UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
RESISTÊNCIA À LEPTINA E EXPRESSÃO DO SEU
RECEPTOR EM HIPÓFISE DE RATOS ADULTOS
CUJAS MÃES FORAM DESNUTRIDAS DURANTE A
LACTAÇÃO.
LUCIANA LEÃO VICENTE
Dissertação apresentada à Faculdade
de Ciências Médicas da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro para obtenção
do grau de Mestre em Fisiopatologia
Clínica e Experimental
RIO DE JANEIRO
2003
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
RESISTÊNCIA À LEPTINA E EXPRESSÃO DO SEU
RECEPTOR EM HIPÓFISE DE RATOS ADULTOS
CUJAS MÃES FORAM DESNUTRIDAS DURANTE A
LACTAÇÃO.
LUCIANA LEÃO VICENTE
Rio de Janeiro
2003
FICHA CATALOGRÁFICA
Vicente, Luciana Leão
Resistência à leptina e expressão do seu receptor em hipófise de ratos
adultos cujas mães foram desnutridas durante a lactação. / Luciana Leão
Vicente.– 2003.
xvii, 82 p.
Orientador: Magna Cottini Fonseca Passos.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Ciências Médicas.
1. Desnutrição. 2. Leptina. 3. Hipófise. 4. Teses. I. Passos, Magna Cottini
Fonseca. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de
Ciências Médicas. III. Título.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO BIOMÉDICO
FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
RESISTÊNCIA À LEPTINA E EXPRESSÃO DO SEU
RECEPTOR EM HIPÓFISE DE RATOS ADULTOS
CUJAS MÃES FORAM DESNUTRIDAS DURANTE A
LACTAÇÃO.
Luciana Leão Vicente
Orientador: Profª. Drª. Magna Cottini da Fonseca Passos
Co-Orientador: Prof. Dr. Egberto Gaspar de Moura
Aprovada em 28 de março de 2003, pela banca examinadora:
Profª. Drª. Carmem Pazos-Moura ___________________________
Profa. Dra. Cecília Miranda de Carvalho ______________________
Profº. Drº. Jorge José de Carvalho ___________________________
RIO DE JANEIRO
2003
Este trabalho foi realizado no Laboratório de
Fisiologia Endócrina do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob orientação do profª.
Magna Cottini Fonseca Passos e sob co-orientação do prof. Egberto
G. de Moura, com apoio financeiro concedido pela CAPES, CNPq e
FAPERJ.
O maior dos troféus é sempre
aquele correspondente à vitória sobre as
nossas próprias paixões.
(Lope de Vega)
À minha Avó pelo amor, carinho, paciência e por tudo que sou,
e
Aos meus Tios (Jane e João Paulo) por terem me ajudado a
realizar um sonho, me ensinando sempre a lutar pelos meus
ideais, espero ser sempre motivo de orgulho para eles .
AGRADECIMENTOS
À Professora Magna Cottini da Fonseca Passos pela orientação, dedicação e
pelas críticas, que me fizeram amadurecer e aprender muito ao longo desses dois
anos, e me estimularam a buscar o saber mais e mais... Muito obrigada.
Ao Professor Egberto Gaspar de Moura pela orientação, estímulo e dedicação
constantes Uma excelente referência como chefe, professor e pesquisador.
À professora Andrea Monte Alto Costa e à mestranda Thaís Amadeu do
Departamento de Histologia da UERJ, pela grande ajuda com a padronização da
técnica de imuno-histoquímica, pelos incansáveis testes e discussões e
principalmente pela amizade que ficou deste trabalho.
Ao professor Carlos Alberto
Mandarim de Lacerda, do laboratório de
Anatomia da UERJ, pela grandiosa ajuda com a análise estereológica , críticas e
opiniões deste trabalho. Muito mais que um orientador e mestre, uma pessoa
admirável.
Ao professor Valdemar da Costa, da Unidade de Pesquisa Urogenital, que me
ajudou na padronização da técnica de imuno-histoquímica e disponibilizou o seu
laboratório sempre que necessário.
As técnicas Ana Maria e Silvana do laboratório de pesquisa Urogenital que me
ajudaram a processar o material para imunohistoquímica.
À Professora Patrícia Lisbôa pela ajuda em etapas deste trabalho, pelo estímulo,
críticas e opiniões .
À Coordenação de Pós-Graduação em Fisopatologia Clínica e Experimental pelo
auxílio financeiro através da compra de material necessário para realização deste
trabalho.
À Professora Celly Cristina A. Nascimento Saba pela manutenção da infraestrutura do Departamento, permitindo a execução de nossos trabalhos.
À doutoranda Sheila Cristina Potente Dutra pela amizade, companheirismo, e por
ter me ajudado a tornar um sonho em realidade. Uma grande amiga.
Às mestrandas Fabiane Pereira Toste e Isabela Bonomo pelo carinho e por
partilharem comigo as dúvidas e angústias e, principalmente pelas palavras
amigas e de estímulo quando algo errado ocorria.
Às mestrandas do laboratório, Márcia Lins Clements, Cristiane Almeida e Gustavo
pela amizade e ajuda nos momentos difíceis.
Às alunas de iniciação científica Paula Galardo, Paula Sette, Gisele, Elaine,
Luciane, Vanessa e Rafaela que sem as quais, parte deste trabalho não teria sido
realizado.
Às doutorandas, Regina Santos, Patrícia Dias de Brito e Cristiane de Oliveira
Cravo e Simone pela convivência agradável, ajuda e palavras de estímulo.
Aos funcionários da Pós-Graduação em Biologia: Adriano, Fabio, Marcos, e
Mônica, pela convivência agradável e ajuda sempre que solicitados.
Aos funcionários e técnicos do laboratório de Fisiologia Endócrina, Henrique,
Lauciene e Andréa pela sua sempre pronta colaboração.
Ao Nelcir Rodrigues pela grande ajuda no cuidado com os animais.
À amiga Mariana Figueiredo Guimarães por tudo e por compartilhar da felicidade
de realização deste sonho. Mais que amiga, uma irmã.
À minha irmã Rose e minha prima Danielly por todo carinho. Muito Obrigado!
ÍNDICE
Página
Lista de tabelas
Lista de gráficos
Lista de abreviaturas
Resumo
Abstract
Introdução
1- Leptina
7
1.1- Sinalização da leptina
9
1.2-Fatores reguladores da síntese e secreção de leptina
12
1.3-Receptores de leptina
15
1.4- Leptina e Eixo hipotálamo- hipófise – tireóide
18
2- Resistência à leptina
20
3- Desnutrição na lactação e alterações endócrino-metabólicas na idade
22
adulta
Objetivos
25
Materiais e Métodos
Modelo experimental
26
Avaliação do Estado Nutricional
29
Teste de Resistência à Leptina
29
Determinação das Concentrações Séricas Hormonais
30
Imunohistoquímica dos Receptores de Leptina na Hipófise
31
Análise Estereológica
33
Análise Estatística
34
Resultados
Evolução do peso corporal e consumo de ração dos animais cujas mães
35
foram desnutridas durante a lactação.
Teste de resistência a leptina nos animais com 150 dias de idade cujas mães
foram submetidas à desnutrição durante o período de lactação.
37
Concentrações séricas de leptina dos animais aos 150 dias de idade, 24h
40
após injeção de leptina
Concentrações séricas de T3 e T4 dos animais, em jejum de 24h, aos 150
41
dias de idade, duas e 24h após injeção de leptina
Concentrações séricas de T3, T4 e TSH de ratos com 180 dias cujas mães
45
foram submetidas a desnutrição durante a lactação
Marcação imunohistoquimica do receptor de leptina (Ob-Rb) em hipófise de
47
ratos com 150 dias de idade cujas mães foram desnutridas durante a lactação
Discussão
51
Conclusões
65
Perspectivas
66
Referências
67
LISTA DE TABELAS
Página
TABELA 1 Composição da dietas normo e hipoprotéica
27
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Evolução do peso corporal e consumo de ração dos
36
animais cujas mães foram desnutridas durante a
lactação
FIGURA 2 Ingestão de ração dos animais que receberam injeção
38
de leptina aos 150 dias de idade
FIGURA 3 Ingestão de ração/100g de peso corporal dos animais
39
que receberam injeção de leptina aos 150 dias de idade
FIGURA 4 Concentrações séricas de leptina nos animais aos 150
40
dias de idade, 24h após injeção de leptina
FIGURA 5 Concentração sérica de T3 e T4 dos animais, em jejum
42
de 24h, aos 150 dias de idade, 2 horas após injeção de
leptina
FIGURA 6 Concentração sérica de T3 dos animais, em jejum de
43
24h, aos 150 dias de idade, 24 horas após injeção de
leptina
FIGURA 7 Concentração sérica de T4 dos animais, em jejum de
44
24h, aos 150 dias de idade, 24 horas após injeção de
leptina
FIGURA 8 Concentração sérica de T3, T4 e TSH dos animais com
46
180 dias
FIGURA 9 Expressão do receptor de leptina na hipófise de ratos
48
aos 150 dias de idade
FIGURA 10 Expressão do receptor de leptina na hipófise de ratos
49
aos 150 dias de idade cujas mães foram submetidas a
desnutrição durante a lactação
FIGURA 11 Quantificação do receptor de leptina na hipófise de
ratos
adultos
cujas
mães
desnutrição durante a lactação
foram
submetidas
a
50
LISTA DE ABREVIATURAS
AgRP
proteína agouti
AYa
gene agouti do camundongo obeso amarelo
BSA
albumina bovina sérica
C
controle
cAMP
adenosina monofosfato cíclico
CART
fator de transcrição celular regulado pela cocaína e anfetamina
CSal
controle salina
CLep
controle leptina
CRH
hormônio liberador de corticotropina
rpm
rotação por minuto
D1
iodotironina desiodase tipo 1
db/db
ratos transgênicos com mutação no receptor Ob-Rb
DNA
ácido desoxirribonucléico
epm
erro padrão da média
GH
hormônio do crescimento
i.c.v
intracerebroventricular
IMC
índice de massa corporal
i.p
intraperitoneal
125
radioisótopo de iodo
IL-6
interleucina-6
JAK
tirosina kinase janus kinase
STAT
proteína de sinal de transdução e transcrição ativada pelo receptor
I
de leptina
LSAB
marcador streptoavidina biotina
LH
hormônio luteinizante
MCH
hormônio concentrador de melanina
MSH-α
hormônio α-melanócito estimulante
NPY
neuropeptídeo Y
Ob
gene da obesidade
ob/ob
ratos transgênicos com mutação no gene que codifica a leptina
OB-R
receptor de leptina
ObRb
receptor de forma longa para leptina
PBS
tampão fosfato salina
POMC
proopiomelanocortinas
P.C
peso corporal
QA/mm²
número de perfis por área-teste
RNAm
ácido ribonucléico mensageiro
RC
restrição calórica
RCSal
restrição calórica salina
RCLep
restrição calórica Leptina
RP
restrição protéica
RPSal
restrição protéica salina
RPLep
restrição protéca leptina
SEM
desvio padrão da média
s.c
subcultânea
SNC
sistema nervoso central
SOCS
supressores de sinalização de citocinas
STAT
proteína de sinal de transdução e transcrição
T3
3,5,3’- triiodotironina
T4
3,5,3’,5’- tetraiodotironina (tiroxina)
TNF-α
fator de necrose tumoral α
TRH
hormônio liberador de tireotrofina
TSH
tireotrofina
UCP
proteína desacopladora
RESUMO
O objetivo deste estudo foi avaliar a resistência ao efeito
anorético da leptina e a expressão dos receptores de leptina na hipófise de
animais adultos cujas mães foram submetidas à desnutrição protéica ou calórica
durante a lactação. Ratas Wistar (3 meses) foram divididas em 3 grupos no dia do
nascimento da ninhada: controle (C)- ração com 23% de proteína; restrição
protéica (RP)- ração com 8% de proteína; restrição calórica (RC)- ração com 23%
de proteína, restrita à quantidade ingerida pelo grupo RP. Após o desmame todos
os grupos tiveram livre acesso à ração normal. Foram realizadas 3 experiências
com animais dos 3 grupos experimentais. A primeira, aos 150 dias de idade, onde
foi realizado o teste de resistência a leptina. Estes animais foram subdivididos em
2 grupos: Leptina (CLep, RPLep e RCLep) que receberam injeção i.p. de leptina
recombinante (0,5 mg/Kg/p.c.) e Salina (CSal, RPSal, RCSal) que receberam
injeção do diluente nas mesmas condições. Numa outra experiência o peso
corporal e ingestão alimentar foram avaliados do desmame aos 180 dias de idade.
Numa terceira experiência, os animais, aos 150 dias de idade, foram sacrificados
para obtenção da hipófise para análise imunohistoquímica do receptor de leptina.
