XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de Setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT30 - Movimentos Sociais e a Questão Urbana: perspectivas e desafios. Ciberativismo e Movimentos sociais: Quando diferentes atores se encontram e formam um movimento. Autor: Átila Andrade de Carvalho Instituição: Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFPB Email: [email protected] Ciberativismo e Movimentos sociais: Quando diferentes atores se encontram e formam um movimento. Átila Andrade de Carvalho1 Resumo Este artigo propõe aprofundar as investigações acerca do papel das redes sociais virtuais, a exemplo do Facebook e Twiter, como campo de articulação e mobilização social por parte dos movimentos sociais e a sociedade civil no espaço urbano, tendo em vista as construções simbólicas culturais e políticas que estão em jogo no espaço on-line e off-line. Assim temos como intento observar de que modo a mobilização de sujeitos e movimentos sociais emergem no ciberespaço e se transformam em ações coletivas nos espaços físicos tendo em vista um potencial transformador e de participação que eles se propõem. Porém esse potencial vem carregado de utopias com relação às possibilidades de uma participação popular irrestrita que agrega multiculturalidade e permite uma liberdade nunca vista. Buscamos explorar os aspectos políticos e culturais a partir de discussões teóricas. Palavra – Chave: marcha, rede digital, ciberativismo, movimento social. 1 Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba. 1. INTRODUÇÃO. Novas mobilizações sociais ao redor do mundo têm exposto os limites do sistema político e econômico em alguns países, bem como os problemas em relação às políticas neoliberais no cenário internacional. Movimentos como a denominada Primavera Árabe e o #OccupyWallStreet têm como reivindicação a ampliação de direitos civis e a construção de uma democracia participativa tendo em vista problemas como o desemprego e o autoritarismo. No Brasil, movimentos como a #Marchadasvadias, #MarchadaLiberdade e a #MarchadaMaconha2 se constituem em mobilizações sociais acerca dos temas Cidadania, Liberdade de Expressão e descriminalização das drogas, respectivamente. Um elemento em comum dessas mobilizações é o uso de mídias sociais para a organização dos protestos off-line3e a divulgação das suas ações. Mídias como o Facebook, Twiter e o Youtube foram utilizados como veículos de articulação e/ou acompanhamento das manifestações que por vezes aconteciam simultaneamente em lugares diversos. Assim o Ciberespaço vem apresentando o seu potencial de articulação política entre sujeitos diversos e desconhecidos a partir do seu caráter de fluidez do espaço e do tempo (LÉVY, 1999). O ciberativismo seria desse modo uma nova dinâmica de ação coletiva de protestos e mobilizações, possibilitando articular ideias e ações em um espaço que seria o virtual (SILVA, 2011). Segundo Lévy (1999, p.47) “É virtual toda entidade desterritorializada, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem, contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo particular.”. 2 Para mais Informações ver os seguintes links: http://blogs.estadao.com.br/link/missao-ocupar-wall-street/: http://pt.wikipedia.org/wiki/Protestos_no_mundo_%C3%A1rabe_em_2010-2011 http://www.tumblr.com/tagged/marchadaliberdade?before=1306463178 http://marchadamaconha.org/ http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_das_Vadias. Acessados em 15 de fevereiro de 2012. 3 Os termos on-line e off-line são utilizados para apontar quando se está conectado a uma plataforma virtual como a internet e quando não se está. Em trabalhos como o de SILVA (2011) e SILVA, FILHO e ARAUJO (2011) os presentes termos remetem a sociabilidade, interação social, desterritorialidade e formas de atuação coletiva tendo em vista os limites do plano material e virtual. O ativismo político via redes virtuais são práticas que emergem com força a partir da década de 1990. O ciberativismo em realidade é uma prática de ativismo que vem entrando na sua terceira década. Em meados dos anos 1990 alguns grupos