Romantismo 1 Contexto Mundial Características Profª. Mara Magaña Origens e contexto A ascensão da burguesia européia é um processo que se inicia com o Mercantilismo, nos séculos XVI e XVII, passando pela Revolução Inglesa, de 1688, pela Independência Americana, de 1776, e atingindo o seu o momento culminante na Revolução Francesa, de 1789. Na França sobretudo, a derrocada da aristocracia permite não apenas a extinção dos privilégios seculares, mas também o fim das barreiras rígidas entre as classes sociais. Um novo sentido de vida, baseado na livre iniciativa, exalta a audácia, a competência e os méritos pessoais de cada indivíduo, independentemente de seus títulos e seus antepassados. A era do Liberalismo está em seu auge e com ela um conjunto notável de mudanças na história do Ocidente. A liberdade de expressão O primeiro efeito favorável da vitória burguesa para a literatura reside no artigo onze da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: "A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode portanto falar, escrever, imprimir livremente." Como afirma um historiador, "cada francês é agora um escritor em potencial, todas as Bastilhas acadêmicas caem por terra e uma aventura da palavra escrita está acontecendo." O novo público leitor Lord Byron Outro efeito importante resulta do esforço de alfabetização empreendido pelos revolucionários. Todo cidadão precisa ter acesso à leitura, até para conhecer as proclamações do novo regime. Assim irá surgir um novo público leitor, mais diversificado e numeroso, já sem nenhuma identificação com a arte neoclássica da aristocracia cortesã. Este público consome livros de forma intensa. E os escritores, até então dependentes do mecenatismo, vêem que podem sobreviver apenas com a venda de suas obras, agora transformadas em mercadoria de larga aceitação. Certos números ainda hoje impressionam: num só dia, em Londres, Lord Byron vende dez mil exemplares do seu romance O corsário; jornais que publicam romances em fascículos, como La presse, em Paris, conseguem mais de duzentos mil assinantes. Walter Scott, Victor Hugo e outros fazem fortuna com seus direitos autorais. A consciência da liberdade propicia ao artista um duplo sentimento: - O de euforia, por não ter mais de se sujeitar à vontade individual de protetores da nobreza. - O de medo, por ser agora um produtor para o mercado que, muitas vezes, desconhece. Além disso, sua confusão aumenta porque ele exalta o caráter quase que sagrado da obra de arte no exato momento em que ela perde toda a sacralidade e começa a fazer parte do reino dos negócios. Assim, o Romantismo coincide com a democratização da arte, gerada sobretudo pela Revolução Francesa, tornando-se a expressão artística da jovem sociedade burguesa. Victor Hugo afirma que o Romantismo nada mais é que o liberalismo em literatura. De fato, o movimento mantém uma relação viva e contraditória com a nova realidade. Filho da burguesia, mostra-se ambíguo diante dela, ora a exaltando, ora protestando contra seus mecanismos, conforme observaremos ao estudar-lhe as características. Nas últimas décadas do século XVIII, o Romantismo já está mais ou menos anunciado pelas obras do filósofo Rousseau, especialmente por sua teoria do "bom selvagem", e pelo movimento Sturm und Drang,(Tempestade e Ímpeto),constituído, nos anos de 1770, por jovens alemães, que valorizam o folclórico, o nacional e o popular em oposição ao universalismo clássico. Também a publicação de Os cantos de Ossian, pelo inglês Macpherson, em 1760, torna-se uma referência fundamental para os futuros românticos. Na verdade, Macpherson promove uma grande fraude literária pois escreve um conjunto de textos em prosa rítmica dizendo serem traduções de uma obra perdida do legendário poeta medieval - de origem gálica - Ossian. Apesar do embuste, o livro apresenta forte apelo emotivo e abre duas das mais valorizadas tendências românticas: o culto pelo antigo, em especial pela Idade Média, e o gosto pela prosa poética. No entanto, a antecipação mais genial de um novo espírito de época - centrado no exagero da faculdade imaginativa e no transbordamento das paixões - ocorre em 1774, com a publicação, sob forma epistolar (cartas), do romance Os sofrimentos do jovem Werther. Seu autor, Goethe, então com apenas vinte e quatro anos, produzirá um dos maiores comoções já ocorridas na história literária. “Está decidido, Charlotte, desejo morrer.