teorias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 1-15, 2005, p. 2-3.
14
DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. – 2.
ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p.3-58.
15
DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. – 2.
ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 26.
10
Depreende-se da leitura de Derrida que o fato de o direito ser desconstrutível não seria uma
infelicidade, pois é justamente aí que se encontra a chance política de todo o progresso
histórico, pois é sempre possível estabelecer contra-discursos apoiados nas fissuras e
contradições do discurso jurídico-político hegemônico.
As contradições e transformações existentes no campo jurídico tornam-o ambiente fértil para
aplicação do pensamento desconstrutivista, que tem por finalidade desmontar o discurso, para
compreender as suas partes e conteúdos dissimulados e tentar uma reconstrução.
A desconstrução tem, portanto, um papel de analisar criticamente a pretensão de absolutismo
dos dogmas, suspendendo a sua credibilidade, permitindo desta forma a possibilidade de
transformação, mudanças no pensamento jurídico-político.
3.
AS INFLUÊNCIAS DA TEORIA DESCONSTRUTIVISTA DE JACK BALKIN
PARA O DIREITO
Jack Balkin16 é professor de Direito Constitucional na Universidade americana Yale Law
School, possuindo formação também em filosofia. Entre os vários livros e artigos publicados,
Balkin cuidou de fazer análises críticas frente à questão da prática legal, utilizando-se de
fundamentos filosóficos, em especial, da filosofia de Jacques Derrida.
Neste tópico, buscar-se-á explicar a correlação que Balkin fez entre a desconstrução e o
direito, a partir da leitura do Deconstructive Practice and Legal Theory17.
16
Jack M. Balkin é Professor de Direito Constitucional da Yale Law School. Recebeu seu doutorado em filosofia
pela Universidade de Cambridge, e sua AB e graus J.D. da Universidade de Harvard. É membro das faculdades
de Direito da Universidade do Texas e da Universidade de Missouri-Kansas City, e professor visitante na
Harvard University, New York University, Buchman Faculty of Law at Tel Aviv University, e da University of
London. É também membro da Academia Americana de Artes e Ciências. Professor Balkin é o fundador e
diretor do Projeto Sociedade da Informação na Universidade de Yale Law School, um centro interdisciplinar que
estuda a lei e as novas tecnologias da informação. Seu trabalho varia ao longo de muitos campos diferentes,
incluindo a evolução cultural, telecomunicações e Internet lei, direitos reprodutivos, a liberdade de expressão,
retórica, jurisprudência e raciocínio jurídico, a teoria da ideologia, e interpretação musical e legal. Seus livros
incluem Cultural Software: A Theory of Ideology, The Laws of Change: I Ching and the Philosophy of Life,
Processes of Constitutional Decisionmaking (5th ed., with Brest, Levinson, Amar and Siegel), Legal Canons
(with Sanford Levinson), What Brown v. Board of Education Should Have Said, and What Roe v. Wade Should
Have Said. Informações biográficas obtidas na página eletrônica da Yale Law School. Disponível em: <
http://www.law.yale.edu/faculty/balkinbio.htm>. Acesso em: 09 julho 2011.
17
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory (1987). Faculty Scholarship Series. Paper
291.Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011.
11
Balkin sustenta em seus textos que a "desconstrução" é, de fato, uma prática que levanta
importantes questões filosóficas de pensadores jurídicos, demonstrando que o que mais lhe
interessa no trabalho de Derrida é a possibilidade que a desconstrução tem de lançar luz sobre
as teorias do pensamento ideológico: como as pessoas formam e usam ideologias, consciente
ou inconscientemente, no discurso jurídico18.
Ele utiliza a desconstrução como técnica específica de aplicação aos variados textos. Isto
porque, apesar de Derrida e seus seguidores não considerarem a desconstrução enquanto
posição ou método filosófico, mas sim uma prática, Balkin entende ser plenamente possível e
viável a aplicação da desconstrução como técnicas aplicáveis às questões jurídicas.
Ao associar a aplicação da teoria desconstrutivista ao direito, Balkin explica:
Lawyers should be interested in deconstructive techniques for at least three reasons.
First, deconstruction provides a method for critiquing existing legal doctrines; in
particular, a deconstructive reading can show how arguments
offered to support a particular rule undermine themselves, and instead, support an
opposite rule. Second, deconstructive techniques can show how doctrinal arguments
are informed by and disguise ideological thinking. This can be of value not only to
the lawyer who seeks to reform existing institutions, but also to the legal philosopher
and the legal historian. Third, deconstructive techniques offer both a new kind of
interpretive strategy and a critique of conventional interpretations of legal texts. 19
No artigo Deconstructive Practice and Legal Theory, Balkin aborda as duas práticas
desconstrutivas que ele considera de grande relevância para a construção do pensamento
jurídico frente aos textos legais, que são a inversão das hierarquias e a libertação do texto do
autor.
3.1.
A inversão de hierarquias
Ao falar da inversão de hierarquias, é preciso retroceder ao pensamento de Derrida sobre
escritura e diferença. O significado de uma coisa está na sua diferença, a partir da
18
Idem: p.4.
Tradução sugerida pelas autoras: ―Os advogados devem estar interessados em técnicas desconstrutivas, pelo
menos, por três razões. Primeiro, a desconstrução é um método já existente para criticar as doutrinas jurídicas,
em especial, uma leitura desconstrutiva pode mostrar como os argumentos oferecidos para apoiar uma
determinada regra minam-se, e em vez disso, apoiam uma regra oposta. Em segundo lugar, as técnicas
desconstrutivistas podem mostrar como argumentos doutrinários são formados e disfarçam o pensamento
ideológico. Isso pode ser de valor não só para o advogado que pretende reformar as instituições existentes, mas
também para o filósofo e historiador jurídico legal. Em terceiro lugar, as técnicas desconstrutivas oferecem a
nova espécie de estratégia interpretativa e crítica das interpretações convencionais de textos jurídicos. BALKIN,
Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987. Disponível
em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p.3.
