A INTEGRAÇÃO/INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS: IMPLICAÇÕES PSICOPEDAGÓGICAS Prof. Mestre em Educação Marilene da Silva Cardoso Professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Av. Ipiranga 6681, CEP 90619900, Porto Alegre – RS UNITERMOS: Educação, Aprendizagem e Conhecimento, Desenvolvimento da Pessoa e Educação, Educação Inclusiva. RESUMO O presente trabalho possui como objetivo apresentar um estudo de caso de duas crianças portadoras de Síndrome de Down que estão integradas em escolas regulares da rede pública e privada de ensino. A investigação visou descrever, compreender e explicar o percurso dessas duas crianças com Síndrome de Down desde o período que freqüentavam o programa de estimulação precoce, passando pelos atendimentos na área clínica de fonoaudiologia, psicomotricidade, psicopedagogia e psicoterapia. Juntamente à pesquisa na área educacional e clínica, os familiares desses dois sujeitos foram entrevistados com o intuito de contribuírem com dados gerais sobre o diagnóstico da Síndrome e os encaminhamentos posteriores. Os rumos das políticas e serviços para Educação Especial apontam na direção da integração do maior número possível de alunos com necessidades educativas especiais nas classes comuns, tendo em vista esse referencial, decidi investigar como ocorre essa integração no meio escolar, para tanto, acompanhei dois sujeitos que foram atendidos desde bebê por profissionais da área da saúde. Este estudo caracteriza-se por uma abordagem de cunho qualitativo, contou com a participação de oito profissionais de duas instituições de ensino regular, localizadas nos municípios de Guaíba e Porto Alegre, quatro profissionais da área da saúde, de uma clínica de Porto Alegre, e dois familiares. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas e, posteriormente, transcritas, observações na sala de aula e nos atendimentos de Psicopedagogia e fichas de acompanhamento evolutivo. Para análise dos dados, obtidos por meio das entrevistas, foi utilizado o método de análise de conteúdo, proposta por BARDIN (1995), que proporcionou as seguintes categorias finais A Integração e a Escola, O desenvolvimento Potencial do sujeito com NEE e Integração/Inclusão: Família e Sociedade. As outras informações obtidas serviram como complemento à investigação, que favoreceram os achados sobre o problema da pesquisa. Ficou evidenciado, através das falas dos entrevistados, que os alunos com Síndrome de Down, que participaram de um programa de estimulação precoce e são integrados desde a educação infantil apresentam significativos progressos no seu desenvolvimento potencial. Também, destacou-se que o ambiente, altamente estimulador proporcionado pelas crianças ditas normais, colabora efetivamente para adaptação, sociabilidade e construção do conhecimento dos alunos com necessidades educativas especiais. Sendo assim, a investigação mostra novas propostas para que a Educação Especial transforme sua práxis até então segregadora e excludente, em uma prática que contemple as capacidades dos alunos especiais, desse modo, integrando-os na escola comum. INTRODUÇÃO Devido a minha trajetória profissional e acadêmica na Educação Especial, percebi que seria muito importante para o desenvolvimento do meu trabalho, bem como para o aprofundamento teórico executar uma pesquisa com essa temática. Embora reconheça que as pesquisas sobre o desenvolvimento cognitivo dos deficientes mentais precisam ser multiplicadas, alguns estudos já apontavam que a integração escolar dessas pessoas no ensino regular poderia contribuir, significativamente, para que superassem os desafios do meio escolar e social. Portanto, esta pesquisa teve por objetivo analisar como alunos com necessidades educativas especiais (Síndrome de Down) desenvolvem sua escolarização no ensino regular e como acontece o processo de integração do aluno diferente na escola e a inclusão social. REFERENCIAL TEÓRICO Conforme relata CORREIA (1997), a história assinala, desde a Idade Antiga, as políticas extremas de exclusão de crianças deficientes. Em Esparta, na antiga Grécia, essas crianças eram abandonadas nas montanhas, em Roma, atiradas nos rios. A literatura de Educação Especial, conforme FERREIRA (1994), registra a história do atendimento à pessoa com necessidades especiais no mundo ocidental, incluindo o deficiente mental, a