REVISTA ELETRÔNICA ARMA DA CRÍTICA
NÚMERO 4/DEZEMBRO 2012
ISSN 1984-4735
APRESENTAÇÃO
Após três edições regulares, somadas à publicação de um dossiê,
especialmente dedicado à leitura marxista da psicologia histórico-cultural, a Revista
Eletrônica Arma da Crítica chega ao seu quarto número, com o expressivo total de
11 artigos, somados a um relatório de pesquisa, uma resenha e um ponto de vista.
Neste número, merece particular menção, a generosa contribuição do renomado
filósofo chileno Carlos Pérez Soto, Professor de Estado en Física na Universidad
Arcis, em Santiago do Chile, que, como será devidamente anunciado adiante, aqui
se faz presente no artigo “Violencia del derecho y derecho a la violencia”, como
também, na expressão de seu ponto de vista acerca de quem seriam hoje, os
comunistas.
De todo modo, contrapondo-se a diversas teorias que negam Marx e,
portanto, cumprem a função social de enevoar a realidade existente, sobretudo nos
tempos hodiernos marcados por uma crise inédita na história do capital, as
elaborações de Pérez Soto, como todo o conjunto de textos que compõem a
presente edição, enfatizam a incontestável atualidade do marxismo como teoria
explicativa do real e, nessa trilha, apontam para a possibilidade de superação da
ordem social geradora da desumanidade no homem.
Abre a presente edição um artigo de grande relevância, no qual seus autores
Fábio José C. de Queiroz e Frederico Costa exploram a relação histórica tecida por
Marx com a literatura, no intuito de demonstrar o apego de Marx à criação literária, a
saber, à “mais alta produção literária,” como valiosa ferramenta de investigação e de
exposição. Para tanto, sem desconsiderar o apelo de Marx às criações literárias, nas
obras precursoras de O Capital, os autores debruçam-se sobre o Livro I, Tomo I de
O Capital, donde extraem uma gama de referências literárias, com destaque para
Shakespeare e Goethe, de que se valeu o filósofo de Trier, para, conforme Queiroz
e Costa, auxiliá-lo “em sua colossal crítica, não tão-só ao domínio do capital, mas
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também aos doutrinadores que o envolviam em um manto difuso de religiosidade
econômica”.
Na sequência, Samara Chaves Braga, Jackline Rabelo, Susana Jimenez e
Ruth de Paula Gonçalves, revisitam a problemática da alienação nos Manuscritos
Econômico-Filosóficos, de Marx, apontando, com o particular apoio de Mészáros, o
caráter histórico do referido fenômeno, ao lado da possibilidade igualmente histórica
de sua superação,para além da sociabilidade fundada na subsunção do trabalho ao
capital, o que permitirá à humanidade caminhar em direção ao gênero para-si e à
formação de personalidades não-mais-particulares.
Incidindo sobre a mesma problemática, Océlio Braga e Enéas Arrais
recuperam, a seguir, a relação entre trabalho alienado e propriedade privada
sistematizada pelos fisiocratas e pelo liberalismo econômico de Adam Smith. Os
autores reafirmam, ademais, a tese marxiana de que as contradições do capital em
relação à propriedade privada têm sua gênese no trabalho alienado, que gera o
estranhamento do trabalhador em relação à sua própria atividade, ao produto do
trabalho, a si mesmo e aos outros homens.
Endossando a tese de Marx acerca da possibilidade histórica da
emancipação, Osmar Souza e Analéia Domingues, por sua vez, examinam,
referenciando-se na justa medida, em Tonet, a distinção posta por Marx entre
emancipação política e emancipação humana. Nesse sentido, explicitam que, se a
primeira representou um avanço no que tange às relações de servidão presentes na
sociedade feudal, esta não se aparta do projeto da burguesia, conquanto a
emancipação propriamente humana pressupõe a superação da exploração do
homem pelo homem, constituindo-se, por essa prerrogativa, o projeto a ser
perseguido pelo proletariado.