19
12
identificação de oposições hierárquicas, seguido por uma inversão temporária da hierarquia,
utilizando como exemplo a relação entre fala e escrita, que no pensamento estruturalista a fala
prevalece à escrita e Derrida com o seu pensamento entende que a escrita sobrepõe-se à fala
na medida em que ela se exterioriza e cria sua marca no mundo. Ele retoma o entendimento
da existência constante de posições hierárquicas entre sentidos como presente-ausente, regraexceção, normal-anormal, entre outros, propondo a desconstrução por meio da inversão,
buscando entender as mudanças que ocorrem e as novas percepções possíveis decorrentes
desta inversão.
Através da inversão de hierarquias, Derrida constrói a sua crítica à filosofia ocidental,
―metafísica da presença‖ originária desde a época de Platão, que partem da premissa oculta de
que o que é mais aparente para a nossa consciência, o que é mais simples, básico ou imediato,
é mais real, verdadeiro ou importante. Ele demonstra então, que na verdade, existe uma
interdependência entre os conceitos hierarquizados, como pode ser demonstrado pelo binário
identidade-diferença. Um coisa só poderá ser tida como não idêntica, porque se tem algo
diferente. O conceito de identidade não é tido em si mesmo, mas sim da relação com o seu
oposto.
No entendimento de Balkin,
Differance simultaneously indicates that (1) the terms of an oppositional hierarchy
are differentiated from each other (which is what determines them); (2) each term in
the hierarchy defers the other (in the sense of making the other term wait for the first
term), and (3) each term in the hierarchy defers to the other (in the sense of being
fundamentally dependent upon the other)20.
Entendendo as premissas filosóficas do pensamento de Derida, Balkin explica que a prática
desconstrutivista não se restringe ao campo da filosofia, mas sim a todo e qualquer sistema
racional, que tem por base conceitos fundamentais e princípios como é o caso das doutrinas
jurídicas. Utilizando os métodos da desconstrução da inversão de hierarquias, percebe-se que
os conceitos legais são construídos por meio de privilégios disfarçados de um sobre o outro e
que ao ter revelada essa oposição e desconstruída essa relação, chega-se a uma visão
inteiramente diferente da relação vista inicialmente.
20
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p.3.
Tradução sugerida pelas autoras: Différance simultaneamente indica que (1) os termos de uma hierarquia de
oposição são diferenciados uns dos outros (que é o que os determina), (2) cada termo na hierarquia adia o
outro (no sentido de fazer o outro termo esperar pelo primeiro), e (3) cada termo na hierarquia remete para o
outro (no sentido de ser fundamentalmente dependente do outro).
13
Balkin propõe em seu texto que os operadores do direito utilizem o método da desconstrução
na interpretação de textos legais, como também na análise de decisões judiciais, buscando
encontrar essas relação de hierarquia dos conceitos e depois desconstruí-la, para se ter uma
nova visão (crítica) sobre os fundamentos jurídicos sedimentados na ordem posta. Ele sugere
também que se utilize a desconstrução como uma ferramenta para análise histórica e
ideológica, que envolve a formação dos princípios jurídicos contidos na lei21.
Outra contribuição importante trazida por Balkin refere-se aos argumentos que se desfazem. É
demonstrado no uso das reversões desconstrutivistas que as razões dadas para privilegiar um
lado da oposição sobre o outro, por vezes acabam por ser razões para privilegiar o outro lado.
Ademais, considerando que as doutrinas jurídicas refletem e regulam a vida social e que a
escolha dos direitos a serem protegidos bem como as técnicas de aplicação refletem pontos de
vista, manifestos ou obscuros, sobre as relações sociais22, é preciso utilizar-se de uma visão
crítica sobre os fundamentos que estão positivados. O direito regula a conduta humana por
meio de normas que dizem o que as pessoas são e devem ver e todas elas, desde as regras
mais simples às de conteúdo mais geral, possuem uma carga valorativa imbricada ao seu
conceito.
Toda a vida jurídica está pautada de ideologias e interpretações. É preciso que o operador do
direito fique atento à possibilidade de conteúdo velado nas normas utilizadas e idéias muitas
vezes defendidas.
The deconstruction of legal concepts, or of the social vision that informs them, is not
nihilistic. Deconstruction is not a call for us to forget about moral certainty, but to
remember aspects of human life that were pushed into the background by the
necessities of the dominant legal conception we call into question. Deconstruction is
not a denial of the legitimacy of rules and principles; it is an affirmation of human
possibilities that have been overlooked or forgotten in the privileging of particular
legal ideas23.
21
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p.14.
22
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p. 22.
23
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p. 22., p.24.
Tradução sugerida pelas autoras: A desconstrução de conceitos jurídicos, ou da visão social que os formam,
não é niilista. Desconstrução não é um apelo para que esqueçamos a segurança moral , mas para lembrar
aspectos da vida humana que foram colocados em segundo plano pelas necessidades da concepção legal
dominante que põe em causa. Desconstrução não é uma negação da legitimidade de regras e princípios; é uma
14
Entender que no caso concreto algum valor irá prevalecer sobre outro não significa que esta
relação deva ser sempre presente, pois ela representa, na ótica da desconstrução de Derrida,
um privilégio de um sobre o outro e esta relação hierarquizada pode e deve ser desconstruída.
Conforme explica Balkin, o objetivo da desconstrução não é a destruição de todas as visões
sociais possíveis, mas sim uma leitura desconstrutiva sobre as concepções dominantes de cada
sociedade.
Outra contribuição trazida por Balkin na leitura do pensamento de Derrida refere-se a autoreflexão. Dessa forma, aquele que buscar ser desconstrucionista deverá engajar-se num
processo de auto-reflexão, buscando determinar quando a utilização do método
desconstrucionista possibilitou uma nova visão (insights) quanto à visão anterior sobre o
direito, a doutrina jurídica, ou sobre a própria sociedade, anteriormente aceitos como verdade
inquestionável, numa posição de privilégio. Seria uma atividade de desconstrução de si
mesmo, um posicionamento crítico sobre sua própria conduta.
