ENTRELAÇAMENTOS ENTRE A FORMAÇÃO E A PRÁTICA
DOCENTE EM CIÊNCIAS DA NATUREZA
SILVA, Lidiane Rodrigues Campêlo da – UECE
[email protected]
COELHO, Luiz Claudio Araújo – UECE
[email protected]
Eixo Temático: Formação de Professores e Profissionalização Docente
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O ensino de Ciências da Natureza na Educação Básica transita entre as tendências
pedagógicas tradicionais e renovadas. Os caminhos traçados pelos professores para o ensino
de suas disciplinas no espaço escolar dependem dos saberes constituídos ao longo de sua
trajetória de formação profissional e humana. Este trabalho versa sobre o ensino tratado do
ponto de vista do aluno e objetiva identificar a importância atribuída pelos licenciandos em
química acerca do estudo das Ciências da Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental e
no Ensino Médio, relacionando-a as experiências vivenciadas como discentes na área nestas
etapas de ensino. A presente reflexão é resultado de pesquisa qualitativa de cunho descritivoexploratório e aborda o pensamento dos alunos sobre a sua formação na Educação Básica. A
amostra é composta por onze alunos de Licenciatura em Química de uma unidade da
Universidade Estadual do Ceará no interior do Estado. O questionário misto foi o instrumento
de coleta de dados usado para apreender a percepção dos alunos acerca do sentido de se
estudar as Ciências da Natureza. Os sujeitos da investigação consideram o estudo dessa área
como indispensável à escolarização do aluno uma vez que a este campo do conhecimento
estão associados fatos e fenômenos diretamente relacionados à vida e à sobrevivência dos
homens. Seus relatos evidenciam que foram submetidos a metodologias de ensino pouco
atraentes. Contudo, apesar das limitações pedagógicas experimentadas, compreendem a
importância desse campo de conhecimento para a vida social e acadêmica, entendimento esse
que pode ter sido aguçado na Licenciatura pelo rigor científico e o conhecimento da
aplicabilidade de alguns desses saberes, bem como pela falta de um domínio sólido da base
desses conteúdos, conforme relatam. A reflexão sobre a prática pedagógica e a pesquisa
surgem como possibilidade de melhoria nas formas de ensino desses futuros docentes.
Palavras-chave: Metodologias de ensino. Ciências da Natureza. Reflexão. Pesquisa.
9503
Introdução
O ensino de Ciências da Natureza na Educação Básica transita entre as tendências
pedagógicas tradicionais e renovadas. Os caminhos traçados pelos professores para o ensino
de suas disciplinas no espaço escolar dependem, via de regra, dos saberes constituídos ao
longo de sua trajetória de formação profissional e humana. A depender de sua compreensão
desse ramo do saber, as investidas docentes permitem compor um quadro de avanços e recuos
no ensino das disciplinas que compõem a área de Ciências da Natureza e suas tecnologias.
A maneira simplista e ingênua que vem sendo tratadas as questões relativas à
veiculação de conhecimentos das Ciências da Natureza na escola e à sua apropriação pela
maioria dos estudantes tem se agravado, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambucano
(2007), a partir da década de 1970, quando começou a ocorrer a democratização do acesso à
educação fundamental pública.
Desse modo, mostra-se pertinente a busca pela compreensão das razões que
fundamentam a escolha de estudantes universitários pelos cursos de licenciatura nas áreas de
Química, Física e Biologia a partir das interações construídas ao longo da Educação Básica e
suas projeções para a constituição da personalidade científica do futuro professor. Esse
entendimento encontra ressonância na concepção de Santos e Mendes Sobrinho (2005, p. 93),
quando afirmam que “a educação escolar, [...] deve propiciar, além da transmissão dos
conteúdos de ensino, [...] assegurar que os alunos se apropriem desses conteúdos de forma
ativa, para que possam reelaborar esses conhecimentos [...], embasados na compreensão
científica do real”.
