PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA
APELAÇÃO CÍVEL n.º 447690-PE
APTE
: IBAMA- INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
NATURAIS RENOVÁVEIS
REPTE
: PROCURADORIA REPRESENTANTE DA ENTIDADE
APDO
: COMPANHIA GERAL DE MELHORAMENTOS EM PERNAMBUCO
ADV/PROC
: JAIRO VICTOR DA SILVA
ORIGEM
: 1ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO/PE
RELATOR
: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA
EMENTA
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. IBAMA. NULIDADE DE AUTO DE INFRAÇÃO
NÃO RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE POR DANO AMBIENTAL. CULPA
EXCLUSIVA DE TERCEIRO DESCONFIGURADA. PRÁTICA DE QUEIMADA SEM
PERMISSÃO DO PODER PÚBLICO.
1. Na presente demanda, discute-se a validade do auto de infração ambiental de nº
271459-A, lavrado pelo IBAMA, que atribuiu à autora, COMPANHIA GERAL DE
MELHORAMENTOS EM PERNAMBUCO, a prática irregular de queima de
remanescente de floresta de Mata Atlântica, sem autorização dos órgãos
competentes, em área estimada de 60 hectares, localizada nos Engenhos Lobo e
Bom Sucesso, de sua propriedade.
2. O douto sentenciante acolheu o pleito declarando a nulidade do auto de infração,
por considerar comprovados os esforços envidados pela postulante para coibir,
inclusive junto aos órgãos públicos competentes, a ação criminosa de terceiros que
invadiam sua propriedade, realizando a devastação da mata atlântica com o fito de
comercializar a madeira dela extraída. Segundo o entendimento do ilustre
Magistrado a quo, a autora teria afastada a sua responsabilidade pelos danos
ambientais decorrentes da infração, supostamente cometida por ela, em face da
culpa exclusiva de terceiro.
3. Verifica-se que a demonstração de todo o empenho da autora para coibir o
desmatamento que vem sendo realizado em sua propriedade, na verdade, é uma
clara tentativa de desqualificar a investigação empreendida pelo IBAMA, no
exercício de seu poder de polícia, para apurar a responsabilidade pela prática de
queimadas em áreas de sua propriedade, área esta, inclusive, que também já teria
sido objeto de autuação por desmatamento.
4. De acordo com o laudo técnico pericial acostado, às fls.140/171, ficou fartamente
evidenciada não só a extração de madeira de lei e a devastação dos resquícios de
mata atlântica nas áreas examinadas dos Engenhos Lobo e Bom Sucesso,
pertencentes à autora, mas também a existência de queimadas, com resquícios de
carvoeiras. Depreende-se da leitura do laudo, às fls. 145, que, “...Na localidade
conhecida por Sumidouro do Engenho Novo, apresenta a maior devastação da
mata, tendo sido utilizado corte raso (corte de toda vegetação) e fogo.
Posteriormente a área foi utilizada em plantio de mandioca e banana. Pelo vestígio
de fogo, essa é uma das áreas objeto da autuação.... “
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5.Comprovada, pois, a existência das queimadas, e, em sendo elas o motivo pelo
qual foi lavrado o auto de infração impugnado, além do fato de não ter sido
comprovada nos autos qualquer ação de terceiros para queimar a vegetação lá
existente, não há como a autora se beneficiar da referida excludente de
responsabilidade pelos danos ambientais provocados pelas queimadas, até porque,
em seu desfavor, há de ser invocada a culpa in vigilando. O proprietário tem o dever
de proteger a propriedade de qualquer ação de degradação ambiental,
respondendo por toda ação e omissão que ponha em risco a preservação do meio
ambiente.
6. Faz-se mister salientar que a utilização, comprovada, das áreas de queimadas no
cultivo de mandioca e banana vem a sugerir que a finalidade delas foi a preparação
da terra para a realização dos referidos plantios. Não se há de olvidar, porém, que o
uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação, a teor do art. 27 da Lei nº
4.771/65, é proibida, e, na hipótese de se justificar o emprego deste recurso, ele
estará condicionado à permissão pelo Poder Público. Inexistindo, contudo, nos
autos, qualquer indício de que esta permissão foi dada, não se poderá legitimar a
conduta tida por irregular.