3.2. A libertação do texto do autor
Nesta análise dos textos, Balkin, utilizando-se dos conhecimentos de Derrida, busca
compreender o sentido do texto, através da interpretação, partindo do paradigma que o texto é
uma representação de uma intenção do autor.
Thus, a novel represents a story (and artistic ideas) that a novelist wishes to express.
A philosophical treatise represents ideas that a philosopher wishes to convey. A
judicial opinion stands for the principles of decision that are used to decide a case.
The goal of interpretation is understanding the meaning of the text, that is, the
author's intent. If we interpret correctly, we grasp the author's intent; if we interpret
incorrectly, we miss the author's intent24.
De fato, a despeito de não ser a melhor técnica a ser utilizada, os operadores/aplicadores do
direito interpretam as normas jurídicas, buscando captar qual seria a real intenção do
legislador.
afirmação das possibilidades humanas que têm sido ignoradas ou esquecidas, privilegiando, em especial, o
pensamento legal.
24
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p. 33.
Tradução sugerida pelas autoras: Assim, um romance representa uma história (e idéias artísticas) que um
escritor deseja expressar. Um tratado filosófico representa as idéias que o filósofo deseja transmitir. O parecer
judicial representa os princípios de decisão que são usados para decidir um caso. O objetivo da interpretação é a
compreensão do significado do texto, isto é, a intenção do autor. Se nós interpretamos corretamente,
entendemos a intenção do autor; se interpretamos de forma incorreta, perdemos a intenção do autor.
15
Da utilização desse paradigma, qual seja, a busca da intenção do autor na interpretação dos
textos legais, Balkin depara-se com a existência de relações hierarquizadas, os privilégios,
representadas pelas leituras e as leituras errôneas. Ao considerar que uma interpretação é
conforme, acaba-se afastando outra interpretação diversa, que seria a má interpretação.
Recorre-se mais uma vez ao conceito de diferença apresentado por Derrida em que o
significado da escrita é a sua diferença em relação ao seu oposto.
Então, ao fazer uma interpretação, mesmo numa formulação mais válida do que seu oposto,
estar-se-ia diante de um caso especial de equívoco, pois não é possível saber exatamente qual
a real vontade do autor e as circunstâncias que o envolvem no momento de escrever. Muitas
vezes o que o próprio autor escreve não expressa fielmente o seu desejo. É o que Derrida
chama de livre jogo dos textos.
Em caso de aplicação nas relações jurídicas, os advogados encontram-se numa situação de
parcialidade, defendendo o interesse do seu cliente, o seu ponto de vista, interferindo, desta
forma, na significação dos conceitos que mais lhes favorecem.
Além disso, no que tange às interpretações dos textos legais, sabe-se que o contexto históricosocial em que a norma foi criada, muitas vezes não será o mesmo em que ela será aplicada.
Isto interfere diretamente na interpretação, pois o direito corresponde à realidade como uma
construção social e subjetiva, possibilitando transformações no sentido dos textos.
Balkin demonstra que essa questão das reversões desconstrutivistas na interpretação é
importante por duas razões. Primeiro porque o fundamento que torna uma interpretação como
adequada nem sempre é consistente. Segundo porque a escolha de uma interpretação ao invés
de outra para decidir de uma questão jurídica25. Essa escolha, principalmente quando
reiterada, determinará os caminhos da prática jurídica por meio da doutrina e da
jurisprudência, que privilegiam uma ideologia dominante.
Assim, deve-se buscar uma interpretação que não tenha como meta alcançar o sentido original
do autor, como se estivesse adotando ou concordando com o pensamento dele, pois muitas
vezes o seu texto pode não representar com exatidão o seu pensamento. As palavras, como
25
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p. 37.
16
visto por Derrida, possuem uma pluralidade de signos, que terão seu significado revelado
dentro de um contexto.
Portanto, na interpretação deve-se buscar a libertação do texto do seu autor, extraindo a idéia
da essência do signo. Balkin explica:
Moreover, if the meaning of a signifier is context bound, context is boundless—that
is, there are always new contexts that will serve to increase the different meanings of
a signifier. This should come as no surprise to a legal thinker: The words in a statute
or in a case used as precedent take on new meanings in new factual contexts, and
cannot be confined to a limited number of meanings. There are an indefinite number
of possible contexts in which a given legal text could be read. For this reason, a text
is always threatening to overflow into an indefinite number of different
significations26.
Faz-se importante realçar a idéia de que a teoria desconstrutivista não tem por intenção
provocar uma insegurança jurídica, na medida em que reconhece a possibilidade de múltiplas
significações e interpretações que um texto pode ter. O que se quer é alertar os advogados e
juízes para a reflexão sobre o ponto de que ao defendermos uma idéia sem questioná-la, sem
buscar o que está por trás dela ou se existe outra forma de vê-la, acaba-se por corroborar o
conteúdo de uma teoria dominante, que muitas vezes pode não ser a correta.
Sabe-se que o Direito tem por fim regular as condutas, garantindo uma convivência social
harmônica. Sugere-se então, adotando o conceito de diferença proposto por Derrida, que se
admita uma relação de interdependência entre a teoria simples da interpretação, que é uma
teoria logocêntrica, contando com a "presença" do autor, a intenção, no momento da criação
textual, e a teoria do livre jogo do texto, que admite múltiplas significações para os
significantes. O que se quer é que o Direito promova uma realização de justiça.
Por meio da Desconstrução, vislumbra-se uma interpretação das normas jurídicas que os
textos legais possuem um caráter intersubjetivo, contextual, histórico, e que, portanto, a
intenção original do autor tem de amoldar-se ao cenário atual de sua aplicação. Além disso, o
26
Idem, p. 43. Tradução sugerida pelas autoras: Além disso, se o significado de um significante é o contexto
ligado, o contexto é ilimitado, ou seja, há sempre novos contextos que servirão para aumentar os diferentes
significados de um significante. Isso deve vir como nenhuma surpresa a um pensador legal: As palavras em lei
ou em um caso usado como precedente assumem novos significados em novos contextos factuais, e não pode ser
confinado a um número limitado de significados. Há um número indefinido de contextos possíveis em que um
determinado texto legal poderia ser lido. Por esta razão, um texto é sempre ameaçado de transbordar em um
número indefinido de diferentes significações.