Assim, o presente estudo teve como ponto de partida uma pesquisa proposta na
disciplina Metodologia e Prática em Ciências da Natureza do curso de Licenciatura Plena em
Química do campus de Crateús da Universidade Estadual do Ceará – UECE. A referida
disciplina compõe o rol dos créditos obrigatórios do curso e é ofertada no terceiro semestre da
licenciatura e objetiva promover investigações e reflexões acerca da pesquisa e do ensino em
Ciências da Natureza. Desse modo, esta atividade investigativa buscou assento no
estabelecimento de relações entre os valores e as práticas disseminadas durante o estudo das
Ciências da Natureza na Educação Básica (anos finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio) atribuídos pelos licenciandos em Química e suas experiências como discentes nessas
etapas de ensino.
9504
Compreende-se que o processo de discussão gerado pela atividade permite esclarecer
que a aprendizagem da docência é fundamentalmente marcada pelas experiências pessoais dos
professores, àquelas trazidas da educação informal, apreendidas ao longo da vida, de forma
assistemática, bem como àquelas advindas dos processos intencionais de formação, nos
processos de escolarização e, sobretudo, durante a formação inicial e continuada. Incluem-se
ainda nos pressupostos do presente estudo que os processos metodológicos partilhados pelos
licenciandos ao longo da Educação Básica podem influir nos valores e nas práticas atribuídas
por eles a determinada área de conhecimento, na relação de afinidade ou distanciamento com
este campo do saber. Desse modo, refletir acerca das vivências e relações produzidas ao longo
dos anos sobre os processos de ensino de determinada disciplina e suas projeções na
constituição de valores e práticas dos alunos pode esclarecer sobremaneira a forma de ser e de
se constituir docente.
Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa de cunho descritivo-exploratório.
A amostra da pesquisa foi composta por onze alunos da referida disciplina que contava com
quinze alunos matriculados. Foi utilizado um questionário misto para a coleta de dados, que
ocorreu no mês de junho de 2011. A partir da análise dos dados foi possível compor as
seguintes categorias: importância do estudo das Ciências da Natureza e ensino em Ciências da
Natureza.
O texto está organizado em quatro seções complementares. Inicialmente se aborda a
contextualização do tema do trabalho e a relações deste com a formação de professores,
constituindo a presente introdução. Em seguida, pormenorizam-se os aspectos metodológicos
que fundamentaram o desenvolvimento do estudo. E em sequência, realiza-se a apresentação
dos resultados e a análise dos dados, contendo a descrição das categorias constituídas a partir
das informações coletadas. Por fim, discutem-se as repercussões dos achados da pesquisa para
a formação de professores, compondo as considerações finais do trabalho, sem, contudo,
esgotar as possibilidades de reflexão oportunizadas pela pesquisa.
Opções metodológicas
Entende-se que há um forte imbricamento entre a pesquisa e o ensino. A dissociação
desses elementos produz um saber descontextualizado e meramente repetitivo, sendo
oportuno o espessamento de experiências que colaborem para o estreitamento dos elos que
unem estas duas instâncias da docência. Sedimentado em entendimento similar, Freire (1996)
9505
afirma que a pesquisa não pode existir sem o ensino, revelando sua compreensão sobre o
entrelaçamento dessas realidades.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Enquanto ensino continuo
buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me
educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a
novidade (FREIRE, 1996, p. 29).
Portanto, pesquisa-se para compreender uma questão, as relações existentes em um
contexto devidamente problematizado. Ao se pesquisar, consegue-se re-elaborar as
informações e construir conhecimentos a partir da teorização da realidade. Nesse sentido,
buscou-se consolidar este estudo a partir da compreensão que ensino e pesquisa devem ser
empregadas na docência para indicar pontos apropriados de intervenção e aperfeiçoamento da
prática profissional dos professores.
A abordagem qualitativa fundamenta a forma de compreensão e discussão dos dados
coletados a partir do questionário e do diálogo com a teoria que serve de suporte para a
compreensão do ensino na área de Ciências da Natureza. Fez-se a opção pela abordagem
qualitativa porque ela tem como princípio a busca de informações ricas em detalhes acerca
dos eventos ou sujeitos da pesquisa captados ao longo processo da investigação (MINAYO,
2007). Entende-se, ainda, que este estudo pode ser caracterizado como sendo uma pesquisa
exploratória, tendo em vista que ela busca coletar dados e informações acerca do problema
estudado, além dos aspectos descritivos envolvidos na pesquisa (SEVERINO, 2007). O
estudo, portanto, caracteriza-se pela abordagem qualitativa de cunho descritivo-exploratório,
sendo os dados coletados por meio de um questionário misto.