As proles de mães RP apresentaram baixo peso até os 6 meses de idade,
enquanto as proles de mães RC ultrapassaram o peso dos animais controles aos
140 dias de idade. A ingestão alimentar não apresentou diferença significativa
entre os grupos. O tratamento com leptina reduziu a ingestão alimentar no grupo
controle. Ao contrário, os grupos RPLep e RCLep não responderam a injeção de
leptina, demonstrando resistência ao efeito anorético deste hormônio. O grupo
CLep apresentou aumento de T3 sérico e diminuição do T4 (p<0,05) 2 horas após
a injeção de leptina. As proles de mães RP e RC apresentaram aos 180 dias de
idade, maiores concentrações séricas de T3 e menores de TSH (p<0,01) enquanto
o T4 foi maior apenas no grupo RP (P<0,05). As proles de mães RP e RC, com
150 dias de idade apresentaram maior expressão do receptor de leptina na
hipófise. Estes resultados sugerem que a desnutrição materna durante a lactação
altera a expressão do receptor de leptina na hipófise e programa a resistência à
ação anorética da leptina das proles na idade adulta, representando um período
suscetível à programação da ação da leptina.
ABSTRACT
The aim of this study was evaluate the resistance to the anorectic
effects of leptin in animals whose mothers received protein or energy restricted-diet
during lactation. Three months old female Wistar rats were randomly assigned to
one of the following groups, on the day the offspring were born: C- control diet with
23% protein; PR- protein restricted diet with 8% protein; ER- energy-restricted,
receiving the control diet in restricted quantities, which were calculated according
to the mean ingestion of the PR group. After weaning all pups had free access to
the control diet. Three experiences were realized in this study. In the first
experience, at 150 days of age, animals were tested for its response to either leptin
(CLep, PRLep and ERLep) or saline vehicle (CSal, PRSal, ERSal) on food intake.
The animals received a single injection of leptin at a dose of 0,5 mg/kg/ body wt.
On a second experience body weight and food intake was evaluate from birth
through 6 months of age. On the third experience, pituitaries were dissected and
used for immunohistochemistry analysis. Body weight of pups from PR mothers
were always lower than those from controls (p<0.05), while body weight of pups
from ER mothers surpassed that of the C group significantly at 140 days of age.
There was no differences on food intake among the groups. Leptin treatment
reduced food intake in the contros groups. In contrast, no response was observed
to leptin in the PRLep and ERLep groups, suggesting leptin resistance. Two hours
after leptin injection the CLep group had significantly higher T3 and lower T4 serum
concentrations (p<0,05). The animals from PR and ER mothers had, at 180 days of
age, higher T3 serum and lower TSH (p<0,01), while the T4 was higher only in the
PR group (P<0,05). Analysis of immunostaining showed that animals from PR and
ER mothers had, at 150 days of age, a higher expression of leptin receptor in
pituitary tissue. These data suggest that maternal malnutrition during lactation
changes the expression of pituitary leptin receptor and programming the resistance
to the anorectic effects of leptin in adult life, representing a sensitive period for
programming the action of leptin.
INTRODUÇÃO
Introdução
Mais de um terço das crianças do mundo são afetadas pela
desnutrição protéico-calórica. Para todos os indicadores (comprometimento
extremo do crescimento, comprometimento severo do crescimento e baixo peso) a
situação mais favorável, prevalência baixa ou moderada, ocorre na América
Latina; a maioria dos países da Ásia apresenta alta ou muito alta prevalência; e,
na África encontra-se uma combinação de ambas as circunstâncias. Um total de
80% das crianças afetadas vive na Ásia, 15% na África e 5% na América Latina
(De Onis e cols, 1993).
No Brasil, o último inquérito nacional realizado pela Pesquisa Nacional
de Saúde e Nutrição (PNSN, 1990), constatou a existência de cinco milhões de
crianças, menores de cinco anos, com algum grau de desnutrição. Em relação às
diferentes regiões do país, observou-se que no Norte e no Nordeste, a desnutrição
é pelo menos duas vezes maior do que na região Centro-Oeste e quatro vezes
maior que na região Sul/Sudeste (Batista Filho, 1994).
A prevalência de desnutrição tem diminuído nos países em
desenvolvimento, de 47% em 1980 para 33% em 2000, entretanto o progresso
tem sido desigual de acordo com as regiões. A desnutrição tem aumentado no
Leste da África, mas diminuído na Ásia e na América do Sul. O Norte da África e o
Caribe tem mostrado modesta melhora, e o Oeste da África e América Central
apresentam bem pouco progresso (De Onis e cols, 2000).
Wang e cols (2002), utilizando dados das décadas de 70 e 90,
analisaram a prevalência de desnutrição e sobrepeso em crianças e adolescentes
(6 a 18 anos) em quatro países, Brasil, China, Estados Unidos e Rússia. Neste
estudo foi constatado que a prevalência de sobrepeso aumentou no Brasil (0,5%),
China (0,1%) e Estados Unidos (0,6%), enquanto a desnutrição diminuiu no Brasil
e na China. Na Rússia, ao contrário, o sobrepeso diminuiu (0,1%) e a desnutrição
aumentou.
Apesar da diminuição global da desnutrição nos países em
desenvolvimento, a desnutrição infantil continua sendo o maior problema de saúde
pública nestes países (De Onis e cols, 2000). Entretanto, contrário a uma condição
que prevaleceu até recentemente, o sobrepeso é atualmente a desordem de maior
prevalência em adultos nestes países, e as razões para esta transição não são
ainda bem compreendidas.
No Brasil a prevalência de sobrepeso em adultos é maior nas regiões
mais ricas e decresce nas regiões mais pobres. No Nordeste, curiosamente, estes
dois problemas aparecem com a mesma prevalência (Sawaya e cols,1997). Dados
de três inquéritos realizados na cidade de São Paulo, a partir de meados dos anos
80 a meados dos anos 90, mostraram declínio da desnutrição durante este
período em função de mudanças positivas em determinantes distais (renda
familiar e escolaridade materna) e intermediários (saneamento do meio, acesso a
serviços de saúde e antecedentes reprodutivos) do estado nutricional (Monteiro &
Conde, 2000).
As hipóteses em estudo para esta transição desnutrição-obesidade,
seriam, a existência de um “genótipo econômico”, ou seja, uma adaptação para
sobrevivência em condições de escassez alimentar, que se tornaria
inconveniente quando houvesse um aumento do aporte alimentar (Neel, 1962;
Wendorf, 1989) e uma segunda hipótese seria o consumo de excesso de
energia e redução da atividade física (Popkin & Bisgrove,1988; Sichieri e cols,
1994; Wang e cols, 2002). Estudos epidemiológicos (Ravelli e cols, 1976;
Barker e cols, 1995) e experimentais (Anguita e cols, 1993; Jones e cols, 1984;
Passos e cols, 2000) associam a obesidade na idade adulta com a desnutrição
nos primeiros dias de vida, uma relação que tem sido denominada programação
(Lucas, 1994) ou impressão metabólica (Waterland & Garza, 1999).
Fatores ambientais, tal como a desnutrição, que afeta o
desenvolvimento do feto, altera permanentemente sua morfologia e fisiologia, e
predispõem à Síndrome Metabólica (obesidade, diabetes, dislipidemias e
hipertensão) e Doenças Cardiovasculares na idade adulta (Lucas, 1991; Barker,
1994; Barker, 1995; Martin e cols, 1998; Barker, 1998; Godofrey & Barker,
2000; Levin, 2000; Harding , 2001; Passos e cols, 2002; Ozanne & Hales,
2002). Lucas (1991; 1994), utilizou o termo programação para definir esses
eventos ocorridos na vida precoce, que exercem efeitos em longo prazo. Outros
estudos reforçam esse conceito, denominando-o de impressão metabólica, que
se traduziria por uma modificação permanente de uma determinada função,
conseqüente a uma alteração nutricional ocorrida em um período crítico nos
primeiros dias de vida (Barker, 1995; Lucas, 1999; Waterland & Garza, 1999;
Levin, 2000; Passos e cols, 2000).
Demonstramos recentemente que a desnutrição protéica e calórica
durante a lactação causam alterações na função tireóidea e no peso corporal da
prole na idade adulta. Observamos que a prole cujas mães foram submetidas à
restrição protéica durante a lactação, apresentaram menor peso corporal, elevada
captação de iodo pela tireóide e alta concentração sérica de T3 aos 6 meses de
idade, enquanto a prole cujas mães foram submetidas à restrição calórica
apresentam maior peso corporal e aumento apenas de T3 sérico (Passos e cols,
2000; Passos e cols, 2002). Ambas as proles não apresentaram alteração do
consumo alimentar do desmame aos 180 dias de idade (Teixeira e cols, 2002).
Logo, outro fator, que não a ingestão alimentar, estaria levando a um ganho de
peso mais acelerado da prole de mães submetidas à restrição calórica durante a
lactação, e a um ganho de peso mais lento dos animais cujas mães foram
submetidas à restrição protéica.
Os principais reguladores do peso corporal são a leptina e os
hormônios que são modulados por ela atuando, tanto na ingestão quanto no
metabolismo;
o
sistema
simpático
controlando
a
produção
de
calor
,
principalmente através das UCPs (Bouillaud, 1999), e os hormônios tireóideos,
que também, no rato aumentam a síntese de UCP e ativam o metabolismo em
geral.
Demonstramos recentemente que a parte inicial da lactação está
associada a menores valores de leptina sérica ocorrendo um aumento significativo
ao desmame em animais cujas mães foram submetidas à desnutrição protéica ou
calórica na lactação. No entanto, aos 30, 60, 120 e 180 dias não houve diferença
entre os grupos, ou seja, principalmente na prole de mães submetidas à restrição
calórica não encontramos uma alteração de leptina sérica que explicasse o ganho
de peso na idade adulta (Teixeira e cols, 2002). Assim, a principal hipótese para a
explicação desses resultados, e que deu origem ao presente trabalho, é que esses
animais apresentam uma resistência à ação da leptina na idade adulta.
Estudos recentes têm demonstrado que o adipócito não é a única
célula capaz de sintetizar a leptina, sendo detectada a expressão deste hormônio
também na placenta (Senaris e cols, 1997), no estômago (Bado e cols, 1998), no
músculo esquelético (Wang e cols , 1998), no epitélio mamário (Smith- Kirwin e
cols, 1998) e na hipófise (Morash e cols, 1999; Jin e cols, 2000) de ratos normais.
A identificação do gene ob em celulas adeno-hipofisárias humanas, de
ratos e camundongos demonstra a ação neuroendócrina da leptina. Existem
diferenças espécies-específicas, tanto quantitativas quanto na distribuição, pelos
tipos celulares adeno-hipofisários. Em seres humanos os adrenocorticotrofos e
gonadotrofos são as células que mais expressam leptina, enquanto em ratos e
camundongos, os tireotrofos são as que apresentam maior expressão (Jin e cols,
2000).
A detecção do receptor de leptina na hipófise de seres humanos (Jin e
cols, 1999; Knerr e cols, 2001; Korbonits e cols , 2001) e de murinos (Jin e cols,
2000; Sone e cols, 2001) levantou a possibilidade de uma ação direta da leptina
na liberação de TSH , o que foi comprovado experimentalmente (Ortiga-Carvalho
e cols, 2002). Baseado nestes dados e nas diversas alterações da função
tireóidea encontradas em nossos estudos (Passos e cols, 2002), interessou-nos
avaliar os receptores de leptina na hipófise dos animais cujas mães foram
submetidas à desnutrição durante a lactação. O papel dos receptores de leptina
extra-hipotalâmicos é ainda desconhecido, mas poderá fornecer interessantes
descobertas sobre o papel da leptina na homeostase energética.
1-Leptina
A leptina (do grego leptos, que significa magro) é uma proteína
produzida pelo gene ob, clonado em meados de 1990 (Zhang e cols, 1994;
Tartaglia e cols, 1995; Lee e cols, 1996), secretada principalmente pelo adipócito e
regula a ingestão alimentar e o balanço energético corporal (Zhang e cols, 1994;
Maffei e cols, 1995; Schwartz e cols, 1996a; Friedman & Halaas, 1998).
É um polipeptídio de 16 KDa e 167 aminoácidos, que parece ser um
sinal aferente, atuando num mecanismo de retro-alimentação (feedback) negativo,
em núcleos hipotalâmicos, regulando o tamanho do tecido adiposo (Friedman &
Halaas, 1998), e conseqüentemente a homeostase do peso corporal (Morash e
cols, 1999). Este efeito parece depender da inibição da produção hipotalâmica do
neuropeptídeo Y (NPY) no núcleo arqueado, o qual estimula a ingestão alimentar,
e aumenta a atividade simpática. Outros efeitos da leptina estão relacionados ao
estímulo da síntese de hormônio liberador de corticotropina (CRH), que inibe a
ingestão alimentar e aumenta o gasto energético; aumento da expressão e
liberação de hormônio melanócito estimulante (α-MSH), por ativação de moléculas
precursoras denominadas de pro-opiomelanocortinas (POMC) que exercem seu
efeito a partir da ligação com membros da família de receptores de melanocortina,
promovendo também inibição da ingestão alimentar (Schwartz e cols, 2000).