17
intérprete tem de estar atento às outras interpretações que a leitura adotada exclui e, ainda,
admitir que essa nova interpretação esteja também sujeita a outras desconstruções.
Balkin trouxe críticas aplicadas à prática jurídica no que se refere a obediência às leis, bem
como a sua interpretação e aplicação, sendo de grande importância por nos alertar para a
necessidade de reflexão constante daquilo que se adota enquanto verdade jurídica,
argumentação, discurso e interpretação dos textos legais.
Isto porque, segundo Balkin, a teoria jurídica e seus textos legais estão repletos de
ambigüidades, comportando argumentos opostos, sendo necessária uma auto-reflexão. Na
interpretação é preciso ter uma atitude crítica, por entender que os discursos jurídicos estão
carregados de conceitos hierarquicamente opostos, em que se privilegia uma situação em
detrimento de outra a partir da argumentação. Daí se sustentar que a interpretação deve ser
contextual, admitindo-se aspectos da historicidade.
4.
A TEORIA DESCONSTRUTIVISTA APLICADA AO INSTITUTO DA
SOCIEDADE UNIPESSOAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
O filósofo Jack Balkin afirma que uma das razões para o uso crítico da desconstrução da
legislação ou de uma doutrina legal é a busca da justiça. Demonstrar que a lei ou parte dela é
injusta envolve apontar o que está errado e argumentar o que poderia ou deveria ser feito
melhor. Nesse sentido, a desconstrução de uma proposição normativa, envolve argumentos de
retificação ou melhoria, mesmo que o texto desconstruído esteja sujeito a uma nova
desconstrução.27
Destaca-se que Balkin, em seus escritos, defende a versão prática desconstrutivista projetada
com a finalidade específica de ser usada em uma teoria crítica do direito e da sociedade. Essa
técnica consiste que todas as oposições conceituais podem ser compreendidas como alguma
forma da oposição ―aninhada‖, e que existe freqüentemente introspecções interessantes a
serem obtidas dessas reinterpretações. Assim, o argumento desconstrutivo se torna a análise
27
BALKIN, J.M. Being just with deconstruction. Social and Legal Studies. 1994. Disponível em: <
http://www.yale.edu/lawweb/jbalkin/articles/beingjust1.htm> . Acesso em: 5 jul 2011.
18
cuidadosa e paciente das bases da similaridade e da diferença entre oposições conceituais em
mudar contextos históricos e práticos de julgamento.28
O desconstrutivismo crítico, sob esse enfoque, tenta descobrir como as oposições conceituais
são relacionadas aos contextos que lhes dão força e significado.
Nesse contexto, o presente trabalho tem por objeto fazer uma análise descontrutivista crítica
do texto legal que introduz no sistema jurídico brasileiro a sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada. A desconstrução será realizada através da Desconstrução, de
Jacques Derrida29, associado ao método descontrutivista, de Jack Balkin30.
4.1.
Breve digressão acerca dos argumentos apresentados na justificação do Projeto
de Lei da Câmara nº 18, de 2011.
No dia 01 de junho de 2011, o Senado Federal aprovou, sem emendas, o Projeto de Lei da
Câmara nº 18, de 2011 alterando a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui no
ordenamento jurídico brasileiro o empresário individual de responsabilidade limitada. 31
No Parecer nº 380, de 2011, o relator, Senador Francisco Dornelles32, expõe o objetivo da lei
que resultar da aprovação do projeto: acrescentar o inciso IV ao art.44, acrescentar o art.980A e alterar o parágrafo único do art. 1.0033; todos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
que institui o Código Civil, para criar juridicamente a figura da empresa individual de
responsabilidade limitada33.
Francisco Dornelles elucida que o objetivo do autor do Projeto de Lei da Câmara nº 18, de
2011 é instituir a ―sociedade unipessoal‖. Esclarece ainda, que os argumentos da justificação
28
Idem.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. 2 ed São
Paulo: Editora Perspectiva, 1995.
30
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011.
31
SENADO FEDERAL. Parecer nº 380, de 2011. Brasília. 01 de junho de 2011.
32
Francisco Dornelles, Senador pelo Partido PP-RJ e relator do Projeto de Lei da Câmara nº 18, de 2011.
33
SENADO FEDERAL. Parecer nº 380, de 2011. Brasília. 01 de junho de 2011.
29
19
foram reproduzidos do artigo publicado na Gazeta Mercantil, em 2003, de autoria de
Guilherme Duque Estrada de Moraes34.
O artigo defende a criação da ―empresa individual de responsabilidade limitada‖, afirmando
que a inserção do instituto tem sido discutida desde a década de 80. A idéia foi examinada no
Programa Nacional de Desburocratização, conduzido pelo ministro Hélio Beltrão, de forma
vinculada ao Estatuto de Microempresa, contudo, em razão da prioridade concedida à questão
tributária a proposta foi abandonada.
Ressalta que, o Programa Federal de Desregulamentação, na década de 90, influenciado pela
publicação da Décima Segunda Diretiva do Conselho da Comunidade Européia, de 21 de
dezembro de 198935, na qual tornavam equivalentes as regras relativas às sociedades de
responsabilidade limitada com um único sócio, retomou a discussão acerca da instituição da
empresa individual de responsabilidade limitada. Contudo, mais uma vez, e em virtude da
tramitação do novo Código Civil, o exame da possibilidade de criação do instituto foi
esquecido36.
