BRUNO RIBEIRO SILVA
O GROTESCO COMO EXPRESSÃO DA POESIA ROMÂNTICA
CUIABÁ-MT
2009
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BRUNO RIBEIRO SILVA
O GROTESCO COMO EXPRESSÃO DA POESIA ROMÂNTICA
Dissertação apresentada ao programa de Mestrado
em Estudos de Linguagem do Instituto de
Linguagens da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de Concentração: Estudos Literários
Orientadora: Profa. Dra. Célia Maria Domingues da
R. Reis
CUIABÁ-MT
S581e
Silva, Bruno Ribeiro.
O grotesco como expressão da poesia romântica. / Bruno Ribeiro
Silva – Cuiabá (MT): O Autor, 2009
85 p.:il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem). Universidade
Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens. Área de
concentração: Estudos Literários.
Orientador: Profª. Drª. Célia Maria Domingues da R. Reis.
Inclui bibliografia.
1. Grotesco. 2. Poesia Romântica. 3. Pintura Romântica. I. Título.
CDU: 82-1
iv
El sueño de la razón produce monstruos.
Goya
A arte não produz unicamente o Belo, mas também o feio, o
horrível, o monstruoso.
Bruyne
v
Aos meus estimados entes,
Edivan,
Vilza,
Danilo.
vi
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Célia Maria Domingues da Rocha Reis, pela competência, pelas
discussões fecundas, pela paciência, pelo apoio nos momentos difíceis e, principalmente, por
sua amizade.
Aos professores do MeEL, Maria Rosa, Juan, Francelli, Rhina, Gilvone, Cássia e Mário Cézar.
À FAPEMAT, pelo apoio financeiro.
Aos meus colegas do MeEL, Edson, Márcia, Nilma, Ângela, Marly, Ana Paula, Sandro, Elisa,
Rosenir.
À Polyana Olini, amável e solícita.
Aos meus sempre professores, Hidelberto e Águeda (UFMT/IUniAraguaia).
Aos meus amigos, Leopoldo Gomes, Leandro Nery e Leory William, companheiros de sonhos,
ideais e frustrações.
vii
RESUMO
SILVA, B.R. O grotesco como expressão da poesia romântica.
O presente estudo observa como se configura a expressão do grotesco na poesia
romântica, dialogando com obras pictóricas da mesma escola para a ampliação das
reflexões. Entenderemos o grotesco romântico como manifestação de protesto e revolta
à ordem rigidamente estabelecida e à razão tirânica, tanto da Ilustração, quanto do
Neoclassicismo, buscando uma nova compreensão da realidade através do
irracionalismo e dos componentes imaginativos. O foco das análises será a relação de
categorias antitéticas Belo/Feio, a mistura injustificada de domínios Real/Onírico,
Humano/Animal, a representação do macabro, a manifestação do sobrenatural, o
estranhamento do mundo ante a deformação da realidade sob a óptica grotesca. O
conceito de grotesco não será entendido como uma sub-categoria do cômico ou
categoria estética da qual o cômico é seu cerne. O que tomamos como grotesco é a
consubstanciação do belo como aspectos disformes e/ou lúgubres, estando ou não o
elemento cômico inserido. Antes da análise do corpus selecionado, explanaremos sobre
o Romantismo – etimologia, periodização, contexto histórico, substrato filosófico. Ao
final, o grotesco será apresentado como uma proposição de pensamento artístico e de
apreensão plástica da realidade.
Palavras-chave: Grotesco, poesia romântica, pintura romântica.
viii
ABSTRACT
SILVA, B.R. The grotesque as an expression of romantic poetry.
This study aims to see how it sets the expression of the grotesque in Romantic poetry,
talking pictorial works of the same school that expand the horizon of analysis.
Understand the grotesque romantic as a manifestation of protest and revolt rigidly to the
established order and the oppressive reason both of illustration, let's Neoclassicism,
seeking a new understanding of reality through the irrationalism of components and
imaginative. The focus of analysis is the relationship of antagonistic categories
Beauty/Ugly, the mixture of fields unjustified Real/Oniric, Human/Animal, the
representation of the macabre, the manifestation of supernatural, the strangeness of the
world at the deformation of reality in terms grotesque. The concept of grotesque will not
be understood as a sub-category of the comic or class aesthetic of the comic is its
heartwood. The grotesque as we take consubstantiation is as beautiful aspects of the
deformed and/or gloomy, whether or not the comic element added. Before the analysis
explained about Romanticism – periodization, historical context, philosophical
substrate. At the end, the grotesque will be presented as a proposal of artistic thinking
and seizure of plastic reality.
Keywords: Grotesque, romantic poetry, romantic painting.
ix
SUMÁRIO
Dedicatória ........................................................................................................................ .v
Agradecimentos ................................................................................................................. vi
Resumo ............................................................................................................................... vii
Abstract.............................................................................................................................. viii
Introdução ......................................................................................................................... 09
1 ROMANTISMO E GROTESCO ................................................................................. 15
1.1 Periodização, origem, etimologia e contexto histórico ................................... 15
1.2 A concepção romântica: substrato filosófico .................................................. 22
1.3 O Grotesco: o termo, evolução histórica e características ............................. 32
2 O GROTESCO COMO EXPRESSÃO DA POESIA ROMÂNTICA: A
SUBLIMAÇÃO DO FEIO ............................................................................................... 36
2.1 O grotesco fantástico: a ironia romântica em Byron e Fuseli ....................... 38
2.1.1 O Pesadelo romântico............................................................................ 48
2.2 A soturna trindade: Amor, Morte e Noite....................................................... 52
2.2.1 A representação pictórica da tísica em Goya ..................................... 65
2.3 A fusão dos planos onírico/real na lírica de Leopoldo Gomes ....................... 70
2.3.1 Relações intertextuais entre Cemitério do mosteiro na
neve e Remorsos de um atordoado coração ................................................... 76
Considerações finais.................................................................................................... 81
Referências bibliográficas ......................................................................................... 82
Créditos Iconográficos ............................................................................................... 85
10
Introdução
Com o advento do liberalismo estético e da relativização do gosto empreendidos
pelo Romantismo, o grotesco e os aspectos disformes da natureza galgaram cada vez
maior espaço nos anais da história da arte ocidental. O que corroborou para essa
mudança de postura foram os dois princípios que passaram a gerir o fazer-artístico:
Liberdade e Individualidade. Estes princípios possibilitaram ao artista uma criação mais
aberta à subjetividade, à irracionalidade e à plena expressão dos sentimentos. Em outras
palavras, o criador determinaria a obra a partir de seu temperamento, de sua vontade,
permitindo-lhe que ela revelasse sua verdade interior e suas oscilações anímicas.
A obra de arte no Romantismo é concebida como resultado do gênio criador, idéia
que desconsidera as prescrições poéticas de Aristóteles (384-322 a.C.), Horácio (65-8
a.C.), Boileau (1636-1711). A noção de gênio durante o período romântico é entendida
como um talento que se desenvolve de modo independente da cultura. Liga-se,
geralmente, à imagem do artista, possuidor de um dom sobrenatural, capaz de
estabelecer o nexo entre a natureza interior e a natureza exterior. Essa crença na
independência total do gênio de fatores exteriores à sua essência se deu pelo motivo de
a atividade artística no Romantismo ser de base idealista, acreditar nas formas absolutas
e negar a experiência histórico-cultural (HANSEN, 1998).
Enquanto que, na arte clássica, o artista é visto como um imitador – seu talento
mede-se pela sua capacidade de representar a natureza, de construir o que é verossímil –
e sua obra resultar de um árduo labor, submetendo ainda a expressão da fantasia e do
sentimento à razão e a algumas normas preestabelecidas; no Romantismo, o artista
genial, embora ainda manifestando certa preocupação com a forma, não se prende às
convenções, não quer o equilíbrio e a proporcionalidade. Ele se concebe o poder de
11
romper com a verossimilhança e verter o seu caótico mundo interior no produto da
criação, pois sua busca é pelo singular e pela fidelidade ao seu “eu”.
Tudo isso favoreceu a valorização de um mundo desconexo e sinistro em que a
consubstanciação de elementos incomuns era o ideal. A fealdade, nas suas mais diversas
facetas, torna-se, assim, um dos motivos principais das produções românticas. Enquanto
a tradição clássica ou, mais especificamente, o pensamento platônico, legava ao feio o
status do não-ser (PLATÃO, 2003), já que este não existia no plano das idéias – a
verdadeira realidade –, a estética romântica via no feio e suas derivações a possibilidade
de ampliação do horizonte da criação artística. Não que o feio tenho sido totalmente
banido no período clássico, uma vez que Aristóteles (1964) reconhecia que o
desagradável e o hórrido também podiam servir de inspiração, à medida que, na arte,
esses elementos sofriam uma espécie de transfiguração que possibilitava ao mais
repugnante tema tornar-se Belo, mas sua expressão era tímida ou de menor envergadura.
Para os românticos, em especial Hugo (2002), a verdadeira beleza dá-se pela síntese dos
contrários, pois na natureza as categorias Belo/Feio e Sublime/Grotesco não se
apresentam separadamente. Tal idéia legitimará o grotesco como a principal
característica da arte romântica: há uma ruptura com a representação harmônica da arte
clássica, que dá margem à representação do inusitado, do inaudito grotesco das coisas,
situações, pessoas, natureza.
Nesse sentido, pretendemos realizar um estudo teórico sobre a expressão do
grotesco na poesia romântica, observando como ele se configura; entender os elementos
que possibilitam o “estranhamento” do mundo frente à deformação da óptica grotesca e
as relações das categorias Belo/Feio; discutir de que maneira a poética romântica
favorece a legitimação do grotesco enquanto categoria estética – entendendo “categoria”
no sentido aristotélico (2005), meio de classificação de qualidades estéticas (belo,
sublime, grotesco, gracioso) –, e, principalmente, apresentar o grotesco como uma
proposição de pensamento acerca de um modo de realização artística e de apreensão
plástica da realidade.
Ademais, faremos um cotejo interdisciplinar, comparativo, entre poesia e pintura,
como forma de ampliar e aprofundar as análises. Desse cotejo verterá uma reflexão
sobre a relação da literatura com as demais formas de arte, no caso aqui presente, com
as artes plásticas. Pois, como assevera Pessoa (1990, p.95), “Toda arte é uma forma de
literatura, porque toda arte é dizer qualquer coisa”. Sabemos que cada forma de arte tem
suas características imanentes, suas próprias formas de expressão, sua natureza. No
12
entanto, não são estanques entre si. Há sempre algum tipo de relação de uma arte com
outras modalidades. Nisso reside o dinamismo, a plurissignificação e a polivalência da
arte. Sendo assim, qualquer tentativa de divisão mais rigorosa em arte pode ser
entendida como dogmatismo. A proposta apresentada visa, de certa maneira, por meio
de estudos interdisciplinares, comparados, tentar entender e estender as implicações do
fenômeno literário na relação arte-ela mesma e arte-sociedade.
Esse diálogo inter-artes torna-se importante em nosso trabalho uma vez que foi
durante o Romantismo que a rígida separação das artes, em vigor durante todo o período
clássico, começa a ser desconsiderada e as relações entre as diversas modalidades de
arte ganham força, em que pese o conceito de Gesamtkunstwerk – “obra de arte total”
(ZANINI, 2005, p.188) – que ficou tão em voga neste período. Os românticos irão
trabalhar em um projeto de integração entre as artes formando, como acreditava
Schelling, um “todo orgânico” para atingir a “Beleza divina” pela multiplicidade de
linguagens artísticas presentes em uma única obra (KIEFER, 2005, p.213).
Aproveitando o ensejo, gostaríamos de comentar sobre o prazer de conversar com
o texto, de trabalhar com a arte, com a literatura. A arte nos possibilita estabelecer uma
reflexão sobre a existência, sobre as coisas do mundo, sobre as relações humanas, sobre
as contradições da realidade empírica, mesmo que na maioria das vezes ela se faça
negando essa realidade dada, criando sua própria esfera. Como afirma Bosi (1986,
p.36), “o ver do artista é sempre um transformar, um combinar, um repensar os dados da
experiência empírica”. Além disso, a arte, por meio de seu processo criativo, permite ao
sujeito reconhecer-se como ser humano, pois, enquanto se detém apenas às obrigações
cotidianas, ele não está fazendo mais do que atender às necessidades primárias, à
semelhança de um animal.
De um modo geral, os trabalhos acadêmicos são marcados por uma certa
impessoalidade, frieza, distanciamento. Mas um trabalho em literatura, ou em qualquer
outra área artística, dá guarida para colocarmos um pouco de nós no texto científico, já
que a arte apela para o caráter emocional, subjetivo do indivíduo, o que faz com que se
quebre o distanciamento entre sujeito e objeto, pela possibilidade de identificação
recíproca. Como diz Loureiro (2001), a riqueza da arte reside precisamente em, por
meio da identificação, proporcionar-nos outras existências. Assim, tentaremos conciliar
objetividade científica com intuição e sensibilidade.
Cumpre explicar o método e a forma em que se organiza essa dissertação. A
metodologia que empregaremos é a de pesquisa bibliográfica e análise literária e
13
pictórica. Selecionamos um corpus de três textos poéticos, segundo sua expressão do
grotesco, de autores de várias nacionalidades – a ordem das análises dá-se pelo critério
cronológico. Dos três poemas, dois pertencem ao período romântico propriamente dito,
ou seja, entre a segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX, – Versos
inscritos numa taça feita de crânio, de George Gordon Byron (1788-1824, Inglaterra);
O noivado do sepulcro, de Soares de Passos (1826-1860, Portugal) –; e um produzido
na contemporaneidade mas com características e expressões radicadas no Romantismo –
Remorsos de um atordoado coração, de Leopoldo Gomes (1981, Mato Grosso, Brasil).
A escolha do poema de Leopoldo Gomes soma com a tentativa de compilação,
estudo e divulgação da Literatura e Cultura mato-grossense. Além disso, o poeta
apresenta características e influências do Romantismo literário, demonstrando que esta
estética ainda apresenta fortes ressonâncias, provocando uma reflexão sobre a questão
do lirismo ligado ao grotesco, e não o grotesco midiático que tem somente pretensões
mercadológicas e comerciais.
Para ampliação do estudo dos poemas, foram selecionadas três pinturas
românticas: O Pesadelo, de Henry Fuseli (1741-1825, Suíça); Dona Tadea Arias de
Enríquez, de Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828, Espanha); e Cemitério do
mosteiro na neve, de Caspar David Friedrich (1774-1840, Alemanha). Sempre que
houve oportunidade, no entanto, trouxemos outras obras para auxiliar a análise do
corpus.
Em relação à análise poética, ela será orientada, sobretudo, pela Estilística –
Alonso (1965), Martins (1997) –, abordagem que, por meio de recursos lingüísticos,
interpreta os efeitos que a linguagem pode assumir. Estudando aspectos sonoros,
morfológicos, sintáticos, semânticos do estilo dos poetas, a Estilística procura, por meio
do prazer e da intuição, elementos fundamentais na relação leitor-obra, verificar de que
maneira as forças históricas e sociais se integram, como funcionam construtivamente na
obra como matéria fundamental na criação; o que a capacidade inventiva do poeta
conseguiu edificar como obra, o que ele põe de si a partir das fontes absorvidas de seu
contexto, época.
No caso particular do Romantismo, não o entendemos apenas como uma estética
ou um sistema estilístico que prima pela liberdade formal, a mistura dos gêneros e o
poder demiúrgico do gênio, mas também como um produto sócio-cultural, resultado de
uma emergência histórica (GUINSBURG, 2005). Por essa razão, entendemos o
fenômeno literário como forma e conteúdo, a obra de arte na sua totalidade, como
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prazer subjetivo e resultado histórico. Mas sempre partindo do texto, pois é na/pela
linguagem que a arte se realiza para expressar um determinado conteúdo.
O estudo das obras de arte plástica utiliza principalmente o material teórico de
Ostrower (2004), Proença (2005), Woodford (1983), Reynolds (1986) e Gombrich
(1995). Por intermédio dos instrumentos de análise desses autores, buscamos identificar
algumas particularidades formais e conteudísticas presentes nas obras dos artistas
referidos – estilo individual –, e o conjunto de expressões, comum a vários artistas do
movimento romântico – estilo de época.
Quanto à organização, o trabalho apresenta dois grandes capítulos. No
primeiro capítulo, faremos um estudo sobre o Romantismo, apresentando um panorama
geral do movimento romântico: periodização e origem; etimologia; contexto histórico,
com ênfase na Revolução Francesa e Revolução Industrial; substrato filosófico,
apresentando a visão romântica da existência, da natureza e da arte, com o intuito de
traçar um perfil da personalidade do romântico, tendo como referencial alguns
pensadores do Romantismo. A apresentação do contexto histórico anterior à explanação
sobre o amálgama filosófico do Romantismo dá-se pelo fato de acreditarmos que a
visão romântica “é por certo uma visão de época, condicionada que foi a um contexto
sócio-histórico cultural determinado, que possibilitou a ascendência da forma conflitiva
de sensibilidade enquanto comportamento espiritual definitivo” (NUNES, 2005, p.52).
Em seguida, discutiremos sobre o termo grotesco buscando sua origem etimológica,
características e sua evolução através da história.
No segundo capítulo, analisaremos os poemas e as telas, observando como se
configura a expressão do grotesco – elementos de construção, as relações dos elementos
antitéticos, a mistura dos domínios, a manifestação do sobrenatural e do macabro e o
estranhamento do mundo frente à deformação da óptica grotesca.
CAPÍTULO I
ROMANTISMO E GROTESCO
1.1 Periodização, origem, etimologia e contexto histórico
Entre os fins do século XVIII e início do XIX, surge na Alemanha e na
Inglaterra um dos movimentos mais complexos e contraditórios do mundo ocidental, em
virtude das posições díspares, da pluralidade de formas de expressão e de temas, o
Romantismo. Kiefer (2005, p.216) argumenta que o movimento romântico “apresenta
uma multiplicidade estilística desconcertante”. Por essa característica multifacetada,
Nunes (2005, p.52) chega a acreditar na autonomia entre as diversas vertentes do
movimento:
Pela variedade de seus aspectos, extensivos, para além da literatura e
da arte, a todas as dimensões da cultura, pela diversidade de posições
contrastantes que abrangeu, o Romantismo foi, na verdade, uma
confluência de vertentes até certo ponto autônomas, vinculadas a
diferentes tradições nacionais.
Os termos “romantismo” e “romântico” evoluíram do advérbio romanice, do
latim vulgar, que significava “à maneira dos romanos” (ELIA, 2005). No século XII,
“romântico” designava qualquer narrativa escrita nas línguas românicas, ou seja, na
língua do povo, em oposição ao latim erudito. No século XV, o termo significa
romances de aventuras de caráter fantástico e maravilhoso. Durante a época da
Ilustração, século XVII, os iluministas usavam o termo “romântico” para designar tudo
aquilo que cressem que fosse produzido pela imaginação e fantasia desordenada,
16
significando o quimérico, o absurdo, o ridículo. O termo também podia significar obras
que se distanciavam do cânone e que refletia um gosto artístico duvidoso, irregular e
mal esclarecido (AGUIAR E SILVA, 1997). Posteriormente, o termo começa a assumir
o sentido que hoje conhecemos, ou seja, nome para designar sentimentos despertados
diante de certas paisagens – montanhas, vales, florestas, ruínas –, ou para marcar a
oposição ao “clássico”.
Em linhas gerais, o Romantismo é considerado uma insurreição da pequena
burguesia contra o absolutismo da tradição clássica (FISCHER, 1987, p.64), no campo
das artes, das ciências e da moral. A visão clássica já mostrava sua insuficiência perante
as aspirações de um “novo homem”, que lutava por idéias liberais e buscava o
rompimento com a hegemonia do pensamento greco-romano. Por essa razão, Victor
Hugo (1802-1885), um dos mais exaltados românticos franceses, enuncia no prefácio do
drama Cromwell (1827), que o Romantismo é o liberalismo na literatura (HUGO,
2004).
Sendo assim, ao refutar os cânones clássicos – Arte como imitação da natureza
(mímesis aristotélica), rigidez formal, separação dos gêneros, universalismo,
racionalismo –, os românticos assumem o papel de arautos da Idade Moderna no
pensamento e na arte ocidental, propondo uma concepção diferenciada da arte, do
homem e da natureza, orientada pelos sentimentos, pela subjetividade, intuição,
emoção.
Segundo Moisés (1984), na Inglaterra, a crise do espírito clássico anunciava-se
com a publicação do Ensaio acerca do Entendimento (1690), de John Locke (16321704). Nesse trabalho, o autor nega a concepção racionalista e inatista do conhecimento,
apregoada pelo metódico Descartes (1596-1650) e pela tradição, considerando que o
processo de aquisição de conhecimento se dá por meio dos sentidos.
Além de revolta contra o espírito clássico, o Romantismo foi um movimento de
contestação aos ideais burguês-iluministas. Mas vale lembrar que, em muitos casos,
essa contestação ao Iluminismo não era total, ela se estendia apenas às idéias
mecanicistas e às simplificações otimistas (FISCHER, 1983), uma vez que vários
românticos partilharam dos ideais iluministas – Byron, Delacroix (1798-1863),
Beethoven (1770-1827).