começaram a utilizar as mídias sociais, em especial a Internet, para mobilizar e construir visões de mundo que buscam solidariedade entre sujeitos e um caráter de transformação frente a realidades locais e globais. Um exemplo do uso político da internet por parte dos movimentos sociais e é o realizado pelo movimento zapatista na região de Chiapas - México sendo visto como o “(...) primeiro movimento de guerrilha informacional (CASTELLS, 2008.p. 101)”. Assim ressaltamos a importância de observar o impacto das redes virtuais na construção da articulação política dos movimentos sociais tendo em vista os significados e as construções culturais que emergem desse campo. Este artigo propõe aprofundar as investigações acerca do papel das redes sociais virtuais, a exemplo do Facebook e Twiter, como campo de articulação e mobilização social por parte dos movimentos sociais e a sociedade civil no espaço urbano, tendo em vista as construções simbólicas culturais e políticas que estão em jogo no espaço on-line e off-line. Após pesquisa realizada junto a duas redes de organizações da sociedade civil na cidade de João Pessoa (Fórum de ONGs/AIDS da Paraíba e a Articulação AIDS Paraíba), percebi que algumas das organizações que integravam as duas redes empregavam a internet para ampliar o número de possíveis parceiros, bem como para propalar suas ações, assim o utilizavam como um instrumento auxiliar para a divulgação das suas ideias. Porém ao acompanhar outros movimentos, já citados no inicio do presente texto, indaguei – me a respeito do papel que o mundo virtual pode desempenhar no campo político e cultural, além da simples ferramenta de divulgação. A partir daí passei a observar o modo como as mídias sociais são apropriadas enquanto meios de articulação e mobilização por indivíduos e movimentos organizados. O presente artigo tem como intento observar de que modo à mobilização de sujeitos e movimentos sociais emergem no ciberespaço e se transformam em ações coletivas nos espaços físicos, particularmente no espaço urbano. Um exemplo da relação entre o espaço on-line e off – line é a #Marcha da Liberdade. Podemos observar em um trecho retirado do site da marcha o modo como eles se definem: “Não somos uma organização. Não somos um partido. Não somos virtuais. Somos uma rede. Somos REAIS. Conectados, abertos, interdependentes, transversais, digitais e de carne e osso. Não temos cartilhas. Não temos armas, nem ódio. Não respondemos à autoridade. Respondemos aos nossos sonhos, nossas consciências e corações. Temos poucas certezas. E uma crença: de que a liberdade é uma obra em eterna construção.” Assim o eles se apresentam constituídos a partir de uma pluralidade de sujeitos dentro de um caldeirão multidentitário. A marcha da liberdade surgiu após a repressão policial sofrida pela marcha da maconha em São Paulo em 21 de Maio de 20114. Algumas pessoas começara a postar mensagens no ciberespaço através dos Blogs, Twitter e Facebook o que tomou forma como mobilização de rua cerca de sete dias depois reunindo cerca de cinco mil pessoas, próximo ao MASP5. Assim posteriormente houve a criação da marcha da liberdade com um site fixo e espaço nas mídias sociais. O dia de 18 de junho foi escolhido como dia nacional das marchas as mobilizações foram espalhando-se por outras cidades, estando presente em mais de 16 estados Brasileiros. A partir do exposto nos colocamos então algumas indagações do tipo: Haverá realmente uma ampliação da esfera pública através do ciberespaço? Que tipos de implicações há para uma ideia de movimentos sociais, tomando desde sua concepção no plano virtual a sua realização no plano físico? Quais os elementos sui generis que emergem de um tipo de movimento ou mobilização social no qual o plano virtual e o físico são constituintes da realidade, segundo Lévy (1999). O presente texto é fruto de uma pesquisa de doutorado que se encontra em sua fase inicial. Buscamos aqui contribuições que nos possibilite aprofundar 4 Informações disponíveis nos Seguintes links: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/919446-policiade-sp-apura-repressao-policial-na-marcha-da-maconha.shtml. Acessado em 10 de Maio de 2012. 