Retomada, pois, esta discussão com o referido projeto em 2001, a Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania manifestou-se favorável,
em
caráter terminativo, quanto
à
constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito da proposta. O projeto foi então
aprovado e espera a sanção da presidente Dilma Rousseff.
Neste diapasão, cumpre destacar os propósitos de inserção, no ordenamento jurídico
brasileiro, da responsabilidade limitada do empresário individual, elencados pelo Senado
Federal e pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania:
1. Permitir que o empresário individual passa explorar atividade econômica sem colocar
em o risco os bens pessoais;
2. Tornar mais claro o limite de garantia oferecido a terceiros;
34
ESTRADA DE MORAES, Guilherme Duque. A empresa individual de responsabilidade limitada. 2003.
Disponível em <http://np3.brainternp.com.br/templates/ihb/biblioteca/biblioteca_list.asp?Cod_Canal=21>.
Acesso em 20 de junho de 2011.
35
DÉCIMA SEGUNDA DIRECTIVA 89/667/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989. Disponível em
<http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31989L0667:PT:HTML> . Acesso em 18 de
junho de 2011.
36
SENADO FEDERAL. Parecer nº 380, de 2011. Brasília. 01 de junho de 2011.
20
3. Frear a constituição de ―sociedades faz-de-conta‖, ou seja, firma individual vestida
com roupagem de sociedade;
4. Desburocratizar a criação e funcionamento, sobretudo das micro, pequenas e médias
empresas, que ficariam livres dos diversos trâmites administrativos inerentes às
sociedades e dos possíveis percalços provocados pela existência de um sócio com
participação fictícia no capital da empresa.37
O relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Eunício Oliveira38, em
seu parecer, ressalta que a responsabilidade ilimitada do empresário individual, enquanto
pessoa natural, dificulta o desempenho eficiente da atividade econômica, uma vez que o
titular da empresa individual enfrenta alguns obstáculos, entre eles: alta taxa de juros, carga
tributária elevada, grande poder econômico dos fornecedores, taxa de câmbio desfavorável,
infra estrutura estatal inadequada, consumidores exigentes, inflexibilidade da legislação
trabalhista, privilégios da Fazenda Pública, pequeno mercado de consumo e competição
acirrada dos empresários39.
Na fundamentação da análise, o relator afirma que, em muitos casos, a pessoa natural não
exerce uma atividade econômica organizada em razão dos elevados custos de transação e, que
a responsabilidade ilimitada do empresário individual fomenta a constituição de uma
sociedade originariamente fictícia.
4.2.
Desconstruindo a tese do Senado Federal: Parecer n° 380/2011
Inicialmente, cumpre destacar que, a institucionalização formal da sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada é um instrumento propulsor do desenvolvimento econômico,
proporcionando a redução dos riscos da atividade econômica, com o objetivo de tornar a
atividade menos onerosa e mais competitiva40.
37
SENADO FEDERAL. Parecer nº 380, de 2011. Brasília. 01 de junho de 2011.
Eunício Oliveira, Senador e Presidente da Comissão da Constituição de Justiça e Cidadania.
39
SENADO FEDERAL. Parecer nº 380, de 2011. Brasília. 01 de junho de 2011.
40
FRANCO, Ângela Barbosa. O Empresário Individual de Responsabilidade ilimitada: uma análise jurídica e
econômica. Dissertação. Faculdade de Direito Milton Campos, 2009.
38
21
Leandro Loyola41 afirma que as mudanças introduzidas pelo Projeto de Lei, reduzem os riscos
financeiros e jurídicos, fornecendo mais segurança e diminuindo os riscos no mercado, a
quem quer, ou precisa, empreender42.
Francisco Dornelles afirma que ―essa é a legislação antilaranja‖ e que irá incentivar o
empreendedorismo43.
Contudo, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, alterada pelo Projeto de Lei da Câmara nº
18, de 2011 pode estar imersa, mais uma vez, em um esquema anacrônico de polarização de
estruturas, por uma manifesta e persistente contradição legal.
Antunes afirma
Parece poder afirmar-se que o sistema normativo do moderno Direito das
Sociedades Comerciais tem em si ínsito um verdadeiro paradoxo, repousando ―in
toto‖ numa congênita, quase esquizofrênica, contradição interna: a regulação
jurídica da sociedade comercial encontra-se adjudicada a um ramo de direito que se
encontra assente em princípios regulatórios conflituantes entre si (a sociedade como
entidade independente e soberana ―versus‖ a sociedade como entidade dependente e
controlada) e que promove modelos regulatórios de organização empresarial
igualmente concorrentes ou opostos44.
Neste diapasão, a justificação do referido Projeto de Lei45 aponta que:
1. A exigência da pluralidade de sócios na constituição da sociedade de responsabilidade
limitada (Ltda.), pessoa jurídica de direito privado, em contraponto à natureza jurídica
do empresário individual, pessoa física, estimula a criação de sociedades fictícias.
2. Que a atual estrutura jurídica de responsabilidade ilimitada do empresário individual o
prejudica, além de, favorecer a constituição de sociedades fictícias de responsabilidade
limitada, na medida em que o primeiro não possui proteção ao patrimônio pessoal em
face dos credores da empresa e que, patrimônio pessoal dos sócios da segunda, possui
proteção legal.
3. Que o reconhecimento legal da ―empresa‖ de responsabilidade limitada como
―pessoa‖ jurídica de direito privado, no exercício da atividade econômica organizada,
41
Leandro Loyola é repórter especial da Revista Época.
LOYOLA, Leandro. Um obstáculo a menos. Revista Época. Publicada em 04 de julho de 2011.
43
LOYOLA, Leandro. Um obstáculo a menos. Revista Época. Publicada em 04 de julho de 2011.
44
ANTUNES, José Engrácia. Estrutura e responsabilidade da empresa. Revista DireitoGV 2. São Paulo: Policy,
v. 1, n.2, p. 51-52, 2005.
45
Projeto de Lei da Câmara nº 18, de 2011 que altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
42
22
seria um mecanismo eficiente de minimizar a constituição de sociedades
originalmente simuladas.