Necessário se faz analisar as características do capitalismo em nosso tempo
histórico, mais precisamente a partir da crise inédita que o capital vem sofrendo
desde as três últimas décadas do século XX, o que exigiu desse sistema a
reorganização da produção, agora denominada produção flexível. Essa tarefa coube
a José Renato Gregório, que, no artigo “Contexto atual do capitalismo: retornando
aos conceitos de desenvolvimento desigual e combinado, capitalismo dependente,
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mundialização
financeira
e
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acumulação
flexível”,
discute
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algumas
dessas
características. Para tanto, o autor toma como eixos norteadores de sua análise, os
conceitos de luta de classes, concebidos por Marx e Engels; de desenvolvimento
desigual, de Lênin; de desenvolvimento combinado, de Trotsky; e de capitalismo
dependente, de Fernandes.
Ainda sobre o capitalismo de nosso tempo, Diego de Oliveira Sousa busca
explicitar as raízes da questão do ambiente urbano, bem como os desdobramentos
deste na relação saúde-doença, sobretudo no que toca à classe trabalhadora. O
autor ancora sua pesquisa na obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”,
de Engels, visto que é nessa obra que este pensador alemão descreve o
desordenado processo de urbanização das cidades inglesas no século XIX,
enfatizando o devastador efeito desse processo para a saúde, em especial, do
proletariado.
Cumpre particular função no interior dessa lógica capitalista, o Direito como
complexo fundado pela sociedade de classes, cujo instrumento de manutenção do
atual estado de coisas é a violência. Carlos Pérez Soto analisa esse problema no
interior da sociedade moderna, em que o Estado de Direito se funda na soberania e
na racionalidade, ao mesmo tempo em que despreza os elementos que asseguram
a manutenção das relações classistas. Pérez Soto passa pela filosofia hegeliana,
que construiu a concepção de um Estado de Direito enraizado na história e na
piedade cristã, atribuindo à violência um papel essencial e objetivo. Essencial, diz
Pérez, porque está enraizado no Ser, e objetivo, porque está para além das
vontades individuais. De Hegel, Pérez chega a Marx, que formula a ideia de
violência como um problema originado pela lógica de exploração capitalista,
mecanismo através do qual, a burguesia, enquanto classe, aumenta sua riqueza,
apropriando-se do trabalho da classe trabalhadora. O autor assevera, por esse
prisma, que o Estado de Direito instituído pela burguesia, como mecanismo de
defesa primeiro contra a ordem feudal, depois contra o proletariado, não poderá, sob
qualquer hipótese, favorecer aos trabalhadores.
Burguesia e proletariado, enquanto classes sociais fundamentais do modo de
produção capitalista, possuem seus interesses expressos em teorias que apontam,
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de modo antagônico, para a manutenção ou a superação das relações sociais
alienadas. Dentre os problemas tratados por essas teorias, podemos citar o artigo “A
concepção de Pavlov e de Vygotski acerca da consciência”, de Paulo Sérgio Ricci e
Silvana Tuleski, no qual, os autores explicitam como dois psicólogos soviéticos,
Pavlov e Vigotski, trataram, em sua obras, da questão da consciência.
Concentrando-se mais particularmente em Vigotski, um dos expoentes da Psicologia
Histórico-Cultural, reafirmam os autores que este desenvolveu sua obra fincada no
marxismo, portanto numa teoria preocupada com a superação da lógica do capital,
para cuja empreitada, a esfera da consciência não cumpriria, de forma alguma,
papel pouco relevante.
Adelaide Ferreira Coutinho, por meio do artigo “Responsabilidade social do
empresariado ou filantropia empresarial a serviço do capital?”, discorre acerca de
estudos que vem se desenvolvendo no que tange às relações entre Estado,
mercado e Organizações Não-Governamentais (ONGs). Situando, rigorosamente, a
gênese, evolução e função social do fenômeno em estudo, define estas últimas
como parceiras fundamentais do Estado na oferta de educação pública aos pobres.
A autora é particularmente enfática ao denunciar o aclamado projeto de
responsabilidade social empresarial e seus desdobramentos nas ações de filantropia
em educação e, por conseguinte, na privatização de serviços públicos essenciais,
como mecanismo, em última instância, favorável à reprodução do sistema,
exercendo, em suas palavras, “um controle intenso sobre um dos produtos da
relação contraditória entre o capital e o trabalho: a pobreza.