5 Informações disponíveis nos Seguintes links: http://noticias.r7.com/cidades/noticias/marcha-daliberdade-ocorre-hoje-em-mais-de-40-cidades-20110618.html. Acessado em 09 de Maio de 2012. nossa base de pesquisa e ampliar as discussões sobre movimentos sociais no mundo contemporâneo. Contexto contemporâneo: Primeiras impressões. O numero de internautas no Brasil e no mundo vem crescendo de forma exponencial. Segundo dados do Ibope/Nielsen no mundo, até 2012, serão cerca de dois bilhões de usuários. Diariamente 500 mil pessoas entram pela primeira vez na Internet e são publicados 200 milhões de twitters; e ainda, a cada segundo um novo blog é criado. O crescimento do número de sites é expressivo: em 1982 havia 315 sites na Internet e atualmente 174 milhões de endereços ativos. No Brasil são mais de 45 milhões de usuários regulares com um crescimento no último ano de 10%6. Assim essa é uma tecnologia que tem impacto direto na vida de milhões de sujeitos que pode vir a reverbera na sociabilidade dos sujeitos contemporâneos. As mídias sociais são utilizadas cada vez mais por movimentos sociais e revelam a importância da informação em uma sociedade permeada por diversas redes de sociabilidade e mobilização social (CASTELLS, 2008). Desse modo, um estudo sistemático sobre a relação entre movimentos sociais e redes digitais cumpre um papel importante para a ampliação e o aprofundamento do conhecimento atualmente existente acerca das reconfigurações sociais no mundo presente e dos rearranjos políticos-culturais das formas contemporâneas de ação coletiva. A literatura sociológica sobre o tema ainda é escassa no país e, ao buscar abordar o assunto a partir do prisma aqui proposto, pretende-se dar relevo aos desdobramentos socioculturais que essas relações podem ter. Desse modo observamos que, As tecnologias da informação cumprem o papel de grande ordenadora desse novo modelo de desenvolvimento; são também os dispositivos fundantes de um novo paradigma científico-econômico-tecnológico, orientado pela flexibilidade organizacional e funcionamento de um sistema de conexões e 6 Informações disponíveis nos Seguintes links: http://tobeguarany.com/internet_no_brasil.php. Acessado em 10 de Fevereiro de 2012. redes cruzadas – “um conjunto de nós interconectados” (RAMOS, 2011). No mundo contemporâneo as discussões sobre tecnologias da informação estão relacionadas a inúmeros temas, que vão desde o processo de reprodução do capital até os impactos nas interações entre os indivíduos. Inúmeros elementos podem ser (e têm sido) relacionados à internet enquanto ciberespaço, desde a circulação e produção de novas formas de mercadorias, até a formação de coletividades e a construção de novas subjetividades. Assim, podemos entender a relação entre ciberespaço e movimentos sociais como um campo de estudo permeado por vários tipos de relações sociais (RIBEIRO, 2000), o que confere densidade sociológica a discussão aqui proposta, demonstrando sua importância heurística. Portanto, consideramos não apenas relevante e atual a proposta de pesquisa aqui apresentada, mas também de significativa importância sociológica. A partir desta pesquisa ampliaremos nossa compreensão acerca de formas contemporâneas de mobilização social, movimentos sociais e redes sociais, assim como as sociabilidades e conflitos que aí se desenvolvem. Colocamos como hipótese geral a possibilidade de que as sociedades com intenso desenvolvimento tecnológico, por força da expansão do capitalismo e da globalização, passam por uma reorganização do espaço tempo produzindo novas formas de sociabilidade e organização social “desterritorializada” e intersubjetivas em paralelo a formas “territorializadas” e locais. Desse modo haveria um potencial de ampliação das formas de mobilização e ações coletivas, proporcionado transformações políticas e culturais na esfera pública das sociedades contemporâneas. Entendendo essas transformações, acreditamos que podemos visualizar quais tendências impulsionaram e impulsionam as mudanças em nossa sociedade, e