partir de meados do século XVI, quando a questão da diferença ou a fuga ao padrão considerado normal vai passar da órbita de influência da Igreja para se tornar objeto da Medicina. De acordo com que relata JIMÉNEZ (1993), ao final do século XVIII e início do século XIX, inicia-se, nos países escandinavos e na América do Norte, o período da institucionalização especializada das pessoas com deficiências e, a partir daí, surge a Educação Especial. A sociedade toma consciência da necessidade de atender essas pessoas, mais com caráter assistencial que educativo. A assistência era proporcionada em centros, onde pessoas com deficiências eram atendidas e, assim, a sociedade era protegida do contato com os anormais. No Brasil, segundo BUENO (1993), até a década de 50, praticamente não se falava em Educação Especial, mas na educação de deficientes. Na década de 70, a Educação Especial sofreu uma ampliação com a instalação de um verdadeiro subsistema educacional, com a proliferação das instituições públicas e privadas de atendimento aos deficientes e a criação de órgãos normativos federal e estaduais. Nos últimos cem anos, verificou-se um processo dolorosamente lento de integração e participação das crianças com deficiência. A Educação Especial passa, neste século, por grandes reformulações, crises e mudanças. Devido à inquietação que a exclusão do sujeito portador de deficiência causava nos países da Europa e também para reafirmar o direito de educação para todos, foi que, em 10 de junho de 1994, representantes de 92 países e 25 organizações internacionais participaram da Conferência Mundial de Educação Especial. Esse encontro foi patrocinado pelo governo espanhol e pela UNESCO. A Declaração de Salamanca (1994, p. 09) partiu do seguinte pressuposto: "As escolas regulares com orientação para a educação inclusiva, são o meio mais eficaz no combate às atitudes discriminatórias, propiciando condições para o desenvolvimento de comunidades integradas, base da construção da sociedade inclusiva e obtenção de uma real educação para todos." Para BUENO (1993), a Educação Especial tem cumprido, na sociedade moderna, duplo papel de complementaridade da educação regular. Isto é, atende, por um lado, à democratização do ensino na medida em que responde às necessidades de parcela da população que não consegue usufruir dos processos regulares de ensino; por outro, responde ao processo de segregação da criança diferente, legitimando a ação seletiva da escola regular. Quando se aborda o tema da educação de crianças e jovens com dificuldades especiais, utiliza-se o termo Integração, querendo com isso significar a colocação de pessoas com necessidades educacionais especiais juntamente com pessoas que não as têm no mesmo contexto. A integração escolar é um movimento que visa acabar com a segregação, favorecendo, assim, as interações sociais de estudantes com necessidades educativas especiais (NEE) com estudantes considerados normais. A integração de alunos com necessidades educativas especiais na escola regular, como caminho fundamental para se atingir a integração social, constitui uma meta cada vez mais firme dos diferentes sistemas educativos, quando se pretende educar alunos com necessidades educativas especiais na escola regular. Isso pressupõe que é o sistema educacional como um todo que assume a responsabilidade de Educação (e não uma parte dele, a Educação Especial). JIMÉNEZ (1993) define a integração escolar como um processo que pretende unificar a educação regular e especial, com o objetivo de oferecer um conjunto de serviços a todos os alunos, com base nas suas necessidades de aprendizagem. A partir da década de 70, iniciaram-se uma série de estudos multidisciplinares, com o fim de obre maior conhecimento acerca do desenvolvimento cognitivo dos portadores da Síndrome de Down (SD). Em linhas gerais, os portadores da SD apresentam consideráveis atrasos em todas as áreas. Porém, estes sujeitos que participam desde os primeiros meses de vida de programa de estimulação precoce, desenvolvem ao máximo o seu potencial psicomotor, cognitivo e afetivo-social. Essa abordagem ambiental de Estimulação Precoce ou Intervenção Precoce visa maximizar as potencialidades e minimizar o acúmulo de déficits do bebê com síndrome de Down. No que refere-se a escolarização e aprendizagem do aluno com SD, PUESCHEL (1993, p.181) comenta: “É muito importante que crianças com SD sejam colocadas em uma situação em que consigam um desempenho escolar. Cada criança tem o seu próprio potencial, que deve ser explorado, avaliado e depois desafiado. Sua integração no ensino regular é um fator que as encoraja, aumenta sua auto-estima e estimula novas tentativas”. É, nessa perspectiva que, enquanto psicopedagoga, tenho referido-me aos alunos portadores de necessidades educativas especiais, que, antes de serem especiais, são alunos e crianças, e que suas necessidades só são especiais porque a sociedade assim as considera, isso não significa que esses sujeitos não devam receber um atendimento escolar adequado, pelo contrário, suas potencialidades precisam ser desafiadas, já que ainda há muitos preconceitos acerca da capacidade intelectual dessas crianças. METODOLOGIA O presente estudo foi construído numa abordagem qualitativa, supondo o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, através do trabalho intensivo em campo. Pretendi, neste estudo, retratar a realidade de forma complexa e profunda, focalizando o problema da pesquisa como um todo. Para isso, recorri a uma variedade de dados coletados em diferentes momentos e situações diferenciadas. A escolha do estudo de caso, um método naturalista de pesquisa educacional, teve como intenção contribuir neste estudo, pelo menos em parte, para que profissionais da psicopedagogia, da área da saúde e do ensino regular ampliassem seus conhecimentos sobre como ocorre a integração dos alunos com necessidades educativas especiais (NEE) com os alunos ditos normais. O propósito também foi de desmistificar certas concepções. ‘Neste estudo, tive o interesse de acompanhar a trajetória de dois alunos com necessidades educativas especiais, com Alteração Cromossômica do par 21 (Trissomia do 21 ou Síndrome de Down), que freqüentam o ensino regular. Uma menina com nove anos, atualmente aluna da terceira série de uma escola de ensino fundamental e médio da rede privada de Porto Alegre, e um adolescente de quatorze anos que freqüenta a sétima série de uma escola da rede municipal do município de Guaíba-RS. Também, participaram desta pesquisa: - equipe diretiva das escolas (Diretora e Vice-diretora); - equipe pedagógica (Supervisora, Orientadora Educacional e Coordenadora Pedagógica); - professores (matemática, português e de séries iniciais); - profissionais da área da saúde (Médico Foniatra, Psicóloga, Fonoaudióloga e Estimuladora Precoce) que acompanham esses dois sujeitos com necessidades especiais no processo de integração; e - mães dos sujeitos com NEE. As informações coletadas a partir das entrevistas foram primeiramente transcritas pela própria pesquisadora, a fim de uma melhor impregnação com o assunto. Nas entrevistas, optou-se pela metodologia de análise de conteúdo, considerando-se como “(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações.” (BARDIN,1995). As unidades de significado e temas que emergiram da exploração do conteúdo das entrevistas foram agrupadas, por analogia de temas, em categorias. Nesta categoria final A INTEGRAÇÃO E A ESCOLA, destaco com ênfase as manifestações dos profissionais da área educacional sobre a integração do aluno com NEE na escola regular. Desse modo, incluí os temas (unidades de significado) relatos que se referem ao processo de integração do aluno com necessidades educativas especiais na instituição escolar como um todo, incluindo equipe diretiva, pedagógica, professores, pais e alunos. As idéias expressas pelas supervisoras pedagógicas, orientadoras educacionais e profissionais da área clínica mostram que é evidente a preocupação desses profissionais no sentido de acolher esse aluno diferente ao chegar na escola. Aparece na fala da Coordenadora Pedagógica da escola de F, “se perguntar a escola está acolhendo? A gente também quer poder acolher e também nós queremos compreender bem como trabalhar com esse aluno” (CP7). O aluno com NEE, na escola regular, também, possibilita fazer aflorar o aspecto afetivo entre docentes e alunos, numa convivência mais abrangente. Como cita a supervisora pedagógica da escola de A, “(...) a escola procura mostrar esse lado mais humano e afetivo com todos os alunos. Principalmente a aceitação de alunos diferentes, não só com Síndrome de Down, mas outros problemas que surgem no dia-a-dia” (SP5). A escola