Na Alemanha, entre 1750 e 1760, período que se denomina Pré-romantismo, ou
Sturm und Drang, nome extraído da peça de Maximilian Klinger (1752-1831), forma-se
um grupo de artistas e intelectuais, dentre eles Goethe (1749-1832) e Schiller (1723-
17
1796), contra a tradição iluminista francesa do movimento Aufklãrung (GOMES &
VECHI, 1992).
Na Inglaterra, as primeiras manifestações românticas surgem com a poesia
cemiterial e meditativa de Edward Young (1683-1765), em The Complaint, or Night
Thoughts on Life, Death, and Immortality (1742); e de Thomas Gray (1716-1771), em
Elegy written in a country churchyard (1751):
A meditação sobre a noite, os sepulcros e a morte insere-se na
temática pessimista (...) e traduz a nostalgia do infinito e a funda
insatisfação espiritual que já angustiam os pré-românticos e que hãode revelar-se mais exarcebadamente nos românticos (AGUIAR E
SILVA, 1997, p. 535).
Reconhecendo a questão, Gomes e Vechi (1992, p.13) dizem que o pensamento
iluminista nunca ganhou muito terreno nos países precursores do Romantismo:
Os ingleses e alemães, algum tempo depois, exprimem sua
revolta à ordem rigidamente estabelecida pelos pensadores franceses,
valorizando um mundo em que o imperfeito e o descontínuo se
colocam como o ideal a ser atingido.
Freitag (1986, p. 35 e 79) afirma que, com o tempo, os românticos viram que “o
saber produzido pelo Iluminismo não conduzia à emancipação e sim à técnica e à
ciência moderna que mantém com seu objeto uma relação ditatorial”, pois,
(...) a razão (...) saíra para combater o mito e se transformara, no
decorrer do percurso, ela própria em mito. Em vez de promover a
emancipação, ela assume o controle técnico da natureza dos homens.
Negando assim sua dimensão crítica e emancipatória, presentes no
início do percurso.
Com o declínio das idéias iluministas, o irracionalismo e o subjetivismo
configuram-se como novas possibilidades de interpretação da existência (GOMES &
VECHI, 1992). O romântico compreende o mundo a partir de si, entende que a verdade
não está na exterioridade, mas em seu próprio interior.
Enquanto movimento histórico, o Romantismo é resultado de duas revoluções –
a Revolução Francesa e a Revolução Industrial –, e coincide com a ascensão política e
econômica da burguesia. Esse processo inicia-se na época mercantil e tem seu ápice em
1789, com a Revolução Francesa.
18
Para Merquior (1979, p.49),
(...) o romantismo foi a primeira grande resposta estética da cultura
ocidental às duas realidades que marcam o advento da fase
propriamente contemporânea dos tempos modernos: a Revolução
Industrial e a revolução social, inaugurada pela Revolução Francesa
(...).
Essas Revoluções revelam o antagonismo entre o avanço tecnológico e as
condições sociais das classes baixas, vítimas da marginalização do poder e da
exploração fabril (VICENTINO, 2000). Tal antagonismo estendeu-se também para o
plano das idéias e das artes, dando um caráter dividido ou antinômico ao movimento
romântico.
Mannheim (1973) considera o Romantismo como a expressão dos descontentes,
daqueles que, após a revolução democrático-burguesa, ficaram à margem da sociedade.
De um lado a aristocracia, que perdeu o poder político, e de outro, a pequena burguesia,
que não conseguiu ascender. Por essa razão, teremos dois tipos de atitude, que para
Gomes e Vechi (1992) é o leitmotiv do movimento romântico, frente a esse
descontentamento: uma revolucionária, que buscará a intervenção direta na vida social,
na tentativa de transformar o modelo burguês; e outra reacionária, que voltará seus
olhos para o passado, nostálgicos pelo período de segurança e estabilidade políticoreligiosa.
A Revolução Francesa foi marcada pela queda do Ancien Régime e pela perda do
poder político da aristocracia, pondo fim aos privilégios dela e do clero e à rígida
estratificação, que impedia o dinamismo da pirâmide social: o indivíduo passou a ser
valorizado por seus méritos pessoais e não por títulos de nobreza herdados de seus
ascendentes. Além disso, temos, a partir dessa Revolução, uma conjuntura que retirou
de vez os últimos empecilhos para a consolidação do capitalismo.
As principais causas da Revolução Francesa foram a crise econômica, agravada
por problemas climáticos (secas, inundações) e pela concorrência dos produtos
industriais ingleses (têxteis e metalúrgicos); as péssimas condições sociais da maioria da
população do Terceiro Estado, acompanhada de desemprego e queda de salários; o
crescimento demográfico; os altos impostos. Tudo isso em contraste com as regalias de
uma nobreza ociosa e de um clero devasso e hipócrita, beneficiados pela isenção de
tributos e pelo recebimento de rendas (VICENTINO, 2000).
19
Diante dessa situação, foram desencadeadas várias revoltas em diferentes partes
da França, até culminar, em 14 de julho de 1789, na tomada da Bastilha, prisão onde
ficavam os presos políticos, ícone da opressão da Monarquia Absolutista. A partir
daquele momento acreditava-se que uma nova sociedade era ratificada, com a abolição
total de privilégios e respeito à liberdade individual e à igualdade entre os homens, uma
vez que “a sociedade do Antigo Regime estava fundamentada na hierarquia e no
privilégio de classes” (FALBEL, 2005, p.34).
No contexto do processo revolucionário, a burguesia contou com o apoio do
proletariado e do campesinato, dando, aparentemente, um cunho popular-burguês à
Revolução. A burguesia assumia, nessa revolução, um papel de liderança. A sua luta
pelos ideais iluministas – Liberté, Egalité, Fraternité – era, pelo menos no primeiro
momento, a luta de todo o povo: “os burgueses franceses de 1789 afirmavam que a
libertação da burguesia era a emancipação de toda humanidade” (MARX & ENGELS
apud VICENTINO, 2000, p.263).
As modificações sócio-político-econômicas após 1789 foram profundas. A
aristocracia do Antigo Regime já não gozava dos privilégios de outrora, o clero passou a
ser subordinado ao Estado, os camponeses quebraram os laços de subserviência com os
nobres e o mercado expandiu-se com o fim do corporativismo feudal. Apesar disso, a
(...) sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade
feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceram novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar
das antigas (MARX & ENGELS, 1998, p.10).
Como vemos, mesmo com a extinção da decrépita estrutura feudal, a Revolução
Francesa não conseguiu empreender as transformações necessárias para a melhoria de
vida de toda população. Como afirma Manoel (1988, p.40):
Derrubada a monarquia, superada a fase histórica anterior, a
burguesia volta-se contra os seus aliados, para contê-los nos limites
imaginados por ela – liberdade dentro da concorrência do mercado,
igualdade perante a lei e a fraternidade dos serviços assistenciais.
A arte romântica também refletiu as conseqüências da Revolução Industrial que
teve início na Inglaterra, no século XVIII, e mais tarde expandiu-se para outras partes da
Europa e Estados Unidos.
20
O advento da Revolução Industrial proporcionou um grande desenvolvimento
técnico-científico, abrangendo modificações tanto no setor industrial, como no setor
agrícola; marcando assim a mudança de uma sociedade agrária para uma sociedade
urbana, do trabalho artesanal e manufatureiro para o trabalho mecânico e assalariado.
O que possibilitou esse desenvolvimento tecnológico na Inglaterra foi o período
de prosperidade que antecedeu a Revolução, denominado Capitalismo Comercial.
Durante essa fase, a Inglaterra obteve um grande acúmulo de capital através de
translações comerciais com outras metrópoles e com a colonização nos continentes
Asiático, Americano e Africano:
O comércio marítimo, que se fazia entre as metrópoles e as colônias
espanholas e portuguesas, até o Extremo Oriente, traz ao Continente
europeu um grande afluxo de metais preciosos. A Inglaterra, com sua
política colonial e, utilizando-se de tratados que a favorecem
abertamente, tais como o de Methuen, em 1703, e o de Paris, em 1763,
adquire privilégios comerciais imensos que acabam canalizando para
seus cofres quantidades significativas de metal precioso (FALBEL,
2005, p.25).
Além disso, a disseminação das idéias do liberalismo econômico por Adam
Smith, (1723-1790) através de sua obra A riqueza das nações (1776) – em que prega a
divisão do trabalho para agilizar e economizar o custo da produção, a livre iniciativa e a
não-intervenção do Estado na economia (SMITH, 1983) –, alavancou esse processo de
industrialização.
Com efeito, os capitalistas ingleses, tendo capital excedente e influenciados pelo
liberalismo, começaram a investir em invenções mecânicas que aumentassem a
produção, que a dinamizassem e que acima de tudo cortassem gastos. Segundo Falbel
(2005, p.26),
A Revolução Industrial também se realizou graças a
empresários ambiciosos que souberam empregar a imaginação a fim
de combinar os fatores produtivos em função do atendimento dos
mercados, ampliando-os em benefício próprio.
É dessa época a criação da máquina de tear, de James Hargreaves (1722-1778);
da locomotiva a vapor, de George Stephenson (1781-1848); do tear hidráulico, de
Richard Arkwright (1732-1792); e do barco a vapor, de Robert Fulton (1765-1815).
Esse boom de invenções foi
21
(...) fruto de um progresso de acúmulo de conhecimentos teóricos, a
partir de Francis Bacon, que contribuiu para o estabelecimento da
ciência experimental, com a contribuição de uma plêiade de filósofos
e cientistas, tais como Robert Boyle e Isaac Newton, que assentaram
os fundamentos do método científico moderno (FALBEL, 2005, p.27).
Por outro lado, Arruda (1984, p.62) afirma que o surgimento dessas invenções
está pouco relacionado com os progressos científicos. A razão verdadeira teria sido mais
por “problemas práticos colocados pela produção”.
Apesar dos avanços tecnológicos, contrariamente, a Revolução Industrial gerou
graves problemas sociais. Foi desencadeado um êxodo rural, a saída do pequeno
proprietário do campo causada pelo uso de técnicas e instrumentos novos no campo,
somada aos cercamentos, adequação e reorganização da estrutura agrária visando a
unificação dos lotes dos camponeses num único campo cercado para criação de gado e
ovelhas. Começaram a surgir problemas ambientais, resultantes das fumaças e dos
detritos das indústrias. A urbanização desordenada em determinadas regiões acarretou a
falta de habitação e o aumento exorbitante dos aluguéis, fazendo com que diversas
famílias de trabalhadores se aglomerassem em um único cômodo, onde imperava a
promiscuidade. Os locais de trabalho não apresentavam as mínimas condições de
higiene e segurança, gerando o aumento de epidemias e de acidentes de trabalho. Eram
impostos aos trabalhadores longas jornadas de trabalho que, muitas vezes,
ultrapassavam catorze horas diárias. Empregava-se mão-de-obra de crianças e de
mulheres, que concorriam com homens por salários bem inferiores e trabalhavam além
de suas capacidades físicas.
Em razão da mecanização da indústria, que substituiu a mão-de-obra humana
por máquinas, um grave problema de desemprego se instaurou, provocando o
crescimento da mendicância, do banditismo e da prostituição. Aqueles que ainda
possuíam empregos tinham que enfrentar uma situação de total inexistência de leis
trabalhistas que amparassem o trabalhador, tais como férias, aposentadoria, licença
maternidade e etc., pois, em razão do desemprego a indústria dispunha de um enorme
exército industrial de reserva humana.
As relações de trabalho também foram afetadas pelo desenvolvimento
tecnológico. O trabalhador não possuía mais o controle total da produção, cabendo-lhe,
agora, apenas a execução de uma parte do processo. O trabalho deixa de ter um caráter
criativo para se tornar fragmentado e alienador. Além disso, o “trabalhador perdia a
22
posse das ferramentas e máquinas, passando a viver da única coisa que lhe pertencia:
sua força de trabalho, explorada ao máximo” (VICENTINO, 2000, p.288).
Observa-se também a desqualificação do trabalho em razão da sua divisão e
mecanização. Agora era possível empregar qualquer pessoa para executar funções
repetitivas e mecânicas, diminuindo, assim, os custos e o tempo de aprendizagem
(ARRUDA, 1984).
Sob esse panorama sócio-histórico, refletindo os antagonismos e as aspirações
de seu tempo, surgiu uma produção literária combativa, que primou pela liberdade, seja
no plano estético, seja no plano sócio-político, seja no plano religioso, que, no conjunto,
foi denominada Romantismo.
1.1.2 A concepção romântica: substrato filosófico
E se adormecesses?
E se, durante o sono, sonhasses?
E se, no teu sonho, tu fosses ao Paraíso e lá colhesses uma bela e estranha flor?
E se, ao acordar, tu tivesses essa flor nas mãos?
Ah, e então?
Samuel Taylor Coleridge
O termo romantismo carrega consigo uma concepção artístico-existencial
orientada pela busca sequiosa de um ideal e de um estado de espírito de permanente
pathos, marcando a mudança de uma visão racionalista para uma visão idealista em que
predomine a emoção e a imaginação.
O “eu” romântico, pelo menos nos primórdios do movimento, foi caracterizado
pela radical oposição à realidade prática, procurando se entregar aos aspectos irracionais
e alógicos – a imaginação, o sonho, a intuição, o delírio. Aguiar e Silva (1997, p.544)
comenta que “o mundo romântico (...) está radicalmente aberto ao sobrenatural e ao
mistério (...)”, pois a verdadeira realidade deve ser apreendida pela viés da
subjetividade.
Essa nova concepção, que tem seu eixo na subjetividade e que nasce em
oposição ao pensamento racionalista e mecanicista da Ilustração, tem seus fundamentos
teóricos no pensamento do filósofo genebrino Jean-Jacques Rousseau e no Idealismo
Alemão derivado do criticismo de Kant (1724-1804) (NUNES, 2005).
23
Rousseau ficou conhecido como o “precursor da hegemonia da subjetividade no
Romantismo” (NUNES, 2005, p.58), por substituir o individualismo iluminista, ligado à
ambição pessoal, à liberdade econômica e ao empreendedorismo, pelo individualismo
egocêntrico, ligado aos sentimentos e às aspirações espirituais.
Podemos dizer ainda, que suas idéias deram suporte para as correntes primevas
do socialismo, por duas razões que também o diferenciam dos demais pensadores do
Iluminismo: primeiro porque era um veemente crítico da burguesia e da propriedade
privada, como podemos constatar no Discurso sobre a origem da desigualdade (1973
[1753]); segundo, por dar prioridade ao sentimento em detrimento da razão.
Com Rousseau, o “eu” passa a ser o ponto central das preocupações
epistemológicas. Nele reside a capacidade expansiva, onde se realiza o que o indivíduo
possui de singular, de genuíno. Logo, a interioridade é entendida pelo filósofo como a
passagem para todo conhecimento. Aguiar e Silva (1997, p.544) explica essa questão da
interiorização da seguinte forma: “O verdadeiro conhecimento exige que o homem
desvie o olhar de tudo quanto o rodeia e desça dentro de si próprio, lá onde mora a
verdade tão ansiosamente procurada (...)”.
Esse individualismo gerará no Romantismo uma produção de conteúdo
extremamente egótico, de constante evocação do “eu”, uma linguagem na qual
predomina a primeira pessoa, expressando um intimismo exacerbado, caindo por vezes
numa obsessão narcísica:
Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que do sono acordei?
No meu leito – adormecida,
Palpitante e abatida,
A amante de meu amor!
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!
(...)
(AZEVEDO. O poeta, 2001, p.46-7)
O enfoque que Rousseau dá ao “eu”, segundo Gomes e Vechi (1992, p.14),
também tem motivações sociais, pois
24
Para ele, só encontrando a satisfação plena das necessidades
individuais, é que o sujeito tem condições para aspirar ao exercício de
um papel ativo na coletividade e, por conseguinte, recuperar a
autenticidade esmagada pelo artificialismo social.
Por conta desse artificialismo social, o pensamento rousseauniano apresenta um
desencanto profundo com a civilização moderna. Sua rebelião contra o formalismo da
sociedade fez com seu projeto filosófico se dirigisse, cada vez mais, ao próprio interior,
terminando, por vezes, em uma tendência à misantropia:
Se os homens tivessem ocasião de voltar a mim, já não me
encontrariam mais. Com o desprezo que me inspiraram, seu convívio
me seria insípido e até mesmo embaraçoso, e sou mil vezes mais feliz
na minha solidão do que se vivesse entre eles (ROUSSEAU, 1987,
p.95).
Dessa insatisfação com a realidade surge o “mito do bom selvagem”, segundo o
qual o homem nasce predisposto à bondade, mas o convívio com a sociedade o
corrompe. Para solucionar esse mal que se instaura na civilização moderna e para o
indivíduo recuperar sua autenticidade, Rousseau dirá que a solução é um paulatino
regresso ao passado e ao estado natural. Para o filósofo, o ser humano, antes da criação
das grandes civilizações, manteria uma relação de maior proximidade com a natureza,
pois ainda não havia a mentalidade de controlar e explorar a Natureza e a dicotomia
Homem/Natureza não fazia sentido, o que favorecia o espontaneísmo dos sentimentos,
por viver em um ambiente de menor exigência social:
[Rousseau] Examinou a sociedade civilizada e achou que ela era uma
espécie de camisa-de-força que impedia o crescimento natural do
homem. E a sociedade foi claramente criada por homens, para seu
benefício mútuo, num passado remoto. Se alguns estavam em posição
de poder, isso só poderia ter sido por consentimento geral e para o
bem de todos. Daí resultava que, se os governantes falhassem em sua
missão de governar beneficamente, o contrato implícito que lhes
conferia sua posição especial podia considerar-se violado e novas
disposições tinham de ser tomadas. Aceitando o antigo sonho de uma
Idade de Ouro, quando todos os homens viviam em perfeita harmonia,
e escrevendo numa época em que os progressos coloniais estavam
tornando os europeus cada vez mais cientes de outras formas de
sociedade, Rousseau sonhou com uma sociedade primitiva despojada
dos acréscimos artificiais que pareciam sufocar o seu mundo. Pela
primeira vez na história da civilização o homem refletiu sobre as
25
perdas que eventualmente sofreu para obter a ordem social e
benefícios materiais. E quando se desviou da civilização para
contemplar nostalgicamente o que fora considerado barbarismo,
também se afastou das cidades e jardins formais para se debruçar
sobre a natureza (LYNTON, 1978, p.8).
Além do individualismo egocêntrico, ao qual já nos referimos, Rousseau fala de
um individualismo orgânico da natureza, “com a qual a individualidade singular do
homem se entrosaria” (NUNES, 1995, p.58). A visão que os românticos herdaram foi a
de que entre a natureza e o “eu” há uma relação de afetividade, em que os lagos, as
árvores, as montanhas etc. associam-se intimamente aos estados da alma (AGUIAR E
SILVA, 1997). Por isso Bosi dirá que “a metáfora romântica mais simples é sempre a
que se funde sobre alguma correlação entre a paisagem e o estado de alma” (2005,
p.245). O sujeito romântico tem a natureza como sua confidente, transferindo a ela suas
disposições anímicas.
Na arte romântica, de um modo geral, todos os elementos naturais vão
apresentar algum tipo de significação ou simbologia. Por exemplo, as horas do dia,
aurora e crepúsculo (nascimento e morte); as estações do ano, primavera, verão, outono
e inverno (nascimento, esplendor, decadência e morte); os astros, sol e lua (realidade e
sonho); tudo isso contribui para o caráter sugestivo e intuitivo do Romantismo.
Na concepção romântica, a natureza foi vista como um refúgio para almas
desiludidas e atormentadas, ela proporciona alento ao fracasso da vida cotidiana, além
de ser objeto de contemplação.
Em Devaneios de um caminhante solitário (1986 [1777]), Rousseau dá à
natureza um caráter que vai além da dimensão física, ao chamar a paisagem das
margens do lago Bienne, na Suíça, de “romântica”, pois esta lhe despertava um
sentimento de solidão, terna melancolia, de infinitude, em razão de seu aspecto
selvagem. Ele apresenta um novo olhar sobre a natureza, em que ela é uma extensão ou
um reflexo da subjetividade do “eu”. Segundo Lynton (1978, p.8), com Rousseau
A natureza passou a ser vista como uma influência
regeneradora e corretiva, o que nunca mais deixou de ser, para nós,
desde então. Pela primeira vez, o homem sentiu o estimulante drama
oferecido pelas grandes montanhas e as sugestões de imensidade
cósmica e de intemporalidade dos desertos e oceanos vazios.
A proximidade com a natureza e a interiorização fez, também, com que
Rousseau cresse em uma religião natural, em oposição às religiões reveladas, segundo a
26
qual o ser humano encontraria Deus no seu próprio interior. A justificativa para a
superioridade da religião natural sobre as religiões reveladas, como é o caso do
cristianismo, é a de que, nas religiões reveladas, é necessário o testemunho humano,
uma vez que Deus se apresenta apenas para certos homens, e é sabido que esse
testemunho é passível de falha; enquanto que, na religião natural, Deus se comunica
diretamente com o indivíduo, pois este o encontraria na sua própria interioridade
(RUSSELL, 1967).