A amostra é constituída por onze dos quinze alunos matriculados na disciplina
mencionada, que se propuseram a colaborar com o estudo e responderam ao questionário. O
instrumental foi respondido por estes discentes em junho de 2011. O questionário, nas
palavras de Severino (2007, p.125), é um “conjunto de questões, sistematicamente articuladas,
que se destinam a levantar informações escritas por parte dos sujeitos pesquisados com vistas
a conhecer a opinião dos mesmos sobre os assuntos em estudo”. Assim, esse tipo de
instrumento de coleta de dados se mostrou adequado aos interesses dos pesquisadores,
atendendo amplamente aos objetivos da pesquisa.
9506
O procedimento de análise de dados das questões discursivas foi a análise de
conteúdo, pois esta técnica “descreve, analisa e interpreta as mensagens/enunciados de todas
as formas de discurso, procurando ver o que está por detrás das palavras” (SEVERINO, 2007,
p. 122). A partir dessa ação, foram compostas as categorias de análise que serviram como
elementos articuladores das reflexões empreendidas ao longo do estudo.
O instrumental buscava coletar informações bastante amplas acerca dos estudantes.
Uma parte dele era identificada como perfil do aluno, com espaço para registro de dados de
cunho pessoal como idade, sexo, práticas e hábitos cotidianos de estudo, dificuldades no curso
e ainda as expectativas de vida e de trabalho. O segundo trecho do questionário captou
aspectos relativos às vivências dos licenciandos como alunos dos anos finais do Ensino
Fundamental e Ensino Médio nas disciplinas da área de Ciências da Natureza. Todos os
alunos
foram
codificados,
garantindo-lhes
o
sigilo
pessoal,
sendo-lhes
atribuída
denominações pelas letras do alfabeto, desde A até K. As respostas foram examinadas em
torno de duas categorias a posteriori formadas a partir do material coletado. Desse modo, a
análise buscou concretude teórica e empírica para a “importância do estudo das Ciências da
Natureza” e o “ensino em Ciências da Natureza”. Este foi o caminho metodológico percorrido
para a realização da investigação.
Perfil dos sujeitos
A partir dos dados coletados, foi possível perceber que o grupo de alunos investigados
é misto, composto por oito mulheres e três homens. Quanto à idade, notou-se que os sujeitos
são jovens, em sua maioria, tendo em vista que nove pessoas do grupo têm de 18 a24 anos,
enquanto apenas um tem de 25 a30 anos e outro de 36 a 40 anos. Uma das questões do
instrumento de coleta procurou identificar se os sujeitos da pesquisa já haviam sido
absorvidos pelo mercado de trabalho. Nesse item evidenciou-se que sete dos onze alunos que
compõem a amostra da investigação desenvolvem algum tipo de atividade remunerada, sendo
um técnico em informática, dois auxiliares administrativos, uma manicure, um monitor de
disciplinas do curso, dois bolsistas da faculdade e um professor de informática.
Expressivo número de sujeitos desenvolve atividades profissionais em paralelo a
graduação em Química e como pode ser observado, apenas dois alunos desenvolvem funções
correlatas à docência, embora as áreas em que atuam não sejam direcionadas à área da
formação. Esse dado permite concluir que esses alunos não têm dedicação integral a sua
9507
formação e que o tempo empregado na jornada de trabalho também não tem muita relação
com a profissão para a qual se preparam. A informação pode denotar que o tempo de
exercício de suas funções laborais pouco contribui para constituição do químico ou docente
em química.
O questionário procurava interrogar, além da atividade desenvolvida atualmente, sobre
possíveis experiências de trabalho ligadas à área educacional e que tivessem feito parte das
vivências dos sujeitos estudados. Assim, notou-se que um pouco mais de 50% dos alunos já
havia tido alguma aproximação profissional com a docência, pois isto foi expresso por seis
alunos. As experiências mencionadas por dois sujeitos gravitavam em torno das atividades de
reforço escolar, outros dois foram auxiliares de professor na Educação Infantil e outro atuou
na docência substituindo professores no Ensino Médio. Enquanto um discente declarou ter
sido monitor de Biologia Geral no curso de Química, outros cinco afirmaram não ter tido
nenhum tipo de experiência no magistério.