ainda, como, e quais são as raízes históricas, políticas e culturais que influenciam esse processo. Movimentos Sociais e Ciberativimo Protestos são práxis de vários grupos sociais ao longo da historia no Brasil e no mundo. De grupos campesinos, passando por grupos operários urbanos até grupos feministas e LGBT, a articulação de suas demandas sociais em forma de ações políticas são partes constitutivas dos movimentos sociais, estando presente nas diversas discussões teóricas a respeito dos movimentos sociais (GOHN, 2010: SCHERER-WARREN, s.d: ALVAREZ, DAGNINO e ESCOBAR, 2000). O desenvolvimento das mídias sociais permitiu uma expansão das ações dos grupos sociais transpassando os limites de atuação em um espaço – tempo circunscrito. Na contemporaneidade o uso de redes digitais como campo de mobilização e articulação deslocou essas ações para uma construção num tempo – espaço fluido e desterritorializado. Uma mídia social seria, [...] São diversos os sites de redes sociais, e a forma do exercimento de seu uso é o que caracteriza-os enquanto mídias sociais. Entre outras palavras, o que caracteriza um site de rede social na condição de mídia social não é o simples fato de o site existir, mas por ser efetivamente utilizado por seus usuários (SILVA, FILHO e ARAUJO, 2011. p. 6 -7). Nessa perspectiva se faz necessário partimos para uma conceituação do virtual, o denominado ciberespaço, a partir da perspectiva de Pierre Lévy no qual, O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo (LEVY, 1999, p.17). Podemos dizer que Pierre Lévy é o primeiro estudioso a construir conceituações acerca da internet de modo a analisar as suas construções culturais e elementos de sociabilidade observando as construções sui generis do mundo virtual: ciberespaço e cibercultura. Essas são as duas construções de suma importância analítica e epistêmica dentro da sua obra. São a partir dos seus estudos que se desdobram as análises do ciberativismo (SILVA, 2011). Outra peça chave serão os estudos de Scherer-Warren sobre rede de movimentos sociais. As suas considerações apontam como as construções destas redes, a partir da década de 1990, tiveram suma importância na reorganização dos movimentos sociais e a na remodelação do campo ético cultural tendo em vista ampliar a noção de democracia para além do aspecto institucional – estatal para um campo ético de larga amplitude demonstrando uma relação entre o campo cultural é político. Se os movimentos sociais da década de 70 e início dos anos 80 tiveram sua relevância na constituição de novos atores e na redefinição dos espaços de cidadania (social e política), as redes de movimentos tendem a atuar no sentido da formalização de novos sistemas de valores, sobretudo em relação ao binômio Liberdade (e democracia) e Sobrevivência (com direito a uma vida digna e ecologicamente saudável) (SCHERER-WARREN, 2009, p . 121). Nos movimentos sociais atuais segundo Scherer – Warren (2004) emerge o pluralismo relacionado a aspectos organizacionais, ideológicas e identitário. Como exemplo, reproduzimos um trecho da convocatória da primeira Marcha da Liberdade: E é por isso que convocamos qualquer um que tenha uma razão para marchar, que se junte a nós no sábado para a primeira #MarchadaLiberdade.Ciclistas, peçam a legalização da maconha… Maconheiros, tragam uma bandeira de arcoíris… Gays, gritem pelas florestas… Ambientalistas, tragam instrumentos… Artistas de rua, falem em nome dos animais… Vegetarianos, façam um churrasco diferenciado… Moradores de Higienópolis, venham de bicicleta… Somos todos cadeirantes, pedestres, motoristas, estudantes, trabalhadores… Somos todos idosos, pretos, travestis… Somos todos nordestinos, bolivianos, paulistanos, vira-latas. E somos livres!7 A organização unidimensional e articulação a partir de uma identidade comum já não seriam mais possíveis e desejáveis pelas redes de movimentos. Colocamos que a partir da análise sociológica das redes a separação entre novos e velhos movimentos sociais, torna-se uma questão a ser rediscutida do ponto de vista das relações culturais e políticas tendo em vista o plano ontológico