A leptina parece variar apreciavelmente durante o período de
lactação, tanto na mãe quanto no recém-nato (Mantzoros e cols, 1997a). Ela
pode ser um importante agente regulador metabólico na prole, sinalizando para
estes organismos as condições de aporte energético a que estão submetidos
seus progenitores. Em um ambiente desprovido de nutrientes, a diminuição na
capacidade reprodutiva e no crescimento dos indivíduos é de fundamental
importância na manutenção do equilíbrio ecológico, podendo a diminuição da
leptina, contribuir como mediador químico destas alterações. Hall (1975),
propõe que condições que elevem a concentração de gordura no leite poderiam
também estar associadas ao aumento nas concentrações de leptina sérica nos
filhotes.
Sabe-se que o aumento da atividade do NPY promove um efeito
inibitório no eixo gonadotrófico e representa um mecanismo direto de inibição
da maturação sexual e função reprodutora em condições de restrição alimentar
e/ou gasto energético. Assim, por modulação direta e indireta do eixo
hipotálamo-hipófise-gonadal, a leptina deve funcionar como um sinal indicando
a adequação dos estoques de gordura corporal para o desenvolvimento da
puberdade e reprodução. Secreção normal de leptina é necessária para a
função reprodutiva normal, e estudos revelam que o tratamento com leptina em
ratos ob/ob (que apresentam deficiência de leptina por mutação no gene ob )
restaura a puberdade e fertilidade (Ahima e cols, 1997; Kiess e cols, 2000).
Existe uma correlação positiva entre as concentrações de leptina e
a idade gestacional
fetal, o que é consistente, tendo em vista o
desenvolvimento do tecido adiposo e subseqüente acúmulo de massa adiposa
(Ogueh e cols, 2000). Em adultos as concentrações séricas deste hormônio,
declinam com a idade, principalmente em mulheres. Entretanto, esta mudança
parece ser independente do IMC e de outras alterações endócrinas
relacionadas com a idade (Isidori e cols, 2000).
1.1- Sinalização da leptina:
Os neuropeptídeos hipotalâmicos envolvidos na ação da leptina
podem ser classificados em 2 grandes grupos: peptídeos orexigênicos que são
inibidos pela leptina e tem aumento do mRNA em resposta à deficiência deste
hormônio e os peptídeos anorexigênicos que são estimulados pela leptina e
podem diminuir em resposta a deficiência de leptina. Os peptídeos orexigênicos
incluem NPY, AgRP, MCH, e orexina, enquanto o α-MSH, CART e o CRH são
mediadores da ação anorexigênica da leptina (Elmquist, 1999; Flier, 1998a).
A leptina tem efeitos inibitórios sobre a expressão gênica e secreção
do NPY (Stephens e cols, 1995). Receptores de leptina estariam localizados em
neurônios secretores de NPY, e a ativação desses receptores inibiria a
transcrição, tradução ou secreção do peptídeo, inibindo o apetite. Sendo
verdadeira esta hipótese, na ausência de NPY, a sinalização de leptina não seria
evidente. Contudo, camundongos transgênicos deficientes em NPY e leptina
apresentam resposta aumentada a leptina exógena (Erickson e cols, 1996,
Palmiter e cols, 1998). Baseado nessas evidências foi proposto que o NPY não
seria o único mediador da leptina na regulação do consumo alimentar ou da
resposta aguda do jejum. O NPY estaria envolvido no controle do apetite apenas
quando seus níveis estivessem muito elevados, como ocorre na deficiência total
de leptina. Tal possibilidade foi reforçada pela observação de que camundongos
de peso normal, deficientes em NPY, responderam à administração de leptina
(Erickson e cols, 1996).
A leptina estimula a expressão e liberação do hormônio α-MSH, que é
produto do processamento das POMC, cuja expressão gênica é limitada quase
que exclusivamente ao hipotálamo (Gee e cols, 1983). O α-MSH aumenta a
síntese de cAMP de células que contém receptores de melanocortinas 4 (MC4R).
Postula-se que os neurônios que contém MC4R inibem neurônios do hipotálamo
lateral, que normalmente estimulam o apetite. O α-MSH é regulado pela ingestão
alimentar (Brady e cols, 1990), em parte pela ativação dos neurônios que
expressam o mRNA de POMC, mediada pela leptina (Mobbs & Mizuno, 2000).
Havendo depósito de gordura abundante , os níveis circulantes de leptina estão
aumentados e ativam a forma longa dos seus receptores residentes na região
arqueada do hipotálamo, que possuem neurônios produtores de POMC (Cone,
1999).
Aproximadamente há cem anos, um alelo pouco comum do locus
agouti, cujo nome foi dado devido a características fenotípicas do agouti (do
guarani acuti, cutia de coloração amarela), foi descrito em ratos de pelugem
amarela e com obesidade severa (Cuénot, 1905). Décadas mais tarde, a atenção
foi voltada para os efeitos que a mutação exercia sobre o peso corporal (Castle,
1941). A origem da mutação não era conhecida, mas a aparência única e rara
desses animais permitiu a sua preservação ao longo dos anos (Barsh, 1996).
O gene agouti do camundongo obeso amarelo (AYa) foi o primeiro
gene associado à obesidade a ser identificado em roedores (Bray & York, 1979).
A obesidade desses animais é menos pronunciada do que em camundongos
ob/ob ou db/db, e tem início mais tardio (8 a 12 semanas de idade). É herdada
como uma característica dominante, e resulta da mutação no gene agouti
codificado no cromossomo 2. O gene agouti codifica uma proteína com 121
aminoácidos, normalmente expressa nos folículos capilares, que inibe a síntese de
eumelalina em resposta às α- melanocortinas. O resultado da mutação é a
expressão do gene AY em outros tecidos, entre eles o tecido adiposo e o cérebro
(Bultman e cols, 1992).
A
AgRP
causa
hiperfagia
quando
administrada
i.c.v,
sendo
considerada como uma molécula potencialmente orexigênica. A AgRP inibe a
ação do α-MSH nos receptores de melanocortinas 4, evitando a diminuição da
ingestão alimentar (Schwartz e cols, 2000). Como este receptor é expresso no
hipotálamo e em outras regiões que regulam funções neuroendócrinas, é provável
que os efeitos do gene Ay sobre os receptores MC4R tenham papel importante no
desenvolvimento da obesidade.
A ação da leptina também se faz através de fatores de transcrição
celular regulados pela anfetamina e cocaína (CART), que promovem a saciedade
(Schwatz e cols, 2000). Similar ao POMC, o mRNA do CART está reduzido no
núcleo arqueado na deficiência de leptina de camundongos ob/ob e ratos em
jejum. A administração de leptina eleva o nível de mRNA do CART, sugerindo que
o sistema CART possua uma função central na regulação da ingestão e do peso
corporal (Kristensen e cols, 1998).
1.2-Fatores reguladores da síntese e secreção de leptina:
A síntese de leptina é influenciada pela quantidade de energia
estocada no tecido adiposo. Assim, o mRNA para o gene ob e a leptina circulante
são maiores em indivíduos obesos do que em indivíduos magros, e existe uma
correlação positiva entre a expressão do mRNA da leptina e concentração
plasmática de leptina e a gordura corporal total (Considine e cols, 1996; Frederich
e cols, 1995; Maffei e cols, 1995). Em roedores os níveis de leptina aumentam
dentro de poucas horas após a ingestão alimentar (Harris e cols, 1996) e em
humanos as concentrrações deste hormônio aumentam vários dias após
alimentação (Kolaczynski e cols, 1996). Ao contrário, o jejum causa uma
diminuição dos níveis de leptina dentro de poucas horas, tanto em roedores como
em humanos (Boden e cols, 1996; Frederich e cols, 1995; Kolaczynski e cols,
1996). Considerando a magnitude da alteração de leptina em resposta à ingestão
alimentar sugere-se que a leptina funcione como um sinal para informar ao
cérebro sobre o estado do balanço energético (Ahima e cols, 1996; Flier, 1998b).
A insulina parece mediar, pelo menos em parte, os efeitos da nutrição
sobre a regulação da síntese de leptina. A expressão da leptina aumenta após o
pico de secreção insulina durante o ciclo alimentar (Boden e cols, 1996;
Kolaczynski e cols, 1996; Saladin, 1995; Segal, 1996). Além disso, em cultura de
adipócito a insulina estimulou a expressão da leptina (MacDougald e cols, 1995;
Rentsh & Chiest, 1996). A leptina parece estar diminuída em resposta a
deficiência de insulina e aumentada em resposta ao tratamento com a mesma
(MacDougald e cols, 1995). Tratamento com glicocorticóides (em doses
farmacológicas) estimula a síntese de leptina em cultura de adipócito e também
quando administrada em roedores e humanos (Dagogo e cols, 1997; De Vos e
cols, 1995; Larsson & Ahren, 1996; Murakamt e cols, 1995; Slleker e cols, 1996).
A elevação crônica do cortisol tem sido associada com o aumento da expressão
de leptina em humanos (Cizza e cols, 1997; Masuzaki e cols, 1997). Por outro
lado, Torpy e cols (1998) demonstraram que o tratamento com CRH não afetou a
concentração de leptina.
A leptina é regulada por outros hormônios, bem como por citocinas
proinflamatórias. A concentração de leptina é maior em fêmeas do que em
machos da mesma idade, peso e quantidade de gordura corporal (Castracane e
cols, 1998; Rosenhaum e cols, 1996; Saad e cols, 1997). O dimorfismo sexual da
leptina pode ser devido, em parte,
pela alta expressão de leptina no tecido
adiposo subcutâneo nas fêmeas (Blum, 1997; Roemmich e cols, 1998;
Rosenhaum e cols, 1996), e pela regulação da leptina pelos esteróides sexuais. A
expressão da leptina é inibida pela testosterona (Blum, 1997; Elbers e cols, 1997;
Jockenhovel e cols, 1997). Por outro lado, o estrogênio tem sido referido como um
fator que aumenta ou que não apresenta nenhum efeito sobre os níveis de leptina
(Casabiell e cols, 1998; Castracane e cols, 1998).
A restrição calórica provoca redução na concentração sérica de leptina
tanto em roedores (Ahima e cols, 1996) quanto em seres humanos (Kolaczynski e
cols, 1996; Ostlund e cols, 1996). Ahima e cols (1996) demonstraram que as
alterações no ciclo sexual de camundongos provocadas pela desnutrição foram
normalizadas pelo tratamento com leptina, assim como, a secreção de LH, abolida
durante o jejum, também foi restaurada pelo tratamento com leptina.
Os estudos sobre regulação da leptina pelos hormônios tireóideos têm
sido conflitantes. Enquanto alguns estudos têm descrito uma elevação da leptina
em resposta à deficiência ou excesso de hormônios tireóideos, outros relatam não
haver nenhum efeito significativo (Diekman e cols, 1998; Escobar-Morreale e cols,
1997; Mantzoros e cols, 1997b; Ozata e cols, 1998; Pinkney e cols, 1998).
A deficiência do hormônio do crescimento (GH) está associada com o
aumento dos níveis de leptina (Fisker e cols, 1997). Embora o tratamento com GH
esteja associado com diminuição das concentrações séricas de leptina (Gill e
cols,1999; Kristrom e cols, 1998), foi recentemente demonstrado que o GH
estimula a liberação de leptina em cultura de adipócito de ratos e camundongos,
independente de sua ação lipolítica (Fain & Bahouth, 2000). A infecção aguda, as
endotoxinas e citocinas proinflamatórias, tais como, TNF-α e IL-6, estimulam a
síntese de leptina (Bornstein e cols, 1998; Finck & Johnson, 2000; Finck e cols,
1998; Grunfeld e cols, 1996; Janik e cols, 1997; Sarraf e cols, 1997). Ao contrário,
a exposição ao frio e as catecolaminas diminuem as concentrações séricas de
leptina, provavelmente via ativação de receptores β-adrenérgicos (Donahoo e cols,
1997; Li e cols, 1997; Mantzoros e cols, 1996; Trayhurn e cols, 1996).
1.3-Receptores de leptina
O receptor de leptina (OB-R) é um membro da família da classe 1 dos
receptores de citocinas (Tartaglia, 1997) e foi primeiramente isolado por clonagem,
no plexo coróide de camundongos (Tartaglia e cols, 1995). Subseqüentemente,
foram identificadas 6 isoformas desse receptor para leptina (Ob-Ra; Ob-Rb; Ob-
Rc; Ob-Rd; Ob-Re; Ob-Rf) (Chua e cols,1996; Lee e cols, 1996; Wang e cols,
1998), e 5 dessas isoformas (Ob-Ra; Ob-Rb; Ob-Rc; Ob-Rd; Ob-Rf) têm domínios
transmembranas, entretanto, apenas a isoforma longa (Ob-Rb) contêm todos os
sítios intracelulares necessários para a ativação da via de transdução sinalizada
por JAK-STAT (Vaisse e cols, 1996; Ghilardi e cols, 1996; Bjorbaek e cols, 1997).
Esta isoforma longa é altamente expressa em regiões hipotalâmicas envolvidas
com o balanço energético e função neuroendócrina e tem sido colocalizada onde
são expressos um ou mais neuropeptídeos mediadores da ação da leptina, tais
como, NPY e POMC, que regulam a ingestão alimentar e/ou peso corporal,
balanço energético e função neuroendócrina (Baskin e cols, 1999; Elmquist e cols,
1997; Hakansson e cols, 1996; Hakansson & Meister, 1998; Mercer e cols, 1996a;
Mercer e cols, 1996b; Schwartz e cols, 1996a).