Um dos itens do questionário buscou identificar as expectativas dos sujeitos da
pesquisa ao futuro próximo. A esse respeito, a maioria argumentou que seria concluir a
faculdade, ou seja, a Licenciatura em Química. Este dado foi verificado em seis respostas.
Para um desses sujeitos, além do término da primeira graduação, o desejo de fazer outro curso
superior se mostra como a opção mais provável. Somente três participantes da pesquisa
manifestaram a expectativa de aprofundamento de seus estudos nos domínios da química por
meio de cursos de mestrado e de doutorado. Por fim, apenas quatro sujeitos abordaram
claramente o desejo de conseguir uma colocação no mercado de trabalho com certa
estabilidade financeira associada à realização das aspirações pessoais.
A partir dessas declarações, foi possível identificar como a formação inicial e a
continuada compõe o quadro de aspirações futuras para estes alunos, sendo que existe a
compreensão de que este investimento na formação acadêmica pressupõe um dos caminhos
para a estabilidade financeira para alguns desses sujeitos. No mais, percebe-se nitidamente
que a docência não constitui opção profissional para estes licenciandos, tendo em vista a
atratividade de outras profissões por inúmeros motivos e que têm por requisito a conclusão de
um curso de graduação. Isto pode ser observado no item em que lhes foi solicitado que
listassem os trabalhos almejados. Nesta seção, as declarações mencionavam aspiração a uma
boa carreira profissional, mesmo que não soubessem defini-la com clareza. Assim, importavalhes conseguir um trabalho que oferecesse a realização financeira e pessoal. Verificou-se esta
9508
posição em nove respostas; enquanto apenas duas abordaram o desejo de se tornarem
professores de química. O aprofundamento na formação e a estabilidade financeira também
apareceram de forma enfática na questão relativa às aspirações de cada um.
Na questão que interrogava sobre a motivação para cursarem a Licenciatura em
Química, sete sujeitos mencionam a necessidade do nível superior; o desejo de aprender foi
citado sete vezes; a falta de opção foi motivo listado em seis respostas e apenas um aluno
enunciou o gosto pela Química. Observa-se o reconhecimento por parte dos sujeitos
investigados que a complexa sociedade de hoje e o exigente mercado de trabalho requerem
ampla qualificação profissional. Evidenciou-se, ainda, que o ingresso no curso se deu por falta
de escolha, tendo em vista que a faculdade pública oferta apenas três cursos, todos na área de
licenciatura. Esta carência de oferta de Educação Superior na rede pública é uma realidade em
muitos municípios do interior do Estado, manifestando-se inclusive no campus da pesquisa.
Desse modo, a caracterização dos sujeitos da pesquisa indica que a amostra é
composta por pessoas jovens, em pleno de desenvolvimento de atividades laborais, ainda que
distanciadas da docência em Química. Este fato dificulta o estabelecimento de vínculos
efetivos com o processo de constituição do ser professor, uma vez que os interesses de curto
prazo manifestados pelos alunos promovem seu distanciamento do exercício potencial da
profissão. Neste contexto, estas características dos participantes da pesquisa devem ser
levadas em conta na análise das categorias formuladas.
A importância do estudo das Ciências da Natureza
O questionário buscava captar o entendimento dos alunos acerca da importância do
estudo de Ciências da Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio
espaço de atuação dos licenciandos em Química. Em geral os sujeitos entendem a relevância
do estudo da área mencionada por ser de sua abrangência o estudo dos fenômenos que estão
diretamente relacionados com o dia a dia das pessoas.