Caminha nessa direção o artigo de Valci Santos, no qual, o autor discute a
relação entre escola e sociedade no modo de produção capitalista. Nessa
sociedade, confirma o autor, é papel da escola garantir a escolarização básica para
a formação cidadã, perspectiva que se contrapõe às premissas marxianas de
formação humana, que valorizam o pleno desenvolvimento das faculdades
humanas, tendo em vista o projeto de superação do capital.
O último artigo, assinado por Bruno Alysson Soares Rodrigues, Raquel Joca
Menezes e Kamila Carneiro Alves, vem somar-se ao conjunto de considerações
críticas produzidas, sob a ótica do marxismo, como aquela elaborada por Gomes
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(2010), acerca dos chamados sete saberes necessários à educação do futuro
elencados por Morin, em obra publicada sob os auspícios da UNESCO. Reafirmam
os autores, a partir de um conjunto próprio de argumentos, a vinculação entre aquela
pedagogia promulgada em conformidade com as agências centrais de defesa do
capitalismo, privilegiadamente fundada sobre o paradigma do aprender a aprender e
os interesses de reprodução do sistema do capital em seu contexto de crise
estrutural.
Seguem-se aos artigos, um relatório de pesquisa, uma resenha e um ponto de
vista, modalidade de publicação que aqui aparece pela primeira vez.
O relatório em foco articula-se a um projeto multifacetado de investigação que
tenta expor as devidas relações entre a educação à distância e a precarização do
trabalho docente, sob a égide da mercantilização do ensino, que avança de forma
cada vez mais intensa e abrangente sobre o solo da atividade educacional, donde
desponta a EaD, como um nicho de lucros exorbitantes, ocupando, hoje, papel
central nas políticas educacionais do Brasil, sobretudo no que tange à formação
docente. Com efeito, os pesquisadores Solonildo Almeida da Silva, Simone César da
Silva, Susana Jimenez e Maria das Dores Mendes Segundo, que assinam o
relatório, apontam que a EaD – representada, no âmbito da formação docente, pelo
Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) – é apregoada como antídoto para os
mais diversos males da educação, desde a formação de professores até a proposta
de educação ao longo da vida, tão a gosto dos organismos internacionais. Conforme
postulam os autores, comprometida em sua gênese e em seus pressupostos com o
projeto do capital de negação do conhecimento e de mercantilização ímpar da
educação, a EaD, de quebra, oferece, na figura do tutor, uma ilustração acabada do
processo de precarização docente.
Clotenir Rabelo, por seu turno, oferece aos estudiosos e militantes
interessados na discussão sobre as possibilidades da educação emancipatória, mais
uma resenha acerca do opúsculo A” educação para além do capital”, publicado por
Mészáros a partir de sua afamada conferência apresentada no contexto das
atividades do Fórum Mundial de 2004. Alvo que tem sido de polêmicas acaloradas, a
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obra em foco faz jus à continuidade do debate sobre seu conteúdo, para o que,
contribui, sem sombra de dúvida, a resenha de Rabelo.
Por fim, inaugura a seção Ponto de vista, na Revista Eletrônica Arma da
Crítica, o posicionamento assumido por Carlos Pérez Soto sobre quem são
realmente os comunistas. Na tessitura de seu ponto de vista, o autor revisita
historicamente a questão, desde Marx, refugando, nesse percurso, as concepções
de comunismo cercadas pelo estatismo, pelo totalitarismo e pelo burocratismo.
Desse chão histórico, prossegue rumo ao futuro, resgatando, sobre o plano da
possibilidade da instauração do autêntico comunismo, princípios e condições que
alcatifariam o caminho da transição. Culmina Pérez Soto, em um retorno a Marx,
com o reconhecimento enfático do direito à violência revolucionária contra a
violência exercida pelo sistema de dominação, como marca essencial daqueles que
podem chamar-se comunistas!
Susana Jimenez
Jackline Rabelo
Maria das Dores Mendes Segundo
Helena Freres
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