Entusiasmados com as idéias de Rousseau, surge na Alemanha um grupo de
pensadores idealistas que darão suporte teórico ao movimento romântico. Os principais
pensadores românticos foram Fichte (1762-1814), Schelling (1775-1854), August
Wilhelm von Schlegel (1767-1845), Karl Wilhelm Friedrich von Schlegel (1772-1829),
Schleiermacher (1768-1834), mas cabendo ao segundo maior influência dentro do
movimento, tendo suas idéias grande aceitação nos círculos românticos de Jena, na
época, centro de irradiação do pensamento romântico.
Entretanto, podemos dizer que esse grupo de intelectuais, ao menos no pricípio,
tinham em comum o interesse pelo pensamento de Fichte. Kiefer (2005, p.213) expõe
que “O ponto de partida do movimento romântico fora a obra de Fichte: Fundamento de
toda a teoria da ciência, publicada em 1794”.
Segundo a proposta filosófica de Fichte (1980), o “Eu” também é o centro, toda
realidade, material ou espiritual, é produto deste princípio fudamental. Todavia, como
nos esclarece Bornheim (2005), o “Eu” fichteano não é um “eu” individual ou empírico,
mas um “Eu” puro, supra-individual, que carrega consigo os princípios divino e
absoluto, capaz de superar as dicotomias que foram estabelecidas pelo pensamento
kantinano entre natureza sensível e natureza espiritual, sensibilidade e entendimento,
fenômeno e nôumeno1, sujeito e objeto, almejando uma espécie de síntese.
O desejo de unidade, integridade e união com o absoluto, caracterizou todo o
Romantismo, em face de um mundo cada vez mais fragmentado. Kiefer (1995, p.213)
ressalta a busca da unidade como um dos motores do Romantismo, o desejo de
superação de todos os dualismos. E acrescenta que
Schelling, (...) alargando o horizonte da filosofia idealista de Fichte,
encara a natureza como luta contínua entre forças opostas. Todo
1
Para Kant, há duas realidades: o fenômeno, aquilo que é possível ser apreendido pela experiência e é
objeto do conhecimento; e o nôumeno, aquilo que não pode ser apreendida pela experiência ou que a
razão não consegue conhecer, é a “coisa em si”.
27
dualismo, porém, tende a superar-se através de uma nova unidade que,
por sua vez, gera novo dualismo e assim por diante.
Como podemos observar, a partir da explanação de Kiefer, a busca por essa
unidade, que também identifica-se como infinito, absoluto ou divino, é uma obsessão
dos românticos, mas essa tarefa, de acordo com o que nos foi exposto acima sobre
Schelling, revela-se frustrada, pois, superado um dualismo, a nova unidade gera um
novo dualismo, fazendo com que a busca pela unidade se torne vã, o que resulta na
insatisfação ou melancolia constante do indivíduo romântico. Foerter diz que (1965,
p.103), “A poesia (...) do romantismo é a poesia do desejo, um desejo que nunca pode
ser satisfeito, um desejo indefinido que deve terminar em melancolia”.
A impossibilidade em superar essas contradições faz da personalidade romântica
uma antinomia. Segundo D’Onofrio (2002, p.329), “a filosofia de vida dos românticos é
caracterizada por aspectos contraditórios”. Veremos que, por exemplo, o amor, tema
prioritário no Romantismo, oscilará entre extremos, que pode tanto assumir um caráter
de abnegação e renúncia quando é exaltação, ou de libertinagem e deboche suicida
quando é decepcionado (NUNES, 1995).
Um bom exemplo nesse contradição da personalidade romântica é visão da
mulher na poética de Álvares de Azevedo, ora descrita como anjo virginal:
Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando,
Dá vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minh’alma à tua!
(...) (AZEVEDO. À T..., 2001, p.61)
ora como prostituta sifilítica:
(...) Aquelas mulheres são repulsivas. O rosto é macio, os olhos
lânguidos, o seio morno... Mas o corpo é imundo. Têm uma lepra que
ocultam num sorriso. Bofarinheiras de infância dão em troco do gozo
o veneno da sífilis. Antes amar uma lazarenta! (AZEVEDO. Macário,
2002, p.47)
O dualismo, a binomia ou a antinomia como atitude comportamental ou como
princípio estético pode ser entendido como forma de protesto contra o caráter
fragmentário da sociedade capitalista. O homem romântico é um sujeito cindido,
resultado de uma sociedade fragmentada, marcada por antagonismos; por esse motivo, o
28
comportamento e arte do romântico se apresentam de maneira antinômica: “um ‘eu’ ora
disposto a conquistar o mundo, ora tomado pelo terror da solidão” (FISCHER, 1983,
p.65). Lembrando outra vez a questão do absoluto, o anseio de algo ou de um ente que
supere os dualismos nasce em razão dessa fragmentação do mundo burguês.
Ademais, os paradoxos, as antinomias, a consubstanciação de elementos
antitéticos e as contradições na arte romântica são formas de romper com o equilíbrio e
a objetividade do padrão clássico, resultado dos princípios citados anteriormente,
Liberdade e Individualidade, que permitiram ao artista deslocar-se de um extremo ao
outro, sem se deter às peias do racionalismo neoclássico e iluminista.
Segundo Aguiar e Silva (1997, p.557),
O romantismo não se apreende numa definição ou numa
fórmula. A sua natureza é intrinsecamente contraditória, aparece
constituída por atitudes e movimentos contraditórios, dificilmente se
cristaliza num princípio ou numa solução única e incontroversa. Os
próprios românticos tiveram consciência do seu proteísmo radical, do
seu anseio de ser e de não ser, da sua necessidade de assumir, num
dado momento, uma posição, e de, no momento seguinte, assumir a
posição contrária. Para eles, a verdade é dialéctica, pois que, tal como
a beleza, resulta da síntese de elementos heterogénios e antinómicos,
alimenta-se de polaridades e tensões contínuas.
Esse desequilíbrio que tal dualismo provoca é, para Gomes e Vechi (1992), sinal
da impulsividade dos sentimentos do sujeito romântico. É comum, nesse período, o
indivíduo se entusiasmar com as lutas sociais e o destino do povo e, ao mesmo tempo,
recolher-se egoisticamente dentro de si, dependendo de estado anímico. O poeta inglês
Byron revela em sua poesia e em seu temperamento, na maioria das vezes, um profundo
ceticismo e um sentimento de tédio (spleen, ennui), entretanto, sua vida foi marcada por
lutas sociais tanto na Itália, apoiando os carbonários, quanto na Grécia, onde morreu
lutando contra o domínio turco.
A dualidade insuperável da personalidade romântica marcará todo o movimento
por uma densa atmosfera de nostalgia. Nostalgia que é fruto de um anseio de
reconquistar o infinito, cujo exemplo mais significativo é a “Flor Azul”, de Novalis,
que, com o tempo, tornou-se símbolo dessa busca romântica, desse anelo de síntese
(KIFIER, 1995; ROSENFELD, 1993). A “Flor Azul”, ou “Graal moderno” como a
chama Rosenfeld (1993, p.77), aparece no romance inacabado Heinrich von
Ofterdingen, de 1802. Nesse romance, o cavaleiro medieval Heinrich vislumbra em seu
29
sonho uma flor azul, a partir daí, sai pelo mundo numa procura símbolica por esse ideal
inatigível.
Bornheim (1995, p.111) afirma que a nostalgia “romântica (...) leva a um
gradativo afastamento de tudo o que é finito a uma busca sempre exclusiva para o
Infinito”. É por essa razão que os românticos irão se deter apenas a assuntos pertinentes
ao “eu”, ao espírito, à imaginação e às emoções, afastando-se de tudo o que é prosaico e
burguês:
Cansados da eterna luta por abrir caminho pela matéria bruta,
escolhemos outro caminho e nos lançamos, apressados, aos braços do
infinito. Mergulhamos em nós mesmo e criamos um novo mundo
(STEFFENS apud GAARDER, 1995, p.374).
Os românticos, no ímpeto de encontrar a unidade almejada, viam na morte a
possibilidade de transcender o mundo limitado da aparência. Segundo Fischer (1983,
p.71), a “(...) unidade, totalidade que tudo abarca, identifica-se com a morte”. E
Rosenfeld e Guinsburg (1995, p.281) acrescentam: “(...) o suicídio e a morte amorosa
passam a ser cultuados como “vias” unio, da elevação à unidade suprema, alvo
constante das buscas românticas.”
O suicídio foi a forma mais extrema de escapismo – desejo de evasão, de fuga da
realidade – que o Romantismo adotou. Segundo Gomes e Vechi (1992, p.23), “o ponto
de extrema rejeição da realidade, da irmandade com a noite, está no amor à morte, haja
vista a obsessão do suicídio que vitimou não só heróis de romances e novelas” –
Werther (Os sofrimentos do jovem Werther), Mariana (Amor de perdição), Penseroso
(Macário) –, como também um bom número de escritores – Nerval (1808-1855),
Camilo Castelo Branco (1825-1890), Kleist (1777-1811), Mariano Lara (1809-1837).
A fuga por meio do suicídio era motivada pelo desacordo do real com o ideal,
pois, para o romântico, a vida devia ser adaptada ao ideal, a busca dele era por uma
existência estética-utópica tal qual sua arte. Sendo assim, a realidade torna-se um espaço
hostil em que o “eu” romântico sente-se um estranho, um inadequado, já que o plano da
aparência não favorece o pleno desenvolvimento da sensibilidade.
Por isso, a revolta romântica contra o mundo burguês faz com que “um herói
como Werther, ao se entregar ao desespero surdo, sem objetivos, acaba por cometer
suicídio, forma de protesto contra a realidade que se lhe afigura absurda” (GOMES &
VECHI, 1992, p.23):
30
Está resolvido, Lotte: quero morrer. Escrevo-lhe isso com toda
serenidade, sem exaltação romanesca, na manhã do dia em que a verei
pela derradeira vez. Quando você ler esta carta, minha adorada, o
túmulo frio já terá coberto os despojos do infortunado, do espírito
inquieto que não conheceu prazer mais doce, nos seus últimos
momentos de vida, que conversar com aquela a quem tanto amou.
Passei uma noite terrível, mas também, uma noite benfazeja, que
fortaleceu a minha resolução. Quero morrer! (GOETHE, 2000, p.101)
O romance de Goethe é considerado a primeira manifestação da literatura
romântica, e um dos exemplos mais significativos da influência da arte na vida dos
jovens europeus, levando muitos deles, a exemplo do personagem, a também
cometerem suicídio: “Os sofrimentos do jovem Werther termina com o suicídio do
herói, que provocou uma onda de suicídios de fato por toda a Europa. Foi a primeira
salva do romântico culto da juventude (...)”(PAGLIA, 1992, p.234-5).
O tema do livro é a paixão desequilibrada, obsessiva, que transgride regras,
convenções e padrões sociais vigentes, que não conhece senão as vontades do “eu”.
Uma paixão que consome as forças do indivíduo por sua impetuosidade e pela
frustração, levando o protagonista a um gradativo distanciamento da vida prática em
razão de sua falta de sentido. Segundo Loureiro (2002, p.332), o suicídio de Werther “é
um ato nitidamente dirigido contra o mundo externo – Charlotte, a estreiteza
aristocrática e as convenções sociais de modo geral”. Desse modo, Werther, um jovem
que resiste às obrigações da vida prática, encara a infância como “bela e pura, enquanto
que a vida adulta masculina é sórdida e baixa; portanto, é nobre recusar-se a crescer”
(PAGLIA, 1992, 234-5) e morrer por amor.
Para Moisés (1984, p.14), os românticos, que na sua maioria eram jovens,
cederam ao fascínio da morte por repudiar a idéia da velhice. Eles buscavam
(...) o termo de uma existência plena e bem-vivida, segundo os
padrões em moda; intenso viver, em todos os sentidos, coroado pelo
prestígio sobrenatural da morte, derradeira etapa de um desafiar sem
conta de emoções. Entregando-se, por isso, a toda sorte de
desregramento, descuidando-se da saúde porque somente lhes
importavam os valores do espírito (...).
Nesse parâmetro, a arte, então, vai expressar o desejo de unidade e de
afastamento da realidade, que a filosofia e a personalidade romântica apresentavam. No
romantismo, a arte assume uma função de conduzir o indivíduo ao absoluto, enquanto
31
que a razão e a ciência ficam responsáveis pelo conhecimento do finito. Para Andrade
(2006, p.4),
A arte torna-se a dimensão privilegiada da concepção de
mundo romântica, pelo seu caráter visual imediato e pela sua função
pedagógica de aperfeiçoamento do homem em direção ao Absoluto (à
unidade).
Ao contrário da tradição clássica, a arte romântica não terá como fim,
exclusivamente, o Belo. Sua preocupação maior será a de contribuir para que o ser
humano atinja o Infinito. Sobre isso Bornheim complementa:
A arte (...) nunca é considerada um fim último; os românticos
não conheceram a concepção arte pela arte, a não ser na decadência do
movimento e em certas ramificações posteriores. Bem longe de ser
considerada como um fim em si, a arte romântica sempre pretende ser
o grande meio de aperfeiçoamento do homem, a grande educadora da
Humanidade. O fim último é a Unidade ou o Absoluto (1995, p.107).
A arte romântica tem caráter messiânico, ela acredita na missão de uma entidade
ou pessoa que instaurará uma Idade de Ouro, quando então reinará a felicidade e a
harmonia entre os homens.
Ela também não é mais compreendida, segundo a tradição clássica, como
imitação da natureza – o artista clássico é um imitador, a ele cabe representar a
realidade. A arte romântica passa a ser entendida como criação que provém do espírito,
obra do “gênio inspirado”, que cria a partir da sua interioridade, de suas emoções e de
sua imaginação, e é capaz de representar o infinito por meio do finito: “‘O belo da arte é
a beleza nascida do espírito’; “(...) a beleza artística é um infinito representado em
algum objeto finito” (TEREZA, 1987, p.2).
O gênio, conceito bastante em voga durante o Romantismo, é o artista, portador
de um talento sobrenatural e inato, capaz de mediar a natureza interior e a natureza
exterior. Segundo Aranha,
A noção de gênio, como dom intelectual e espiritual inato,
liga-se em especial à figura do artista, que passa a ser apresentado
como possuindo profunda compreensão da suprema realidade. Visto
dessa forma, o gênio era essencialmente original e expressava sua
natureza superior por meio de obras por intermédio das quais as
pessoas comuns entrariam em contato com ele e comungariam com a
sua personalidade (2003, p.395).
32
A atitude romântica não se restringe apenas à esfera da imaginação e da arte, ela
deseja transpor os muros que separam o ideal do real. Segundo Hauser (1982:829),
(...) o romântico não se satisfaz em ser romântico; faz do romantismo
um ideal e uma política para todos os aspectos da vida. Não se limita a
querer retratar romanticamente a vida: quer adaptar a vida à arte e darse com prazer à ilusão de uma existência estético-utópica.
E é o gênio, segundo Nunes (1995), o homem capaz de estabelecer esse elo entre
o Ideal e o Real.
Como vimos, a concepção romântica prioriza a apreensão da realidade pela via
da subjetividade, da imaginação e dos sentimentos; lembrando que a busca integrativa
do Real com o Ideal, que moveu os românticos, tende a um só objetivo: a imersão total
do “eu” no Infinito.
1.1.3 O grotesco: termo, evolução histórica e características
A história do grotesco nos remete aos fins do século XV, quando foi descoberto,
em escavações em Roma, nas instalações do antigo palácio Domus Aurea, construído
pelo imperador Nero, e, posteriormente, em outras regiões da Itália, um tipo de arte
ornamental, cuja principal característica era a mistura insólita dos domínios humano,
vegetal e animal, que despertou grande interesse dos artistas da época. A esse estilo
artístico designou-se “grotesco”, do italiano grottesco derivação de grotta (gruta).
Um exemplo do sucesso que a moda grotesca obteve, foi o documento, com
data de 1502, expedido pelo cardeal Todeschini, no qual este encomenda ao pintor
Pinturicchio (1454-1513) a ornamentação das abóbadas da biblioteca de Siena com
“essas formas fantásticas, essas cores e essas composições que hoje chamam de
grotesca” (apud SODRÉ & PAIVA, 2002, p.29).
A escola de Rafael (1483-1520) também adotou largamente o estilo grotesco,
ajudando a difundi-lo pela Itália e França (MOISÉS, 1982). A obra mais conhecida de
Rafael e seus discípulos, produzidas nesse gênero, foi a dos planos das pilastras das
33
loggie do Vaticano, uma mistura de animais, folhagens, máscaras, candelabros
(KAYSER, 2003).
Da mesma forma que a nova moda ganhou grandes apreciadores, houve também
aqueles que a repudiaram. Giorgio Vasari (1511-1574) foi um dos que se pronunciaram
contra o estilo grotesco em uma de suas obras sobre a vida de grandes pintores,
arquitetos e escultores, valendo-se da crítica de Vitrúvio (70 – 25 a.C):
(...) todos esses motivos, que se originam da realidade, são hoje
repudiados por uma voga iníqua. Pois, aos retratos do mundo real,
prefere-se agora pintar monstros nas paredes. Em vez de colunas,
pintam-se talos canelados, com folhas crespas, e volutas em vez de
ornamentação dos tímpanos, bem como candelabros, que apresentação
edículas pintadas. Nos seus tímpanos, brotam das raízes flores
delicadas que se enrolam e desenrolam, sobre as quais se assentam
figurinhas sem menor sentido. Finalmente, os pedúnculos sustentam
meias figuras, uma com cabeça de um homem, outras com cabeça de
animal. Tais coisas, porém, não existem, nunca existirão e tampouco
existiram.
Pois como pode, na realidade, um talo suportar um telhado ou
um candelabro, o adorno de um tímpano, e uma frágil e delicada
trepadeira carregar sobre si uma figura sentada, e como podem nascer
de raízes e trepadeiras seres que são metade flor, metade figura
humana? (VITRUVIO apud KAYSER, 2003, p.18).
Segundo Kayser (2005, p.18), a diatribe de Vitrúvio fundamenta-se na noção de
“verdade natural”, na mímeses aristotélica:
Aristóteles valoriza a obra de arte em função de sua semelhança com o
real. Aceita-a como aparência mesmo. Ela não é nem completamente
real, verdadeira, nem cabal ilusão. Está a meio caminho da existência
e da inexistência, apoiada nesse termo médio da realidade, que
Aristóteles chama verossimilhança (Nunes, 2006:40).
A verossimilhança, a proporção, a harmonia entre as partes e a clareza, idéias
propagadas pelo filósofo grego, serviam como respaldo para classificar as obras que
fugiam desses critérios como aberrações ou degeneração do gosto. Sendo assim, a arte
grotesca, por apresentar forte apelo ao fantástico, ao absurdo e ao antinatural, o que
favorece criações em que a realidade perde sua ordenação costumeira, era considerada
uma monstruosidade.
O termo “grotesco”, em princípio, pertencia unicamente ao universo das artes
plásticas, mas paulatinamente passa a ser empregado em outras modalidades artísticas,
inclusive na literatura. Em razão de sua composição fragmentária e de combinação de
34
elementos antitéticos e esdrúxulos, o grotesco sempre foi compreendido pelo seu caráter
cômico e burlesco, algo que provoca o riso pelo exagero. Como assevera Sodré e Paiva
(2002, p.62), “o riso encontra-se (...) no cerne desse conceito”. Em razão dessa
característica tão marcante, segundo Kayser (2003, p.14), “o conceito de grotesco ficou
arrastando-se através dos livros de Estética como sub-classe do cômico, ou, mais
precisamente, do cru, baixo, burlesco, ou então, do cômico de mau gosto”.
Hegel (1996) foi um dos poucos teóricos que não identificou o grotesco com o
cômico. Ao falar da arte simbólica dos hindus, o filósofo alemão pontua três
características do grotesco: a mescla injustificada dos domínios, a deformação em face
do exagero das dimensões e o caráter anti-natural. Embora essas características
apontadas por ele estejam presentes em outros teóricos do grotesco, nota-se a perda total
do elemento cômico, posição da qual Vischer discordará, pois, para ele, a força motriz
da arte grotesca está no risível, no cômico: “O grotesco é o cômico na forma do
maravilhoso” (VISCHER apud KAYSER, 2003, p.93).
Ao longo de sua história, o grotesco ganhou várias significações e
características. Durante a Idade Média e o Renascimento, Bakhtin (2008, p.17) diz que
vigora o “grotesco realista”, que nasce das fontes populares – festas, ritos, espetáculos,
vocábulos, obras, símbolos, lendas. Esse riso, “que degrada e materializa” (BAKHTIN,
2008, p.18), se organiza pelo “Princípio de vida material e corporal: imagens do corpo,
da bebida, da comida, da satisfação das necessidades naturais, e da vida sexual”
(BAKHTIN, 2008, p. 16). O riso na cultura cômico-popular tem caráter regenerador,
sua função é exorcizar o demônio do mundo.