Esse aspecto pode ser observado nas respostas seguintes: “[...] esta ciência está
relacionada a tudo e, portanto é muito importante sair do ensino fundamental e médio com
maior conhecimento dessa área para que o aluno cresça não só em conhecimento, mas
também com habilidades de compreender fenômenos do dia a dia” (Aluno A). Já o Aluno C
destaca a relevância de disciplinas específicas ao explicitar que “[...] com o estudo da
Química e da Biologia é possível conhecer um mundo novo, são disciplinas relacionadas a
9509
nossa vida, ao nosso corpo e ao nosso cotidiano. Com o estudo destas disciplinas fica mais
fácil conhecer/compreender diversos acontecimentos”. O Aluno E tem compreensão
semelhante e acrescenta a responsabilidade que deve ser desenvolvida nessa fase da
escolarização com as questões ambientais, afirmando que o “[...] estudo de Ciências da
Natureza se faz importante para o crescimento individual e de toda a sociedade, uma vez que
nos permite conhecer melhor o ambiente e desenvolver a consciência sustentável”.
Diante disso, emerge com notoriedade a percepção dos licenciandos sobre os saberes
profissionais do professor, que devem extrapolar o domínio do conteúdo específico de sua
área e englobar as estratégias didáticas mais eficazes para a aprendizagem dos alunos,
dotando os conteúdos de múltiplos significados para a compreensão do mundo
(HENGEMUHLE, 2007). A prática pedagógica repetitiva, descontextualizada reduz as
possibilidades emancipatórias oportunizadas pela ação docente, tornando o professor um
mero repetidor de conhecimentos, pensamentos e posturas alheias, pois como assevera Veiga
(1989, p. 18-19):
[...] uma débil intervenção da consciência faz com que o professor não reconheça
nenhum sentido social em suas ações. Ele é convertido em manipulador de
instrumentos. Falta ao professor uma consciência das finalidades da educação, de
suas relações com a sociedade, dos meios necessários para efetivação das atividades
educacionais e de sua missão histórica.
É preciso romper com práticas de ensino ultrapassadas, como alertam Gil-Pérez e
Carvalho (2004, p. 1), pois não “[...] basta conhecer um pouco de conteúdo e ter jogo de
cintura para mantermos os alunos nos olhando e supondo que enquanto nos prestam atenção
estejam aprendendo”. Nesse sentido, Carvalho (2004, p. 9) indica que as possibilidades de
aprendizagem oportunizadas aos alunos devem lhes permitir a reflexão sobre seus
conhecimentos prévios a partir do diálogo construído em sala de aula.
Não basta o professor saber que aprender é também apoderar-se de um novo gênero
discursivo, o gênero científico escolar, ele também precisa saber fazer com que seus
alunos aprendam a argumentar, isto é, que eles sejam capazes de reconhecer às
afirmações contraditórias, as evidências que dão ou não suporte às afirmações, além
da capacidade de integração dos mistérios de uma afirmação. Eles precisam saber
criar um ambiente propício para que os alunos passem a refletir sobre seus
pensamentos, aprendendo a reformulá-los por meio da contribuição dos colegas,
mediando conflito pelo diálogo e tomando decisões coletivas.
9510
Mantendo entendimento semelhante, o Aluno J destaca que o “[...] estudo das Ciências
da Natureza oferece aos alunos um conhecimento mais aprofundado sobre o nosso planeta,
nosso meio ambiente, sendo de total importância para a conscientização sobre os problemas
que surgem”. Esta função foi destacada também pelo Aluno K, tendo em vista que o
desenvolvimento dessa consciência se faz inadiável, pois se têm sofrido cada vez mais
intensamente as consequências da ação desenfreada do homem sobre a natureza tais como o
superaquecimento do planeta, os mais diversos tipos de poluição e o aumento do nível do mar
ocasionado pelo derretimento das geleiras, notícias tão comuns na mídia em geral.
Presume-se, portanto, a partir da análise dos dados, que as Ciências da Natureza
contribuem para constituição de indivíduos autônomos, conscientes das possibilidades de
interação com o mundo e de transformação das práticas de exploração da natureza,
compreendendo os vínculos de causalidade manifestados pelas agressões ao meio ambiente e
as consequentes transformações ambientais, físicas e culturais. Destaca-se, desse modo, um
plano nítido de importância para esta área de conhecimento atribuída pelos sujeitos da
pesquisa.