(...) Quando leres esta carta, minha querida, a terra fria já estará cobrindo os restos rígidos deste infeliz, deste homem desassossegado que nos seus últimos momentos de vida não conhece doçura maior do que falar contigo." O termo romântico figura desde o início do século XVIII, no vocabulário francês com o valor de romanesco, isto é, referente ao gênero narrativo chamado romance. No entanto, a partir de 1780, as palavras romanesco(de romance) e romântico (aplicado à paisagens e estados de espírito) se separam nitidamente. Já o termo Romantismo - que indica o período artístico, com o sentido de anti-clássico - parece ter surgido na Alemanha, expandindo-se, em seguida, pelo resto do mundo. Nos primórdios do século XIX - favorecido pelas grandes mudanças políticas e culturais na Europa, o estilo e as visões românticas de mundo sedimentam-se com as obras dos Irmãos Schlegel na Alemanha, Coleridge e Wordsworth na Inglaterra, Madame de Stäel e Chateaubriand na França. Importante frisar que o Romantismo não é um movimento exclusivamente literário. Suas manifestações dão-se também em larga escala na música, através das obras de Beethoven e sua intensa monumentalidade; de Tchaikovsky, mestre da melodia e da angústia romântica; e de compositores que buscaram as raízes nacionais e populares, como Grieg (Noruega), Dvórak (República Tcheca), Granados (Espanha), etc. Surgem os concertos para o grande público. A ópera - reunindo música e teatro - populariza-se espetacularmente através de Verdi (Itália) e Wagner (Alemanha). Também nas artes plásticas, o espírito romântico triunfa. Nas pinturas de Géricault, Delacroix e Turner, entre outros, enfatiza-se o emocionalismo, os contrastes violentos de luz e sombra, a distribuição intensa das cores. O Romantismo constitui-se assim como uma poderosa e verdadeira revolução artística que modifica para sempre a cultura ocidental. Características INDIVIDUALISMO E SUBJETIVISMO A ideologia burguesa centra-se nas liberdades (expressão, iniciativa, concorrência) do novo homem e nas infinitas chances de auto-realização do indivíduo. O Romantismo, reflexo da nascente ordem social, centra-se na glorificação do particular, do singular, do íntimo, daquilo que diferencia uma pessoa de outra. O individualismo e o subjetivismo parecem ser faces distintas da mesma moeda, no caso o eu. Veja-se o exemplo de Lord Byron: Já é tempo do meu coração não se comover porque aos outros já deixei de emocionar mas embora eu não possa ser amado que possa pelo menos amar. SENTIMENTALISMO Os sentimentos tornam-se mais importantes do que a racionalidade. A existência só adquire sentido, se guiada e desenvolvida sob o seu domínio. Eles são sob medida da interioridade de cada pessoa, medida de todas as coisas. Negar-se à expressão sentimental significa ser insensível e estúpido. Werther morre de amor, e tudo se justifica - perda da honra, cisão da moral, etc. - se os gestos nascerem de sentimentos autênticos. Observe-se um fragmento do mais famoso romance de Goethe: Como a sua imagem me persegue! Ela toma conta de toda a minha alma, quer esteja desperto, quer sonhando. Aqui, quando fecho os olhos, aqui, atrás de minha fronte, onde se concentra a visão interior, encontram-se os seus olhos negros. Exatamente nesse lugar! Não sei como exprimir-te isso melhor. Quando fecho os meus olhos, os dela estão lá; descansam diante de mim, como um mar, como um abismo, preenchendo todo o meu sentir. Um novo sentido do amor Os românticos - em suas obsessões sentimentais - terminam indiscutivelmente por criar um novo significado para as paixões humanas. A expressão "amor romântico" ainda hoje é comum e indica profundidade, intensidade, delicadeza e até desmedida do afeto. Às vezes não compreendo como outro possa amá-la, tenha o direito de amá-la, quando eu, somente eu a amo com tanta ternura, tão profundamente, não pensando em outra coisa, querendo apenas esse amor, e não possuindo nada além dele. CULTO À NATUREZA Um dos elementos mais importantes da estética romântica, a natureza exerce profundo fascínio sobre os escritores do período, que vêem nela a antítese da civilização que os oprime. Encontrar-se com a natureza significa encontrar-se consigo mesmo, significa alargar a sensibilidade. Rousseau identifica a natureza com o sentimento interior. Em seus passeios solitários, essa subjetivização do mundo natural é visível: Da superfície da terra elevava as minhas idéias a todos os seres da natureza. Então, perdido o espírito nessa imensidão, não pensava, não raciocinava, não filosofava. Sentia-me - sentia-me com uma espécie de voluptuosidade. (...) Amava perder-me com a imaginação no espaço. Sufocava-me com o universo e gostaria de lançar-me ao infinito. Mas a natureza é também a confidente para as horas melancólicas e a amante desencadeadora de inspirações. É quase impossível produzir arte sem o seu influxo, como se nota neste fragmento de Madame de Stäel: Na natureza o homem reencontra em si mesmo sensações, alegrias ocultas que se correspondem com o dia, com a noite, com a tempestade. Esta aliança secreta de nosso ser com as maravilhas naturais é que garante à poesia sua verdadeira grandeza. Sublinhe-se, enfim, que a natureza funciona também no Romantismo como uma mãe que protege o filho dos desconcertos do universo, conforme se verifica no trecho extraído de Devaneios de um caminhante solitário, de Rousseau: Brilhantes flores, coloridos prados, sombras frescas, bosquezinhos, verdura, vinde purificar minha imaginação (...) Galgo os rochedos, as montanhas, mergulho nos vales, nos bosques, para me furtar, tanto possível, à lembrança dos homens e aos ataques dos maus. Parece-me que sob as sombras de uma floresta sou esquecido, livre e calmo como se não mais tivesse inimigos, ou