No Romantismo, o termo grotesco emerge de sua condição de simples oposição
ao belo e transforma-se em uma categoria estética em si mesmo (ALVES, 1998).
Podemos dizer ainda que, na escola romântica, o grotesco adquire um novo sentido,
passando agora a expressar “uma visão do mundo subjetiva e individual, muito distante
da visão popular e carnavalesca dos séculos precedentes (...)” (BAKHTIN, 2008, p.32),
ou seja, o grotesco deixa de ter o cunho regenerador do riso jocoso e alegre da cultura
cômico-popular da Idade Média e do Renascimento, para dar lugar a um riso angustiado
que se confunde com o sarcasmo, a ironia e o humor negro. O mundo, na visão do
grotesco romântico, torna-se estranho, já não se sustenta na alegria anárquica do
carnaval, na eliminação das hierarquias e no baixo corporal. Segundo Souza Filho
(2005, p.34), o grotesco romântico desperta um pessimismo, uma melancolia, um terror
35
em razão de ser a “expressão artística da alienação do homem face à realidade, esta se
lhe apresentando como assustadora, ameaçadora, abismal, monstruosa”.
De certo modo, o grotesco romântico foi um fenômeno de reação aos cânones
clássicos e à época da Ilustração, que propagavam uma visão unilateral e limitada do
mundo sob a égide da razão. Segundo Bakthin (2008, p.33), o Romantismo grotesco
recusa e resiste ao “racionalismo sentencioso e estreito, autoritarismo do Estado e da
lógica formal, aspiração ao perfeito, completo e unívoco, didatismo e utilitarismo dos
filósofos iluministas, otimismo ingênuo e banal, etc.”.
Modernamente, a delimitação do grotesco, segundo Bakthin (2008), é bastante
complexa e contraditória, mas é possível afirmar que o grotesco se subdivide em duas
grandes tendências: o grotesco “modernista” – na expressão de artistas como o
dramaturgo Alfred Jarry (1873-1907), dos surrealistas, dos expressionistas –, que ainda
partilha de várias posições do grotesco romântico, quer dizer, o estranhamento do
mundo, o riso soturno e irônico; e o grotesco “realista” – em representações de Thomas
Mann (1875-1955), Bertold Brecht (1898-1956), Pablo Neruda (1904-1973) –, que
retoma parte da cultura cômico-popular da Idade Média e do Renascimento, ou seja, a
carnavalização, a paródia, o riso regenerador.
Na contemporaneidade, podemos citar o estudo de Sodré e Paiva (2002) sobre o
grotesco e sua presença na mídia. Segundo os autores, o grotesco contemporâneo se
caracteriza de um modo geral pela ausência tanto do sentido regenerador da cultura
cômico-popular, quanto do cunho crítico e contestador do Romantismo. O grotesco
manifestado principalmente na mídia é o que Sodré e Paiva (2002, p.69) chamam de
“grotesco chocante”, que é “voltado apenas para a provocação superficial de choque
perceptivo, geralmente com intenções sensacionalistas”, sua intenção é comercial e
mercadológica. Suas maiores expressões são os programas de auditórios e o cinema.
CAPÍTULO II
O GROTESCO COMO EXPRESSÃO DA POESIA ROMÂNTICA: A
SUBLIMAÇÃO DO FEIO
Dentro desse trabalho, o estudo e as análises sobre grotesco terão a
fundamentação dos seguintes autores: Kayser (2003), Bakthin (2008), Hugo (2002), Eco
(2007), Sodré & Paiva (2002) e Rosenfeld (1996). São esses teóricos que nos levaram à
delimitação da estética romântica como a grande área da pesquisa e do grotesco como
um modo particular de apreensão plástica da realidade neste período. Em outras
palavras, entender o grotesco como uma expressão, tradução de uma personalidade,
refletindo estados anímicos, emoções, sentimentos, sensações e aspirações (NUNES,
2005 e 2006) da arte romântica.
Não obstante, apesar de esses autores serem o ponto de partida para a
compreensão do grotesco, não nos prenderemos totalmente a eles. Enquanto que,
convencionalmente, o grotesco é concebido como subgênero do cômico ou, pelo menos,
uma categoria estética da qual o cômico é o componente principal, em nosso estudo,
entenderemos o grotesco como a deformação da realidade e seus aspectos lúgubres e
macabros combinados com o Belo, estando ou não o elemento burlesco ou cômico
inseridos, idéia que nos distancia um pouco dos autores supra-citados.
Acreditamos na pertinência da ampliação desse conceito, uma vez que a definição
do grotesco, como sua própria natureza, nunca foi precisa ou bem delimitada, tendo
recebido várias significações no transcorrer da história. Nesse sentido lato em que
tomamos o termo, é grotesco o eu-lírico byroniano que deseja que do seu crânio seja
feito uma taça, como também é grotesca a atração pelo doentio e pela morte na poesia
37
de Soares de Passos, e é grotesca, ainda, a fusão dos planos Onírico/Real e a descrição
fantasmagórica da cena amorosa na lírica de Leopoldo Gomes, poeta barra-garcense.
Nos poemas que selecionamos para o estudo, notamos que o grotesco romântico é
a manifestação do sobrenatural, do fantástico e do satânico. Os ambientes representados
pertencem ao domínio dionisíaco, são sempre noturnos e macabros. Os sentimentos
expressos são extremos, levando à laceração dos “eus”. E a consubstanciação de
elementos antitéticos causa um efeito dissonante entre o Belo e o Feio (GOMES &
VECHI, 1992).
Outro fator a ser considerada em nossas análises, é que compreendemos o
grotesco romântico como uma manifestação de protesto e de revolta contra a ordem
rigidamente estabelecida e à razão tirânica tanto da Ilustração, quanto do
Neoclassicismo, buscando uma nova compreensão da realidade por meio do
irracionalismo e de componentes imaginativos e, dessa forma, rompendo com a antiga
concepção racionalista e realista da mímeses clássica, que acredita que “O homem,
animal racional, vive num universo também racional, onde o Bem é superior ao Mal e o
Belo prima sobre o Feio, como a ordem sobre a desordem e a forma sobre a matéria”
(NUNES, 2006, p.44). Além disso, veremos o grotesco romântico como uma
contestação ao mundo burguês capitalista:
Seria (...) injusto pretender que o Romantismo só se evadiu do
mundo prosaico, cinzento, da realidade. A seu modo ele também o
enfrentou. Pelo menos procurou dar conta de sua desordem e de sua
miséria através do grotesco. Mobilizando tudo o que, na existência
humana, lhe causava aversão, o espetáculo do contraditório e absurdo,
articulou estes elementos num retrato contundente quando não
monstruoso, graças a um meio estilístico que se não era novo, não era
muito explorado até então, já por seu caráter chocante e perturbador
(ROSENFELD & GUINSBURG, 2005, p. 291).
Enquadrando-se nessa perspectiva, o presente estudo objetiva analisar o
Romantismo como movimento de protesto, desconsiderando a crença de que tenha sido
um movimento reduzido apenas à passividade pessimista, à descrição de musas pálidas,
ao ufanismo e ao evasionismo. Como veremos aqui, o Romantismo, de forma bastante
peculiar, enfrentou a realidade castradora, foi instrumento de luta contra a mecanização
do homem, resultante do avanço tecnológico e contra a visão utilitária e materialista do
mundo burguês:
38
(...) o Romantismo foi um movimento de protesto, protesto
apaixonado e contraditório contra o mundo burguês capitalista, contra
o mundo das ilusões perdidas, contra a prosa inóspita dos negócios e
lucros (...) (Fischer, 1983, p.63)
à medida que na visão do artista romântico a avidez pelo dinheiro aviltaria o ser; e a
crescente especialização, motivada pelas transformações impostas pelo capitalismo, das
relações de trabalho e da ciência moderna, não correspondia à multifacetada
personalidade humana.
2.2 O grotesco fantástico: a ironia romântica em Byron e Fuseli
O poema que analisaremos agora é Versos inscritos numa taça feita de crânio,
do poeta romântico inglês George Noel Gordon Byron1, ou, simplesmente, Lord Byron.
A tradução utilizada é a de Péricles Eugênio da Silva Ramos (1989).
Não, não te assustes; não fugiu o meu espírito;
Vê em mim um crânio, o único que existe,
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie a terra aos ossos meus;
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes que os teus.
Antes do que nutrir a geração dos vermes,
Melhor conter a uva espumejante;
Melhor é como taça distribuir o néctar
Dos deuses, que a ração da larva rastejante.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora eu;
Substituto haverá mais nobre do que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
1
Poeta romântico inglês nascido em 22 de janeiro de 1788, em Londres. Filho de Jonh Byron e de
Catherine Gordon Byron. Nasceu em família rica, mas teve toda a fortuna dissipada pelo pai. Aos 10 anos
herda o título nobiliárquico de seu tio-âvo. Ingressa na Câmara dos Lordes em 1809. Depois empreende
viagem pelo Oriente e pela Europa. Em 1815, casa-se com Anne Milbanke, mas logo divorciam-se em
razão de haverem indícios de que Byron tinha um relacionamento incestuoso com sua meio-irmã,
Augusta. Muda-se para Veneza em 1816, onde viveu entregue às aventuras amorosas. Participa de lutas
pela libertação da Itália e, em seguida, da Grécia. Acometido de uma febre, morre em 19 de abril de 1824,
em Missolonghi, Grécia, lutando pela libertação da Hélade do jugo turco.
39
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência – curto dia –,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
(BYRON, 1989, p.101)
Reza a lenda que o poema citado foi composto após uma orgia realizada pelo
bardo na Abadia de Newstead, em 1808. Nessa ocasião, houve a celebração de uma
missa, com direito a roupas de monges e objetos sagrados, conduzida pelo “abade”
Byron. Dizem ainda que o vinho servido foi bebido dentro de uma caveira encontrada
nos jardins da Abadia. Tal fato absurdo, descrito muitas vezes com tom de anedota,
pode ter realmente acontecido, pois, segundo Vulliamy (apud RAMOS, 1989), biógrafo
do poeta, Byron não era “um poeta imaginativo, dependia da experiência e da autêntica
emoção pessoal”. A declaração do biógrafo pode atestar a veracidade dessa passagem.
Segundo Praz (1996, p.123), era próprio dos preceitos românticos vivenciar
aquilo que se produzia na arte, uma forma de captar intensamente as emoções e as
sensações ali representadas:
(...) a teoria romântica, afirmando que o melhor meio de exprimir as
paixões é começar a senti-las, em vez de traduzir na arte os dados
espontâneos da vida, procurou experimentar na vida as sugestões
monstruosas da fantasia nutrida de horrores livrescos.
Em suma, Byron concebe a “vivência do literário como um modo de
compreensão, comportamento e expressão da existência presente” (REIS, 2007, p.143).
Esta sensibilidade mórbida, tendência para a devassidão e para o mundo
sobrenatural e obscuro da morte, é comumente definida como satanismo (BORNHEIM,
2005), desprezo pelas coisas sagradas que a burguesia valorizava, expressão de atitudes
monstruosas que feriam a moral comum.
O satanismo foi uma das principais características do Ultra-romantismo –
vertente do Romantismo que se rendeu aos excessos da emotividade caindo muitas
vezes numa “estética de representação do mórbido e do angustiante da existência
humana” (REIS, 2008, p.143). Os heróis dessa vertente mais extrema do Romantismo
40
eram seres doentios, neuróticos, que vagavam por lugares lúgubres – castelos e catedrais
em ruínas, cemitérios, florestas impenetráveis –, praticavam atos abomináveis –
assassinatos, orgias, necrofilia, incesto –, e cultuavam estados extraordinários – a
loucura, o sonho, a embriaguez, as visões fantasmagóricas –, demonstrando total
falência de valores morais e de senso de realidade.
Para Gomes e Vechi (1992), o satanismo é o mais agudo ato de repúdio à
realidade ordinária, ao senso comum, à ordem e às leis rigidamente estabelecidas. Por
meio da melancolia, do culto à morte e do sarcasmo e humor negro diante de cenas
hórridas, que provocavam indignação e asco, poetas como Byron expressavam sua
singularidade.
No Brasil, o satanismo byroniano encontrou campo entre vários autores, em
especial entre o grupo que se formou na Faculdade de Direito do Largo do São
Francisco, em São Paulo, intitulado Sociedade Epicuréia. Diversas das reuniões da
Sociedade, que tinham como objetivo viver os delírios de Byron, acabaram por virar
lendas juvenis; a mais famosa delas, conhecida como “Procissão da Rainha dos
mortos”, é relatada por Almeida (1964). Depois de mais uma noite regada a vinho, fumo
e éter, alguns estudantes – dentre eles Álvares de Azevedo (1831-1852), Bernardo
Guimarães (1825-1884) e Aureliano Lessa (1828-1861) – resolvem colocar uma
prostituta embriagada dentro de um ataúde e sair em procissão pelas ruas até o cemitério
da cidade, lá se realizaria a consagração da “Rainha dos mortos”. Um fato escandaloso
para a provinciana São Paulo do século XIX.
Segundo Candido, a intenção dos jovens byronianos em mostrar cenas de horror
que provocava indignação e asco, nada mais era do que uma maneira de afirmar sua
singularidade e se diferenciar do homem mediano:
(...) o satanismo (...) constituiu a manifestação mais típica dessa
singularidade do poeta-estudante nos meados do século, fornecendo
uma ideologia de revolta espiritual, de negação dos valores comuns,
de desenfreado egotismo. Foi ele o ingrediente principal das lendas
joviais e turvas que envolve a vida acadêmica de São Paulo numa
atmosfera de desvario. A melancolia, o humor negro, o sarcasmo, o
gosto da morte, traçam à roda do grupo estudantil um círculo de
isolamento que acentua, para o observador, o seu caráter de exceção
na sociedade ambiente (1985, p.156).
Como vimos, Byron foi o introdutor do satanismo na literatura romântica. Seu
comportamento de gênio altivo, desdenhoso e insubmisso frente às convenções morais
41
burguesas, somado à melancolia e ironia sagaz inspirou praticamente todo o
Romantismo ocidental. Versos inscritos numa taça feita de crânio, talvez o mais
conhecido poema de Byron por seu conteúdo chocante, é a mais nítida manifestação do
ideário byroniano.
O poema é iniciado com repetições enfáticas do advérbio de negação – “Não,
não te assustes; não fugiu o meu espírito”. A esta figura de construção denominamos
epímode. O uso repetitivo do advérbio é uma tentativa de persuadir o interlocutor da
verdade de um fato no mínimo inusitado, de que o espírito ainda reside no crânio
carcomido.
O teor extraordinário desse acontecimento é dado pelo uso da prosopopéia, já
que o poeta concede vida e características humanas a algo que está destituído de vida
(MARTINS, 2000), quer dizer, a um crânio. Com a ajuda dessa figura de pensamento, o
poema evoca o fantástico, ou seja, um poder sobrenatural que emerge em nossa
realidade causando uma confusão mental, já que sua aparição foge totalmente do
cognoscível.
A arte fantástica, para Schurian (2005, p.8), ressalta o particular, o excesso e a
extravagância de modo a refletir “as inúmeras facetas da percepção diferencial da
realidade”. Segundo ainda este autor (2005), a Arte Fantástica vem como um contramovimento, na ocasião em que o Iluminismo comemorava seus primeiros triunfos no
pensamento científico e artístico, ao que o sociólogo Max Weber (1974, p.263) chama
de “desencantamento do mundo”, estado que refletia a mentalidade da ciência moderna
e as conseqüências da Revolução Industrial: “(…) e vimos que a ciência é falsa e
esquiva, que ela mente e embriaga como um beijo de mulher” (ÁLVARES. Noite na
taverna, 2002, p.15).
Destarte, a fantasia e a imaginação corroboraram para instaurar uma nova noção
de tempo/espaço orientada pelo irracional. Os românticos usaram a imaginação e os
estados de semi-consciência como uma afronta à logicidade e organização do mundo
burguês-iluminista e, também, à idéia de mímeses que imperava na arte clássica. A
busca do romântico é a criação de uma realidade interior que ultrapasse a estreiteza e
mesquinhez da realidade aparente e que não se guie unicamente pela frieza do intelecto.
Sobre a importância do conteúdo imaginativo e fantástico na arte romântica, o músico
Schubert (apud KIEFER, 1995, p.214) escreveu:
42
Oh fantasia, tu és a jóia inexaurível do homem, a fonte
inesgotável do qual bebem tanto os artistas como os sábios.
Permaneça ainda conosco, apesar de reconhecida e admirada somente
por poucos, para nos defender contra o assim chamado Iluminismo,
aquele feio esqueleto sem músculos e sem sangue.
É bom deixarmos claro que o fantástico não foi criado pelo Romantismo, mas,
anteriormente, sua aparição era respaldada pelo poder divino ou efeitos encantatórios,
como pode ser observado em boa parte da mitologia greco-romana.
A sinédoque, figura que consiste na “(...) substituição de um termo por outro de
extensão desigual” (TAVARES, 2002, p.375), também colabora para esse efeito
fantástico do poema, em função de causar a sensação de fragmentação. Em Versos
inscritos numa taça feita de crânio, não temos o enunciado de um indivíduo, mas de um
crânio apenas, o que provoca espanto. A sinédoque ainda, ou para ser mais preciso o seu
efeito de fragmentação, insere o grotesco no poema, em razão do horror ante a
fragmentação. Moisés (1998, p.267), definindo o grotesco como a “visualização do
quimérico, do monstruoso”, diz que a arte grotesca tem uma certa predileção pelo crânio
humano, e outras representações do macabro, resultado de um id liberado, força
inconsciente que concentra os instintos, os desejos reprimidos e a libido.
O eu-lírico também se esforça para demonstrar que é após despir-se da carne que
se acabam as tristezas inerentes à existência humana:
Vê em mim um crânio, o único que existe,
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Neste excerto, nota-se uma visão pessimista da existência, que está
intrinsecamente ligada ao sofrimento. Tal visão orienta as religiões judaico-cristãs,
segundo as quais, a vida terrena é um “mar de lágrimas”, e é apenas na existência
espiritual que conseguiríamos encontrar conforto e júbilo eterno junto ao Criador.
Chateaubriand (apud GOMES & VECHI, 1992, p.68) nos elucida sobre essa questão:
O cristão considera-se sempre um viajante que atravessa um
vale de lágrimas aqui na terra e que só terá repouso no túmulo. O
mundo não é o objeto dos seus desejos, porque ele sabe que “o homem
poucos dias vive” e que este objeto lhe escaparia em pouco tempo.
43
O Romantismo, como herdeiro do Cristianismo, vê a vida terrena como um
cárcere para alma sensível, o que gera o pessimismo e a melancolia. O homem
romântico é um “exilado suspirando por um lar distante” (FOERTER, 1965, p. 107).
Diversos autores apontam o pessimismo romântico como decorrência natural
para os resultados frustrantes da Revolução Francesa. Para Hauser (1982), o pessimismo
que o Romantismo adotou está em contraste com o anterior otimismo da classe
burguesa frente às promessas da Revolução. As classes que ficaram à margem do poder
começaram a tomar consciência do que lhes foi negado e já não acreditavam no lema
que acompanhou a Revolução. A partir dessa situação, os artistas começam a retratar os
aspectos sombrios da existência:
A miséria dos explorados tem um efeito perturbante e
depressivo. Uma melancolia profunda apossa-se da alma dos homens,
os aspectos sombrios e as desigualdades da vida manifestam-se em
tudo; a morte, a noite, a solidão, o anseio por um mundo distante,
desconhecido, fora do presente, passam a constituir os temas
principais da poesia e da literatura (...) (HAUSER, 1982, p.711).
Fischer (1983) diz que após o colapso da Revolução Francesa, pode-se dizer que
houve uma espécie de desencanto nas artes, pois um artista sincero e humanista
autêntico sentia-se profundamente desiludido com os resultados da revolução
democrático-burguesa. Já não era possível afirmar aquele mundo, nem mesmo acreditar
“que a vitória da burguesia significava a vitória da humanidade” (1983, p.63).
Em razão desse demasiado pessimismo é comum a negação da vida e o desejo
pela morte. Pois a morte não é vista como um castigo ou anátema, mas sim “união,
libertação, esperança de sobrevivência num mundo menos injusto, mais generoso, mais
aberto às exigências espirituais e afetivas, do que o nosso” (PRADO, 2005, p.178). A
morte é, para o romântico, uma solução natural para o sofrimento terreno e o desejo de
integração com o infinito, em contraste com uma realidade perversa e fragmentada.
Entretanto, nos versos do poeta inglês, o fim das amarguras e das amarras existenciais
não está no consolo da vida eterna, mas em um componente dionisíaco, o vinho.
Com o uso de uma gradação o “eu” descreve sinteticamente seu ciclo de vida
que, como o de todos, tem seu término na morte – “Vivi, amei, bebi, tal como tu;
morri”. Mas o que chama a atenção é que, diferentemente do que aconteceria com
outros seres humanos quando morrem, este “eu” não deseja que sua matéria seja
entregue à terra. O seu alento é ver seu crânio salvo da deterioração e exercendo a
44
função nobre de conter vinho – “Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme/Lábios
mais repugnantes que os teus”.