O ensino das Ciências da Natureza
Para Freire (1996), o estímulo à curiosidade discente é imprescindível para a
construção do conhecimento, fator lembrado pelo Aluno B ao afirmar “[...] na minha opinião,
são nessas modalidades de ensino que se deve incentivar o questionamento, associar o que se
aprende, ou seja, a teoria, com a prática e o cotidiano. Assim o estudo das Ciências
contribuirá para a compreensão da realidade que nos cerca”. A curiosidade epistemológica é
indispensável para que se efetive, de fato, uma aprendizagem significativa, como defende o
referido autor.
O Aluno D enfatiza que normalmente a escola privilegia a área das Ciências Humanas,
“[...] sendo a química deixada um pouco de lado” e enfatiza que “[...] as Ciências da Natureza
são uma parte fundamental para o nível superior”. O Aluno G acrescenta que essa área “[...] é
a base de toda compreensão para outras ciências e até mesmo do aprofundamento da própria
Ciência da Natureza”, enquanto o Aluno H reforça que “[...] um bom aprendizado dessas
disciplinas na Educação Básica facilitará a aprendizagem quando os alunos chegarem no
ensino superior”.
9511
Desse modo, pela atribuição de valor demonstrado pelo discurso dos alunos em
relação à área do saber em questão se pode supor que estes tiveram experiências bastante
positivas com o aprendizado destas áreas. Entretanto, as respostas dos sujeitos ao item que
buscava identificar as metodologias utilizadas nas aulas de Ciências vivenciadas durante a
Educação Básica ficou evidente que estas perspectivas dificilmente estavam alinhadas. Tal
entendimento pode ser verificado nas respostas do Aluno E, para quem “[...] os conteúdos
eram tratados de forma técnica, apenas aplicava o que tinha nos livros do docente, não
utilizavam muito essa metodologia de levar o aluno a conhecer coisas novas e a buscar
pesquisas interessantes”. No mesmo sentido, o Aluno F acrescenta que “[...] eram muito
mecânicas, os conceitos eram superficiais”. As assertivas dos Alunos A, B, G, H, I e K
também seguiram o mesmo raciocínio. De modo diverso, destaca-se a percepção do Aluno D:
No Ensino Fundamental as aulas de Ciências da Natureza foram mais interessantes,
pois tivemos mais contato com a natureza. Plantamos árvores e construímos
canteiros na escola. No Ensino Médio as aulas ficaram mais voltadas para o
conteúdo dos livros didáticos, não deixando de ser interessante. Houve ainda poucas
aulas de laboratório, mas foram aulas curiosas que mostravam a importância da
natureza.
Observou-se assim que os sujeitos consideraram as aulas das disciplinas ligadas às
Ciências da Natureza como sendo aulas muito teóricas, seguindo um procedimento muito
mecânico e sem muita relação com a vida cotidiana. Somente os Alunos D, C e J divergiram
dessa visão negativa sobre o ensino da Química, da Física e da Biologia.
Os sujeitos são seres sociais e vivem num determinado espaço, em um ambiente em
que convivem ao mesmo tempo com os elementos naturais e culturais. Estes, por sua vez,
foram criados pelo homem, havendo continuidade daqueles, ainda que modificados.
Entretanto, no âmbito escolar, por vezes, as abordagens dos conteúdos ocorrem de forma
mecânica e dissociada dos reais contextos da vida.
Esse tratamento compartimentado dos conhecimentos das Ciências da Natureza parece
andar na contramão do que preconizam as orientações curriculares oficiais ao estabelecerem
que o ensino deve abordar o conteúdo de forma contextualizada e interdisciplinar (BRASIL,
2006). O que de fato, não foi vivenciado pelos sujeitos da pesquisa, tomando como base para
essa afirmação, os seus próprios depoimentos.
9512
Considerações finais
Os alunos da Licenciatura em Química consideram o estudo das Ciências da Natureza
indispensável à escolarização do aluno, uma vez que a este campo do conhecimento estão
associados fatos e fenômenos diretamente relacionados à vida e à sobrevivência dos homens.