A leptina se liga ao seu receptor que então, se associa à tirosina
Kinase Janus Kinase (JAK). Esse acoplamento ativa a JAK que fosforila o seu
próprio receptor bem como proteínas de sinal de transdução e transcrição (STAT),
que se translocam para o núcleo para iniciar a transcrição de genes alvo que
medeiam alguns dos efeitos da leptina (Schwartz e cols, 2000). A STAT-3 parece
ser a principal proteína ativada pelo receptor de leptina. A ligação da leptina
resulta em agregação de dois ou mais dos seus receptores para ativação da
cascata de sinalização JAK/STAT (White e cols, 1997; Devos e cols, 1997).
Devido ao domínio citoplasmático reduzido, a forma curta do receptor de leptina
parece não ativar as proteínas STAT (Considini & Caro, 1997).
Recentemente foi descrito um inibidor da sinalização de leptina
induzido pela própria leptina (Bjorbaek e cols, 1998). Este inibidor é membro da
família de supressores da sinalização de citocinas (SOCS), nomeado SOCS-3
(Endo e cols, 1997; Starr e cols, 1997), e cuja principal função é bloquear a
ativação de proteínas STAT in vitro. Além disso, a administração de leptina induz a
um rápido aumento do mRNA para SOCS -3 no hipotálamo (Bjorbaek e cols,
1998), apontando a relevância desta molécula como marcador de ação da leptina
ao nível cerebral.
Ratos transgênicos com mutação no receptor Ob-Rb, são totalmente
insensíveis a leptina, sugerindo que este receptor seja essencial para a
sinalização da leptina (Chen e cols, 1996; Chua e cols, 1996). Caro e cols (1996),
testaram a hipótese de que na obesidade humana poderia existir um defeito no
transporte de leptina no fluido cerebroespinhal, produzido no plexo coróide, já que
na maioria dos casos de obesidade mórbida ocorre hiperleptinemia. Neste estudo
ficou evidenciado que há um processo de saturação de receptores em indivíduos
obesos, ao contrário do que ocorre em camundongos db/db, nos quais a
hiperleptinemia subsensibiliza seus receptores.
A forma curta do receptor de leptina é expressa no rim, glândula
adrenal e plexo coróide, enquanto a forma longa
do receptor de leptina é
altamente expressa no hipotálamo. De acordo com estudos de hibridização, in
situ, em ratos e camundongos, a expressão do gene para receptor de leptina está
presente no núcleo arqueado, ventromedial, paraventricular e núcleo ventral
premamilar, bem como no plexo coróide e leptomeninges (Mercer e cols,1996b).
Receptores de leptina têm sido detectados em diversos tecidos,
contudo, a regulação do apetite, o gasto energético e as funções neuroendócrinas
são provavelmente mediadas por fatores neuronais no hipotálamo e outras regiões
do cérebro (Campfield e cols, 1995; Friedman & Halaas, 1998; Woods e cols,
1998).
Estudos recentes têm demonstrado a expressão do receptor de leptina
(OB-Rb) em diversos tecidos extra-hipotalâmicos em roedores, incluindo hipófise
(Sone e cols, 2001; Jin e cols, 2000), órgãos reprodutivos (Zamorano e cols, 1997)
e tireóide (Nowak e cols, 2002).
Na hipófise de ratos normais foi encontrada maior expressão do
receptor de leptina em células secretoras de GH (Sone e cols, 2001). Além disso,
na hipófise de ratos e camundongos as células secretoras de TSH (tireotrofina) e
outras células expressam também a leptina (Morash e cols, 1999; Jin e cols, 2000)
. Isto sugere que o papel da leptina na hipófise possa incluir uma regulação
autócrina e parácrina para a secreção dos hormônios hipofisários.
Os estudos recentes que demonstraram a expressão dos receptores
de leptina nos diversos tecidos foram realizados com ratos normais. Nenhum
estudo demonstrou, até o momento, a expressão dos receptores de leptina em
animais desnutridos.
1.4- Leptina e Eixo hipotálamo- hipófise– tireóide
A regulação da função tireóidea normal envolve a síntese e secreção
de TRH (hormônio liberador de tireotrofina) e TSH por um mecanismo de
retroalimentação (feedback) negativa realizada pelos hormônios tireóideos
(Lechan & Kakucska, 1992). A queda do T4 sérico, como no hipotireoidismo
primário, resulta num aumento na síntese/secreção de TRH e TSH. Ao contrário, o
aumento dos níveis de T4 levam a supressão da síntese/secreção de TRH e TSH.
Durante o jejum , entretanto, esse mecanismo de regulação
está
alterado, de tal forma que os baixos níveis de T3 e T4 estão associados com uma
resposta sub-normal na síntese do TRH e secreção do TSH (Campbell e cols,
1977; Harris e cols, 1978; Hermus e cols, 1992; Sims & Horton, 1968).
A diminuição da concentração sérica de leptina é um mediador dessa
adaptação do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide durante o jejum, contribuindo para
uma menor expressão do mRNA do pro-TRH no núcleo paraventricular do
hipotálamo. Corroborando esta hipótese, o tratamento com leptina reduziu a
diminuição na concentração sérica de tiroxina observada durante o jejum (Nillni e
cols, 2000). Legradi (1997), demonstrou posteriormente, que o mRNA para o proTRH, que diminui durante o jejum, volta ao normal com a administração de leptina.
Recentemente,
foram
encontrados
receptores
para
TSH
em
adipócitos. Em um estudo de adipócitos epididimais de ratos, o TSH estimulou a
lipólise e reduziu a expressão do RNAm do gene ob, aproximadamente em 55%. A
relevância destes mecanismos exercidos pelo TSH nos adipócitos parece estar
relacionada à regulação do apetite e gasto de energia em estados fisiopatológicos
(Shintani e cols, 1999). Em obesos, as concentrações séricas de TSH estão
relacionadas ao percentual de gordura corporal e a leptina plasmática (Pinkney e
cols, 1998).
Ortiga-Carvalho e cols (2002), em estudos in vitro, demonstraram
haver uma regulação direta da leptina inibindo a secreção de TSH, em hipófises
de ratos . Por outro lado, Seoane e cols (2000), demonstraram haver um estímulo
da leptina na restauração da secreção de TSH, in vivo , inibida pelo jejum, quando
esta é administrada via i.c.v. Segundo o autor, o efeito estimulador da leptina na
secreção espontânea de TSH em ratos eutireóideos, poderia explicar a reversão
na queda dos hormônios tireóideos em ratos em jejum (Ahima, 1996; Orban e
cols, 1998). Esse efeito estimulador da leptina parece ser exercido sobre o
hipotálamo, porém, o mesmo não foi observado com tanta magnitude quando a
administração de leptina ocorre em animais hipotireóideos, indicando que esse
efeito é dependente da função tireóidea (Seoane e cols, 2000). A análise de todos
esses dados sugere que a redução da leptina sérica induzida pelo jejum leva à
diminuição da produção hipotalâmica de TRH que conseqüentemente induz à
redução na secreção espontânea de TSH e concentração de hormônios
tireóideos, mas o mecanismo pelo qual isso ocorre ainda não está totalmente
esclarecido.
Estudo recente (Nowak e cols, 2002) revelou a expressão de receptor
de forma longa para leptina (Ob-Rb) na glândula tireóide de ratos normais. Após
administração de leptina, via s.c., esse mesmo grupo observou redução da
concentração plasmática de TSH, enquanto os hormônios tireóideos aumentaram
significativamente. Além disso, através de análise morfométrica, foi observado
aumento do peso da glândula tireóide e do volume do epitélio folicular, sem
alteração do colóide. A partir desses dados, esses autores sugeriram que a
administração crônica de leptina estimula o crescimento e secreção da tireóide,
em ratos, através de um efeito direto envolvendo o receptor Ob-Rb.
Baseado nestes dados e nas diversas alterações da função tireóidea
encontradas em nossos estudos (Passos e cols , 2002), interessou-nos avaliar os
receptores de leptina na hipófise dos animais cujas mães foram submetidas à
desnutrição durante a lactação.
2- Resistência a leptina
A deficiência de leptina é um evento raro na obesidade humana.
Muitos indivíduos obesos apresentam altas concentrações de leptina circulante
(Zhang e cols, 1994; Maffei e cols, 1995) que pode ser resultado de uma
deficiência do hipotálamo em detectá-la. A hiperleptinemia indica resistência a
leptina e posteriormente deve ter papel na patogênese da obesidade (Maffei e
cols, 1995; Considine e cols, 1996). Os prováveis mecanismos que causam
resistência a leptina seriam: prejuízo no transporte de leptina pela barreira
hemato-encefálica e anormalidades de receptores de leptina e/ ou sinalização pósreceptor.
A relação entre a leptina do fluido cérebro espinhal e a leptina sérica
está diminuída em ratos obesos e pode ser indicativo de transporte prejudicado no
cérebro (Caro e cols, 1996; Schwartz e cols, 1996b). Halaas e cols (1997)
demonstraram que camundongos obesos são resistentes à administração
periférica de leptina, mas respondem à injeção de leptina via i.c.v. Estes achados
sugerem que a resistência a leptina pode ser mediada pelo transporte prejudicado
de leptina na barreira hemato-encefálica.
Dietas com alto teor de lipídeos podem desenvolver a resistência a
leptina através de vários mecanismos, dentre eles a presença de um antagonista
circulante ou uma proteína acoplada, aumento no clearence de leptina, alteração
no transporte no cérebro, baixa regulação do receptor de leptina, inibição da via
JAK-STAT, ou ativação do SOCS3 ou outras citocinas inibitórias (Friedman &
Halaas, 1998).
Ratos alimentados com dieta com alta concentração de lipídeos
apresentaram um menor incremento nas concentrações séricas de leptina
circulante após injeção intraperitoneal de leptina, quando comparados com
aqueles que receberam dieta com baixo teor de lipídeos, sugerindo um aumento
do clearence da leptina (Lin e cols, 2001).
Outros tipos de resistência a leptina ocorrem como resultado da
mutação do receptor de leptina. Existem vários tipos de receptores de leptina
mutados que podem resultar em obesidade nos ratos (Flier & Elmquist, 1997) e
em humanos (Clement e cols, 1998).
O transporte de leptina através da barreira hemato-encefálica é
unidirecional do sangue para o cérebro e pode ocorrer por um processo de
saturação (Caro e cols, 1996; Banks e cols, 1996) via receptores de leptina de
forma curta. Talvez em resposta ao desenvolvimento da hiperleptinemia, o
aumento do peso corporal pode ser explicado por uma baixa expressão desses
receptores de leptina (Caro e cols, 1996).
Outras formas de resistência a leptina pode ocorrer de uma maneira
farmacocinética, por exemplo, como um problema na distribuição, liberação, no
metabolismo e/ou eliminação. Esses são múltiplos mecanismos que podem
desenvolver a resistência a leptina e tem sido demonstrado que existem vários
estágios de resistência a leptina em diferentes grupos de ratos obesos (Halaas e
cols, 1997). Provavelmente essas variações de resistência a leptina podem
ocorrer em seres humanos obesos também.
3- Desnutrição Na Lactação e Alterações Endócrino-Metabólicas
na Idade Adulta
Diversos estudos têm mostrado que a gestação e/ou a lactação
podem ser períodos críticos para o futuro desenvolvimento nutricional (Jones e
cols, 1984; Anguita e cols, 1993) e hormonal (Coleoni e cols, 1983; Moura e
cols, 1997; Ramos e cols, 2000) da prole, uma relação que tem sido
denominada programação (Lucas, 1994) ou impressão metabólica (Waterland &
Garza, 1999). Esta seria uma modificação permanente de uma determinada
função, conseqüente a uma alteração nutricional ou hormonal ocorrida em um
período crítico nos primeiros dias de vida.
Disfunções endócrinas e metabólicas, tais como alterações no
desenvolvimento neural (Rocha-de-Melo & Guedes, 1997), na secreção e
tolerância à glicose (Moura e cols, 1997; Bertin e cols, 1999, Ozanne & Hales,
2002),
no peso corporal (Anguita e cols, 1993; Passos e cols, 2000) e no
metabolismo desiodativo dos hormônios tireóideos, tem sido demonstradas em
animais adultos cujas mães foram submetidas à desnutrição protéica durante a
lactação e/ou gestação (Dutra e cols, 2003)
Recentemente demonstramos (Passos e cols, 2000), em ratos, que
o estado nutricional materno durante a lactação pode determinar o peso
corporal da prole na idade adulta. Observamos que a prole das ratas
submetidas à desnutrição protéica possui um ganho de peso sempre inferior ao
grupo controle, mesmo após a normalização da dieta. Enquanto que na prole
das mães submetidas à desnutrição calórica, ocorre um aumento de cerca de
10% no peso corporal aos 180 dias de idade.