7. Constitui infração, punida através de multa, conforme art. 34, IV do Decreto nº
99.274/90, que regulamentou a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, o exercício de ações potencialmente degradadoras do
meio ambiente, sem a licença ambiental legalmente exigível ou em desacordo com o
estabelecido em resolução ou licença especial a justificar a atuação administrativa
no caso em estudo.
Apelação provida para reformar a r. sentença, considerando válido o Auto de
Infração ora impugnado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por
unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes
dos autos, que integram o presente julgado.
Recife, 14 de junho de 2012 (data do julgamento).
JOSÉ MARIA LUCENA,
Relator.
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RELATÓRIO
O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator):
Recurso de apelação interposto pelo IBAMA contra a r. sentença
que, julgando procedente o pedido formulado por COMPANHIA GERAL DE
MELHORAMENTOS EM PERNAMBUCO, em ação ordinária de nulidade de auto de
infração, declarou-o nulo sob o argumento de que a conduta ensejadora da
autuação fora de exclusiva responsabilidade de terceiros, descabendo, assim,
qualquer responsabilização da parte autora pelos danos dela decorrentes causados
ao meio ambiente.
A
COMPANHIA
GERAL
DE
MELHORAMENTOS
EM
PERNAMBUCO pretendeu, através da presente demanda, a nulidade da autuação,
alegando o enquadramento equivocado da conduta que lhe foi imputada, a saber,
queimada remanescente de floresta de mata atlântica, sem autorização dos órgãos
competentes, como o tipo previsto no art. 26, alínea c, da Lei nº 4.777/65, e, por
conseqüência da referida tipificação, a incompetência da autoridade administrativa
de lhe aplicar qualquer penalidade haja vista a ação criminosa que lhe é atribuída
ser uma contravenção penal.
O IBAMA, ora apelante, alega que a parte autora não logrou êxito
em desconstituir a presunção de legitimidade do auto de infração, uma vez que a
conduta ensejadora da autuação estava devidamente descrita como uso indevido de
queimada em remanescente de mata atlântica, localizada em sua propriedade, sem
autorização do órgão competente. Ao seu sentir, revela-se totalmente infundada a
tentativa da postulante em descaracterizar a conduta reputada ilícita sob o
argumento de que envidara todo o esforço possível, inclusive junto aos órgãos
públicos competentes, para coibir a ação criminosa de devastação da mata atlântica
praticada por terceiros dentro de sua propriedade.
Segundo o apelante, é descabida a atribuição, pela peticionaria, da
responsabilidade pelos danos ao meio ambiente exclusivamente a terceiros por ser
a responsabilidade civil objetiva, assim como inadequada a sua alusão ao
desmatamento, porquanto o auto de infração, objeto de impugnação, refere-se a
queimadas irregulares na mesma área que já foi objeto de autuação por
desmatamento, conforme informação extraída do relatório constante do
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procedimento administrativo instaurado para apuração da infração motivadora do
auto em alusão.
Sem contrarrazões.
O douto Representante do Parquet, às fls. 306/310, opinou pelo
provimento da apelação por considerar válido o auto infracional ambiental ora
refutado.
RELATEI.
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VOTO
O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator):
A matéria objeto de discussão diz respeito a validade do auto de
infração ambiental de nº 271459-A, que atribuiu à autora, COMPANHIA GERAL DE
MELHORAMENTOS EM PERNAMBUCO, a prática irregular de queima de
remanescente de floresta de Mata Atlântica, sem autorização dos órgãos
competentes, em área estimada de 60 hectares, localizada nos Engenhos Lobo e
Bom Sucesso.
A autora pretende a desconstituição do referido auto sob a alegação
de que o enquadramento legal da conduta irregular que lhe é atribuída teria se dado
de forma incorreta, haja vista que ela não estaria prevista no art. 26, alínea “
c”
, da
Lei nº 4.771/65, tal como foi classificada, além de negar a sua responsabilidade
pelos danos ambientais decorrentes da citada conduta, porquanto esta
responsabilidade seria exclusivamente atribuída aos terceiros que vinham invadindo
sua propriedade para a prática ilegal de desmatamento.