É consensual que a escola tem um papel fundamental na instrução e socialização das
gerações. Para que tal objetividade se efetive, é imprescindível ao professor o pleno domínio
do conteúdo e de estratégias de ensino que instigue a aprendizagem e desenvolva
competências e habilidades discentes próprias de seu tempo e de sua sociedade. As
metodologias de ensino utilizadas pelos docentes no trato com os conteúdos incidem na
aprendizagem e têm, ainda, implicações culturais, sociais, emocionais e profissionais para a
vida dos educandos, sobretudo, considerando-se que ao final da Educação Básica, segundo a
LDBEN, o aluno deve estar preparado para a vida e para o trabalho.
Pelas declarações fornecidas pelos sujeitos pesquisados foi possível perceber que, em
sua maioria, as aulas experienciadas na área das Ciências da Natureza na Educação Básica
não abordavam os conteúdos de forma dinâmica, com metodologias de ensino atraentes.
Foram restritas às vivências destes alunos em aulas de campo e mesmo a iniciação à pesquisa
foi algo praticamente nulo nesse período de formação, apesar de o âmbito de conhecimento
em foco ser privilegiado para o trato com a pesquisa.
Apesar das limitações pedagógicas experimentadas, os alunos compreendem a
importância desse campo de conhecimento para a vida social e acadêmica, expondo que uma
boa formação na Educação Básica é imprescindível para a continuação dos estudos na
universidade, o que foi observado no relato do Aluno H. É possível que esses alunos tenham
reconhecido com mais veemência a importância dos saberes da área das Ciências ao
ingressarem no curso de Química quando passaram a estudá-los com rigor científico,
observando os campos de aplicação e manifestação desses conteúdos ou mesmo pelas
dificuldades em determinadas disciplinas da Licenciatura, advindas da “falta de base” nesses
conteúdos, frase emblemática na fala de vários dos sujeitos pesquisados.
No processo de discussão desenvolvido em sala de aula a partir destas questões
motivadoras do debate, vislumbrou-se a reflexão sobre as práticas pedagógicas (CASTILHO;
SILVEIRA; MACHADO, 1999) vividas como alunos e a atividade de pesquisa (DEMO,
2007) como possibilidades de se constituírem docentes mais atentos às questões de
9513
contextualização, interdisciplinaridade e experimentação dos conteúdos das disciplinas
ligadas às Ciências da Natureza e, mais especificamente da Química.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, 15ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura).
BRASIL. Lei n.º 9.394, de 20.12.96. Diretrizes e bases da educação nacional. Diário oficial
da união, ano cxxxiv, n.284. 23/12/96.
BRASIL. Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Secretaria de Educação
Básica. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. (Coleção
orientações curriculares para o ensino médio, vol. 2).
CARVALHO, Anna M. P. de. Critérios Estruturantes para o Ensino das Ciências. In:
CARVALHO, Anna M. P. de (org.). Ensino de Ciências: unindo a pesquisa e prática. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.
CASTILHO, Dalva Lúcia; SILVEIRA, Kátia Pedroso; MACHADO, André Horta. As aulas
de química como espaço de investigação e reflexão. Rev. Química nova na escola, n. 9,
maio, 1999.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCANO, M. M. Ensino de ciências:
fundamentos e métodos. Colaboração de Antônio Fernando Gouvêa da Silva. São Paulo:
Cortez, 2007. (Coleção Docência em formação).
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 8ª ed. Campinas, SP: Autores associados, 2007.
(Coleção educação contemporânea).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35ª ed.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HENGEMUHLE, A. Formação de professores: da função de ensinar ao resgate da educação.
Petrópolis: Vozes, 2007.
GIL-PÉREZ, Daniel; CARVALHO, Anna M. Pessoa de. Formação de professores de
Ciências: tendências e inovações. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.); DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu.
Pesquisa social: teoria, método e criatividade. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza. O
desafio da pesquisa social. 26ª ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
SANTOS, A. R. dos R.; MENDES SOBRINHO, J. A. de C. Ensino de Ciências Naturais nas
escolas municipais de Teresina e suas contribuições para a formação da cidadania. In:
9514
MENDES SOBRINHO, J. A. de C. (Org.). Formação docente e prática pedagógica:
diferentes contextos de análises. Teresina: EDUPFI, 2007.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
VEIGA, I. P.A. A prática pedagógica do professor de Didática. São Paulo: Papirus, 1989.
Download

entrelaçamentos entre a formação e a prática docente em ciências