como se a folhagem dos bosques me defendesse. FORMAS DE EVASÃO A inconformidade do artista romântico com o "mundo cruel" leva-o a uma série de procedimentos de fuga. Já que a sociedade não quer escutá-lo ou não sabe compreendê-lo, já que ele está perdido numa realidade incômoda e brutal, já que sua sensibilidade não possui força para mudar o destino, resta-lhe apenas a tentativa de escapar. A) Sonho e fantasia A evasão mais comum dá-se através do princípio da fantasia. O poeta devaneia, cria universos imaginários, onde encontra a luz e a alegria que a sociedade burguesa não lhes oferece. O sonho não é apenas a fonte obscura e misteriosa que alimenta a criação artística, mas uma forma de resposta à hostilidade do mundo. Novalis declara isso textualmente: "O sonho me parece uma vala de proteção contra a vulgaridade da vida." Álvares de Azevedo transita continuamente entre os níveis concretos da vida social e as fantasias de sua subjetividade atormentada, sem escapar do dilaceramento que esta divisão sonho-realidade lhe causa: Vinte anos! derramei-os gota a gota Num abismo de dor e esquecimento... De fogosas visões nutri meu peito... Vinte anos!... não vivi um só momento!(...) Eu sonhei tanto amor, tantas venturas, Tantas noites de febre e d'esperança. Mas hoje o coração desbota, esfria, e do peito no túmulo descansa! B) O "mal do século" O "mal do século" é uma "enfermidade moral" e não física. Resulta do tédio ("ennui", "spleen"), mas não do tédio comum (enfado diante da chatice da vida). A concepção romântica aponta para um aborrecimento desolado e cínico, que ressalta tanto a falta de grandeza da existência cotidiana quanto o vazio dos corações juvenis. Estes acreditam ter vivido todas as paixões e ter experimentado todos os abismos. C) O culto do passado Em contraponto ao presente insatisfatório, o romântico encontra constantemente no passado ideais sublimes e valores modelares. Essa afirmação do tempo pretérito dá-se em dois planos: Passado histórico: textos sobre a vida na Idade Média. Passado individual: textos sobre a infância e a adolescência dos escritores. Esta mitificação daquilo que já transcorreu obedece, geralmente, a uma tendência de fuga da realidade, pois tanto o mundo medieval como o mundo infantil representam o paraíso perdido, uma época de ouro na qual as criaturas seriam felizes. Também o retorno saudoso à infância toma a forma de uma inconformidade com a vida presente, conforme podemos ver neste fragmento Casimiro de Abreu: Ah! minha infância saudosa Que me mostravas à mente, Neste viver inocente, Tão verdejante e florida, A longa estrada da vida Que é toda tão escabrosa! LIBERDADE ARTÍSTICA A arte clássica sempre esteve sujeita a normas, padrões e modelos. Durante o Romantismo, em decorrência da liberdade de expressão alcançada pela sociedade burguesa, todas as receitas de conteúdos e de escrita das obras são destruídas. Abole-se as fronteiras entre os gêneros: em um mesmo texto admite-se o cômico e o trágico, o sublime e o grotesco, etc. "Ao martelo com as regras" - grita Victor Hugo no prefácio de sua peça Cromwell, em 1827, indicando que nem os temas, nem as estruturas de composição, nem os estilos devem responder a esquemas rígidos e pré-fixados. Ao contrário, devem nascer espontaneamente, de acordo com o propósito individual de cada criador. O ESTILO ROMÂNTICO Estilisticamente, o Romantismo apresenta alguns princípios elementares: - A expressão artística ( a exemplo da temática) é um processo resolvido mais pela inspiração do que pela pesquisa formal. Daí a impressão de descuido e excesso que muitos textos do período nos deixam. - Na poesia, há grande variedade métrica, de ritmos e de rimas, indicando a liberdade de composição que os autores experimentam. - O uso intenso de adjetivos, em função de sua força expressiva e de seu poder de qualificar uma numerosa gama de sentimentos. Os adjetivos segundo os românticos - ampliam ao máximo a conotação emotiva das palavras, fixando tonalidades e nuanças da natureza e das paixões humanas. Com o tempo, alguns desses vocábulos tornam-se verdadeiros lugares-comuns: doce, cálido, mimoso, infeliz, fatal, puro, cândido, celestial, etc. - A freqüente utilização de metáforas, hipérboles e outras figuras tanto na poesia quanto na prosa, aproximando (até certo ponto) um gênero de outro. No campo simbólico, predominam imagens extraídas de fenômenos naturais, normalmente grandiosos: florestas, correntezas. tempestades, tufões, etc. - A abundância de interjeições e exclamações , criando um tom de exaltação retórica. No conjunto, a linguagem romântica deixa a impressão de grandiloqüência, ênfase declamatória e busca do sublime. Ainda no século XIX, ela seria atacada por realistas, parnasianos e mesmo por simbolistas. Entretanto, sua destruição -- como fórmula expressiva -- aconteceria somente com as vanguardas artísticas do século XX, que instaurariam o domínio da linguagem coloquial. E por te amar, por teu desdém, perdi-me... Tresnoitei-me em orgias, macilento, Brindei, blasfemo, ao vício, e da minh'alma Tentei me suicidar, no esquecimento!