e epistêmico, já que uma nova dinâmica de ação coletiva emerge se contrapondo a ideias unidimensionais de conceituação e articulação de movimentos sociais (ALVAREZ, DAGNINO e ESCOBAR, 2000). Desse modo, Os movimentos em rede enfrentam vários desafios. O primeiro a ser destacado é a passagem de um tipo de organização identitária, como ocorria com os novos movimentos sociais, às redes multi-identitárias, como ocorre nos fóruns, isto é, a passagem de organizações em torno de temáticas específicas (p. ex.: gênero, etnia etc.), para ações de coletivos que contemplam a inclusão de uma ampla diversidade de sujeitos3. Face a esse contexto de mudança do perfil na atuação de grande parte dos atores coletivos, o debate acadêmico também vem mudando seus enfoques: as polêmicas entre o caráter dos novos movimentos sociais versus movimentos sociais tradicionais vem sendo substituídas pelas análises da natureza e dos significados políticos e culturais das relações entre atores coletivos diversificados. Portanto, em lugar de pensar-se o movimento especialmente como organização identitária autônoma, é necessário buscar a relação interorganizacional, as ambigüidades e os desafios que redes plurais apresentam e, ainda, o que essa forma de ser movimento traz para o “empoderamento” da sociedade civil, contribuindo ou não para a mudança social. (SCHERERWARREN, 2007, p.20). Nessa discussão o ciberespaço com suas redes digitais constituíram um novo aspecto do conceito de redes sociais, envolvendo um tipo de capital social especifico que seria formado/gestado em meio à configuração de uma cibercultura. Assim estaria presente na dinâmica das relações on-line um elemento inovador, a exemplo do Facebook e Twitter, no qual as mídias sociais mais do que instrumentos se tornariam espaços de mobilização e articulação 7 Disponível em: http://www.tumblr.com/tagged/marchadaliberdade?before=1306463178. Acessado em 15 de maio de 2012. política e social. Porém o conceito de rede relacionado à internet tem como ponto de partida por vezes abordagens descritivas que não observam além das iniciativas individuais. O que implica em afirmações tal qual, Podemos compreender o conceito de rede social, portanto, como um conjunto de pessoas organizadas num determinado espaço (físico ou virtual), em razão de algum motivo que os mantenham em contato. Os sites de rede social, portanto, são os espaços estruturados próprios para a construção dessas redes sociais no ciberespaço. Dos mais rudimentares aos mais ricos em ferramentas de compartilhamento, esses sites existem praticamente desde a origem da internet (enquanto fóruns e chats) e tem se desenvolvido sob diversas formas. (SILVA, FILHO e ARAUJO, 2011. p. 6). Ou ainda [...] nos últimos meses, as pessoas em suas vidas “online” e “off-line” puderam presenciar o surgimento de diversos movimentos sociais: tais como a “#marchadamaconha” e a “#marchadasvadias”. Estes movimentos são de indivíduos que não se conhecem de forma física, não moram no mesmo bairro, não estudam no mesmo colégio, mas possuem o desejo comum de reivindicação (SILVA, 2011, p.2). Esse tipo de concepção transmite uma lógica de descrição neutra centrada nos aspectos da formação de um tipo de rede primeiramente como um conjunto de indivíduos que utilizam de ferramentas para se conectar a partir de uma virtualidade, estando implícita aí uma lógica de separação entre mundos. O risco deste tipo de concepção sobre rede ou ciberespaço é tomar a solidariedade e o ideal de transformação como forças a priori daquele espaço. Ribeiro (2000), a partir da sua argumentação sobre ciberativismo coloca que esse idealismo a priori, propagado por algumas análises entusiasmadas sobre o potencial emancipador ou centrado no seu caráter utilitário para ampliar as interações e a solidariedade social, desconsidera o profundo recorte de poder em que ela está ancorada. O discurso hiperbólico concebe o potencial do ciberespaço de tal maneira que chega a constituir uma caracterização meramente celebratória, assumindo uma postura pouco crítica, conforme ilustra a seguinte citação: Filhos tanto do globalismo