O douto sentenciante acolheu o pleito declarando a nulidade do
auto de infração, por considerar comprovados os esforços envidados pela
postulante para coibir, inclusive junto aos órgãos públicos competentes, a ação
criminosa de terceiros que invadiam sua propriedade, realizando a devastação da
mata atlântica com o fito de comercializar a madeira dela extraída. Segundo o
entendimento do ilustre Magistrado a quo, a autora teria afastada a sua
responsabilidade pelos danos ambientais decorrentes da infração, supostamente
cometida por ela, em face da culpa exclusiva de terceiro.
Esta compreensão, porém, não deverá prevalecer.
Compulsando os autos, verifica-se que, não obstante a
comprovação, conforme documentos trazidos à colação, de todos os esforços
envidados pela autora junto à instância administrativa competente para combater a
ação delituosa de terceiros, que invadem a sua propriedade para a prática de
desmatamento, eles não são suficientes para eximi-la da responsabilidade pelos
danos ambientais decorrentes da infração que ora lhe é imputada. A demonstração
de todo o empenho da autora para coibir o desmatamento que vem sendo realizado
em sua propriedade, na verdade, é uma clara tentativa de desqualificar a
investigação empreendida pelo IBAMA, no exercício de seu poder de polícia, para
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apurar a responsabilidade pela prática de queimadas em áreas de sua propriedade,
área esta, inclusive, que também já foi objeto de autuação por desmatamento.
De acordo com o laudo técnico pericial acostado às fls.140/171,
ficou fartamente evidenciada não só a extração de madeira de lei e a devastação
dos resquícios de mata atlântica nas áreas examinadas dos Engenhos Lobo e Bom
Sucesso, pertencentes à autora, mas também a existência de queimadas, com
resquícios de carvoeiras. Depreende-se da leitura do laudo, às fls. 145, que, “...Na
localidade conhecida por Sumidouro do Engenho Novo, apresenta a maior
devastação da mata, tendo sido utilizado corte raso (corte de toda vegetação) e
fogo. Posteriormente a área foi utilizada em plantio de mandioca e banana. Pelo
vestígio de fogo, essa é uma das áreas objeto da autuação.... “
Comprovada, pois, a existência das queimadas, e, em sendo elas o
motivo pelo qual foi lavrado o auto de infração impugnado, além do fato de não ter
sido comprovada nos autos qualquer ação de terceiros para queimar a vegetação lá
existente, não há como a autora se beneficiar da referida excludente de
responsabilidade pelos danos ambientais provocados pelas queimadas, até porque,
em seu desfavor, há de ser invocada a culpa in vigilando. O proprietário tem o dever
de proteger a propriedade de qualquer ação de degradação ambiental,
respondendo por toda ação e omissão que ponha em risco a preservação do meio
ambiente.
Por outro lado, não é demais chamar atenção para a utilização das
áreas queimadas no cultivo de mandioca e banana a sugerir que a finalidade das
queimadas foi a preparação da terra para a realização dos referidos plantios. Não
se há de olvidar, porém, que o uso de fogo nas florestas e demais formas de
vegetação, a teor do art. 27 da Lei nº 4.771/65, é proibida, mas, na hipótese de se
justificar o emprego deste recurso, far-se-á necessária a permissão pelo Poder
Público. Inexiste, contudo, nos autos, qualquer indício de que esta permissão teria
sido dada, não se legitimando, portanto, a conduta tida por irregular.
Ademais, constitui infração, punida através de multa, conforme art.
34, IV do Decreto nº 99.274/90, que regulamentou a Lei nº 6.938/81, que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, o exercício de ações potencialmente
degradadoras do meio ambiente, sem a licença ambiental legalmente exigível ou em
desacordo com o estabelecido em resolução ou licença especial, justificando-se,
assim, a atuação administrativa.
Neste aspecto, faço minhas as palavras bem colocadas pelo douto
representante do Parquet, em seu parecer, à fl. 310, segundo as quais,
considerando que a atividade de queimada tem a finalidade precípua de limpeza da
área para exploração através de cultivos, o que somente poderia ocorrer em favor
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da empresa apelada, não há que se falar, no caso, na existência da cláusula de
exclusão da responsabilidade objetiva da recorrida, consistente na culpa exclusiva
de terceiro.
Posto isso, dou provimento à apelação para reformar a r. sentença,
considerando válido o auto de infração de nº 271459-A e invertendo-se o ônus da
sucumbência.
ASSIM VOTO.
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