4. Os custos decorrentes da responsabilidade ilimitada do empresário individual afetam a
competitividade internacional do empresário brasileiro.
Portanto, seguindo essa linha de pensamento, a criação da empresa individual de
responsabilidade limitada, ―pessoa‖ jurídica de direito privado, reduziria os elevados custos
de transação, no exercício do empreendimento, explorado pela pessoa natural.
Neste ponto, resta esclarecer, que o Projeto de Lei da Câmara nº 18, de 2011, utiliza a
expressão “as empresas‖ individuais de responsabilidade limitada, como “pessoa” jurídica de
direito privado. A denominação escolhida não consiste em imprecisão terminológica do
ordenamento jurídico, e sim, em uma incorreção da natureza jurídica da empresa acolhida
pela nossa legislação pátria. Vale lembrar que o art. 966 do Código Civil de 2002 identifica a
empresa como uma “atividade” econômica organizada exercida pelo empresário – sujeito de
direito.
Por entender que, empresa, na acepção jurídica, significa uma atividade, opta-se, por adotar a
expressão sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, para identificar o titular do
empreendimento individual econômico organizado, conforme os ensinamentos de Requião46,
Coelho47 e Salomão Filho48.
Quanto às justificativas apontadas, percebe-se que, apesar do discurso pró- empresário
individual em detrimento do artifício de criar ―sociedade-faz-de-conta‖, as regras propostas
podem estar inseridas em um dualismo binário e hierárquico que distancia o alcance dos
objetivos do Projeto de Lei Câmara nº 18, de 2011.
O estudo questiona se o Projeto de Lei permite alcançar, efetivamente, a proposta que a
legislação alterada encampa. Com tal objetivo, desconstrói a regra jurídica em suas
características essenciais, procurando identificar a lógica dominante das normas que regem as
46
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2007, v.1.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1.
48
SALOMÃO FILHO, Calixto. A fattispecie ―empresário‖ no Código Civil de 2002. Revista de direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nova série. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.144, out./dez.,
2006.
47
23
sociedades de responsabilidade limitadas, buscando, também, os significados escondidos no
texto legal.
A análise é uma tentativa de visualizar como a justificação do discurso e a legislação alterada
(assim como, a sociedade limitada (Ltda.) e a sociedade unipessoal de responsabilidade
limitada) são mutuamente diferenciados e dependentes, como carregam relacionamentos da
similaridade e da diferença em diferentes contextos de julgamento e que suas diferenças
reemergem quando olhamos para elas de uma maneira diferente.
A desconstrução crítica da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, alterada, tem como foco o
art. 44, VI e o art. 980-A:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
VI- as empresas individuais de responsabilidade limitada
(...)
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por
uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado,
que não será inferior a 100 (cem vezes) o maior salário mínimo vigente no País.
Face ao art. 997, III e IV e art. 1.004 do mesmo diploma legal que regula a sociedade de
responsabilidade limitada (Ltda.):
Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público,
que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender
qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
(...)
Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às
contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo,
nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante
esta pelo dano emergente da mora.
O art.170, IX e o art. 179 da Constituição Federal
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as
leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(...)
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento
jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou
redução destas por meio de lei.
24
E o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, DE 14 de dezembro de 2006:
Art. 18-A. O Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento
dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos
mensais, independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma
prevista neste artigo.
(...)
§ 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se MEI o empresário individual a que se
refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, que
tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta
e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar
pela sistemática prevista neste artigo. (grifos nossos)
Nesse sentido, os temas a serem desconstruídos versam sobre:
a) A exigência da pluralidade de sócios na constituição da sociedade limitada (Ltda.),
como estímulo à criação de sociedades fictícias;
b) Os fundamentos da responsabilidade limitada dos sócios na sociedade limitada (Ltda.)
e do empresário individual na empresa individual de responsabilidade limitada;
c) Função do capital social e capital mínimo na sociedade limitada (Ltda.) e da empresa
individual de responsabilidade limitada;
O primeiro procedimento é identificar o sistema das oposições que operam dentro de um
dualismo binário e revelar como a determinação entre elas é fruto de um complexo interrelacionamento de circunstâncias históricas e de efeitos situacionais, com nenhuma das partes
aparecendo como primária. A segunda fase é mostrar como estas oposições são
hierarquicamente relacionadas: uma considerada central, natural e privilegiada; e a outra,
ignorada, reprimida e marginalizada. O objetivo aqui é desfazer, temporariamente, subverter
ou descentralizar a hierarquia, com o propósito de fazer o dualismo binário significar o oposto
do que parecia significar originalmente49.
Jack Balkin afirma que as reversões desconstrutivas possuem ambigüidades na medida em
que as razões dadas para privilegiar um lado de uma oposição sobre o outro, muitas vezes
acabam por ser razões para privilegiar o outro lado e que as virtudes do primeiro mandato são
vistas como as virtudes do segundo, da mesma forma os vícios do segundo são revelados para
ser verdade do primeiro também50.
Nesta esteira, identifica-se:
49
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011, p. 22.
50
BALKIN, Jack M., Deconstructive Practice and Legal Theory. Faculty Scholarship Series. Paper 291, 1987.
Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 06 junho 2011.
25
1. A constituição de sociedade unipessoal de responsabilidade limitada com 1 (um)
―sócio‖ ao invés da comunhão de esforços da sociedade limitada (Ltda.);
2. A limitação da responsabilidade da empresa individual como efeito superveniente à
integralização total do capital subscrito, versus o modo de realizar a contribuição dos
sócios na sociedade limitada (Ltda.);
3. A exigência do capital social mínimo elevado, superior, à receita bruta anual,
determinada pelo Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte,
que caracteriza o pequeno empresário e o empresário individual, em face à sociedade
limitada (Ltda.), em que inexiste um valor mínimo a integralizar;
4. A indexação do capital social mínimo em salários mínimos, exigindo, forçosamente, a
majoração do capital social da empresa de responsabilidade limitada, conforme o
aumento do salário mínimo, em contraponto à sociedade limitada (Ltda.), cujo
aumento do capital social depende da discricionariedade dos sócios.