Foi demonstrado previamente (Ramos e cols, 1997), em animais de
60 dias de idade cujas mães foram submetidas à desnutrição protéica durante a
lactação, um aumento na captação tireóidea de
131
I, com concentrações séricas
de T3 e T4 normais. Mais recentemente, Passos e cols (2002) demonstraram
que nos animais com 180 dias de idade cujas mães foram submetidas à
desnutrição protéica na lactação, também apresentam aumento na captação
tireóidea de iodeto, com concentrações séricas T3 e T4 elevadas e aumento da
atividade da desiodase tipo 1 hepática (Dutra e cols, 2003). Estes dados
sugerem que modificações na função tireóidea materna, durante o período
lactacional, alteram permanentemente a função tireóidea e o metabolismo
desiodativo dos hormônios tireóideos na prole adulta, caracterizando uma
programação ou impressão metabólica.
Resultados similares foram relatados por Coleoni e cols (1983), que
mostraram em ratos adultos, cujas mães foram submetidas à restrição protéica
(8%) a partir do 14º dia da gestação até o desmame e nestes até 50 dias de
idade, uma alta concentração de T3 sérico no 3º e 15º dia após a introdução de
dieta normoprotéica. Ao contrário deste estudo, em que os animais continuam
em dieta hipoprotéica até próximo da puberdade, o estudo de Passos e cols
(2002) mostra que a fase crítica para a programação é muito mais curta,
coincidindo com o período de lactação.
Postulamos que na desnutrição durante a lactação as alterações no
peso corporal e na função tireóidea na idade adulta foram determinadas na fase
inicial da lactação e sejam devidas à resistência ao efeitos da leptina. Para
confirmarmos esta hipótese tornou-se necessário testar a resistência ao efeito da
anorético da leptina e avaliar a expressão dos receptores de leptina na hipófise
destes animais. Assim, neste estudo pretendemos elucidar alguns dos
mecanismos básicos das alterações observadas em nossos estudos anteriores.
OBJETIVOS
Geral
Estudar a resistência ao efeito anorético da leptina e a expressão dos receptores
de leptina na hipófise de animais adultos cujas mães foram submetidas à
desnutrição protéica ou calórica durante a lactação.
Específicos
Avaliar a ingestão alimentar, peso corporal e concentrações séricas de leptina
após administração de dose aguda de leptina em animais com 150 dias de idade
cujas mães foram desnutridas durante a lactação.
Determinar as concentrações séricas de TSH e dos hormônios tireóideos de ratos
adultos cujas mães foram desnutridas durante a lactação.
Quantificar, através do estudo imunohistoquímico, a expressão dos receptores de
leptina na hipófise de ratos adultos cujas mães foram desnutridas durante a
lactação.
MATERIAIS E MÉTODOS
1-ANIMAIS
Ratas Wistar, nulíparas, de três meses de idade foram acasaladas na
proporção de duas fêmeas para um macho. Mantidas sob temperatura (25 ± 1°) e
ciclo claro escuro (7:00-19:00) controlados, recebendo ração comercial(23% de
proteína) e água ad libitum, até o nascimento dos filhotes, quando foram divididas
em 3 grupos:
Controle (C): com livre acesso à água e dieta normal (ração comercial com
23% de proteína)
Restrição protéica (RP): com livre acesso à água e dieta hipoprotéica (ração
com 8% de proteína)
Restrição calórica (RC): com livre acesso à água e dieta normal (ração
comercial com 23% de proteína), porém restrita às mesmas quantidades
ingeridas no dia anterior pelo grupo RP.
O grupo RC foi estudado para diferenciar os efeitos causados pela
carência exclusiva de proteína, daqueles causados pela restrição calórica, uma
vez que já foi demonstrado que ratas submetidas à restrição protéica ingerem
menor quantidade de ração em relação às ratas controle (Rostom e cols, 1989;
Pine e cols,1994; Passos e cols, 2000).
A ração hipoprotéica foi preparada manualmente em nosso laboratório
(Laboratório de Fisiologia Endócrina do Instituto de Biologia) e a sua composição
mostrada na tabela 1.
A fonte protéica dessa dieta foi a ração comercial macerada (NuvilabNUVITAL Nutrientes LTDA), e as calorias foram compensadas pela adição de
amido de milho para se obter uma dieta hipoprotéica e isocalórica. As misturas de
sais e vitaminas foram formuladas de acordo com as recomendações do American
Institute of Nutrition Rodents Diets, AIN-93 G (1993), nas mesmas quantidades da
dieta controle.
Tabela 1- Composição das dietas normo e hipoprotéica.
Controle
Hipoprotéica
Ingredientes - g
Proteína
230.0
80.0
Amido de milho
676.0
826.0
Óleo de soja
50.0
50.0
Mistura de vitaminas *
4.0
4.0
Mistura de minerais *
40.0
40.0
Analise:
Energia Total - kcal
4070.4
4070.4
Proteina %
23.0
8.0
Carboidrato %
66.0
81.0
Lipídios %
11.0
11.0
*De acordo com as recomendações do American Institute of Nutrition Rodents
Diets, AIN-93G (1993)
As dietas foram administradas no dia do nascimento dos filhotes (dia
zero), quando então, a ninhada foi ajustada em 6 filhotes machos, pois este
parece ser o número que confere maior potencial lactotrófico às ratas (Fishbeck &
Rasmussen, 1987).
Todos os filhotes foram desmamados aos 21 dias de idade (final da
lactação) e mantidos com livre acesso à dieta normal (ração comercial – 23 % de
proteína) até 150 ou 180 dias de idade, quando então foram sacrificados para
obtenção das amostras de soro e tecidos.
Foram realizadas três experiências:
1-
A primeira com 24 animais, dos três grupos experimentais, com 150
dias de idade, onde foi realizado o teste de resistência à leptina e os
animais foram sacrificados 24h após, para obtenção de sangue para
dosagem sérica de leptina e dos hormônios tireóideos.
2-
Numa outra experiência, 15 animais, dos três grupos desnutridos, com
150 dias de idade, foram sacrificados para obtenção da hipófise para
análise imunohistoquímica.
3-
Uma terceira experiência foi realizada com 15 animais, dos três grupos
experimentais, aos 180 dias de idade para obtenção de sangue para
dosagem sérica dos hormônios tireóideos e TSH. O peso corporal e o
consumo alimentar foram controlados neste grupo de animais.
2- AVALIAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL
2.1 Peso corporal: após o desmame o peso corporal da prole foi monitorado
de quatro em 4 dias até 180 dias de idade, obedecendo sempre o mesmo horário
de pesagem para todos os dias analisados.
2.2 Consumo de ração: após o desmame a ingestão da prole foi
acompanhada de quatro em 4 dias até 180 dias de idade. A quantidade de ração
ingerida consistia na diferença entre o peso da ração que restou na gaiola (Rf) e a
quantidade total colocada quatro dias antes (Ri). Esses dados foram então usados
para calcular a ingestão diária de ração, de acordo com a fórmula:
Ingestão de ração (g) =
Ri – Rf
/ 4,
n
onde, n corresponde ao número de animais em cada gaiola, e 4 é o número de
dias.
3-TESTE DE RESISTÊNCIA À LEPTINA
Os animais aos 150 dias de idade ficaram em jejum 24h antes do teste
com livre acesso à água. Cada grupo experimental (C, RP e RC) foi subdividido
em 02 grupos:
Leptina (CLep, RPLep e RCLep): tratados com injeção i.p de leptina
recombinante (0,5 mg/kg/p.c, PeproTech, EUA);
Salina (CSal, RPSal e RCSal): injetados com diluente nas mesmas
condições.
Todos os animais retornaram às gaiolas com ração previamente
pesada. O efeito anorético da leptina foi estabelecido pela diferença do consumo
de ração entre o grupo injetado com leptina e o grupo que recebeu o diluente, em
2, 4, 6 e 24h (Martin e cols, 2000).
Após 24h da administração de leptina os animais foram anestesiados
com pentobarbital (0,15 ml/ 100g de peso corporal, i.p.) e sacrificados. O sangue
foi retirado, por punção cardíaca, centrifugado a 3000 rpm, a 4ºC por 15 minutos e
o soro foi armazenado a -20ºC para posterior análise das concentrações séricas
de leptina, e dos hormônios tireoideanos T3 e T4.
4-
DETERMINAÇÃO
DAS
CONCENTRAÇÕES
SÉRICAS
HORMONAIS
As
concentrações
séricas
de
TSH
foram
determinadas
por
radioimunoensaio de duplo anticorpo, utilizando kit específico para ratos,
gentilmente fornecidos pelo National Institute of Diabetes and Digestive and
Kidney Diseases (NIDDK-Bethesda, USA, rp-3), conforme descrito anteriormente
( Moura e cols, 2001).
As concentrações séricas de T3 e T4 totais, foram determinadas por
radioimunoensaio comercial (ICN Pharmaceulticals Inc., NY, EUA), adaptado para
determinação de hormônios tireóideos em ratos.
As concentrações séricas de leptina foram avaliadas pelo método
ELISA, utilizando o kit comercial da Diagnostic Systems Laboratories, Inc. (Active
TM Murine Leptin Elisa). A sensibilidade do kit é de 0,5 ng/ml. O coeficiente de
variação intra e inter ensaio foi de 6,9% e 7,3%, respectivamente.
5- IMUNOHISTOQUÍMICA DOS RECEPTORES DE LEPTINA NA
HIPÓFISE
5.1- Obtenção das amostras
Aos 150 dias de idade os animais foram sacrificados após anestesia
com pentobarbital (0,15 ml/ 100g de peso corporal, i.p.). O sangue foi retirado, por
punção cardíaca, centrifugado a 3000 rpm, a 4ºC por 15 minutos e o soro foi
armazenado a -20ºC. As hipófises foram cuidadosamente excisadas e
imediatamente colocadas em solução de formalina tamponada a 4% por 12 horas
à 4º C.
5.2- Fixação e processamento dos tecidos:
Para análise imunohistoquímica do receptor de leptina na hipófise da
prole dos grupos experimentais, C, RP e RC, a técnica foi padronizada em nosso
laboratório de acordo com estudos anteriores (Jin e cols, 2000; Sone e cols, 2001,
Nowak e cols, 2002 e Shioda e cols, 1998).
As hipófises, mantidas em solução de formalina tamponada por 12
horas à 4ºC, foram processadas através de sucessivos banhos de álcool, xilol e
parafina nos seguintes tempos:
•
Desidratação - banhos de álcool 70%, 80%, 90%, 95% de 30 minutos cada e 2
banhos de álcool a 100% de 45 e 60 minutos, sucessivamente.
•
Diafininização - 2 banhos de xilol, de 45 e 60 minutos.
•
Impregnação - 2 banhos de parafina de 45 e 60 minutos e inclusão dos tecidos
em parafina. Os cortes foram de 5 µm de espessura em lâminas previamente
silanizadas.
5.3-
Imunomarcação:
As
lâminas
ficaram
“overnight”
em
estufa
para
iniciar
a
desparafinização do corte e após realizou-se 3 banhos de xilol de 5 minutos cada.
Em seguida foi feita a reidratação do tecido com banhos de 5 minutos de álcool a
100%, 90% e 70%, seguido de um banho em água destilada. Para recuperação do
sítio antigênico os tecidos foram colocados em tampão citrato pH 6,0, no banho
maria por 30 minutos a 90ºC. As lâminas foram lavadas em tampão PBS
e
colocadas em imersão com peróxido de hidrogênio (3%) em metanol por 20
minutos para inibição da peroxidase endógena. Após três banhos em PBS de 5
minutos cada o tecido foi incubado com anticorpo primário (1:100) para o receptor
de leptina (Anti Human Leptin Receptor – Long Form, LINCO RESEARCH, INC,
St. Charles, MO), diluído em PBS/BSA 1% em câmara úmida. O anticorpo
secundário e o complexo Streptavidina peroxidase utilizados foram do Kit DAKO
LSAB (K0690) e os tempos de incubação em câmara úmida foram de 40 minutos
e 1 hora sucessivamente. A imunomarcação foi visualizada usando o método
complexo avidina biotina peroxidase. Após a aplicação do cromógeno as lâminas
foram lavadas em água corrente, e foi realizada coloração de fundo com
hematoxilina, em seguida as lâmninas foram desidratadas com álcool, submetidas
a 3 banhos de xilol de 5 minutos cada e montadas em Entelan.
6- ANÁLISE ESTEREOLÓGICA
O objetivo da estereologia é determinar parâmetros quantitativos
tridimensionais de estruturas anatômicas a partir de cortes bidimensionais,
baseando-se na geometria e estatística (Mandarim-de-Lacerda, 1995).
A quantificação de células imunomarcadas para o receptor da leptina
na hipófise esta baseada na determinação do número de perfis por área-teste
(QA/mm²). O estudo foi realizado usando vídeo-microscopia (microscópio Leica
DMRBE, câmara de vídeo Sony, monitor Sony triniton). Foram contadas as células
imunomarcadas numa área-teste de 6400µm², com aumento de 20 vezes. De
cada corte foram analisados 10 campos aleatórios por animal e, cinco animais por
grupo.