trabalha em seu espaço, com a heterogeneidade nas relações cotidianas e a convivência com os diferentes mostra que o mundo é composto pela diversidade. Destaca a Professora de A, “também para os colegas, ditos normais, é muito importante conviver com um colega com Síndrome de Down, pois crescem vendo que existem as diferenças e que as pessoas não são iguais. Que todos têm diferenças e ao mesmo tempo cada um é singular” (PM 12 ). Essa circulação entre as diferenças e a normalidade, através do convívio diário no espaço educacional, é de suma importância porque os colegas vivenciam, nesse cotidiano, a chance de aceitar as limitações, pois as crianças apresentam facilidade em aceitar e conviver com as diferenças, como aparece destacado no posicionamento da Coordenadora Pedagógica da escola de F “(...) eu acho que isso vem até a favorecer e enriquecer o trabalho, digamos a vivência das outras crianças, elas vão aprendendo desde cedo a conviver com todos, e a criança, digamos portadora de necessidades especiais, vai se sentir mais integrada, mais participante desta sociedade ela vai crescer mais forte, e terá muitas outras oportunidades, porque ela participou deste grupo numa integração normal” (CP 3 ). Ao ouvir todos os professores e profissionais da Equipe Pedagógica desses dois sujeitos com SD integrados, percebe-se que a integração com os colegas trouxe crescimento ao grupo em geral, como no depoimento a seguir da Supervisora Pedagógica, “porque além do crescimento pessoal aparece o crescimento da turma, do grupo. E para o aluno com NEE ele sente-se bem integrado, e não ver só deficiência na mesma sala. Há mais empolgação, podem chegar mais longe, porque juntos com outros alunos, isso ajuda não há discriminação. A convivência com colegas e professores é importante para eles. Há trocas de ambas as partes, para o professor é um trabalho novo” (SP 1 ). Cada uma das escolas pesquisadas tem a sua particularidade, a escola do menino A faz parte da rede pública municipal e desenvolve essa proposta desde 1992, quando o aluno A ingressou na primeira série do ensino fundamental. A escola da menina F faz parte da rede privada de ensino, ela iniciou sua escolarização na Educação Infantil em 1996, numa turma de nível B (Pré-Escola). Atualmente, o processo de integração escolar é um acontecimento verdadeiro nessas duas escolas e todos os profissionais que foram pesquisados mostraram-se engajados na proposta, como afirma a Supervisora da escola do aluno A “(...) é importante essa integração, para mostrar para a sociedade que são capazes de ir além do que pensamos que eles fazem” (SP2). Na categoria OS PROFISSIONAIS DA ESCOLA E A PROPOSTA DE TRABALHO COM O ALUNO INTEGRADO, os profissionais da área educativa manifestaram-se, sobre esse tema, salientando que o professor da sala de aula comum tem sido identificado como um dos principais elementos para o êxito da integração escolar de crianças com NEE. Relatam em suas falas que é comum que esses professores não possuem experiência significativa ou relevante de lidar com as NEE, nem gozam de metodologias de ensino e práticas pedagógicas que garantam sua integração. Em qualquer situação de aprendizagem formal é o professor o elemento chave para favorecer o desenvolvimento das potencialidades do aluno. Dentro dessa categoria O DESENVOLVIMENTO POTENCIAL DO ALUNO COM (SD) foram incluídas as falas dos profissionais da área da Saúde que acompanham os dois casos em estudo, o Médico, a Psicóloga, a Fonoaudióloga e a Estimuladora Precoce. No relato do Médico, ficou explícito que é fundamental a identificação o mais precoce possível do distúrbio que a criança é portadora “(...) em qualquer momento, é importante que o distúrbio seja logo identificado e proposto a melhor alternativa terapêutica para essa criança” (M16), pois, dessa forma, far-se-á o encaminhamento necessário para o acompanhamento clínico. FONSECA (1995, p.53) infere a respeito: “A identificação precoce sistemática é uma condição imprescindível da intervenção, não só porque evita problemas futuros, como tende a eliminar condições que agravam o desenvolvimento. A identificação precoce permite ainda o controle e a facilitação de fatores de desenvolvimento, quer motores, quer lingüísticos, perceptivos, cognitivos e sócio-emocionais.” VYGOTSKY (1991) aponta que, mesmo nas deficiências de natureza orgânica, as