Temos aí uma deprecação, “pedido comovente e ardente” (TAVARES, 2002,
p.350), acompanhada de uma exclamação que enfatiza a súplica. Segundo a óptica do
texto, o uso do crânio como recipiente para encher de vinho seria melhor alternativa do
que a de ser devorado pelos vermes. O poeta expressa isso com auxílio de comparações,
anáforas e perífrases, que exaltam a finalidade de conter vinho, dando-lhe um valor
sublime, pelas expressões “uva espumejante”, “néctar/Dos deuses”. E, ao mesmo
tempo, repudia a possibilidade de ser consumido pelos vermes usando uma expressão
com valor de vileza: “larva rastejante”.
O crânio pode ser compreendido como símbolo de uma razão decrépita, que
fracassou no seu intento de progresso, tal qual a cartilha da Ilustração cria. O poema
tece uma crítica implícita ao racionalismo burguês-iluminista que, por meio de uma
visão otimista, simplista, mecanicista da humanidade, acreditava que a razão poderia
resolver todos os impasses da humanidade:
[O pensamento iluminista] era caracterizado por diversas atitudes
significativas: fé na capacidade da razão em resolver os problemas
sociais, intelectuais e científicos; perspectiva agressivamente crítica
sobre o que era percebido como influências regressivas da tradição e
da religião institucional (...); fé no humanismo e no ideal de progresso;
a união de uma política de tolerância com o livre pensamento
(SEDGWICK, 2003, p.176).
A incerteza no poder da razão é lançada pelo emprego do advérbio de dúvida
“talvez” (“Onde outrora brilhou, talvez, minha razão”), classe gramatical que demonstra
o ceticismo com que o romântico via a raison. O Romantismo, como já dissemos, é
caracterizado como um movimento de forte oposição ao Iluminismo e ao Classicismo,
movimentos marcados pela predominância do racionalismo (ROSENFELD &
GUINSBURG, 2005).
Quanto à razão do Iluminismo, ela é instrumental, ligada à técnica e à ciência, e
forneceu as bases para o mito cientificista; visa à exploração e à dominação pela
opressão e violência, e não a solucionar os conflitos e contradições sociais, econômicas
e políticas existentes na sociedade, conduzindo à emancipação dos povos (CHAUÍ,
1999). A razão iluminista surge no momento em que “o sujeito do conhecimento toma a
decisão de que conhecer é dominar e controlar a Natureza e os seres humanos”
45
(CHAUÍ, 1999, p.283), fazendo-os agir conforme os interesses científicos e/ou
econômicos.
Na perspectiva dos românticos, a razão, a verossimilhança, a mímeses, tornavam
a arte pobre e limitada, já que seu referencial era apenas a realidade exterior. O espírito
criador tinha de se submeter à jurisdição do gosto e do bom-senso e, ainda, à
observância das regras. Tudo isso para que a obra apresentasse uma rigorosa coerência
formal e conteudística.
Sendo assim, o sentimento é adotado como uma reação ao racionalismo desses
movimentos. Kiefer (2005, p.214) diz que a estima pelo sentimento nasce da obsessão
que o romântico possui pelo singular:
Posto que os sentimentos e intuições são individuais – ao contrário da
razão que é supra-individual – compreende-se a paixão dos
românticos pelo que é único, excepcional, original.
Com efeito, não só há, no poema, uma desconfiança com a razão, como também
uma primazia pela individualidade, lembrando que esta é marcada pelo sentimento –
“Onde outrora brilhou, talvez, minha razão/Para ajudar os outros brilhe agora eu;”.
Uma vez que a razão sucumbiu, o eu-poemático questiona se, porventura,
“Substituto haverá mais nobre do que o vinho/Se o nosso cérebro já se perdeu?”. Por
meio da pergunta estabelece-se aqui um embate entre o que Nietzsche (1984, p.19)
chama de “espírito apolíneo” e “espírito dionisíaco”:
(...) a evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter do
“espírito apolíneo” e do “espírito dionisíaco”, tal como a dualidade
dos sexos gera a vida no meio de lutas que são perpétuas e por
aproximação que são periódicas.
Partindo dessa dicotomia, retirada de deuses da mitologia, Apolo e Dionísio,
Nietzsche afirma que a arte é movida por esses dois princípios, que em determinados
momentos da história ou em determinadas formas artísticas pode um se sobrepor ao
outro, mas nunca com a total eliminação de uma das partes. O espírito apolíneo está
ligado à luz, objetividade, consciência, beleza e perfeição das formas. Por outro lado, o
espírito dionisíaco se manifesta pela embriaguez, exacerbada subjetividade,
desregramento dos sentidos, forças noturnas, exagero, desproporção.
46
Destarte, no poema de Byron, vemos que o dionisíaco triunfa sobre a ordem, o
vinho despejado dentro do crânio alegoriza a afirmação da arte romântica sobre a arte
clássica e o Iluminismo. D’Onofrio (2002, p.333) fala que “(...) Horácio, ao comentar o
resultado de um trabalho literário, dizia que valera a pena ter renunciado ao vinho por
várias noites”, demonstrando que o artista clássico prima pela total sobriedade no ato da
criação.
No entanto, vemos que os versos do bardo inglês mantêm certos padrões
clássicos de estrofação, rimas e métricas, o que nos leva a concluir que a sua rebelião se
dá mais no plano do conteúdo do que na forma. Isso mostra também que, apesar de
predominar a tendência dionisíaca, o apolíneo não está totalmente ausente.
O vinho, o elemento dionisíaco, também está relacionado com a produção
poética. Na quarta estrofe, o eu-poemático exorta para que todos, durante a vida, bebam
em seu crânio e que, posteriormente, quando estes morrerem, que outros possam fazer o
mesmo e assim sucessivamente, mantendo viva uma espécie de ideal poético:
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
Fica patente nesse momento o desejo de imortalidade do artista, e que o vinho
seria um estimulador para o exercício das artes, como podemos ver na metonímia
metalingüística empregada – “(...) e a própria rima tente” –, a rima é empregada como a
própria poesia. È recorrente a associação da embriaguez do vinho com o ato criador. Em
Álvares de Azevedo, o poeta brasileiro que mais se deixou influenciar pelo byronismo,
alusões a respeito da criação poética sob efeito do vinho são constantes. Ademais, o
vinho tem o efeito de abrir as portas dos sentimentos:
Parece que chorei... Sinto na face
Uma perdida lágrima rolando...
Satã leve a tristeza! Olá, meu pagem,
Derrama no meu copo as gotas últimas
Dessa garrafa negra...
Eia! bebamos!
És o sangue do gênio, o puro néctar
Que as almas de poeta diviniza,
O condão que abre o mundo das magias!
Vem, fogoso Cognac! É só contigo
Que sinto-me viver. (...)
(AZEVEDO. Idéias íntimas, 2001, p.62)
47
Na última estrofe do poema a ironia predomina. O eu-lírico lança um
questionamento sobre o porquê de não se fazer do crânio uma taça para o líquido
benfazejo, já que, durante a vida, caracterizada aqui pela perífrase “curto dia”, em razão
de sua brevidade, só nutrimos tristezas e desenganos. Então, ao menos depois da morte,
nosso crânio possa exercer a função eminente de ser uma taça:
E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência – curto dia –,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.
Nesse trecho, encontra-se uma ironia quanto ao modo de pensar de que tudo
deve possuir uma função prática, de que tudo é mercadoria. O pragmatismo dessa visão,
oriunda do Iluminismo burguês, não correspondia ao ideal estético-utópico do
romântico: o artista é amante da beleza e não do que é útil.
Todavia, na impossibilidade de conciliar o ideal com o real, o romântico se vale
da ironia para expressar sua angústia. Segundo Loureiro (2002, p.78), “a ironia
romântica diz respeito a uma atitude perante a existência, a um modo específico de lidar
com os limites da linguagem e da representação”. A autora (2002, p.82) ainda comenta
que
(...) as produções românticas são atravessadas por um doloroso
sentimento de perda, pela convicção de que houve uma profunda
ruptura em todos os terrenos da vida social. O romântico é habitado
pela desconfortável sensação de que instaurou-se um hiato entre
homem/mundo,
homem/natureza,
experiência/representação,
sujeito/objeto, coisa/palavra, emoção/pensamento, afeto/linguagem, e
assim por diante. Estas são algumas das várias dimensões em que a
impossibilidade de uma relação plena, imediata e perene com o
mundo, impõe-se cruamente à subjetividade romântica.
Para Alves (1998), no centro da ironia encontra-se uma vontade de negação de
uma verdade absoluta, mas também uma troca para uma concepção mais relativista, que
manifesta a oposição dos românticos ao totalitarismo da razão que geria a vida,
determinada pelo advento da nova ordem política que se configurava a partir da
revolução burguesa.
Por esse motivo, ao descrever o desejo de um “eu” em transformar seu crânio em
uma taça, Byron buscava, por meio da expressão de atitudes execráveis, de sarcasmo, de
48
humor negro e de ironia, que demonstrasse amoralidade ou debilidade mental, afrontar a
cosmovisão burguesa. O satanismo byroniano também é resposta ao princípio estético
clássico de tolher qualquer “representação ou a descrição de ações que possam ferir a
sensibilidade do receptor da mensagem artística. O texto clássico evita tudo o que é
chocante, hediondo, grosseiro, vulgar” (D’Onofrio, 2002, p.232).
Com efeito, Alves (1998) comenta que o Romantismo, tendo Byron como
mestre, representou o grotesco por meio de todo tipo de perversão e degradação
humanas. Mais adiante, a autora expõe que o grotesco nasce do desencantamento
romântico, o sujeito poético passa a perceber a inacessibilidade das esferas cósmicas e
que a ciência não era capaz de explicar os mistérios da vida. Assim, busca-se enfatizar,
poeticamente, os aspectos disformes, macabros, caóticos e absurdos da realidade, um
universo hostil a qualquer aspiração espiritual.
Por tudo que apresentamos até aqui sobre Versos inscritos numa taça feita de
crânio – fragmentação, ironia, fantástico, grotesco, espírito dionisíaco, crítica ao
racionalismo –, notamos que em outras formas artísticas do Romantismo esses temas
também se manifestam. A sensibilidade romântica em um todo sempre tendeu para
representações irracionais da realidade que fugissem do convencional.
2.2.1 O Pesadelo romântico
O quadro do pintor suíço Henry Fuseli2 (nome britanizado de Johann Heinrich
Füssli), O Pesadelo (1790-1791),
2
Pintor romântico nascido em Zurique, Suíça, em 1741. Teve suas primeiras lições de pintura com seu
pai, pintor e historiador de arte. Estudou teologia e tornou-se pastor protestante. Em 1763, foi obrigado a
deixar a cidade natal por razões político-religiosas – durante seus sermões manifestava com ousadia seu
repúdio à corrupção. Passou a viver na Alemanha onde estudou Estética com Sulzer. Depois de algum
tempo, muda-se para a Inglaterra. Em 1770, consegue dinheiro para ir para Roma, Itália, onde permanece
oito anos estudando os grandes mestres e fazendo cópias, principalmente, de quadros de Michelangelo.
No retorno à Inglaterra, trabalha como ilustrador e escritor. Pintou uma série de quadros para uma galeria
shakespeariana, inspirada nas peças Macbeth e Sonhos de uma noite de verão, e para uma galeria
miltoniana, com representações do Paraíso Perdido. Foi membro da Royal Academy e professor de
pintura, conseguindo grande respeito em vida. Morre em 1825, em Putney Hill.
49
é uma dessas obras que se vale do grotesco e do fantástico para subverter a lógica e
aparente ordem ontológica do mundo trivial: exprime o terror do sono, visando explorar
os mistérios mais profundos da humanidade. Segundo Zanini (2005, p.197), “Fuseli
transmite-nos a percepção de um mundo angustiante e agressivo, de figuras espectrais
enfocadas em atmosferas de obscuridade ou meia-luz, provocadoras de sensações
opressivas”.
A imagem do quadro mostra uma bela figura feminina, uma idealização da
mulher e da morte, sob sono profundo – ou talvez morta –, estirada em uma cama com
formas corporais curvilíneas e salientes, seios volumosos, pernas semi-dobradas, pele
exageradamente lívida, vestido branco (símbolo de pureza e virgindade), cabelos louros,
longos e anelados.
Sobre a mulher temos uma criatura, um ente demoníaco, um íncubo, possuidor
de uma cor escura, contrastando com a lividez da figura feminina. A criatura ri
sarcasticamente, faz troça, como para apropriar-se dos sonhos da mulher. Temos nessa
representação o riso satânico, expressão do desencantamento romântico. Alves (1999, p.
165) diz que esse riso é uma tentativa de
50
(...) destruir valores social e moralmente estanques do sistema.
Encarando o mundo como um universo alheio ao homem, os
românticos procuraram, com isso, superar as limitações de qualquer
visão dogmática, finita e fechada da existência humana (...)
Há também a cabeça de um cavalo – assim como no poema de Byron, não há a
totalidade do ser, mas o fragmento –, com os olhos esbugalhados, não apresentando íris,
nem pálpebras, o animal aparentemente está cego. A direção de sua cabeça está voltada
para a mulher deitada. A sua cor é intermediária, um pouco mais fosca que a da figura
feminina, porém mais clara que a da criatura.
A ordem apresentada das personagens do quadro obedece a uma espécie de
hierarquia. Os elementos que constituem a imagem guiam nossa visão, da direita para a
esquerda: no cavalo, na criatura, na mulher deitada na cama.
O cenário põe à vista uma cama, lençóis brancos, uma pequena mesa no canto
com uma espécie de candeeiro apagado, ao fundo, cortinas escuras que provocam a
impressão de ser um teatro – cumpre lembrar que Fuseli foi um grande apaixonado pela
obra de Shakespeare –, tendo, vários de seus temas, aproveitado de peças do dramaturgo
inglês.
O quadro, em sua totalidade, apresenta um clima passional, de exaltação anímica
e, principalmente, trágico, criado pelos contrastes claro-escuro. Segundo Proença (2007,
p.175), no Romantismo “A cor é novamente valorizada e os contrastes claro-escuro
reaparecem, produzindo efeitos de dramaticidade no observador”. Há uma forte tensão
na imagem, a face do cavalo é a própria personificação do pavor. Sua aparente cegueira
se dá por não suportar tamanho horror. As cortinas desse teatro insólito, de onde sai a
cabeça do cavalo, produzem a sensação de adentrarmos em um reino de eterna treva. As
criaturas presentes no quadro são como aparições do inconsciente, fantasmas incógnitos,
medos, desejos, frustrações. O quadro faz uma alegoria ao desencantamento romântico e
à inacessibilidade do absoluto em decorrência da frustração amorosa.
O ente amado, para o romântico, é sempre um ser inatingível e distante, envolto
em uma áurea de pureza, candura e plenitude, que o homem apenas contempla ou aspira
melancolicamente. A mulher representada no quadro é esse arquétipo idealizado pelo
Romantismo que se liga à sequiosa busca de unidade, do ideal inacessível. Segundo
Alves (1998, p.83),
51
Para os românticos, (...) a impossibilidade de concretização amorosa é
um procedimento artístico que – retomado por Goethe que batizou
com o nome de “eterno feminino” – representa um ideal de perfeição
que se pretende alcançar. Em sua essência, o sentimento amoroso –
considerado uma fonte de exaltação da lírica – implica a idéia de
transcendência, de elevação do espírito ao reino Absoluto (...).
Porém, por alguns elementos presentes no quadro vemos que esse ideal de
mulher e de amor dissipa-se. Os braços e a cabeça da mulher estão pendidos com
lassidão para trás, ela está desamparada, desprotegida, à mercê dessa criatura vil. Essa
disposição, e por outros detalhes que referimos anteriormente, sugere erotismo. O
cavalo espantado que sai por entre as cortinas talvez seja o príncipe, zoomorfizado,
bestificado pelo maligno íncubo, símbolo da perversidade humana, que chega tarde para
salvar a amada, que já se encontra maculada, deflorada.
O romântico, como herdeiro da Idade Média, partilha do ideal de amor cortês – a
nobreza de espírito, a devoção amorosa –: “(...) o romantismo conservou do amor
cortês, além da impossibilidade de realização, o seu caráter idealizante” (ALVES, 1998,
p.83). Mas em um mundo desmitificado, objetificado como o do século XIX não há
possibilidade alguma de vivência desse ideal. Sendo assim, esse amor irrealizável acaba
por ganhar toques licenciosos, soturnos e libertinos, fruto da sua não-correspondência.
Segundo Praz (1996), anteriormente ao Romantismo nenhum outro período literário
representou o tema do sexo tão evidentemente nas obras, seja pela descrição de cenas de
sensualidade ou erotismo, seja por atos de perversão e crueldade.
O desespero, a frustração e o ressentimento acabam por ser o leitmotiv dessas
representações irreais e ilógicas do amor romântico: fenômenos que pertencem ao
invisível, mas que querem tornar-se visíveis. Segundo Ostrower (2004, p.335), o
conteúdo da arte fantástica “(...) procura ilustrar a existência de aspectos imaginativos
irracionais como parte de nossa realidade”.
Nesse sentido, a pintura romântica, por ser demasiadamente imaginativa,
subjetiva e emocional prende-se, muitas vezes, às representações dos sonhos ou do
fantasmagórico, legitimando-se pelo seu aspecto original, heterodoxo, invulgar e autoorganizável. Zanini (2005, p.207) explica que “A arte da era romântica impregna-se de
componentes culturais os mais complexos, de diversidades conjunturais formais para
exprimir suas significações idealísticas e afirma, como características principais, a
espontaneidade e a prioridade dos sentimentos, a intuição, os valores passionais do
homem, a busca de originalidade, a captação densa da vida”.
52
Isso faz com que tenhamos em um quadro como O Pesadelo uma insólita
mistura de domínios, característica da arte grotesca: em uma outra perspectiva, diversa
da colocada anteriormente, a imagem mostra uma mulher sonhando, mas os seres que
possivelmente habitam seus pesadelos assistem-na. O domínio da realidade e o domínio
onírico fundem-se e formam um terceiro domínio, que podemos chamar de domínio
estético, onde essas tétricas visões são possíveis. Schurian (2005, p.25) diz que a arte
fantástica está ligada tanto ao lado luminoso, quanto ao lado negro da humanidade.
Em última análise, afirmamos que poema e pintura inscrevem-se nessa vertente
mais sórdida do fantástico, ligada ao grotesco, de vida em desgraça. Descrevendo cenas
e situações de sadismo, perversão e macabrismo em razão de revolta e desengano no
plano sócio-histórico e de busca de inovações e afirmação do gênio criador no plano
estético.
2.3 A soturna trindade: Amor, Morte e Noite
A união selada também com a morte são bodas que nos dão uma companheira para a Noite.
Na morte, está o mais doce amor; a morte é, para quem ama, uma noite nupcial: um segredo de
mistérios muito doces.
Novalis
Considerado a maior expressão do Ultra-romantismo português, O noivado do
sepulcro, de Soares de Passos3, apresenta-se na forma poética da balada.
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranqüila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.
Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu.
3
Antônio Augusto Soares de Passos poeta romântico português da segunda geração, nasceu em 27 de
novembro de 1826, na cidade do Porto. Oriundo de família burguesa, Soares de Passos trabalhou no
armazém do pai e, concomitantemnte, realizava seus estudos. Em 1849, consegue convencer o pai e vai
para Coimbra estudar Direito. Entrega-se à vida literária e ajuda na fundação da revista literária O Novo
trovador e colabora nos jornais O Bardo e A Grinalda. Contrai tuberculose um pouco antes de publicar
seu primeiro e último livro, Poesias, em 1855. Regressa ao Porto e isola-se de todo convívio humano.
Morre precocemente em 8 de fevereiro de 1860 em decorrência da tísica (MOISÉS 2006).
53
Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na marmórea cruz.
Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.
Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se e com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:
"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei d'amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?
"Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem d'entre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?
"Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!
"Ai, quão pesada me tem sido!" e em meio,
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.
"Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!”
– "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda
Responde um eco suspirando além...
– "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
"Não, não perdeste meu amor jurado:
"Vês este peito? reina a morte aqui...
"É já sem forças, ai de mim, gelado,
"Mas inda pulsa com amor por ti.
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"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
"Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?
"Saudosa ao longe vês no céu a lua?
– "Oh vejo sim... recordação fatal!
–"Foi à luz dela que jurei ser tua
"Durante a vida, e na mansão final.
"Oh vem! se nunca te cingi ao peito,
"Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
"Quero o repouso de teu frio leito,
"Quero-te unido para sempre a mim!"
E ao som dos pios do cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.
Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.
Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.
(PASSOS, 2006, p.285-87)
O termo “balada”, proveniente do latim ballare (dança), surge com sentido
literário a partir do século XII, com Adam de La Halle (SOARES, 1993).