7-ANÁLISE ESTATÍSTICA:
Os dados são expressos como média ± SEM. No estudo da
resistência a leptina, para a análise das diferenças entre os grupos, utilizamos o
teste t de Student. Para a análise do estado nutricional, as diferenças entre os
grupos foram determinadas através de análise de variância univariada associada à
teste de comparação múltipla entre as médias, teste de Newman-Keuls. Para
análise do TSH sérico, utilizamos o teste não paramétrico de Kruskall-Wallis. As
diferenças do QA/mm² entre os grupos foram testadas com o teste não
paramétrico de Mann-Whitney. O nível de significância de p<0,05 foi aceito como
estatisticamente significativo.
RESULTADOS
Estado Nutricional dos animais cujas mães foram desnutridas
durante a lactação.
A evolução do peso corporal e consumo alimentar dos animais cujas
mães foram desnutridas durante a lactação é mostrada na figura 1, onde as
avaliações foram iniciadas no dia do desmame (21 dias) e finalizada aos 180 dias
de idade.
Os animais cujas mães receberam dieta hipoprotéica durante a
lactação apresentam peso corporal menor (p<0,05) que o controle desde o
desmame até os 6 meses de idade. Do desmame até 40 dias de idade, tanto os
filhotes de ratas submetidas à restrição protéica durante a lactação quanto de
ratas submetidas à restrição calórica, apresentam peso corporal menor (p<0,001)
que o controle. Aos 60 dias observa-se uma recuperação do peso corporal da
prole de ratas RC, enquanto as proles do grupo RP continuam significativamente
(p<0,01) abaixo do peso até os 6 meses de idade (aproximadamente 10%). O
peso corporal da prole de ratas RC ultrapassa em 10% (p<0,01) o peso corporal
dos animais controles aos 3 meses de idade, permanecendo acima do peso do
grupo controle até os seis meses de idade (fig.1A).
Os animais cujas mães receberam dieta hipoprotéica durante a
lactação apresentaram menor ingestão de ração (p<0.001) do desmame ao 53º
dia de idade, normalizando-se até a idade adulta em comparação ao grupo
controle. Já os animais cujas mães receberam dieta hipocalórica durante a
lactação apresentaram menor ingestão de ração (p<0.001) do desmame ao 33º
dia de idade, também se normalizando até a idade adulta em comparação ao
grupo controle (fig.1B).
Evolução do peso corporal e consumo de ração dos
animais cujas mães foram desnutridas durante a lactação
A
400
RC vs C, p<0,05
Peso corporal (g)
300
200
RP vs RC, p<0,05
100
C
RP
RC
RP vs C, p<0,05
0
0
25
50
75
100
125
150
175
200
Idade (dias)
Ingestão de ração g/dia
175
B
150
125
C vs RC p < 0,001
100
75
C
50
RP
25
0
RC
C vs RP p<0,001
0
25
50
75
100
125
150
175
Idade (dias)
Figura 1: Evolução do ganho de peso corporal (A) e consumo de ração (B) da prole de
ratas dos grupos controle (C), restrição protéica (RP) e restrição calórica (RC), do
desmame aos 180 dias de idade. Grupo C - livre acesso à água e ração com 23% de
proteína; Grupo RP - livre acesso à água e ração com 8% de proteína; Grupo RC - livre
acesso à água e acesso limitado à quantidade de ração ingerida pelo grupo RP, porém
com 23% de proteína. Os dados estão expressos como média ± erro padrão de 15
animais.
Teste de resistência a leptina nos animais com 150 dias de idade
cujas mães foram submetidas à desnutrição durante o período de
lactação.
A figura 2 mostra o teste de resistência à leptina nos grupos C (2A),
RP (2B) e RC (2C). A efetividade do teste está demonstrada pelos resultados do
grupo controle onde o consumo alimentar foi significativamente menor às 2h
(p<0,05; 36%), 4h (p<0,02; 41%) e 6h (p< 0,05; 25%) após a injeção de leptina
comparada com o grupo C que recebeu salina (fig. 2A). Os grupos RPLep e
RCLep não responderam à injeção de leptina, sem redução da ingestão alimentar,
em todos os períodos estudados, demonstrando uma resistência à ação da leptina
(figs. 2B e 2C).
Quando ajustamos a ingestão de ração desses animais por 100g de
peso corporal observamos que grupo RPLep continua não apresentando diferença
significativa em comparação ao RPSal em nenhum dos períodos analisados, no
entanto o grupo RCLep, paradoxalmente, apresentou maior consumo de ração
(45%, p<0,05) em comparação ao RCSal 2h após a injeção de leptina (fig. 3C).
Ingestão de ração dos animais que receberam injeção de
leptina aos 150 dias de idade
A
(4)
(4)
20
15
10
*
(4)
*
(4)
5
*
(4)
(4)
(4)
(4)
CSal
CLep
0
2
4
6
B
30
Consumo ração(g)
25
25
(4)
(4)
20
15
10
5
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
0
2
24
4
6
24
Tempo (horas)
Tempo (horas)
C
30
Consumo ração(g)
Consumo ração(g)
30
25
(4)
(4)
20
15
10
5
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
RCSal
RCLep
0
2
4
6
24
Tempo (horas)
Figura 2- Efeito da administração de leptina sobre o consumo alimentar de ratos adultos
cujas mães receberam dieta controle (C - 2A), restrita em proteína (RP - 2B) e restrita em
calorias (RC - 2C) durante a lactação. Os grupos CLep, RPLep e RClep – receberam
injeção i.p de leptina recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). Os Grupos CSal, RPSal e RCSal:
receberam injeção do diluente da leptina, que foi salina. Os valores são mostrados como
média ± SEM. O número de animais estudados estão entre parênteses. * p<0,05.
RPSal
RPLep
Ingestão de ração/100g de peso corporal dos animais que
(4)
Consumo de ração/
100g de peso corporal
7.5
(4)
5.0
2.5
*
(4)
(4)
*
(4)
*
(4)
(4)
(4)
0.0
2
4
6
7.5
(4)
(4)
5.0
2.5
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
RPSal
0.0
CSal
CLep
RPLep
2
24
4
6
24
Tempo (horas)
Tempo (horas)
Consumo de ração/
100g de peso corporal
Consumo de ração/
100g de peso corporal
receberam injeção de leptina aos 150 dias de idade
7.5
(4)
(4)
5.0
*
2.5
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
(4)
RCSal
RCLep
0.0
2
4
6
24
Tempo (horas)
Figura 3- Efeito da administração de leptina sobre o consumo alimentar/100 g de peso
corporal de ratos adultos cujas mães receberam dieta controle (C - 2A), restrita em
proteína (RP - 2B) e restrita em calorias (RC - 2C) durante a lactação. Os grupos CLep,
RPLep e RClep – receberam injeção i.p de leptina recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). Os
Grupos CSal, RPSal e RCSal: receberam injeção do diluente da leptina, que foi salina. Os
valores são mostrados como média ± SEM. O número de animais estudados estão entre
parênteses.
* p<0,05.
Concentrações séricas de leptina dos animais aos 150 dias de
idade, 24h após injeção de leptina
As concentrações séricas de leptina dos animais aos 150 dias de
idade cujas mães foram desnutridas durante a lactação, 24h após injeção de
leptina ou diluente, estão demonstradas na figura 4. Não foi encontrada diferença
leptina sérica (ng/ml)
significativa entre os grupos.
7.5
5.0
2.5
0.0
CSal
CLep RPSal RPLep RCSal RCLep
Figura 4: Concentração sérica de leptina de ratos adultos cujas mães foram C , RP e RC
durante a lactação. Os grupos CLep, RPLep e RClep – receberam injeção i.p de leptina
recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). Os Grupos CSal, RPSal e RCSal: receberam injeção do
diluente da leptina, que foi salina. Os animais foram sacrificados 24 horas após o
tratamento. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram obtidos
utilizando-se 4 animais em cada grupo.
Concentrações sérica de T3 e T4 dos animais, em jejum de 24h,
aos 150 dias de idade, 2 e 24h após injeção de leptina
A figura 5 mostra as concentrações séricas de T3 (A) e T4 (B) da prole
com 150 dias, 2h após a injeção de leptina. O grupo CLep apresentou menores
concentrações de T4 sérico (52%, p<0,05) e maiores concentrações de T3 sérico
(28%, p<0,02) em comparação ao grupo CSal.
As concentrações séricas de T3 e T4 da prole com 150 dias, 24h após
a injeção de leptina para avaliação da resistência a leptina estão demonstradas
nas figuras 6 e 7. Não houve diferença significativa entre os grupos.
Concentrações séricas de T3 e T4 dos animais, em jejum
de 24h, aos 150 dias de idade, 2 h após injeção de leptina
*
T3 total (ng/dl)
1.0
A
0.5
0.0
Csal
Clep
µ g/dl)
T4 total (µ
0.3
B
0.2
*
0.1
0.0
Csal
Clep
Figura 5: Concentrações séricas de T3 (A) e T4 (B) totais dos animais dos grupos
Controle aos 150 dias de idade 2 horas após o tratamento. O grupo CLep recebeu injeção
i.p de leptina recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). O Grupo CSal recebeu injeção do diluente da
leptina, que foi salina. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais
foram obtidos utilizando-se 4 animais em cada grupo. * p<0,05 vs C.
Concentração sérica de T3 dos animais, em jejum de 24h,
aos 150 dias de idade, 24 h após injeção de leptina
T3 total (ng/dl)
2.5
2.0
1.5
1.0
0.5
0.0
CSal
CLep
RPSal
RP Lep
RCSal
RCLep
Figura 6 : Concentração sérica de T3 total de ratos adultos cujas mães foram C , RP e RC
durante a lactação. Os grupos CLep, RPLep e RClep – receberam injeção i.p de leptina
recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). Os Grupos CSal, RPSal e RCSal: receberam injeção do
diluente da leptina, que foi salina. Os animais foram sacrificados 24 horas após o
tratamento. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram obtidos
utilizando-se 4 animais em cada grupo.
Concentração sérica de T4 dos animais, em jejum de 24h,
T4 total (µ g/dl)
aos 150 dias de idade, 24 h após injeção de leptina
0.4
0.3
0.2
0.1
0.0
CSal
CLep RPSal RPLep RCSal RCLep
Figura 7 : Concentração sérica de T4 total de ratos adultos cujas mães foram C , RP e
RC durante a lactação. Os grupos CLep, RPLep e RClep – receberam injeção i.p de
leptina recombinante (0,5 mg/kg/p.c.). Os Grupos CSal, RPSal e RCSal: receberam
injeção do diluente da leptina, que foi salina. Os animais foram sacrificados 24 horas após
o tratamento. Dados
expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram
obtidos utilizando-se 4 animais em cada grupo.
Concentrações séricas de T3, T4 e TSH de ratos com 180 dias
cujas mães foram submetidas à desnutrição durante a lactação
A figura 8 mostra as concentrações séricas de T3 (A) e T4 (B) da prole
aos 180 dias de idade cujas mães foram submetidas à desnutrição durante o
período de lactação. A concentração sérica de T3 total foi maior (150%, p<0,001)
nos animais cujas mães foram submetidas à restrição protéica ou calórica
durante a lactação quando comparados ao controle (figura 8A).
A restrição protéica durante a lactação está associada com maior
concentração sérica de T4 total nos animais aos 6 meses de idade. Estes animais
apresentaram aumento significativo (12%, p<0.05) de T4 sérico em comparação
ao grupo C e ao grupo RC (figura 8B).
As concentrações séricas de TSH em animais com 180 dias de idade,
cujas mães foram desnutridas na lactação é mostrada na figura 8C. Ambos os
grupos, apresentaram menores concentrações (27% e 32%, respectivamente,
p<0,05) do TSH sérico quando comparados com o grupo controle.
Concentrações séricas de T3, T4 e TSH dos animais com
180 dias de idade
(A)
*
*
15
T4 total (µ
µ g/dl)
T3 total (ng/dl)
75
50
25
0
(B)
*#
10
5
0
C
RP
RC
C
TSH sérico (ng/ml)
4
RP
RC
[C]
3
*
*
2
1
0
C
RP
RC
Figura 8: Concentrações séricas de T3 (A), T4 (B) e TSH (C) em animais adultos, cujas
mães foram submetidas a dieta normal (C), restrição protéica (RP) ou restrição calórica
(RC) durante a lactação. Grupo C-livre acesso à água e ração com 23% de proteína;
Grupo RP-livre acesso à água e ração com 8% de proteína; Grupo RC-livre acesso à
água e acesso limitado à quantidade de ração ingerida pelo grupo RP, porém com 23%
de proteína. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram obtidos
utilizando-se 6 animais em cada grupo.
* p<0,05 vs C; # p<0,05 vs RC.
Marcação imunohistoquímica do receptor de leptina (Ob-Rb) em
hipófise de ratos com 150 dias de idade cujas mães foram
desnutridas durante a lactação
A figura 9 mostra a imunoreatividade do receptor de leptina na hipófise
de ratos adultos que foi evidenciado pela comparação do tecido que teve o
anticorpo primário omitido.
Ambos os grupos de aminais adultos cujas mães foram desnutridas no
período de lactação apresentaram maior expressão do receptor de leptina na
hipófise (figura 10).