De acordo com a técnica de desconstrução de Derrida51, pode-se fazer uma nova interpretação
do texto legal e identificar a seguinte oposição binária: manutenção elevada do capital social
da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada como garantia de credores versus
desconsideração da personalidade jurídica como remédio jurídico da subcapitalização
societária.
De qualquer forma, os preceitos jurídicos, funções e características dos dois tipos societários,
em comento, foram idealizados e inseridos no ordenamento jurídico pátrio, em momentos
distintos da história nacional para atender às necessidades políticas, sociais e econômicas à
época.
Neste diapasão, podemos destacar que, no texto legal alterado, encontram-se em posições
privilegiadas o que se segue:
1. Sociedade empresária de responsabilidade limitada constituída por 1 (um) sócio;
2. Manutenção do capital social integralizado como contrapartida da limitação da
responsabilidade dos sócios;
51
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. Tradução de Maria Beatriz Marques Nizza da Silva. 2 ed. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1995.
26
3. Capital social mínimo elevado; e
4. Aumento do capital social indexado ao maior salário mínimo vigente no país.
Desta forma, marginaliza-se:
1. Comunhão de esforços para a constituição de sociedade empresária;
2. Responsabilidade limitada dos sócios a partir do arquivamento dos atos constitutivos;
3. Capital social livre;
4. Discricionariedade dos sócios quanto ao aumento do capital social.
Contudo, ao subverter temporariamente a hierarquia das posições, com o propósito de fazer o
dualismo binário revelar o oposto do que originalmente significaria, ficam evidenciadas as
principais razões que fundamentam os preceitos normativos da sociedade limitada (Ltda.).
1. O desenvolvimento de atividades econômicas complexas pressupõe aglutinação de
esforços de diversos agentes, na medida em que, não podem ser desenvolvidas, com
eficiência, por um único individuo52;
2. Responsabilidade limitada dos sócios, ab initio, possui o condão de incentivar o
empreendedorismo;
3. A ausência de patamar mínimo legal evita a super avaliação dos bens aportados ao
capital social53;
Insta ressaltar que, tanto a sociedade limitada (Ltda.), quanto a sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada possuem similaridades, como personalidade jurídica própria distinta
do(s) sócio(s) que a compõe, autonomia patrimonial, limitação da responsabilidade do (s)
sócio(s), capital social e, diferenças, pois, enquanto na sociedade limitada (Ltda.) o capital
social mínimo é livre, a majoração do capital é discricionariedade dos sócios e a instauração
da limitação ocorre com o registro dos atos constitutivos, na sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada há a necessidade de manutenção de um capital social mínimo
elevado, indexado ao maior salário mínimo do país e, a responsabilidade limitada só existe
enquanto o capital social está totalmente integralizado.
52
53
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2008, v.1.
HÜBERT, Ivens Henrique. Sociedade empresária e capital social. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
27
Cumpre destacar que, ambas foram inseridas na legislação pátria com o intuito de promover o
desenvolvimento econômico, através da limitação da responsabilidade.
Ocorre que, na sociedade limitada (Ltda.), a limitação da responsabilidade dos sócios tem um
papel de destaque, uma vez que, é descrito pelo texto legal, como um importante instrumento
de fomentação do crescimento econômico enquanto, na sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada, a limitação da responsabilidade do ―sócio‖ tem a função principal
de coibir a constituição de sociedades fictícias.
Por outro lado, evidencia-se que, na sociedade limitada (Ltda.) não existe um valor mínimo
para se integralizar um capital social. Os sócios, ao decidirem instituir a sociedade, levam,
exclusivamente, em conta suas possibilidades econômicas, tendo em vista, principalmente,
fatores como a necessidade financeira para o início dos negócios e o retorno que o
investimento pode proporcionar no futuro. Isto ocorre porque nesse tipo societário o capital
social não é considerado garantia direta de credores.
Ascarelli afirma que, a garantia de credores está nos bens da sociedade, no patrimônio social,
definindo o capital social como um índice do patrimônio líquido por meio do qual se permite
apurar o estado de solvência da sociedade54.
Não obstante, a ausência de qualquer valor legalmente estipulado como mínimo a ser
subscrito e integralizado como capital social, pode-se afirmar que a sociedade limitada (Ltda.)
pode ser constituída com capital social bastante inferior (em razão da superavaliação de bens
ou direitos integralizados pelos sócios como capital social) a aquele considerado adequado
para o desenvolvimento de sua atividade empresarial ensejando a subcapitalização originária
material societária55.
Inversamente, considerando as oposições sob a ótica do Projeto de Lei da Câmara nº 18, de
2011 vislumbra-se a possibilidade de constituir uma sociedade empresária com um único
―sócio‖ com a justificativa de favorecer o empresário individual na medida em que não será
necessário criar uma ―sociedade de fachada‖, significando um grande avanço na
54
55
ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001.
HÜBERT, Ivens Henrique. Sociedade empresária e capital social. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
28
regulamentação da matéria, permitindo um incremento na atividade empresarial, com a
conseqüente geração de empregos e tributos.
E que, a conservação do capital mínimo elevado além de ser uma maior garantia a terceiros,
evita uma subcapitalização originária material.
Contudo, ressalta-se que, a maioria dos empresários que desenvolvem atividades econômicas
sozinhos são microempresários ou empresários de pequeno porte e que, a conservação do
capital mínimo elevado poderá levá-los a financiar com outras fontes de recursos que não seu
capital próprio, o que repercutiria no seu endividamento.
Trata-se de subcapitalização originária formal, considerando que a sociedade unipessoal de
responsabilidade limitada não deixa de possuir fundos para o desenvolvimento do seu
empreendimento, contudo, obtêm esses fundos mediante aumento do seu passivo exigível56.