como da era dos computadores veem a si mesmos como criadores de um novo mundo, uma situação mediada pela alta tecnologia, onde o acesso à rede é ao mesmo tempo uma espécie de libertação pós – moderna e o experimentar de novos meios democráticos de novos meios democráticos que capacitam os mais fracos a inundarem o sistema mundial com informação colocando em cheque, assim, os abusos dos poderosos (RIBEIRO, 2000, p. 474). O fundamento utópico pode velar as contradições presentes com relação aos recortes de poder e usos do ciberespaço, encobrindo desigualdades que dão a dimensão da exclusão no acesso às redes digitais. Citaremos como exemplo o Brasil, onde dos 10% mais pobres, apenas 0,6% têm acesso a computador com Internet, enquanto entre os 10% mais ricos esse percentual é de 56,3%. As discrepâncias existem também em relação às cinco regiões do país, onde o percentual da população com acesso à internet nas Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) é cerca de duas vezes maior do que nas Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%) 8. Assim, notamos que, enquanto um campo de relações humanas, as desigualdades são aspectos presentes. Há nesse campo uma distopia. A internet não se ajusta á imagem de um mercado livre sem controle, ou que responda apenas á manipulação individual. Apesar de que deveríamos explorar a idéia de um controle descentralizado, pode-se argumentar que a rede é controlada por uma “hierarquia de conexões” cujo ponto mais alto localizase no Estado americano, em agência de segurança e em corporações privadas que, caso necessário, podem exercer seu poder eletrônico (RIBEIRO, 2000, p. 474). Assim as redes digitais são recortadas por construções de poder relacionadas ao tipo de acesso dos grupos sociais, bem como o capital social e econômico presentes nessas redes, a exemplo do Facebook e Twitter. 8 Informações disponíveis nos Seguintes links: http://tobeguarany.com/internet_no_brasil.php. http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/87196.pdf Conclusão A inovação tecnológica vem carregada de um caráter utópico e distópico, no qual a ambivalência é sua marca. Assim, enquanto campo de ação estaria marcado por uma luta hegemônica pelos seus propósitos e construções culturais. No que tange a esfera pública na sociedade contemporânea, destacamos que a relação entre o ciberespaço e as Marchas (aqui citadas), como exemplo de movimentos sociais, não deve ser sumariamente vista como determinada pela esfera privada, sendo sensato observar que do ponto de vista da discussão téorico - sociologica que a esfera privada é encolhida e pressionada pelas estruturas sociais e pelo jogo do poder simbólico. A discussão teórica implica no presente texto observar que a relação entre ciberativismo e movimentos sociais aponta para o deslocamento de uma noção de espaço – tempo, ou seja, grupos sociais organizados podem construir demandas sociais e articular posições políticas a partir de rede digitais como Twitter e Facebook. Assim as redes digitais se tornariam mais do que instrumentos de articulação dos movimentos sociais, seriam espaço de ação política. Assim colocamos uma indagação: Twittaços poderiam pressionar para a resolução de demandas sociais tanto quanto os protestos em espaços públicos? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVAREZ, Sônia, DAGNINO, Evelina, ESCOBAR, Arturo. "O cultural e o político nos movimentos sociais latino-americanos." In: Alvarez, Sônia, Dagnino, Evelina, Escobar, Arturo (orgs.). Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000. AMARAL, Rita. Antropologia e Internet - Pesquisa e campo no meio virtual. [Disponível em http://www.aguaforte.com/antropologia/pesqnet1.htm]. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999 CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. O Ofício do Antropólogo, ou Como Desvendar Evidências Simbólicas, Serie Antropologia Vol 413, Brasília: DAN/Unb, 2007. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir e escrever. In: O trabalho do antropólogo. 1998. CASTELLS, Manuel. 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