Originalmente, a balada era composta por três oitavas e um quadra, que recebe o nome
de oferenda; e estruturava-se por paralelismos, ao final de cada estrofe havia a repetição
de um mesmo conceito, ou idéia, servido como estribilho. A métrica da balada
geralmente era o octossílabo e sua organização rímica era formada por três rima
cruzadas.
Com o transcorrer do tempo, a balada foi se tornando mais flexível,
principalmente nas produções de origens inglesas e alemãs. Tanto as estrofes, quanto o
metro e as rimas ficaram mais variáveis (MOISÉS, 2003; TAVARES, 2002). O
liberalismo romântico foi o grande responsável por essas mudanças na estrutura da
balada. O Romantismo europeu cultivou enormemente a balada por procurar formas
literárias medievais em lugar das formas de origem clássica (ode, hino, idílio, ditirambo,
etc.).
55
A balada é uma espécie lírica de caráter narrativo, centra-se em um único
episódio, melancólico, histórico, fantástico ou sobrenatural (MOISÉS, 2003; SOARES,
1993), apresenta uma estrutura dialogal, pergunta-resposta, no decorrer da fabulação,
que culmina em um desenlace. Por essas razões, podemos considerar a balada uma
forma poética mista, já que congrega em si elementos da lírica, do drama e do épico.
A partir dessa sucinta explanação sobre a balada, observa-se que o estro de
Soares de Passos transgride, e muito, a estrutura original. Seu estilo é simples e de
pouco rigor na forma, facilitando a expressão da sensibilidade e o entendimento do
leitor, além de atender a proposta romântica de emancipação da rigidez formal e
imitação dos clássicos. Pois como dizia Manzoni (apud GOMES & VECHI, 1992,
p.107):
O que os românticos combatiam é o sistema de imitação, que consiste
em adotar e tentar reproduzir o conceito geral, o ponto de vista dos
clássicos, o sistema que consiste em reter, em qualquer gênero de
invenção, o modelo que eles adotaram, os caracteres que lhe
imprimiram a disposição e a relação das diversas partes, a ordem e o
progresso dos fatos etc.
A métrica do poema é irregular. Há algumas figuras de palavras como elisão –
“D’entre”, “d’amar”, “d’infernal” –, e síncope – “c’roa” –, que auxiliam na
musicalidade do poema. A balada de Soares de Passos possui dezoito quadras e rimas
cruzadas, com predominância de rimas pobres. Temos também a ocorrência de
esporádicos paralelismos, vestígio do estribilho da balada clássica.
Sobre o caráter narrativo de O noivado do Sepulcro, temos cuidadosas
descrições topográficas, cronológicas e prosopográficas que iremos apontar durante a
análise. Há duas personagens – ou dois eu-líricos – uma masculino e uma feminino,
pontuações características de textos narrativos como dois-pontos, aspas e travessões,
que marcam o discurso direto, a fala das personagens e o jogo de pergunta-resposta
próprio da balada, e um narrador que desenvolve uma narração restrita – relata apenas o
que está diante de si (SOARES, 1993).
O espaço da trama é um cemitério: “Vai alta a lua na mansão da morte”. A
necrópole, expressa por meio da perífrase “mansão da morte” e em outro momento
“mansão final”, é um ambiente muito quisto pelos românticos, é o espaço privilegiado
da manifestação do sobrenatural, do macabro, das funerações e das diversas
representações do grotesco.
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Por vezes, o eu-lírico rende-se a descrições desse locus horrendus romântico,
visando explorar a atmosfera negra que o cemitério evoca: “Chegando perto duma cruz
alçada,/Que entre os ciprestes alvejava ao fim,”; ou “O vento geme no feral cipreste,/O
mocho pia na marmórea cruz.”. Faz menção à quietude do lugar, com certa insistência,
com uso do pleonasmo “Que paz tranqüila;” e do eufemismo “Só tem descanso quem
ali baixou.”; estas duas figuras deixam transparecer o caráter fastigioso da vida e que
apenas a morte poderia nos possibilitar o verdadeiro descanso ou a comunhão entre os
seres, como observaremos adiante.
Nessas descrições, são trazidos vários símbolos que se identificam com a morte.
O principal deles é o “cipreste”, árvore ornamental muito comum em cemitérios, e, por
isso, utilizada na arte como metáfora para a morte, o luto e a tristeza (CARR-GOMM,
2004). O “cipreste”, no poema, sempre está acompanhado pela idéia ou semantemas que
indicam o funesto – “alvejava ao fim”, “feral cipreste”. No último exemplo, temos ainda
uma prosopopéia que indica uma espécie de lamento pela morte, evocada pelo símbolo
cipreste – “O vento geme no feral cipreste”.
Além desse, temos outros símbolos mortuários como “cruz” e “mocho”, ave
muito associada ao luto ou ao maligno em razão de sua cor negra. Ao longo do texto a
presença da ave é novamente aludida por uma antonomásia, figura que troca um nome
por uma característica ou circunstância inerente, concomitante com uma perífrase – “E
ao som dos pios do cantor funéreo” –, enfatizando a característica de seu canto
desagradável.
Os índices cronológicos corroboram na composição desse lugar lúgubre e do
acontecimento surpreendente que virá – “Já meia noite com o vagar soou” ou “Vai alta
a lua”. Os dois trechos fazem menção à meia-noite que, segundo Salvatore D’Onofrio
(2002, p.352), carrega em si um forte simbolismo, já que “é o tempo preferido pelos
facínoras, pelas bruxas, pelos fantasmas” para suas aparições, seus trabalhos mágicos e
o culto ao demônio.
O noivado do sepulcro, como é característico da balada, centra-se em único
episódio sobrenatural e melancólico. Um cadáver, ao soar da meia noite, ergue-se de sua
sepultura, a passagem é expressa pela sinédoque “D'entre os sepulcros a cabeça
ergueu”, esta figura que fragmenta o indivíduo, que revela a incompletude ou o devir da
concepção grotesca aparece mais duas vezes no texto – “A fronte exausta lhe pendeu
na mão” e “Quebrada a lousa por ignota mão”. A preferência da arte romântica e
grotesca pelo fragmento objetiva, antes de tudo, eliminar qualquer pretensão de visão
57
fechada, completa e acabada. A incompletude reivindica o caráter evolutivo e dinâmico
do conhecimento, da arte e da existência (LOUREIRO, 2002).
O aspecto da criatura que sai por entre os sepulcros é assustador, o poeta usa
uma símile para descrever sua aparência pávida – “Branco fantasma semelhante a um
monge”. Ao se levantar, segue em direção ao túmulo onde jaz a amada morta há três
dias, outra descrição cronológica. Diante do sepulcro da mulher amada, senta-se e faz
um desabafo, a gradação é utilizada nesse momento: “Parou, sentou-se e com a voz
magoada/Os ecos tristes acordou assim”.
O eu-lírico masculino diz a amada morta com tom grandiloqüente, usando a
apóstrofe “Mulher formosa”, do amor profundo que por ela nutriu em vida e das
promessas que fizeram um ao outro de sempre estarem juntos, mesmo depois do findar
da existência. A passagem é carregada de um extremo sentimentalismo romântico como
podemos observar na hipérbole: “Mulher formosa, que adorei na vida,/E que na tumba
não cessei d'amar,”.
O eu-lírico masculino acredita que sua amante o traiu por ela não o ter
procurado. Esse fato causa-lhe uma desilusão desconcertante, o que culmina em um
ceticismo em relação ao amor: “Amor! engano que na campa finda,/Que a morte despe
de ilusão falaz:”. O poeta explora os recursos como apóstrofe, exclamação e pleonasmo
– “ilusão falaz” –, para criar uma passagem de carregado conteúdo emocional.
Lança-se uma dúvida se com outro ela está:
Talvez que rindo dos protestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!
O recurso utilizado para manifestação da dúvida é a dubitação, “incerteza do
autor em lutar com pensamentos e emoções contraditórios, exprimindo hesitação ou
receio em forma exclamativa, condicional, reticencial ou interrogativa” (TAVARES,
2002, p.354).
De repente, ouve-se uma voz feminina negando as conjecturas do eu-lírico
masculino, valendo-se da epizeuze – “Oh, nunca, nunca!”. A mulher subitamente já
aparece nos braços do eu-lírico masculino – “Formosa virgem que em seus braços
tem.”. A partir desse momento estabelece-se um dialoguismo, figura de pensamento que
consiste no diálogo entre interlocutores imaginários (TAVARES, 2002). Nos versos de
58
Passos, estabelece-se um colóquio entre dois cadáveres, que fazem lamentos, juras e
declarações amorosas. Pelo caráter inverossímil, melodramático e grotesco deste quadro
amoroso, o poema O noivado do sepulcro foi motivo de mofa entre os realistas.
A mulher diz que em nenhum momento perdeu o amor por seu amante. Tenta
convencê-lo de que, mesmo sob aquela forma rígida, gelada e sem força, ainda em seu
peito o amor pulsa por ele. Diz que foi com contentamento que o acompanhou na morte
já que tudo era enfado na terra sem a presença do ente amado:
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
"Deixei a vida... que importava o mundo,
"O mundo em trevas sem a luz do amor?
Na literatura romântica a representação de amantes que sucumbem à morte em
razão da ausência de seu par é um tema privilegiado. O romântico, enquanto um
indivíduo que se sente inadequado dentro da sociedade, faz do amor e das paixões razão
e sentido maior para sua existência, com efeito, a metáfora “luz do amor” presente na
estrofe supracitada é bastante esclarecedora, uma vez que evoca tanto a sublimação,
quanto o caráter norteador do sentimento amoroso.
O fato de o ente amado perecer provoca a sensação de tédio – spleen –, enfado
pela vida, radicado na falta de grandeza e vazio da realidade cotidiana. A existência
humana se torna sofrível e insípida sem um dos pares, motivo que leva o outro buscar a
morte para selar uma união suprema. Segundo Loureiro (2002, p.331), a morte é
encarada como “uma forma de resolução privilegiada para as antinomias e conflitos
românticos”, uma vez que ela é vista como transcendência ou “finitude transitória”. “Se
este mundo é repleto de barreiras à satisfação, transportemo-nos para uma outra
dimensão, na qual os sonhos de unidade e harmonia realizam-se sem entraves”
(LOUREIRO, 2002, p.333). Sendo assim, os amantes optam pela união amorosa na
morte, já que a vida humana não possibilita o regozijo.
A morte é sinônimo de lar para os corações fatigados, promessa de plenitude e
totalidade eterna, de amor eterno. No poema de Novalis (1998, p.59), Saudades da
Morte, nota-se a tradução desse mesmo sentimento:
Já tarda nosso regresso,
Repousam há muito os Amados!
O túmulo a vida nos fecha,
Agora são dores e medos
59
Nada quer o coração
Tão farto em mundo tão vão.
A questão da incapacidade de viver sem o ente amado é retomada nesse poema.
O fim do amado marca o limite do amante, restando apenas dores, medos e a apatia em
um mundo tornado sem sentido pela experiência de perda. Rosenfeld (1993, p.79) diz
que Hinos à noite, livro que contém o poema Saudades da Morte, exalta “a trindade
amor, morte e noite, poderes que promovem a fusão dos entes no voluptuoso abraço da
unico mystica”, assim como em O Noivado do sepulcro, em que essa soturna trindade é
vista como uma escapatória romântica para os entraves terrenos. A visão de mundo de
ambos os poemas é marcada por um profundo pessimismo, que acredita que a dor, o
sofrimento e o mal sempre prevalecem. Esses “eus” líricos possuem uma predisposição
anímica em ver apenas o lado hostil e negativo da vida, ela é compreendida como
separação e ruptura.
Em outra passagem do poema, podemos perceber claramente essa concepção
pessimista e noturna da existência. O eu-lirico feminino aponta ao seu par amoroso a lua
que está no céu e lembra a ele que foi sob a sua luz pálida que jurou seu eterno amor
tanto em vida, quanto na morte. Logo em seguida, é celebrado esse himeneu lúgubre “ao
som dos pios do cantor funéreo,/E à luz da lua de sinistro alvor,/Junto ao Cruzeiro”.
Ao terminar a cerimônia macabra, já pela manhã, o poeta usa a prosopopéia para
indicar o “final feliz” dessa união: “Quando risonho despontava o dia” foi encontrado
em único sepulcro os dois esqueletos unidos.
Percebe-se que a noite parece ser o domínio da tensão, por existir a incerteza, a
dúvida sobre união dos seres. Já o amanhecer, a prosopopéia “dia risonho”, é o domínio
da serenidade, da bonança, o tempo da ventura eterna, pois não há mais o medo da
incerteza, já se estabeleceu a aliança entre eles.
Moisés (2006, p.287) define O noivado do sepulcro da seguinte maneira:
Ambiente fantástico, “negro”, guardando um gosto doentio pelas
funerações, tom melodramático, transbordante idealismo amoroso,
que rompe o círculo das conveniências ou do verossímil, teatralidade
extrema, que não recusa os gestos mais descabelados para traduzir
uma visão do mundo pessimista, entrevista a partir da morte e não a
partir da vida, sentimentalidade paroxística, expressa por jactos
“vulcânicos”, irrealidade e irracionalidade, desprezo das estruturas
sociais vigentes e anseio de uma esfera transcendental além-túmulo
(...)
60
O sentimentalismo a que o autor faz referência pode ser observado na literatura
romântica pelo uso excessivo de pontuações como reticências, exclamações,
interrogações, travessões, e interjeições, que revelam o desequilíbrio dos “eus”, suas
contradições, vacilações, incertezas e angústias.
Além disso, a predominância de
adjetivos, hipérboles – “Sobre este peito que bateu por ti!”, "Quero-te unido para
sempre a mim!" – e pleonasmos – “tumba funeral”, “Funérea campa” –, demonstra a
latência das emoções desses dois seres.
O sentimentalismo nas obras românticas foi uma forma de reação ao protótipo
filistéico do homem mediano, o pequeno burguês sóbrio, equilibrado, contido. O
romântico lança-se ao frêmito das paixões, entrega-se às forças do coração, livrando-se
de vez do policiamento das emoções. Como afirma Russell (1967, p.216), “os
românticos não desejavam paz nem tranqüilidade mas uma vida individual vigorosa e
apaixonada”.
Destarte, a “sensibilidade aparece como o mais legítimo título de nobreza das
almas e a bondade e a virtude são consideradas como atributos naturais das almas
sensíveis” (AGUIAR E SILVA, 1997, p.534). A vida moral, para o romântico, guia-se
pelos sentimentos, transgredindo leis, convenções sociais, preconceitos e toda a sorte de
normas exteriores à vontade do “eu”.
Esse sentimentalismo romântico também pode ser encarado como um protesto
contra a sociedade capitalista que cada vez mais supervaloriza o ter em detrimento do
ser, substituindo os anseios emocionais em favor dos interesses materiais. De acordo
com Fischer (1983, p.66),
Na medida em que a produção material ia sendo oficialmente
consagrada como a quintessência daquilo que valia a pena, na medida
em que uma crosta de respeitabilidade recobria o cerne imundo dos
negócios, os artistas e escritores procuravam com maior vigor e mais
intensamente revelar o coração humano, arremessando a dinamite das
paixões contra a ordem aparente do disciplinado mundo burguês.
Ao longo do poema, observa-se um gosto obsessivo pelo pálido, o branco e o
tom marmóreo, expresso pela cor da pele e indumentária das personagens, pela luz da
lua e pela lájea mortuária. Além disso, nota-se a preferência do autor pela expressão de
uma “Beleza Meduséia” (PRAZ, 1996, p.43), corpos doentios e cadavéricos, como
podemos constatar na seguinte descrição prosopográfica, na qual se percebe que o poeta
explora a musicalidade com aliteração dos fonemas [a] e [s]:
61
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
Ou aqui, onde o poeta usa a símile: “Branco fantasma semelhante a um
monge,/D’entre os sepulcros a cabeça ergueu”.
Os românticos sentiam uma certa excitação pela morbidade e o cadavérico, por
isso procuram representar a beleza de forma imprevisível, subjetiva e interior:
(...) na expressão romântica, a beleza sensível se interioriza, a
espiritualidade torna-se exigente e o artista procura a realidade dentro
de si mesmo. É nesse momento que a subjetividade adquire valor
essencial. (NUNES, 2006, p.101).
Com a interiorização da beleza na concepção romântica, é possível encontrar o
belo nesses elementos sórdidos presentes no carme de Passos: esqueletos, formas
feminis sem higidez, aspecto cadavérico e doentio, palidez e em vestimentas brancas ou
translúcidas esvoaçantes, fantasmagóricas, ganhando ênfase com a tristeza e o
sofrimento (PRAZ, 1996).
Por essas características elencadas e outras que ainda iremos discutir, podemos
considerar O noivado do sepulcro como a transfiguração literária de uma doença que
molestou seu autor, a tuberculose. Uma tentativa de expressão do grotesco em que o
belo, o feio e o doentio não se apresentem dissociados, mas que também não se
harmonizem internamente.
Eco (2007, p.302) diz que “a doença carrega consigo a feiúra”, mas os
românticos, através de sua estética subjetiva ou interiorizada, que já prenuncia a
“estética do feio”, de Baudelaire (FRIEDRICH, 1991, p.36), acreditavam que a tísica ou
os estados febris conferiam à vítima uma beleza singular, pois o organismo ganhava
uma aparência etérea.
A tuberculose é uma doença infecto-contagiosa cujos principais sinais e
sintomas são tosse, hemoptise, emagrecimento acentuado, febre, palidez, vermelhidão
nas faces, fraqueza. Tem-se registro que a doença já existia durante o Antigo Egito, mas
coube a Hipócrates, por volta do ano de 380, a primeira descrição da doença,
primeiramente denominando-a de “tísica”, do grego phthsis que significa “definhar”,
62
“consumir”,
“derreter”,
devido
ao
seu
caráter
consuntivo
(MARCH
apud
SANT’ANNA, 2002, p.1).
Durante os séculos XVIII e XIX, justamente no período romântico, a tuberculose
ganha a alcunha de “Peste Branca”, em razão da grande epidemia que flagela toda a
Europa e suas colônias na América. A urbanização, a aglomeração de trabalhadores nas
fábricas e as más condições de higiene e alimentação foram as principais causas da
disseminação da tuberculose.
Em decorrência dessa difusão da doença, inúmeros mitos, lendas, imaginários
foram criados para a tísica durante todo o Romantismo. Segundo Sontag (1984, p.88),
“A tuberculose era uma doença a serviço de uma visão romântica do mundo”, ser
tuberculoso era, já nos meados de XVIII, sinônimo de romântico.
A tuberculose é inserida na visão romântica como instrumento de negação da
realidade concreta, expressando um descontentamento no plano social (PÔRTO, 2007)
por razões que já comentamos anteriormente – advento do capitalismo, industrialização,
objetificação e instrumentalização do ser humano. O indivíduo romântico passa a buscar
valores interiores e espirituais em contraponto com a óptica do capital; além disso,
enfatizava-se marcas de individualidade e singularidade, valores estes que foram
atribuídos à tuberculose.
É possível que a extrema idealização da tuberculose tenha sido uma forma de
exorcizar a doença que se alastrava e que naquele momento era incurável, sendo assim,
os românticos passam a sublimá-la (ECO, 2007). A tísica é recoberta por uma esfera
mística como tentativa de, por meio do estado mórbido, atingir uma elevação superior,
uma comunhão com o Absoluto.
Segundo Sontag (1984, p.24-5), “metaforicamente, uma doença dos pulmões é
uma doença da alma”. Por essa razão, a tuberculose se liga ao que havia de beatífico,
transcendental e sensível. Além, é claro, do fato de a doença ir consumindo o doente aos
poucos, como se ele se desmaterializasse.
Acreditava-se que os alvos das doenças eram artistas, intelectuais, nobres e,
também, boêmios, pessoas reconhecidas pela aguda sensibilidade e altivez de espírito:
(...) a sensibilidade romântica investiu na concepção da tuberculose
como sintoma de caráter nobre e genialidade artística. A literatura da
primeira metade do século XIX tematizou a “febre das almas
sensíveis” como prova inequívoca da excepcionalidade do caráter e
dos dotes artísticos e intelectuais dos tuberculosos. Dentro desta visão
63
romantizada da doença, eram explicados o gênio criativo e o afã por
realizações. (PÔRTO, 2007, p.44)
No entanto, a tuberculose não distinguia classes sociais, foi um mal que atingiu
a todos sem exceção. Bertolli Filho (2001) coloca que a literatura do período romântico
se distanciou dos menos favorecidos, das cenas de misérias presentes em cortiços,
fábricas e enfermarias coletivas. Mas a idealização da tuberculose foi mais uma forma
que a intelligentsia da época encontrou para se opor ao sujeito burguês, sinônimo de
saúde e de corpulência, do que alienação ou falta de compromisso social.
Talvez a característica mais importante que aproxima o poema O noivado do
sepulcro da tuberculose seja a temática amorosa. A tuberculose, durante o período
romântico era reconhecida como a doença do amor, a transmutação do sentimento
amoroso, como podemos constatar na fala de Gonçalves (2002, p.23):
(...) a tuberculose também definia-se e era reconhecida, no campo
artístico e literário, como doença do amor. Fora bastante representada
por escritores no campo literário, ao final do século XIX e início do
século XX, e correspondia às concepções de paixões fortes,
frustrações amorosas, chegando a uma decadência física, em
conseqüência da ‘febre’ das paixões excessivas e do tipo de vida.