Dessa forma ocorrerá uma deturpação do desempenho da função de garantia pretendida no
texto legal, uma vez que, ocorre a substituição de aportes do empresário individual como
capital social para ingresso como capital de terceiro.
Cumpre destacar que, a sociedade unipessoal foi imaginada, pelo direito alienígena, como um
tipo societário que se constitui em um instrumento destinado a limitar a responsabilidade do
empresário individual, sendo utilizada também na organização da pequena e média empresa57.
Ressalta-se que, o art. 980-A está em dissonância com os preceitos constitucionais que
determinam que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, tratamento jurídico diferenciado.
Destarte, o capital social é norteado por princípios, entre eles o princípio da congruência que
visa atentar para a importância de que o montante aportado no capital social possua relação
56
HÜBERT, Ivens Henrique. Sociedade empresária e capital social. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
NONES, Nelson. A sociedade unipessoal: uma abordagem a luz do Direito Italiano, Espanhol e Português. In:
Novos estudos Jurídicos. Ano VI, nº 12, p. 13-32, 2001.
57
29
com o tamanho da atividade desenvolvida. Assim, esse princípio sugere que o capital social
deva possuir um valor adequado ao objeto que a sociedade pretende realizar.58
As regras de formação da sociedade limitada e as normas jurídicas de coibição de fraudes
através da pessoa jurídica, como a desconsideração da personalidade jurídica parecem não ser
suficientes para inibir a constituição de pessoas jurídicas fictícias ou a subcapitalização
originária.
Para tanto, segundo a interpretação extraída do texto legal alterado é que, a solução
encontrada pelo legislador pátrio não foi à alteração dos preceitos legais da sociedade limitada
(Ltda.) e, sim a criação da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada com preceitos
legais inversos à aquela.
Com base na análise, é possível vislumbrar contradições, fruto de uma ideologia dissimulada,
que refletem os objetivos momentâneos de uma classe dominante utilizando-se do discurso
para justificar os interesses econômicos que repercutem nos planos sociais, ideológicos e
políticos.
Urge, nesse momento, refletir se a Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada nos
moldes do Projeto de Lei n° 18/2011 alcançará os objetivos que a fundamentam.
5.
CONCLUSÃO
Neste artigo, buscou-se associar os conhecimentos oriundos da filosofia às normas de Direito
empresarial no que se refere à configuração do instituto da Sociedade Unipessoal de
Responsabilidade Limitada.
Como visto, a Desconstrução constitui uma ferramenta analítica crítica, que não tem por
pretensão chegar à uma conclusão, mas desconstruir e reconstruir verdades. Com a
compreensão dos conceitos de escritura, diferença, oposições hierárquicas, pode-se
desmistificar o pensamento de uma ideologia dominante.
58
HÜBERT, Ivens Henrique. Sociedade empresária e capital social. Curitiba: Juruá Editora, 2009.
30
Com a leitura de Balkin, observou-se a importância dada por ele sobre a interpretação dos
textos legais como forma de escritura, segundo o entendimento de Derrida, ou seja, um texto
que está repleto de conteúdo velado, dissimulado, e que, portanto, necessita de uma
desconstrução ou decomposição ou desmontagem, para uma reconstrução contextualizada.
Fica, então, dos textos deste autor, uma chamada para a aceitação da diferença, da tolerância,
de uma reflexão das normas postas e da posição do sujeito frente a elas, no que se refere à
obediência, argumentação e interpretação.
Neste sentido, pode-se demonstrar como o pensamento dominante impregna os textos legais
de sua ideologia, a partir da análise do Projeto de Lei n° 18/2001, bem como o Parecer de
aprovação do Senado Federal n° 380/2001, em que se institui juridicamente a figura da
Sociedade unipessoal de Responsabilidade Limitada.
Numa interpretação simples, verifica-se a intenção do legislador de defender a criação da
―empresa individual de responsabilidade limitada‖, tomando por base os argumentos de que a
atual estrutura jurídica de responsabilidade ilimitada do empresário individual traz prejuízos,
bem como favorece a constituição de sociedades fictícias de responsabilidade limitada e que a
criação deste instituto seria uma forma eficiente de minimizar a constituição de sociedades
originalmente simuladas. No texto de justificação do Senado, a idéia defendida é a de que a
criação da empresa individual de responsabilidade limitada, ―pessoa‖ jurídica de direito
privado, reduziria os elevados custos de transação, no exercício do empreendimento,
explorado pela pessoa natural.
Ocorre que, além de haver inconsistências na nomenclatura, pois empresa indica atividade e
não pessoa (jurídica) observou-se que a realidade da maioria dos empresários que
desenvolvem atividades econômicas sozinhos são microempresários ou empresários de
pequeno porte, de forma que a conservação do capital mínimo elevado poderá levá-los a
financiar com outras fontes de recursos que não seu capital próprio, o que repercutiria no seu
endividamento. Esta realidade, portanto, afastará este pequeno empresário da adoção desta
nova prática.
A análise deste projeto de lei levou ao entendimento de que a mudança legislativa proposta, a
despeito de seu discurso favorável, não beneficia, em realidade, o pequeno empresário, pelas
31
restrições que impõem, mas sim, a manutenção do status quo, de privilégio das grandes
empresas.
Assim é que, tornou-se fecunda a utilização da teoria desconstrutivista, por meio de Derrida e
Balkin, para que os operadores do direito, legisladores, advogados, juízes, possam re-pensar o
Direito numa atividade reflexiva, não no sentido de negá-lo, mas aceitar as múltiplas
possibilidades e buscar reconstruí-lo da forma mais adequada, respeitando os aspectos da
subjetividade e historicidade.
Entender que o Direito só comportaria uma única interpretação seria um equívoco, pois o
Direito nada mais é do que uma forma de escritura. Direito é língua, é linguagem e por isso
comporta diversos significados a depender do contexto, do autor e do intérprete.
Esta é uma contribuição das autoras que, conforme foi demonstrado, permite múltiplas
desconstruções.
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32
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