conseqüências mais importantes para o indivíduo estão mediadas pelos fatores sociais e psicológicos do desenvolvimento alterado. Para ele, é na parceria de trabalho que poderemos auxiliar a desenvolver, como educadores e parceiros mais experiente, as funções psicológicas superiores de nossos alunos, atuando na zona de desenvolvimento potencial, que deveria valer no ensino dos alunos com NEE. Nesse sentido, a importância dos atendimentos de fonoaudiologia, psicomotricidade, psicologia e psicopedagogia, além da estimulação precoce, são fundamentais para a integração da criança com (SD) na escola e na vida social. Como destaca a Fonoaudióloga “(...) acredito que a criança com NEE que realiza esse trabalho global em função de todas as áreas, pois eu não trabalho só a área da fono, mas às áreas senso - percepto - cognitiva, socioafetiva e psicomotora, dentro de um enfoque bem global e com apoio dos profissionais de outras áreas” (F1). Percebi, durante a caminhada nesse processo de inclusão, que o importante é poder, por meio dos atendimentos da área clínica, desenvolver o potencial desse sujeito para que tenha uma integração plena no espaço escolar. Isso aparece na fala do Médico, “(...) Nós da equipe, procurávamos alternativas que pudéssemos de alguma forma, já naquela época, aproveitar o potencial da criança” (M3). Conforme afirma PUESCHEL (1993), é muito importante que crianças com SD sejam colocadas em situação que consigam um desempenho escolar. Cada criança tem seu próprio potencial, que deve ser explorado, avaliado e depois desafiado. As crianças sentem-se bem com um bom desempenho escolar. É um fator que as encoraja, aumenta sua auto-estima e estimula novas tentativas. Muitas vezes, o incentivo correto pode ser o suficiente para fazer com que a criança com SD possa esforçar-se um pouco mais. Entretanto, se as crianças não se sentirem aceitas, ou perceberem que a professora não quer trabalhar com ela, uma barreira será erguida entre o professor e o aluno, prejudicando o processo de aprendizagem da criança. Nesta pesquisa, observam-se que as chances de desenvolvimento de potencial cognitivo da criança com (SD) são maiores quando ela está inserida na escola regular, ela não teria essas possibilidades de construção lógica e de raciocínio numa escola especial, como afirma a Psicóloga “(...) tento imaginar esses dois sujeitos numa escola especial e eu vejo que não teriam as condições que tem hoje nem intelectual e social, mesmo tendo as dificuldades que eles tem hoje. Porque são dificuldades que eles conseguem pensar sobre e não estão alienados nelas” (P29). Ela fala sobre um desenvolvimento cognitivo mais avançado, “(...) também circula a questão da sexualidade de outra forma, a questão social, a conduta, o comportamento desse sujeito tem determinadas regras para ser aceito no grupo. Já, na escola especial, o adolescente é tratado como criança, pode ter outro comportamento, e essa conduta inadequada é aceita, porque ele é especial” (P35). Esta categoria final INTEGRAÇÃO/INCLUSÃO NA FAMÍLIA E SOCIEDADE inclui as questões relacionadas à inclusão social do sujeito com SD, na vida cotidiana dos seus familiares, assim como no processo de integração como desafio na sociedade atual. A família é o ponto de apoio que fundamentará toda a modificação em termos sociais no que se refere à inclusão desse sujeito que nasceu com uma anomalia genética e que a cada década está rompendo barreiras. Isso fica nítido na manifestação do Médico pesquisado: “(...) em nível familiar, é possível avaliar através dos contatos que tivemos com eles, e sabemos que eles acompanharam todo trabalho e também eles tem participado, no sentido de romper outra esfera no sentido mais amplo, ou seja, no social, e a escola quando apresentava barreira, conseguimos através desses pais que isso fosse aceito” (M19). MANTOAN (1997) afirma que os pais têm um papel importante e devem ser fortalecidos para enfrentar o preconceito e expor seu filho em locais públicos, pois essas situações informais funcionam como um processo de sensibilização para pessoas que não convivem com a deficiência, ajudando a redefini-la. A longo prazo, a aceitação em espaços estruturados pode ser mais fácil. Para a prática da exclusão e da desigualdade serem superadas, surge a integração/inclusão como um processo imprevisível, que pode ser modificável, como