Segundo a concepção romântica, o amor era um motivo forte e suficiente para
conduzir à decadência física, ao enfraquecimento e ao desvanecimento total. Para
Sontag (1984, p.29-30), isso se explicava pelo fato de que
Na tuberculose, a febre é um sinal de ardência interior: o tuberculoso é
alguém “consumido” pelo ardor, aquele ardor que leva à dissolução do
corpo. O uso de metáforas extraídas da tuberculose para descrever o
amor – a imagem de um amor “doentio”, de uma paixão que consome
– antecede de muito o movimento romântico. Começando com os
românticos, a imagem se inverteu, e a tuberculose foi concebida como
uma variante da doença do amor.
A tuberculose não pode ser encarada como uma doença do amor jubiloso e
sereno, mas do amor marcado pelo desencontro, pela tragédia. É uma doença que foi
explicada como seqüela da frustração amorosa (SONTAG, 1984). De acordo com os
valores românticos existia um quê de encanto em possuir uma enfermidade causada pela
paixão excessiva ou malograda.
64
A poesia romântica é rica em exemplos de obras cujo tema traz representações
da tuberculose. Em Se eu morresse amanhã, de Álvares de Azevedo (1977, p.265), a
tísica é encarada como promessa de redenção – “Quanta glória pressinto em meu
futuro!” –, de união com absoluto e o desvanecer das amarguras terrenas.
O “eu” antevê sua morte, deseja-a ardentemente com o entusiasmo de alguém
que retorna ao lar, vislumbra seu fim junto às imagens doces de membros da família –
mãe e irmã – e manifestações e fenômenos da natureza – “Que sol! que céu azul! que
doce n’alva/Acorda a natureza mais louçã!”.
Em outro poema, Mocidade e morte, de Castro Alves (2004, p.41), não há essa
mesma idealização da doença, o poeta apresenta um posicionamento mais realista diante
da tuberculose: a consciência da morte prematura não gerará nenhuma espécie de
entusiasmo ou euforia mórbida pelo estado consumptivo, pelo contrário, o eu-lírico
verte sobre os versos um comovente clamor à vida – “Oh! Eu quero viver”. No poema,
que anteriormente chamava-se O tísico, a doença é vista como voraz e iníqua – “Um
mal terrível me devora a alma” –, capaz de extinguir-lhe a existência na febre da
juvenília, no momento em que o indivíduo é impelido a grandes realizações – “Eu sinto
em mim o borbulhar do gênio,/Vejo além um futuro radiante:”. A proximidade da
morte, segundo o imaginário da época, fazia com que o indivíduo tivesse uma grande
agilidade nas idéias e bons resultados no trabalho intelectual, em razão de lhe restar
pouco tempo de vida. Entretanto, o que realmente produzia essa disposição e
efervescência intelectual era o uso desmedido de drogas à base de ópiaceos, dentre elas
o láudano, indicadas aos pectários para amenizar aos sintomas da tísica (BERTOLLI
FILHO, 2001).
Nos romances românticos, há também uma vasta galeria de heroínas e beldades
tísicas que cedo abandonaram a vida em decorrência da doença: Teresa, de Amor de
perdição (CASTELO BRANCO, 1997); Catherine, de O Morro dos ventos uivantes
(BRONTË, 2004); e Marguerite Gautier, de A dama das camélias, (DUMAS FILHO,
s/d). Mulheres estas que tem em comum corpos esquálidos, tez pálida, ar melancólico,
olhar vago e sonhador e, principalmente, atormentadas por violentas paixões que as
levam à morte.
Porém, a morte desses ”anjos tísicos” nunca é o fim definitivo, mas uma
elevação do plano terreno para o plano espiritural, da limitada essência humana para a
infinita possibilidade cósmica. As personagens aceitam com orgulho e afã a morte
65
beatífica da turberculose, pois a doença conferia às vítima um quê de nobreza da alma.
A doença era capaz até mesmo de redimir uma cortesã como Marguerite Gautier.
A pintura romântica, assim como a poesia e o romance, adotou e incorporou
largamente a consunção, seus sintomas, sinais e imaginário como motivos artísticos,
mesmo que inconscientemente algumas vezes.
Segundo Bertolli Filho (2001, p.45), grande parte das personagens aflitas e
doentias que se disseminavam na literatura romântica, guardava uma forte semelhança
“com o vulto depauperado e sombrio da espanhola Dona Tadea Ária de Enriquez,
modelo inspiradora de uma pintura assinada por Goya, nos primeiros anos do século
XIX”, e, a partir de agora, objeto de nossa análise.
2.3.1 A representação pictórica da tísica em Goya
A pintura retratística Dona Tadea Arias de Enríquez, de Francisco Goya4, de
1790, revela uma figura feminina ao ar livre.
4
Francisco José de Goya y Lucientes, pintor romântico espanhol, nascido em 30 de março de 1746, em
Aragão, filho do mestre dorador José de Goya e de Gracia Lucientes. Iniciou seus estudos de pintura em
Saragoça, com José Luzán. Posteriormente, vai à Madri estudar com Francisco Bayeu. Em 1770, faz
viagem pela Itália a fim de continuar seus estudos. Ao retornar a Saragoça, pinta afrescos na Capela
Nossa Senhora do Pilar. Em 1773, casa-se com a irmã de seu mestre, Francisco Bayeu. Muda-se para
Madri em 1775 e passa a pintar retratos. Com o reconhecimento de seu trabalho, vários membros da
nobreza lhe encomendam retratos. Em 1785, com a coroação de Carlos IV, Goya é nomeado “Primeiro
Pintor da Câmara do Rei”. Em 1792, em viagem por Andaluzia, contrai uma doença que o deixa surdo.
Com o início das guerras napoleônicas, por volta de 1808, Goya é tomado pelo horror e sofrimento dos
oprimidos passando a pintar quadros cada vez mais sombrios. É dessa época Os desastres da Guerra e Os
fuzilamentos de três de maio. Em princípio, Goya dá apoio à ocupação das tropas napoleônicas à
Espanha, jurando fidelidade a José Bonaparte, irmão de Napoleão, mas logo depois demonstra seu
descontentamento com a barbárie do regime. Em 1824, parte para Bordéus, na França, numa espécie de
exílio. Falece no dia 16 de abril de 1828.
66
Nesse quadro, o pintor espanhol consegue, de maneira interessante, fazer com
que os elementos do conjunto ganhem um certo aspecto evanescente, nostálgico,
melancólico, atingindo, com a obra, o âmago da sensibilidade romântica: o sentimento
de perda, o desejo indefinido que gera a Weltzchmertz (dor do mundo), a busca pelo
ideal de integração com o infinito.
A mulher representada aparece de corpo inteiro, trajando um elegante e longo
vestido de gala, com tecidos transparentes em tons pastéis e algumas rendas.
Nas mãos de dedos finos e delicados calça luvas na mesma cor. Meias de seda
também em tons pastéis, sapatos modelo escarpin com detalhes em prata. Tudo à
maneira do eu-lírico feminino que Soares de Passos nos apresenta:
67
Cobrem-lhe as formas divinas, airosas,
Longas roupagens de nevada cor;
Singela c'roa de virgínias rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.
Segundo Bertolli Filho (2001), a moda romântica da segunda metade do século
XVIII priorizava tecidos leves, translúcidos e esvoaçantes, o que sugeria a idéia de
etéreo, transcendental, o estado mórbido ou mesmo sensual, qualidades que se
identificavam com a tísica.
Nos braços e nos seios de Dona Tadea, o tom pastel dá lugar ao branco. É
importante notar que, justamente na região do peito, onde se localiza o pulmão, é que
temos este “clarão”, como se o pintor desejasse chamar a atenção para aquela parte do
corpo, como se ali residisse um mal recôndito ou evidenciasse uma característica da
personalidade da mulher retratada.
Como já comentamos anteriormente, as qualidades atribuídas à tuberculose está
ligada ao fato de a doença ter origem na região do peito, a parte considerada elevada do
corpo, a parte espiritual do indivíduo. Destarte, o “mal dos pulmões” era uma doença de
seres que possuíam beleza espiritual e caráter elevado.
Um largo laço preto envolve a cintura da mulher que ajuda a realçar suas formas
pouco salientes. Observa-se que em meio a tantas tonalidades quase opacas, como o
branco e o pastel, aparece a cor preta, quiçá, um prenúncio da morte ou sinal de luto.
Há camafeus adornando a cintura da modelo, evidenciando sua origem nobre.
Além disso, abaixo, no canto direito observa-se uma espécie de brasão que poderia
indicar sua estirpe. Durante o período romântico acreditava-se que a tuberculose era
uma doença de origem nobre (SONTAG, 1984).
De acordo com Pôrto (2007), as transformações que ocorriam no corpo doente,
motivadas pela tuberculose, davam um ar aristocrático ao fimatoso, o que lhe trazia um
caráter de distinção e excepcionalidade do padrão mediano. Sendo assim, expor sinais e
sintomas da doença era condição sine qua non para afirmar sua condição de exceção na
sociedade, ser tísico era antes de tudo ser mais consciente que os demais, ser mais
complexo psicologicamente. Ter saúde era banal e até mesmo vulgar (SONTAG, 1984),
um estado para os filisteus ou para plebe inculta.
Essa insistência na excepcionalidade, na unicidade do estado tísico é motivado
por uma característica estilística do Romantismo, o individualismo. Podemos considerar
o individualismo como uma reação à nova ordem social que se estabeleceu com o
68
advento da Revolução Industrial e, conseqüentemente, a divisão do trabalho, em que o
sujeito executava funções anônimas.
Segundo Hauser (1982, p.709), o individualismo é “um protesto contra a
mecanização, o nivelamento inferiorizador e a despersonalização da vida resultantes de
uma economia deixada à rédea solta”. E mais, um protesto
(...) contra uma ordem social em que os seres humanos são impedidos
de seguir as suas inclinações pessoais e se transformam em
executores de funções anônimas, compradores de mercadorias
estandardizadas e meras ferramentas, num mundo cada vez mais
uniformizado.
Nessa situação, não só o trabalhador enfrenta o problema da despersonalização
do trabalho, mas também o artista vê-se imerso na despersonalização do seu processo
cultural e inserido à força no mercado. De acordo com Freitag (1986, p.72):
Numa sociedade em que todas as relações sociais são
mediatizadas pela mercadoria, também a obra de arte, idéias, valores
se transformam em mercadoria; relacionando entre si artistas,
pensadores, moralistas através do valor de troca do produto. Este
deixa de ter o caráter único, singular, deixa de ser a expressão da
genialidade, do sofrimento, da angústia de um produtor (artista,
poeta, escritor) para ser um bem de consumo coletivo, destinado,
desde o início, à venda, sendo avaliado segundo sua lucratividade ou
aceitação de mercado e não pelo seu valor estético, filosófico,
literário intrínseco.
É nesse momento que o artista romântico apelará para a sacralidade da obra de
arte, como representação do absoluto e redentora da humanidade, em contraposição à
sua recente inserção no mundo sujo das leis de mercado.
Além de protesto contra a despersonificação do sujeito, o individualismo
exagerado é visto por Hauser (1982) como uma compensação do materialismo e
utilitarismo da realidade circundante e uma defesa contra a hostilidade burguesa pelas
coisas do espírito. Os românticos possuíam uma visão esteticista da existência,
ensejavam, por meio da arte, construir um universo paralelo ao do burguês, mesmo que
inutilmente, pois a realidade burguesa não permite os sonhos com o absoluto. Por tudo
isso, Russell (1967) fala que os românticos possuíam uma aversão ao industrialismo,
porque este era feio, porque a busca por dinheiro era indigna de uma alma imortal e
porque as modernas organizações econômicas chocavam-se com a liberdade individual.
69
O perfil físico da modelo de Goya apresenta atende claramente aos padrões de
beleza da época e aos efeitos da tuberculose. Bertolli Filho (2001, p.46) coloca que “a
beleza e a sensualidade feminina também eram articuladas ao estado consuntivo”. Com
efeito, nas artes plásticas da época, havia um grande fascínio em representar “o exausto
abandono de uma beleza às portas da morte ou o lento decurso de uma enfermidade
(...)” (ECO, 2007, p.302).
Na mulher retratada, nota-se um corpo esquálido, tez pálida, busto médio, rubor
nas bochechas, nariz afilado, lábios sem cor, olhos vagos e inertes, como se mirasse ao
longe. Eles nos transmitem melancolia, mas que não parece ter uma razão clara. Uma
perfeita representação de uma fimatosa. Nas palavras de Eco (2007, p.302), o
Romantismo valoriza um tipo de “Beleza mortuária e “espiritual” que se afirma na
decadência de toda beleza física, a doença produz evanescentes imagens de jovens
fadadas à extinção”.
O rosto é pouco definido, não há expressividade na face esmaecida. O efeito das
pinceladas de Goya conseguem produzir a sensação de sublimação desse corpo, é como
se ele se desmaterializasse, como se o espírito já tivesse abandonado todo aquele
organismo (ROSENKRANZ apud ECO, 2007).
A tuberculose, segundo a crença da época, era uma doença de vítimas inatas, de
gente sensível e passiva, de pessoas que não são suficientemente amantes da vida para
sobreviver (SONTAG, 1984, p.34). Nesse sentido, podemos acreditar que o propósito
da falta de expressão no rosto da modelo é acentuar essa fragilidade, esse pouco ardor
pela vida.
Tudo parece sem vida no quadro, desde as cores até o porte físico da mulher, o
que se mostra é a apenas a fraqueza, morbidade, melancolia. Como diria Sontag (1984,
p.79): “por mais de um século e meio, a tuberculose produziu um equivalente
metafórico de delicadeza, sensibilidade, tristeza e franqueza (...)”.
A frágil mulher apresenta uma posição de defesa: seu braço direito está
estendido enquanto que o braço esquerdo está semi-dobrado. Parece se defender de
algo, mas não há a presença de mais ninguém ali, ela está só em sua fragilidade.
Sua longa cabeleira negra contrasta com a lividez da pele e do traje. Segundo
Berretini (1978, p.39), "entre os romanos, a cabeleira esparsa é signo da dor". Em Dona
Tadea, a dor ou luto não é proveniente propriamente do definhamento causado pela
“Peste Branca”, mas da dor indefinida que seus olhos vagos e inertes procuram além,
mas não a encontram. Talvez um luto pelo passado heróico e estável de outrora.
70
Anteriores às guerras napoleônicas, ao advento do capitalismo e à queda da aristocracia.
Nessa nova conjuntura, os espíritos nobres – artistas, poetas, sonhadores – são forças
impotentes.
No quadro, e em tantas outras obras românticas, a doença colabora para o
projeto romântico de “reencantamento do mundo”, para a busca da Idade de Ouro ou
“segunda inocência”.
O cenário onde está a bela mulher também é importante, tanto para a
significação do quadro em si, quanto para a compreensão da estética romântica em um
âmbito geral. Temos um jardim ao fundo de vegetação bastante robusta. Carr-Gomm
(2004) diz que o Romantismo, tanto em literatura, como em pintura, privilegiou
cenários selvagens e remotos, aproximando-se dos cenários dos romances góticos.
Conseqüentemente, os jardins começam a seguir esse modelo em lugar dos sóbrios
jardins neoclássicos.
Ao lado esquerdo da mulher há uma espécie de vaso em tom marmóreo,
possivelmente anunciando o destino funesto, a lájea mortuária. As cores, os tons que se
destacam na pintura de Goya e no poema de Passos são semelhantes e os significados
elencados são praticamente os mesmos.
O céu apresenta uma tonalidade escura, mostrando um mau tempo. A paisagem
é um espelho do estado emocional da mulher. Em O Noivado do sepulcro, também há
está mesma correspondência, o cenário e os fenômenos naturais se comportam
conforme o ânimo daqueles entes langorosos.
2.4 A fusão dos planos onírico/real na lírica de Leopoldo Gomes
Remorsos de um Atordoado coração, de Leopoldo Gomes 5 , poeta matogrossense contemporâneo, apresenta uma estrutura fixa, o soneto, criado no século XII,
5
Poeta nascido no dia 14 de junho de 1981, na cidade de São Félix do Araguaia-MT, filho de Idamiso
Rodrigues dos Santos e Divina Gomes dos Santos. Aos cinco anos de idade muda-se com sua família para
Porto Alegre do Norte-MT, nesta cidade ele ingressa na vida escolar e conclui o antigo 2° grau na Escola
“Alexandre Quirino de Souza”. Começa a escrever ainda na adolescência. No ano de 2000 muda-se
sozinho para a cidade de Goiânia-GO, onde reside por apenas um ano, retornando em seguida para Porto
Alegre do Norte. Em 2002, muda-se para a cidade de Barra do Garças-MT. No ano seguinte ingressa no
curso de Letras do Instituto de Ciências e Letras do Médio Araguaia, concluído em 2007. Durante o
período de universidade participa da Sociedade Poética Parnaso dos Tristes, entidade signatária da
Sociedade Epicuréia, cujo propósito era o resgate do ideal e do estilo de vida romântico. Atualmente
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consolidado pelo italiano Petrarca e uma das formas mais cultivadas ao longo da
historiografia literária:
Desvairado um coração em desalento vagava
Na morada fúnebre, e dos ventos noturnos ouviu:
“Ai que teu amor de poeta foi sublime e vil,
Visto que minha primavera foi presságio do anátema que me esperava.
Por que fizeste da consonância sublime do amor
Um claudicante canto de corvo cemiteriano?
Por que deixaste que um cerúleo sonho diáfano
Se embrutecesse em meu seio com nebulosa dor?
Ah...que tuas fagueiras frases adornavam meu casto peito
Com anelos etéreos de uma linda noite nupcial.
Em vez do deleite dos amantes, por ti, deitei-me sob a lousa glacial...”
Desvairado, em desespero, o coração do delíquio onírico, ligeiro
Despertou! E retirando o ouvido do túmulo (peito) do anjo que malamou
Sentiu-se tomado em remorso, sob a lousa também deitou.
(GOMES, inédito)
Para Moisés (2003, p.276),
(...) o ressurgimento do soneto na modernidade vem[nha] como
resposta ao caos e ao extremado liberalismo vigentes. Ou como se
fosse a busca dum necessário retorno ao equilíbrio voluntariamente
perdido, a fim de contrabalançar a dispersão (...).
A forma fixa, que outrora era tida como padrão a ser seguido, pode significar, no
contexto atual, uma certa segurança, um desejo de unidade que, aparentemente, o
passado oferece, em contraposição ao caráter fragmentário e de dilaceramento da vida
contemporânea, massacrada por discursos ideológicos, pela mídia, pelas formas
escravizadoras de trabalho, pela exigência de produção, e que tem raízes econômicohistóricas nas citadas revoluções do período romântico, sobretudo a industrialtecnológica. A forma fixa assinala como que um instante de repensar sobre o “eu”, de
afirmar a individualidade. Nesse sentido, assim como em relação à produção romântica
vista, esse poema estende sua existência também para questões sócio-históricas.
trabalha como Agente Prisional no Centro de Ressocialização de Barra do Garças e prepara sua primeira
publicação Beleza Fúnebre.
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Outro fator que caracteriza a busca pelo passado é o léxico empregado em todo o
poema. O vocabulário é erudito e bem-cuidado, há termos pouco usuais na linguagem
coloquial (“anátema”, “claudicante”, “cerúleo”, “diáfano”, “fagueiras”, “delíquio”), mas
sem cair no preciosismo.
Além da referida necessidade de busca de unidade no passado idealizado, é uma
maneira de valorizar a língua, empobrecida, reduzida às necessidades básicas, abreviada
na linguagem tecnológica, e trazer para o poema, novamente, versos construídos com
certa serenidade sintática (temos em vista a complexidade de construção de orações e
períodos dos versos que também querem apresentar sentidos em si) e devolver à palavra
o poder de concentração de poeticidade.
A nostalgia pelo passado manifestada na utilização do soneto e do léxico, nos
versos em estudo, constituem-se em uma maneira de humanização de alguns aspectos
da contemporaneidade. Reportando-se aos valores do passado, o poeta tenta expressar
sua insatisfação com a realidade que o cerca. Nas palavras de Bosi (2004, p.178), “a
saudade de tempos que parecem mais humanos nunca é reacionária (...)”, sendo assim, o
escapismo espaço-temporal do poeta não demonstra alienação e/ou alheamento, mas
uma forma de resistência. Galeffi (1981, p.146) comenta que é comum esse erro por
parte da crítica em acusar de alienado, na maioria das vezes sem muita reflexão,
determinado artista
que na temática de suas criações não revele uma total e evidente
integração na vida sócio-econômica de seu meio ambiente ou na lide
política do partido dominante. O erro do crítico, neste caso, consiste
em pretender do artista em exame um engajamento diferente daquele
empenho que todo verdadeiro artista deve ter – e sempre teve
realmente em todas as épocas – não já necessariamente com o mundo
externo (que deveria, contudo, passar primeiro por um processo de
interiorização), mas, antes de mais nada, com sua própria consciência
de artista.