A figura 11 mostra a quantificação do receptor de leptina na hipófise
de ratos adultos, através da análise estereológica, confirmando maior expressão
do receptor de leptina na hipófise dos animais de mães RP e RC (p<0,05, 22% e
24%, respectivamente) quando comparados ao grupo controle.
Expressão do receptor de leptina na hipófise de ratos aos
150 dias de idade
A
B
Controle positivo Controle Negativo
Figura 9: Demonstração imunohistoquímica do receptor de leptina na hipófise de ratos
aos 150 dias de idade. A imunoreatividade foi observada em toda extensão da hipófise
(A). Nenhuma reação pôde ser observada quando o anticorpo primário foi omitido (B).
Expressão do receptor de leptina na hipófise de ratos aos
150 dias de idade cujas mães foram submetidas à
desnutrição durante a lactação
C
RP
RC
Figura 10: Imunoreatividade do receptor de leptina na hipófise de ratos adultos, cujas
mães foram submetidas à dieta normal (C), restrição protéica (RP) ou restrição calórica
(RC) durante a lactação. Grupo C-livre acesso à água e ração com 23% de proteína;
Grupo RP-livre acesso à água e ração com 8% de proteína; Grupo RC-livre acesso à
água e acesso limitado à quantidade de ração ingerida pelo grupo RP, porém com 23%
de proteína. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram obtidos
utilizando-se 5 animais em cada grupo.
Quantificação do receptor de leptina na hipófise de ratos
adultos cujas mães foram submetidas à desnutrição
A
(célula com receptor de leptina) 1/mm²
durante a lactação
Q
15
0
p<0
, 5
0
(c é u
l a
l co
m re c e
pt o
r dee
l p tn
i a ) 1 /mm²
12
5
10
5
7
0
5
Co
n tr o e
l
Co
n tr o e
l
RP
RP
RC
RC
Figura 11- Quantificação do receptor de leptina na hipófise de ratos adultos cujas mães
foram submetidas à dieta normal (C), restrição protéica (RP) ou restrição calórica (RC)
durante a lactação. Grupo C-livre acesso à água e ração com 23% de proteína; Grupo
RP-livre acesso à água e ração com 8% de proteína; Grupo RC-livre acesso à água e
acesso limitado à quantidade de ração ingerida pelo grupo RP, porém com 23% de
proteína. Dados expressos como média ± SEM. Os dados experimentais foram obtidos
utilizando-se 5 animais em cada grupo.
DISCUSSÃO
Estado Nutricional dos animais cujas mães foram desnutridas
durante a lactação
Neste estudo ficam confirmados dados previamente encontrados em
nosso laboratório (Passos e cols, 2000; Teixeira e cols, 2002) onde, os animais
cujas mães sofreram desnutrição protéica apresentam menor peso corporal
durante a lactação, e que não é revertida com alimentação normal após o
desmame até os 180 dias de idade. Estes dados confirmam uma alteração
permanente do estado nutricional nestes animais demonstrada também em outros
estudos (Coleoni e cols,1983; Moura e cols, 1996; Moura e cols,1997).
A restrição calórica materna também causou diminuição no ganho de
peso corporal da prole durante a lactação, porém menos acentuada que no
grupo em restrição protéica. Após o desmame e a realimentação observamos
que a prole destes animais recuperaram o peso corporal aos 60 dias de idade e,
diferentemente do grupo RP, os animais do grupo RC, aos 3 meses de idade,
ultrapassaram o peso corporal dos animais controles permanecendo acima do
peso até os 6 meses de idade. Estes dados de restrição calórica também
confirmam os estudos anteriores do nosso laboratório (Passos e cols, 2000,
Teixeira e cols 2002) e reforçam o conceito de programação metabólica (Lucas,
1994).
Estes resultados sugerem que o estado nutricional materno durante a
lactação pode influenciar no estabelecimento do peso corporal da prole na idade
adulta, e isto pode estar associado, principalmente, com a concentração de
proteínas e lipídeos no leite (Passos e cols, 2000).
Com relação ao consumo alimentar destes animais, não observamos
aumento do consumo após o desmame que justificasse o ganho de peso,
principalmente na prole de mães RC. Logo, outro fator, que não a ingestão
alimentar somente, seria responsável por este maior ganho de peso da prole de
mães submetidas à restrição calórica, e ao menor ganho de peso da prole cujas
mães foram submetidas à restrição protéica durante a lactação.
Demonstramos recentemente (Teixeira e cols, 2002) uma nítida
oscilação das concentrações circulantes de leptina nas proles de mães
submetidas à restrição protéica ou calórica na lactação. Nos dois grupos
desnutridos, a parte inicial da lactação está associada à menores concentrações
de leptina sérica ocorrendo aumento significativo ao desmame. No entanto, aos
30, 60, 120 e 180 dias não houve diferença entre os grupos.
A desnutrição em animais adultos está associada à diminuição da
leptina sérica, devido, principalmente a menor massa de tecido adiposo (Ahima e
cols, 1996). Assim, as principais hipóteses para explicarmos o aumento da
leptina sérica ao desmame seria a maior secreção de leptina pelo leite e/ou o
aumento da produção de leptina por outros tecidos que não o tecido adiposo, tais
como estômago (Bado e cols, 1998), músculo esquelético (Wang e cols, 1998)
ou hipófise (Morash e cols, 1999; Jin e cols, 2000).
Dietas com alta concentração de lipídeos aumentam a concentração
de leptina sérica (Devaskar e cols, 1997; Ahren e cols, 1997). Demonstramos
anteriormente (Passos e cols, 2000), que o leite de ratas submetidas à
restrição calórica apresentou alta concentração de lipídeos, o que poderia
explicar, pelo menos para a prole de mães RC, a alta concentração de leptina
sérica ao desmame.
Diante destas alterações no peso corporal a longo prazo e das
concentrações de leptina sérica ao desmame e na idade adulta surgiu então a
hipótese de que a sensibilidade a leptina seja perdida nos animais em
tratamento, talvez pela hiperleptinemia ocorrida ao final da lactação, pois,
principalmente na prole de mães submetidas à restrição calórica o ganho de
peso na idade adulta não está associado a baixas concentrações de leptina,
sugerindo uma resistência à ação da leptina, que foi então analisada no
presente estudo.
Teste de resistência a leptina nos animais com 150 dias de idade
cujas mães foram submetidas à desnutrição durante o período de
lactação
Os animais cujas mães foram submetidas à restrição protéica ou
calórica durante a lactação não diminuíram o consumo alimentar em resposta a
dose aguda de leptina em nenhum dos períodos estudados, indicando que eles
se tornam, em longo prazo, resistentes ao efeito anorético da leptina. Geralmente
o consumo alimentar é inibido no tratamento com leptina. Isto foi observado
apenas no grupo controle onde o consumo alimentar foi significativamente inibido
demonstrando a efetividade do teste.
Esta perda do efeito anorético do tratamento com leptina foi
demonstrada por outros autores, em ratos submetidos a prévio tratamento crônico
com leptina em doses distintas (Martin e cols, 2000), em resposta à dieta
hiperlipídica (Lin e cols, 2001) e em camundongos ob/ob (Pelleymonter e cols,
1995). Nestes estudos foram utilizados modelos de indução de obesidade em
ratos e camundongos e estes animais apresentaram altas concentrações de
leptina sérica. Todavia, não existe na literatura nenhum estudo relacionando esta
resistência ao efeito anorético da leptina em animais adultos com o estado
nutricional materno durante a lactação.
As concentrações séricas de leptina dos animais com 150 dias de
idade cujas mães foram desnutridas durante a lactação, 24h após injeção de
leptina não se alteraram. No entanto, Martin e cols (2000), usando a mesma dose
de leptina e jejum de 24h mostraram aumento na leptina sérica 2h após a
administração da dose aguda de leptina. Uma possível explicação para estes
nossos resultados seria o fato da leptina possuir meia vida mais curta que 24h
(Vila e cols, 1998).
Vários mecanismos podem levar a resistência a leptina, incluindo a
alteração da expressão do gene OB-Rb, defeito na ligação ou sinalização do
receptor ou alguma interferência na sua via de sinalização. Além dos defeitos no
receptor de leptina, existem outras causas para a resistência, tal como, redução
do transporte através da barreira hemato-encefálica (Heshka, 2001).
Segundo Martin e cols (2000), o mecanismo pelo qual o efeito
anorético da leptina se perde, pode ser uma subsensibilização do receptor de
leptina hipotalâmico e da expressão protéica que ocorre como resposta aos
elevados níveis de leptina circulante. Estes autores demonstraram que o
tratamento contínuo com leptina exógena, durante 2 ou 3 semanas, resulta no
desenvolvimento da resistência para os efeitos reguladores do apetite da leptina.
No presente estudo, o mecanismo pelo qual o efeito anorético da
leptina foi perdido pode ter sido, provavelmente devido a redução da resposta dos
receptores de leptina no hipotálamo e /ou hipófise, que pode ter ocorrido em
função dos altos níveis de leptina observados ao desmame nestes animais. Este
aumento da leptina sérica ao desmame foi demonstrado em estudo anterior
utilizando o mesmo modelo experimental (Teixeira e cols, 2002). Ë provável que
esta hiperleptinemia ao desmame tenha programado uma subsensibilização do
receptor de leptina hipotalâmico, pois, ao contrário dos estudos que demonstraram
resistência a leptina (Martin e cols, 2000; Lin e cols, 2001), os nossos animais
apresentaram na idade adulta concentrações normais de leptina sérica (Teixeira e
cols, 2002). Assim, a hipótese de uma programação hormonal é a mais provável.
O período perinatal é crítico para a programação hormonal em
mamíferos (Csaba, 1994; Csaba, 2000). Os receptores hormonais alcançam seu
amadurecimento e sua capacidade de ligação máxima na idade adulta (Blazquez
e cols, 1987). Csaba e Nagy (1985) sugerem que o desenvolvimento do receptor
requer a presença do hormônio para a programação, no entanto, o período crítico
ocorre em um tempo limitado. Após este período não existe a possibilidade de
programação. Quando este período crítico, para a programação fisiológica, é
aberto, existe a possibilidade de ocorrer uma falsa programação por moléculas
similares ao hormônio (membros da mesma família, hormônios análogos e
poluentes ambientais) resultando numa capacidade de ligação alterada,
morfologia anormal e resposta alterada, causando uma deterioração da
capacidade de ligação do receptor ao longo da vida (Csaba, 1991; Csaba, 1994).
Uma outra possível explicação para o desenvolvimento da resistência
ao efeito anorético da leptina nos animais adultos cujas mães foram desnutridas
durante a lactação, poderia ser a influência da concentração de lipídeos no leite
materno sobre os receptores de leptina. Demonstramos em estudo anterior
(Passos e cols, 2000), que o leite de ratas submetidas à restrição calórica durante
a lactação apresenta maiores concentrações de lipídeos em comparação ao
controle. É provável que este leite com alto teor de lipídeos tenha programado o
receptor de leptina, levando a resistência a leptina na idade adulta.
Os mecanismos pelos quais a dieta rica em lipídeos pode afetar a
função do receptor no hipotálamo incluem, aumento ou diminuição da expressão
do gene OB-Rb (Boado e cols, 1998; Chang e cols, 1999; Lin e cols, 2000),
alterações morfológicas ou alguma interferência na via de sinalização do receptor
(Heshka, 2001).
Os estudos em animais experimentais demonstram que a dieta rica
em lipídeos durante um curto período de tempo (oito semanas) aumenta a
expressão do receptor OB-Rb. Entretanto, a dieta rica em lipídeos durante um
período mais longo (19 semanas) diminui a expressão deste receptor, podendo
contribuir para o aumento da resistência a leptina (Chang e cols, 1999; Lin e cols,
2000). Além disso, as dietas hiperlipídicas podem também alterar a expressão dos
neuropeptídeos regulados pela leptina, tais como NPY e POMC. Lin e cols (2000)
demonstraram que, tanto a ingestão aguda (8 semanas) quanto crônica (19
semanas), de dieta rica em lipídeos diminuem a expressão do mRNA do NPY.
Entretanto, a expressão do mRNA para o POMC está diminuída somente após 19
semanas de dieta. Além disso, a ingestão crônica de dieta rica em lipídeos tem
sido associada com a diminuição da sensibilidade do sistema nervoso simpático.
Assim, estes autores especulam que a ingestão crônica de dieta rica em lipídeos
leva ao desenvolvimento de uma resistência a leptina, inicialmente periférica e
depois central, acompanhada de hiperfagia, diminuição do gasto energético e
obesidade.
As dietas ricas em lipídeos podem, ainda, induzir alterações no
conteúdo de ácidos graxos das membranas de fosfolipídeos do cérebro, afetando
a fluidez da membrana e conseqüentemente a ação do complexo membranareceptor. Entretanto, existe ainda a possibilidade de que o mecanismo pelo qual
as dietas ricas em lipídeos influenciam a ação da leptina seja indireto, ou seja,
atuando na expressão ou ação de outros fatores críticos para o funcionamento do
receptor OB-Rb, tais como AMPc, MAPK, c-fos ou STAT3 (Cha e cols, 1998;
Tappia e cols, 1997).