afirma a Psicóloga “(...) é um processo que ninguém sabe onde vai dar, a gente não pode dizer vai ser assim, é um processo imprevisível, como tudo na vida. Parece que com o deficiente a gente quer a resposta, mas não se sabe se ele vai se adaptar, gostar da escola. Só estando lá na escola, integrado é que se vai saber” (P19). Inclusão social é conceituada, para SASSAKI(1997, p.41), como: “Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluírem em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social é então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.” A integração do sujeito especial na sociedade, sempre, foi um tabu, pois a exclusão social era algo comum em décadas passadas, como afirma a Professora do aluno A “(...) eu acho que isso é muito bom, a nossa sociedade foi acostumada a excluir qualquer pessoa que tivesse alguma anomalia, qualquer diferença nunca era bem vista. Antigamente se escondia em casa e não deixavam ver. E hoje em dia é benéfica que participem, porque as crianças ditas normais elas crescem, começam a ver que tem dons e habilidades que não aproveitam” (PP1). Nesta pesquisa, o que observei é que a partir dessa circulação no social, dessa integração, os sujeitos portadores da SD estão conseguindo superar estigmas e a discriminação, como afirma a Psicóloga, em sua narrativa, “(...) e outro ponto é a questão social, de poder ter outra circulação, vejo especialmente nas crianças com Síndrome de Down, são crianças com menos estereotipias, que no diagnóstico dessa síndrome é uma das características, e muitas das nossas crianças com a síndrome que estão integradas, não apresentam estereotipias, isso é um dado muito significativo. A síndrome não mudou, mas a criança é que conseguiu superar isso. Então o desenvolvimento social conseguiu superar isso” (P11). Este estudo aponta que nos deparamos com um novo olhar nesse final de século, isto é, a possibilidade de convivermos em nossa sociedade com as diferenças, essa idéia está explicita no depoimento da Psicóloga “(...) a grande questão nesse final de século é se aprender a viver com as diferenças e com toda a heterogeneidade do homem e não mais se pensar no aluno ideal, homogêneo, que aprende igual” (P47). CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a chegada do novo milênio, tornam-se inquietantes os vários desafios que a escola enfrentará para que contemple a diversidade e a heterogeneidade do alunado, não mais restrita somente àqueles ditos normais. O presente estudo possibilitou uma efetiva constatação de que alunos com NEE podem e devem freqüentar uma escola dita para todos, construindo um novo conceito, o de que nem todos os sujeitos com NEE não devam permanecer em escolas especiais, o tempo todo.A investigação trouxe à tona diversos aspectos referentes à integração do aluno com NEE no ensino regular, que foram revelados pelos profissionais entrevistados. Fica evidenciado nessa pesquisa, que nesse espaço de socialização do saber que é a escola, todos passam a conviver com as diferenças sem preconceito ou discriminação, aceitando as limitações dos colegas e alunos, porém apoiando-os ao vencerem os desafios. O grupo de colegas é o estímulo na sala de aula, dessa forma, ocorre então a ruptura da discriminação através da (inter)ação e da convivência no cotidiano escolar, enquanto que na escola especial essas crianças não teriam tanta oportunidade de construírem o conhecimento junto às crianças ditas normais. Os dados obtidos, revelaram a possibilidade desses dois alunos com SD desenvolverem o seu potencial para a aprendizagem formal no meio escolar comum, embora inúmeras dificuldades tenham surgido durante o percurso, que foram superadas a partir dos acompanhamentos sistematizados que eles receberam na área clínica, enquanto que seus pais e seus professores eram também orientados. A Integração/Inclusão é um processo complexo, em que diversas barreiras são impostas aos professores, como se detectou nas falas dos entrevistados, quando comentam a falta de formação pedagógica e despreparo para trabalharem com a heterogeneidade em sala de aula. Certamente, neste estudo, não foi meu intuito negar determinados aspectos orgânicos, que são particulares à Síndrome de Down e que limitam muitas vezes o potencial desses sujeitos em realizarem atividades mais complexas, entretanto não pode haver uma