Nos termos colocados, há um outro sentido de poetar no texto leopoldiano, que é
o da busca de um modo diferente de viver, não se identificando com o espaço de
disforia e vulgaridade do tempo presente: “belo é o que nos arranca do tédio e do cinza
contemporâneo e nos representa modos heróicos, sagrados ou ingênuos de viver e de
pensar” (BOSI, 2004, p.131).
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O poema apresente estrutura métrica irregular, com um esquema de rimas
alternadas nos dois quartetos e emparelhadas nos tercetos, predomínio de paroxítonas,
entre outras repetições, o que contribui para a marcação rítmica do poema.
Há nos versos características da prosa, como um narrador onisciente, o que dá
certa credibilidade ao fato relatado; e duas personagens, uma feminina e uma masculina,
que vivem um conflito. Essa aproximação da poesia e da prosa inicia-se com os
românticos. Para eles, a separação rígida dos gêneros estabelecida pela poética clássica
implicava no princípio de liberdade que tanto estimavam. Além disso, o hibridismo dos
gêneros favorecia o enriquecimento do texto literário, pois, por meio da sinergia deles,
podia-se estabelecer combinações entre os elementos e as características próprias de
cada gênero, de forma que resultasse na criação de uma obra única e original.
O enredo poético traz o tema tradicional dos amantes desafortunados que cedem
ao encanto da morte em razão de não suportarem a ausência de seus pares, a exemplo,
para citar os mais antigos, do mito grego de Príamo e Tisbe (BULFINCH, 2003) e de
Romeu e Julieta, de Shakespeare (1988). No poema, um “eu” narrador descreve a
entrada do amante em um cemitério à procura do túmulo da amada. Em estado de semiconsciência, ele ouve a voz dela, marcada graficamente por aspas, após a qual, já
aparece diante do seu túmulo, sobre o qual se deita e morre.
O quadro amoroso é marcado pelo trágico. A concepção de amor do poema
parece caracterizada por uma impossibilidade de ele ser vivido no plano sensível, pela
natureza volúvel, impulsiva, amoral do “eu” masculino, um “amor de poeta”, perfil do
“poeta” romântico que se deixa guiar apenas pelos próprios desejos. Tais impulsos
emocionais foram o mote para diversos desencontros amorosos, como mostra a
produção literária da época. Gomes faz uso da metalinguagem literária (REIS, 2007,
p.152), “maneira de compreender/fazer arte pela apresentação do ato criador”, o verso
falando de poesia como arte subjetiva e transgressora.
O amor, no poema, revela sua face destruidora e lúgubre, mas, como o próprio
título aponta, é o sentimento de remorso que parece ser o leitmotiv dos versos. Em
vários trechos do poema há a presença da culpa, como na expressão “anjo que malamou”, a metáfora “anjo” anuindo para o caráter supra-terreno da amada. A inquietação
da culpa se acende quando o poeta ouve-lhe o desabafo, em tom acusatório, arrogando o
motivo da própria morte. Isto se dá no último verso da terceira estrofe pelo uso da
apóstrofe (“Em vez do deleite dos amantes, por ti,”), que antecede um eufemismo
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(“deitei-me sob a lousa glacial”) que sugere o suicídio ou, pelo menos, um deixar-se
morrer.
A morte da personagem masculina é anunciada pelo mesmo eufemismo para
expressar o suicídio (“sob a lousa também deitou”). O tratamento dado à linguagem,
pelo uso do eufemismo, suaviza a atitude violenta e execrável, para a moral cristã, do
suicídio, fazendo com que o ato se amenize, tornando-se simpático ou até louvável.
O cunho passional de Remorsos de um atordoado coração se evidencia, em
princípio, pelo uso da sinédoque “coração” (“Desvairado um coração em desalento
vagava”). Nilce Martins (2000, p.103) diz que “a parte que na sinédoque é destacada do
todo é, em geral, a que tem mais relevância no fato expresso”. Há um clima agourento e
fantasmagórico que paira sobre poema, bem ao gosto romântico, composto pela
exacerbação do lúgubre, como na hipérbole: “Um claudicante canto de corvo
cemiteriano”.
Esse clima é auxiliado por oscilação fono-semântica entre o grave e o suave,
como na aliteração do fonema [K], que dá o tom grave ao poema – “Um claudicante
canto de corvo cemiteriano” e na repetição de sons nasais que causam um eco,
conferindo certa suavidade misteriosa à expressão – “Um claudicante canto de corvo
cemiteriano” – (MARTINS, 2003); na aliteração dos fonemas [S] e [V], o barulho do
vento (“Desvairado um coração em desalento vagava / Na morada fúnebre, e dos ventos
noturnos ouviu”), reforçando a prosopopéia – “e dos ventos noturnos ouviu” –, modo de
ver a natureza como extensão de seu próprio eu, transferindo as disposições anímicas
para os elementos naturais.
Há uma confluência das categorias belo/feio. Veja-se o paradoxo presente na
primeira estrofe, “sublime e vil”. A ordem disposta desses termos norteará o
acontecimento dos fatos. No último verso da primeira estrofe (“Visto que minha
primavera foi presságio do anátema que me esperava”), que precede o paradoxo
(“sublime e vil”), acaba por ser uma amplificação, figura de pensamento que explana
particularidades (TAVARES, 2002), já que primeiro são pontuadas as qualidades do
“amor de poeta” e, em seguida, desenvolve-se uma explanação. Dentro dessa
amplificação temos outro paradoxo, a metáfora “primavera” que enfatiza a idéia de
vigor, à qual se opõe o semantema “anátema”, que põe fim ao período jubiloso.
Os versos interrogativos da 2ª estrofe, analisados contextualmente, não se
constituem em um questionamento, mas na perplexidade perante a situação que
apontava para uma ventura perpétua transmutada em desgraça e prenunciada pelo corvo,
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ave de mau agouro para a crença popular. A cor negra do corvo (CIRLOT, 1984) está
relacionada com a idéia de princípio, inclusive de noite materna e trevas primigênias;
seu vôo dá-lhe a qualidade de mensageiro; e na simbologia cristã, o corvo assume a
alegoria da solidão, sentidos que se aninham no poema.
O cenário descrito do poema é caracterizado pelo ambiente noturno e cemiterial,
como o Locus Horrendus romântico. Os maus presságios – “Visto que minha primavera
foi presságio do anátema que me esperava” – e o sentimento de solidão, já que temos a
ruptura de uma união – “Por que fizeste da consonância sublime do amor/Um
claudicante canto de corvo cemiteriano?” – também compõem o desfecho fatídico dos
versos.
No poema podemos identificar dois planos. O plano da realidade, marcado pela
voz do narrador que, distanciado dos fatos, dá um caráter verossímil ao episódio
relatado, expresso nos dois versos da primeira estrofe e na quarta estrofe inteira. E o
plano onírico, da fala da personagem feminina, assinalada pelas aspas. São planos que
se fundem pela loucura, que dá o tom grotesco ao poema. Segundo Bakhtin (2008,
p.35), “No grotesco romântico, (...) a loucura adquire os tons sombrios e trágicos do
isolamento do indivíduo”, assim como podemos constatar no poema de Gomes.
A ênfase no estado de loucura está no hipérbato do primeiro verso da primeira
estrofe – “Desvairado um coração em desalento vagava” –, ordem sintática alterada para
destacar a situação desequilíbrio (“Desvairado”) da personagem masculina. A estrofe
última também se inicia com o semantema “Desvairado”, demonstrando que a confusão
mental e a falta de discernimento da realidade é o que constrói a fusão dos planos.
A partir disso, conclui-se que o narrador se identifica com o plano da realidade,
a personagem feminina com o plano onírico e a personagem masculina com a fusão dos
planos, uma vez que o estado de desvario faz com que ela não consiga distinguir o que é
realidade e o que é sonho. Segundo Kayser (2003, p.156), “o mundo grotesco causava a
impressão de ser a imagem do mundo vista pela loucura”.
Sob a orientação do grotesco, o poema perde de vista o referencial. O reino dos
mortos, com seus ressentimentos, invade o plano sensível e faz reavivar a culpa, que
leva o culpado a provocar a própria morte, talvez na intenção de um encontro, uma
reconciliação post mortem. Mas o texto não permite esse encontro, mostrando a
crueldade e falta de sentido da óptica grotesca.
Nesse contexto, podemos identificar
também o que Eco (2007) denomina de “feio de situação”. Segundo ele (2007, p.311),
76
(...) este é o princípio que rege todas as histórias de fantasmas e outros
eventos sobrenaturais, nos quais o que nos assusta e nos apavora é
algo que não acontece como deveria acontecer.
Diante do fato inusitado temos medo, resultante da sensação da falta de
compreensão das coisas. Um bom exemplo da incompreensão que o texto apresenta é a
digressão que o poeta utiliza, com auxílio de parênteses – “E retirando o ouvido do
túmulo (peito) do anjo que mal-amou”. Em geral, usam-se os parênteses para intercalar,
no meio de uma expressão ou oração, um comentário conveniente que ajude a explicar
determinado fato. Porém, nesse caso, ele confunde. Inesperadamente, o túmulo
transforma-se no peito da amante. Tal recurso produz uma bela metáfora, ao estabelecer
uma relação com os semantemas, que aparentemente não têm nenhuma ligação,
“túmulo”, cova onde se guarda o cadáver; e “peito”, parte do corpo onde está o coração.
O poeta representa a morte de um amor. O túmulo da mulher amada transforma-se no
próprio peito dele, significando que o peito guarda um coração morto, logo, em razão de
sua simbologia, um amor morto.
Mas as diferentes dimensões de tempo e espaço que se cruzam mostram que o
sentimento permanece como um fardo para ambos os amantes. A personagem feminina
retorna para expressar seu desconsolo pelo distanciamento, ainda em vida, dos dois
amantes e a personagem masculina dá cabo da própria vida junto ao túmulo da amada.
Aí, o trágico: os amantes passam a ocupar a mesma dimensão, mas não mais se cruzam,
nem resolvem os seus conflitos. Seguem almas vagantes.
Em face disso, podemos notar que a lírica do poeta mato-grossense foge dos
fundamentos da realidade, as categorias espaço/tempo e as antinomias como belo/feio,
bem/mal, luz/trevas são totalmente eliminadas, as normas que aparentemente regem o
mundo subvertem-se.
2.4.1 Relações intertextuais entre Cemitério do mosteiro na neve e Remorsos de um
atordoado coração
77
A ambientação fúnebre que Leopoldo Gomes cria a partir de um motivo
passional, pode ser colocada em analogia com o quadro Cemitério do mosteiro na neve
(1810), do pintor romântico alemão Caspar David Friedrich6.
Como diz Reynolds (1986), no pintor alemão Friedrich podemos encontrar uma
clara identificação do homem com a natureza. Os elementos da natureza se apresentam
conforme a disposição anímica do ser. Por outro lado, a natureza também se apresenta
de forma majestosa e soberba, contrapondo-se com a pequenez e insignificância do
homem. Em ambas as posturas diante da natureza encontramos o cunho religioso que
Friedrich empresta a ela. Por meio da identificação com o homem e a manifestação de
6
Pintor romântico alemão, nasceu em 5 de dezembro de 1774, em Greifswald. Aos sete anos de idade,
Friedrich perde a mãe no nascimento de seu nono irmão. Nos anos subseqüentes perde mais quatro
irmãos. Essas tragédias marcaram-no para sempre. Recebeu uma rígida formação religiosa de seu pai, que
se refletiu na sua visão de mundo e de arte. As paisagens de Friedrich são repletas de misticismo. Em
1790, começa a estudar desenho com Quistorp. Seus primeiros trabalhos eram delineados com lápis ou
com sépia e representavam praias rochosas, planícies áridas, cadeias de montanhas e árvores fabulosas.
Em 1794, começa a estudar pintura na Academia de Copenhague. Em 1798, muda-se com a família para
Dresden, onde participa dos círculos artísticos e literários do movimento romântico. Foi nomeado
membro efetivo da Academia de Dresden, em 1816, e teve várias obras compradas por pessoas célebres
da época. Mas, a partir de 1828, as pinturas de Friedrich começam a sair de voga. Morre em 7 de maio de
1840 sozinho, depressivo e na miséria.
78
sua grandeza, tenta-se demonstrar a presença de Deus em seu todo e, conseqüentemente,
a busca do ser humano pelo infinito.
Segundo Proença (2007, p.175), no período romântico, a natureza ganha uma
importância única, passando a ser o próprio tema da pintura: “Ora calma, ora agitada, a
natureza exibe, na tela dos românticos, um dinamismo equivalente às emoções
humanas”. Essa valorização da paisagem pelos pintores românticos está ligada ao desejo
deles em “fazer com que os elementos da Natureza transmitissem sozinhos todo o
sentido simbólico” (ROSEN, 2004; 103).
A paisagem friedrichiana caracteriza-se pela quietude e pela limpidez, ou seja,
ela é estática, as formas são bem definidas e o traço é meticuloso. Entretanto, a sutileza
das cores sóbrias produz um efeito de transcendentalismo e um estado meditativo, a
paisagem é espiritualizada. Segundo Baumgart (1999), a paisagem parece perder sua
materialidade, seu caráter objetivo e sua existência sensível. Com isso, ela acaba por ser
a expressão das aspirações, da visão de mundo e dos sentimentos de uma alma
desencantada em meio ao inverno do amor humano.
A desolada paisagem hibernal de Cemitério do mosteiro na neve carrega valores
simbólicos. Ela é a representação do isolamento do ser humano em face da inadequação
do sujeito com sua comunidade e da inacessibilidade do absoluto.
Temos, dentro da moldura, uma sinistra procissão de monges que vagam por
entre ruínas e túmulos, em meio a uma natureza inóspita e sob o austero inverno,
provocando uma sensação de amarga resignação. Na poesia de Leopoldo Gomes o
termo “glacial” assume uma significação semelhante à imagem da paisagem sob a neve
do quadro de Friedrich – “Em vez do deleite dos amantes, por ti, deitei-me sob a lousa
glacial...” –, nos dois casos o gelo, o frio, o inverno são alegorias do isolamento e da
ruptura.
Vaughan (apud ROSEN, 2004) chama a atenção para uma característica
importante da obra de Friedrich. Ele percebe que as igrejas sempre aparecem ao longe,
como visões irreais, ou como ruínas. Apesar da obra do pintor alemão ser intensamente
religiosa, ela não se prende a um sistema de dogmas rigidamente instituídos por uma
hierarquia eclesiástica. A religiosidade do romântico “é preponderantemente de natureza
sentimental e intuitiva; o seu diálogo com a divindade tende a dispensar a mediação do
sacerdote e o formalismo dos ritos, desenrolando-se na intimidade da consciência”
(AGUIAR E SILVA, 1997, p.557). O seu diálogo com a divindade dá-se através do
79
culto dos astros, mares, montanhas, ventos, prados. Sendo assim, o panteísmo é a
religião mais próxima da sensibilidade romântica.
A partir dessa descrição da imagem representada, identificamos vários
elementos presentes também no romance gótico – gosto pela decrepitude, paisagens
desoladas, ambientação sombria, arquitetura medieval, fantasmas, presença da morte e
figuras religiosas. Segundo Jones (1985, p.67), a partir do século XVIII, esses motivos
fizeram tanto sucesso que “havia quem pagasse a ‘eremitas’ ou supostos ‘frades’ para
que ficassem sentados em ruínas e templos de jardins, retirados do mundo, em
contemplação”.
Esse período é denominado de Gothic Revival, uma (re)descoberta da
arquitetura, costumes, filosofia e misticismo medievais. O estilo gótico, em especial,
por carregar um caráter religioso e simbólico, assim como a pintura de Friendrich, foi
bastante apreciado pelos românticos. O gótico evoca as forças sobrenaturais, o culto ao
macabro, uma concepção noturna da existência, própria do romance O castelo de
Otranto (1764), de Horace Walpole (1717-1797), em que fica visível o desprezo pela
trivialidade da vida comum.
No mundo ínfero e onírico do gótico predomina a tragédia e a deformidade. Por
essa razão, a estética gótica era vista pelos românticos como um exemplo de arte
original e beleza extraordinária, já que ela era rechaçada pelos clássicos e pelos
iluministas por se afastar dos seus preceitos de equilíbrio, luminosidade, simetria e
racionalidade. Além disso, o gótico remetia ao período considerado áureo pelos
românticos, a Idade Média.
É possível constatar, então, por meio desses temas góticos na pintura de
Friedrich, uma proximidade com a categoria estética do grotesco. O gótico, muitas
vezes, foi visto como grotesco justamente pela sua tendência para o sobrenatural e o
macabro. A associação do grotesco com o gótico difundiu-se muito com o comentário
do crítico inglês Hazlitt (apud KAYSER, 2003, p.74) que, ao definir a literatura inglesa,
justapõe os termos gótico e grotesco deixando claro que os dois termos partilham o tom
sombrio e sinistro: “our literature... is Gothic and grotesque”. Tal afirmação foi
conseqüência da definição scottiana do grotesco, que, ao estudar a obra de Hoffmann,
passou a considerá-lo como uma categoria poética. Segundo essa definição, até mesmo
as paisagens poderiam ser denominadas de grotescas, em razão do que havia nelas de
desordenado e funesto (KAYSER, 2003).
80
Pelo exposto, verificamos que o mote da representação do grotesco tanto em
Friedrich quanto em Gomes, é a tentativa de alcançar uma unidade, uma sehnsucht,
anseio ou sentimento de nostalgia por algo inacessível no tempo e espaço, causada pela
insatisfação com a realidade. Ambos valem-se da expressão do grotesco e do universo
nefando da morte como crítica da realidade. Mesmo existindo uma grande distância
histórica entre os dois artistas, eles partilham dramas existenciais semelhantes.
Caspar David Friedrich viveu o período da ascensão da burguesia e do triunfo do
industrialismo, que transformou tudo em mercadoria. A exploração do homem pelo
homem, as condições miseráveis nos centros urbanos, a desagregação da família, a
destruição da natureza, são alguns dos resultados de uma sociedade que se deixava
conduzir pelas leis de mercado, resultando na despersonificação do indivíduo, na supervalorização do ter em detrimento do ser, a razão instrumental e o desprezo pelos
sentimentos e emoções. A esterilidade dessa realidade não dá margem para aspirações
espiritual. São questões que também permeiam a obra de Gomes.
Nesse sentido,
A realidade social que se recusa é vivida como desencantada, marcada
pela quantificação, mecanização, abstração racionalista e dissolução
dos vínculos sociais. Tais modificações empobrecem grandemente a
subjetividade do indivíduo (em termos de afetividade e de
imaginação) e rompem a unidade que ele formara com duas
totalidades englobantes – a Natureza e a coletividade humana. É esta
unidade, pois, se trata de recuperar. (LOUREIRO, 2002, p.195-6)
O estado de morte da obra de Friedrich pode ser pensado como uma celebração
da morte, mas também como uma contestação pela perda da totalidade do indivíduo.
Essa obra chama a atenção para a necessidade de segurança e unidade em uma
sociedade marcada pela dispersão, pela instabilidade e pelo desaparecimento dos laços
sociais.
81
Considerações finais
O que se intentou ao longo desse texto foi apresentar o grotesco como um pensamento
acerca de um modo de realização artística e de apreensão plástica da realidade. Pela violenta
e inesperada junção de elementos antitéticos, pela construção de cenários lúgubres e
atmosfera sobrenatural, pode-se produzir reações de desconcerto que possibilite o despertar
do pensamento crítico, pondo em dúvida as verdades vigentes, a trivialidade do mundo
burguês.
Observamos, nas obras analisadas, que a representação dessa estética mórbida e
disforme não tem a pretensão de culto ao macabro simplesmente, mas, por meio deste, afirmar
a necessidade de um reencontro do homem com o próprio homem, ampliar seu horizonte de
possibilidades na tentativa de desconstruir a estreiteza da realidade circundante.
Sendo assim, pode-se dizer que o grotesco de todas as obras aqui analisadas, tanto nas
obras líricas, quanto nas pictóricas, filiam-se ao grotesco lírico, sua expressão tem motivações
críticas e humanistas e não mercadológicas ou comerciais como na cultura de massa. Além
disso, é importante estudarmos a categoria estética do grotesco no momento em que tudo se
apresenta sob esta forma – a moda, os games, a televisão, o cinema, a música, etc. – pensando
que é na arte que o grotesco não se vulgariza.
Além disso, a expressão do grotesco é representação de tipos de beleza que não
surgem da bela natureza clássica, porém, da beleza que emerge dos lugares e de momentos de
emoções violentas, de profundo sofrimento do ser humano, em razão de problemas pessoais e
de questões que alguns homens observam ao seu redor, surgindo, por isso, das maneiras mais
insólitas, que se fundem com o nefasto que representam: a morte, o pesadelo, o inverno
estéril, a paisagem cemiteriana, a manifestação do sobrenatural.
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