Apesar dos animais, do presente estudo, na idade adulta consumirem
dietas normolipídicas, a quantidade de lipídeos do leite materno das mães
submetidas à restrição calórica na lactação pode ter programado para alteração
na expressão dos receptores de leptina no hipotálamo e/ ou na expressão dos
neuropeptídeos regulados pela leptina e/ ou ainda nos fatores envolvidos na
sinalização dos receptores de leptina da prole.
Ambos os grupos de animais, cujas mães foram submetidas à
restrição protéica ou calórica durante a lactação apresentaram resistência a
leptina na idade adulta acompanhada de ausência de hiperfagia, porém o grupo
cujas mães sofreram restrição protéica apresentaram ganho de peso inferior ao
controle,
enquanto
os
animais
cujas
mães
sofreram
restrição
calórica
apresentaram ganho de peso superior ao controle.
Nos animais cujas mães sofreram restrição protéica durante a
lactação é
possível que a resistência a leptina tenha sido programada pela
hiperleptinemia ao desmame. Além disso, a resistência a leptina acompanhada de
diminuição de peso e ausência de hiperfagia, sugere que estes animais
desenvolvam uma resistência central e não periférica, pois eles parecem
apresentar um estímulo do sistema nervoso simpático e conseqüentemente maior
gasto energético. O aumento do metabolismo nestes animais também poderia se
dever a outros fatores, tais como hormônios tireóideos, que também têm efeito
estimulador sobre o metabolismo. Encontramos, de fato, aumento de hormônios
tireóideos neste período, entretanto não analisamos ainda a funcionalidade deste
aumento nas concentrações séricas dos hormônios tireóideos.
Nos animais cujas mães sofreram restrição calórica durante a lactação
é possível que a resistência a leptina tenha sido programada tanto pela
hiperleptinemia ao desmame quanto pela ingestão de leite rico em lipídeos. Estes
animais apresentaram uma resistência a leptina acompanhada de aumento de
peso corporal, porém ausência de hiperfagia. Isto sugere que estes animais
desenvolvam resistência à ação da leptina também sobre o seu efeito
estímulatório
da
taxa
metabólica.
Assim,
estes
animais
possivelmente
apresentam, também, uma resistência periférica, além da resistência central,
comprovada neste nosso estudo.
Como então explicar um aumento da resistência à ação anorética da
leptina, em animais que não desenvolvem hiperfagia? Sugerimos que
estes
animais, apesar da resistência a leptina, possam apresentar alterações
compensatórias da expressão dos neuropeptídeos orexígenos (NPY, AGRP) ou
anorexígenos (POMC) regulados pela leptina, como demonstrado por Lin e cols
(2000). Como estes peptídeos podem ser modulados por outros fatores
nutricionais ou hormonais, esta compensação seria, pelo menos teoricamente,
possível.
Uma outra explicação possível é que estes animais tenham uma
resposta inadequada à secreção de leptina pelo tecido adiposo, visto que na idade
adulta não há diferença na concentração sérica de leptina entre os grupos , apesar
dos pesos corporais serem significativamente diferentes (Teixeira e cols, 2002).
Assim, no grupo RC que apresenta peso corporal mais elevado, deveríamos
esperar que com a ingestão alimentar, mais leptina fosse secretada produzindo
hipofagia. Contudo, parece que estes animais não secretam constantemente mais
leptina e esta tem uma ação diminuída nos centros reguladores da fome. O oposto
parece ocorrer com o grupo RP, que deveria apresentar menores concentrações
de leptina e conseqüentemente hiperfagia. Entretanto, este grupo parece também
apresentar uma resposta inadequada na secreção de leptina pelo tecido adiposo
e, além disso, uma resistência à ação da leptina que pode ser total, tanto para
concentrações elevadas, confirmada em nosso estudo, quanto, possivelmente,
para a deficiência de leptina.
Podemos ainda especular que nestes animais a hiperleptinemia ao
desmame possa ter programado tanto uma resistência a leptina no hipotálamo
quanto nas células pancreáticas, o
que resultaria em hiperinsulinismo e
conseqüente ganho de peso. A insulina é adipogênica e a leptina inibe sua
produção nas células pancreáticas (Kieffer e Habener, 2000). Seufert e cols
(1999), demonstraram que em condições de elevada leptina plasmática o receptor
de
leptina
(OB-Rb)
nas
células
pancreáticas
se
desensibilizam.
Esta
desensibilização do receptor parece ser mediada por um defeito na sinalização
induzida pela supressão do SOCS-3 (Ahima e Flier, 2000; Seufert e cols 2000).
Não sabemos se estes nossos animais apresentam hiperinsulinismo e também
nenhum estudo correlacionou a restrição calórica durante a lactação com a
presença de hiperinsulinismo na idade adulta.
No presente estudo não foi analisada a expressão do receptor de
leptina no hipotálamo, somente na hipófise. Dosagens de insulina sérica também
não foram realizadas, mas serão imprescindíveis para elucidar os mecanismos
pelos quais a resistência a leptina leva a diferentes alterações dependendo do tipo
de restrição à que a prole foi submetida na lactação. A técnica de
imunohistoquimica já está padronizada, e assim daremos continuidade, em futuro
próximo, a este estudo analisando estes receptores.
Qian e cols (1998) demonstraram que ratos idosos (8 meses) são
menos sensíveis a leptina que os animais jovens (3 meses). O mecanismo pelo
qual ratos normais se tornam resistentes a leptina com a idade pode ser devido à
diminuição da sensibilidade das vias neurais ativadas pela leptina ou uma redução
da função dos receptores de leptina no cérebro associadas com a idade. No nosso
estudo, no entanto a resistência a leptina demonstrada não parece estar
associada ao envelhecimento, pois além dos animais serem mais jovens (5 meses
de idade), foram sempre pareados por idade com o grupo controle.
Finalmente, não podemos descartar a hipótese de que a resistência a
leptina observada em proles adultas cujas mães foram submetidas à restrição
protéica ou calórica durante a lactação possa ser um mecanismo adaptativo da
privação de energia ou proteína para estocar grande quantidade de energia
quando os nutrientes estejam disponíveis, ou seja, pode ser um dos mecanismos
do fenótipo da poupança proposto por Hales e Baker (1992).
O mérito de nosso estudo é demonstrar que pode existir uma
resistência à ação da leptina que é programada em período crítico da vida de um
animal e que depende de fatores nutricionais. Entretanto, muitas das
especulações aqui levantadas em relação à resistência periférica e ao mecanismo
de ação, pelo qual, as resistências central ou periférica são estabelecidas,
merecem estudos mais aprofundados, tais como a avaliação dos neuropeptídeos
regulados pela leptina, as vias de sinalização da leptina e testes de resistência
periférica, avaliando o efeito da leptina sobre o sistema nervoso autônomo.
Concentrações séricas de T3, T4, TSH e expressão do receptor de
leptina na hipófise de ratos adultos cujas mães foram submetidas
à desnutrição durante a lactação
As concentrações séricas de T3 e T4 total estão significativamente
aumentadas aos 6 meses de idade nos animais cujas mães foram submetidas à
restrição protéica durante a lactação, confirmando nosso estudo anterior (Passos
e cols, 2002).
Em associação às alterações nas concentrações séricas dos
hormônios tireóideos encontramos, no presente estudo, uma diminuição nas
concentrações séricas de TSH em ambos os grupos desnutridos. Este achado
indica que o mecanismo de feedback negativo dos hormônios tireóideos sobre o
eixo hipotálamo-hipófise parece estar preservado nestes animais, apesar de que
em situações fisiológicas normais, o TSH sérico se correlaciona melhor com o T4
sérico (Thorner e cols, 1998).
Os resultados do estudo imunohistoquímico do presente trabalho
revelam também uma maior expressão dos receptores de leptina na hipófise de
ambos os grupos de animais de mães desnutridas durante a lactação em
comparação aos animais controles. Estudos recentes têm demonstrado a
expressão do receptor de leptina (OB-Rb) na hipófise de ratos normais (Sone e
cols, 2001; Jin e cols, 2000), porém a expressão destes receptores na hipófise
de ratos cujas mães sofreram restrição protéica ou calórica durante a lactação
está sendo analisada pela primeira vez, neste nosso trabalho.
Ortiga-Carvalho e cols (2002) demonstraram em estudo, in vivo, com
ratos alimentados normalmente, que a leptina tem efeito estimulatório na liberação
de TSH. Os nossos dados sugerem então que os animais cujas mães sofreram
restrição protéica ou calórica durante a lactação apresentam uma resistência a
leptina, também, na regulação do eixo hipotalamo-hipófise-tireóide, pois as
concentrações séricas de TSH em ambos os grupos desnutridos estão diminuídas.
É provável que a hiperleptinemia ocorrida ao desmame nestes animais
tenha programado o receptor de leptina para uma menor sensibilidade a leptina na
hipófise na idade adulta, apesar do aumento da expressão dos receptores. O
mecanismo para esta menor sensibilidade pode ser devido a um defeito na ligação
ou sinalização do receptor ou alguma interferência na sua via de sinalização.
Estes mecanismos podem ser análogos àqueles observados em estudos, nos
quais os receptores hipotalâmicos são super expressos quando há uma falha no
funcionamento da leptina (Huang e cols, 1997).
Novamente não podemos descartar a hipótese de que a resistência a
leptina na hipófise em proles cujas mães foram submetidas à restrição protéica ou
calórica possa ser um mecanismo adaptativo da privação de energia ou proteína
para redução na secreção espontânea de TSH e concentração de hormônios
tireóideos, o que garantiria um menor gasto energético em condições de escassez
alimentar, mas que seria inconveniente em condições de aporte alimentar normal
ou elevado.
Na verdade este mecanismo adaptativo pode estar alterado por outros
fatores, também de adaptação da função tireóidea na tentativa de prevenir o
hipotireoidismo central, tal como aumento da desiodação hipofisária o que faz com
que estes animais apresentem altas concentrações de T3 e TSH baixo.
A expressão de receptor de leptina (Ob-Rb) na glândula tireóide de
ratos normais foi recentemente detectada (Nowak e cols, 2002). Após
administração de leptina, via s.c., esse mesmo grupo observou redução da
concentração plasmática de TSH, enquanto os hormônios tireóideos aumentaram
significativamente. Nossos resultados corroboram parcialmente estes achados,
pois 2h após a injeção de leptina observamos maiores concentrações de T3 sérico
e menores concentrações de T4 em comparação ao grupo que recebeu salina. O
TSH sérico não foi analisado neste grupo que recebeu leptina e também o T3 e T4
não foram analisados nas proles de mães RP e RC. Podemos, sugerir que, pelo
menos em animais controles, o efeito desiodativo seja tão importante a ponto de
diminuir as concentrações séricas de T4. Foi evidenciado que a leptina estimula a
D1 hepática, reduzida durante o jejum (Cusin e cols, 2000). Além disso, Lisbôa e
cols (2002), demonstraram que em ratos eutireóideos, a administração de leptina
promoveu um aumento de 40% na atividade da D1 tireóidea, independente do
TSH, que se elevou mais tardiamente.
Torna-se necessário analisarmos a expressão do receptor de leptina
na tireóide, pois o grupo de Nowak (2002) foi o único que detectou este receptor
até o momento e nenhum estudo analisou este receptor em animais cujas mães
foram desnutridas durante a lactação. Já iniciamos este estudo do receptor de
leptina e os resultados preliminares, de dois animais controles, mostram que
realmente o receptor de leptina está presente na tireóide.
CONCLUSÕES
1. Os animais cujas mães foram submetidas à restrição protéica ou calórica
durante a lactação se tornam, a longo prazo, resistentes ao efeito anorético da
leptina.
2.
Nos animais cujas mães sofreram restrição protéica durante a lactação é
possível que a resistência a leptina tenha sido programada pela hiperleptinemia ao
desmame e que estes animais desenvolvam uma resistência central e não
periférica à ação da leptina.
3.
Na prole de mães submetidas à restrição calórica durante a lactação é
possível que a resistência a leptina tenha sido programada, tanto pela
hiperleptinemia ao desmame, quanto pela ingestão de leite rico em lipídeos, e que
esta resistência tenha origem tanto periférica quanto central.
4.
A maior expressão do receptor de leptina na hipófise de animais de mães
desnutridas pode ser devido a menor sensibilidade da leptina na idade adulta e
esta, por sua vez, pode ter sido programada pela hiperleptinemia ocorrida ao
desmame nestes animais.
5-
Sugerimos que, pelo menos em animais controles, a leptina possa estimular
diretamente o processo desiodativo na tireóide, pois 2h após a injeção de leptina
observamos maiores concentrações de T3 sérico e menores concentrações de T4
em comparação ao grupo que recebeu salina.
PERSPECTIVAS
A fim de dar continuidade a este estudo, pretendemos estudar a
expressão dos receptores de leptina no hipotálamo, a expressão dos
neuropeptídeos regulados pela leptina (NPY e POMC), os fatores envolvidos na
sinalização dos receptores de leptina da prole e testar a resistência periférica,
avaliando o efeito da leptina sobre o sistema nervoso autônomo.
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