supervalorização dessas limitações, uma vez que, no cotidiano, as pessoas não necessitam realizar o tempo todo, raciocínios mais complexos e vivem normalmente. Ficou constatado que a maior dificuldade centra-se na proposta pedagógica, isto é, na metodologia usada em sala de aula, no currículo, nos recursos educacionais e na avaliação, que ainda permanece muito quantitativa e normativa. De acordo com os dados obtidos, há necessidade de uma adaptação curricular para esse alunado com NEE que freqüenta a classe comum. As práticas educativas ainda utilizam-se de metodologias tradicionais, em que o conhecimento está centrado no professor, ao contrário de metodologias mais avançadas, em que o aluno é o protagonista e a comunicação é recíproca. Nessas escolas, nas quais estão inseridos os alunos com Síndrome de Down, a adaptação curricular permanece insuficiente, faz-se necessário prever atuações dirigidas a facilitar o progresso acadêmico desses sujeitos. Não podemos ver a integração como um processo estandarizado, visto que cada caso e cada situação requerem atuações diferenciadas. Trata-se de um processo com muitas implicações, que os professores da Educação Infantil e Séries Iniciais estão mais predispostos em apostarem nessa prática e apoiarem a transição destes alunos, do que os professores do Ensino Fundamental de quinta a oitava série, pois nessas séries ocorrem maiores mudanças na rotina escolar, devido o maior número de disciplinas e mudanças de professores, tornando seus trabalhos com estes alunos mais complexo e difícil, algumas vezes provocando resistência a mudanças. Ficou comprovado que o trabalho direto da Intervenção Precoce, junto aos pais e a esses bebês sindrômicos, tem sido o melhor recurso para vencer as dificuldades nas áreas psicomotora, senso-percepto-cognitiva e socioemocional. Foi, trabalhando e acompanhando o desenvolvimento desses dois sujeitos desde seus primeiros meses de vida, que percebi o significativo crescimento que lhes possibilitou uma comunicação e socialização para serem integrados na Educação Infantil (Pré-Escola) e, posteriormente, nas Séries Iniciais (Ensino fundamental). Os professores e a equipe escolar mencionaram em suas entrevistas, que o processo de aprendizagem desses alunos modificou-se a partir da mediação com professores e com os colegas ditos normais, havendo uma maximização do potencial cognitivo, que para VYGOTSKY seria o desenvolvimento proximal. Mesmo apresentando uma lentidão de raciocínio que é comum na SD, toda comunidade escolar passou a aceitar as diferenças e a convivência com a singularidade desse sujeito aos poucos foi sendo respeitada. Ficou evidente, que é importante um planejamento da educação, sendo esta coerente com o futuro social que se espera conseguir. Se queremos uma sociedade integrada, cujos membros convivam e respeitem as diferenças de todo tipo é preciso favorecer a criação desses valores na escola desde a Educação Infantil. Somos todos iguais em direitos, porém diferentes como pessoas. Essas diferenças podem obedecer a distintos estilos cognitivos, ritmos de aprendizagem, interesses, etc., ou podem derivar de alguma discapacidade ou de situações diversas de desvantagem social. Contudo, a educação obrigatória deve atender a todos. Deve-se adaptar o sistema educativo ao aluno e não pretender que o aluno se adapte ao sistema. Entretanto, ficou explícito a partir das duas escolas pesquisadas, que não foi simples de se conseguir um contexto efetivo de integração. O desconhecimento e o conseqüente medo por parte das pessoas é um obstáculo às situações em que as pessoas com SD possam conviver com os demais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto. SP: Martins Fontes, 1995. BUENO, José Geraldo Silveira. Educação Especial Brasileira - Integração/Segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993. CORREIA, Luiz de Miranda. Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto: Editora Porto, 1997. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Enquadramento da Ação: Necessidades Educativas Especiais. In: Conferência Mundial sobre NEE: Acesso e Qualidade - UNESCO. Salamanca/Espanha: UNESCO 1994. FERREIRA, Julio Romero. A Exclusão da Diferença: a educação do portador de deficiência. Piracicaba: Unimep, 1994. FONSECA, Vítor da. Educação Especial. 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