Desigualdades e exclusão educacional S. Paulo, 27mar/2010 Mariângela Graciano [email protected] Educação e desenvolvimento - Relação é verdade estabelecida tanto no senso comum entre especialistas - Falta consenso sobre seu papel - Resposta a esta pergunta depende do modelo de desenvolvimento adotado - No Brasil, desenvolvimento entendido como crescimento econômico - Educação = ampliação de escolaridade > fim para acessar mais renda Crescimento econômico, ampliação da escolaridade e manutenção das desigualdades - Brasil: crescimento econômico, ampliação acesso à escola e aprofundamento das desigualdades 2. Crescimento econômico O Brasil foi o país que mais cresceu no mundo e na América Latina ao longo do século passado. - O PIB real cresceu mais de cem vezes de 1901 a 2000. - População cresceu 9,45 vezes - Portanto, cada brasileiro teria direito à participação neste aumento, ampliando sua renda em 11,2 vezes 3. Manutenção das desigualdades e ampliação da pobreza Ao lado de um elevado índice de crescimento econômico no século passado, foram mantidos quase inalterados os índices de concentração de renda, constituindo-se em um dos países mais desiguais do mundo Histórica concentração de renda - Século XVIII - 10% mais ricos controlavam 69% da riqueza - Século XIX - 10% mais rico controlavam 73% da riqueza - Século XX - 10% mais ricos 75% - a partir 2001 - pequena redução nas desigualdades – menor em 25 anos Atualmente (mar/2010) - 1% mais rico detém 13% da renda - 10% mais pobres se apropriam de apenas 0,8% da riqueza - 10% mais ricos se apropriam 50% da riqueza Outros fatores para acentuação das desigualdades - Concentração industrial geográfica e empresarial – disparidades regionais: regiões Sul e Sudeste, mais ricas; e Norte e Nordeste, as mais pobres. - Concentração de infra-estrutura urbana em certos espaços – disparidades entre centro e periferia e entre o contexto rural e urbano – miséria afeta 50,1% da população rural - Herança escravismo e patriarcalismo – desigualdades étnico-raciais e de gênero Círculo vicioso: desigualdades / oferta educacional / manutenção desigualdades - Conjunto de fatores é mantido pelo modelo de desenvolvimento adotado - Ciclos de exclusão e desigualdades socioeconômicas afetam a oferta educacional - Oferta educacional contribui para a manutenção da exclusão e desigualdades Como acontece 1. Desigualdade no acesso Grupos vulnerabilizados têm maior dificuldade no acesso à educação – população negra; jovens; membros de famílias pobres; habitantes das regiões Norte e Nordeste e das áreas rurais. Média de anos de estudo da pop. 15 anos ou mais Brasil NE SE Rural Urbana Preta/Parda Branca 20% + pobres 20% + ricos Homens Mulheres 2005 7 anos 5,6 7,7 4,2 7,5 6,0 7,8 4,6 10,1 6,8 7,1 2008 7,4 anos 6,2 8,1 4,6 7,9 6,6 8,3 5,1 10,4 7,3 7,6 Taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais Brasil NE SE Rural Urbana Preta/Parda Branca 20% + pobres 20% + ricos 2005 11,1% 21,9 5,9 25 8,4 15,4 7 20,7 2,1 2008 10% 19,4 5,5 23,5 7,5 13,5 6,2 18,6 2,0 Taxa de analfabetismo por grupo de idade 60 anos + 31% 28% 15 a 24 anos 2,9% 2,2% Frequência à creche – 0 a 3 anos Brasil Preta/Parda Branca Rural Urbana Norte Sul 20% + pobres 20% + ricos 2005 13% 11,6 14,5 4,6 15,2 5,8 16,1 8,2 29,6 2008 18,1% 15,5 20,7 7,2 20,6 8,4 24,6 11,5 37,7 Ampliação desigualdade racial: de 2,9% para 5,2% (+5,1) (+3,9) (+6,2) Frequência à pré-escola – 4 e 5 anos Brasil Preta/Parda Branca Rural Urbana Nordeste Sul 20% + pobres 20% + ricos 2005 63% 60,6 65,3 44,5 67,5 49,1 70,9 52,9 86,9 2008 72,8% 70,8 75,2 59,2 76,1 59,4 79,4 65,5 91,5 Proporção de jovens de 15 a 17 anos cursando ensino médio Brasil Preta/Parda Branca Rural Urbana Nordeste Sudeste 20% + pobres 20% + ricos Homens Mulheres 2005 45,3% 35,6 56,6 24,7 50,4 30,1 57,4 22,5 74,7 40,6 50,1 2008 50,4% 42,2 61,0 33,3 54,3 36,4 61,9 30,5 78,3 44,4 56,8 Relação entre matrícula na educação profissional técnica e estimativa da demanda potencial (nº de matrícula no 1º e 2º EM + nº matrícula EJA médio) Brasil Nordeste Norte Sul 2005 10,9 -----4% 16,9 2008 10,6 3,8 ___ 15,4 Obs.: ausência de informações públicas Ensino Fundamental - cerca 98% de 7 a 14 anos na escola - muitas crianças e adolescentes fora - notícias de falta de vagas nos 2 últimos anos Desigualdade no Acesso – Mais números Ensino Fundamental Taxa de evasão Brasil 6,9% Nordeste: 8,8% Sudeste: 5,1% Taxa Média esperada de conclusão 4ª série Brasil: 87,6% Nordeste: 79,4% Sudeste: 94,5% (redução 1,5%) 8% série Brasil: 53,8% Nordeste: 38,7% Sudeste: 69,1% Percentual de alunos da 1ª e 8ª série oriundos de famílias com renda per capita inferior a ½ salário mínimo 1ª série: 55,4% 8ª série: 36,4% Desigualdade no Acesso – Mais números Ensino Médio Proporção de jovens de 15 a 17 anos cursando o Ensino Médio Brasil: 45,3% Preta ou parda: 35,6% Branca: 56,6% Rural: 24,7% Urbano: 50,4% Nordeste: 30,1% Sudeste: 57,4% 20% mais pobre: 24,8% 20% mais rico: 76,1% Taxa média esperada de conclusão do 3º ano (2004) Brasil: 69% Centro-Oeste: 59,6% Sudeste: 70,5% Ensino Superior Proporção de jovens de 18 a 24 anos cursando o Ensino Superior Brasil: 10,8% Preta ou parda: 5,1% Branca: 16,4% Rural: 1,8% Urbano: 14,6% Nordeste: 5,8% Sul: 15,5% 2. Qualidade diferenciada - Qualidade do ensino é fator importante de exclusão – dificulta atividades de ensino/aprendizagem - A educação brasileira tem qualidade insatisfatória de maneira geral - Grupos vulnerabilizados, estudantes das escolas públicas, enfrentam piores condições de ensino-aprendizagem Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB - 2007) Séries Iniciais (Meta: 3,5; Brasil: 3,8) Rede Pública 4 Rede Privada 6 Alagoas 3,1 São Paulo 5 Séries Finais Rede Pública Alagoas 3,5 2,7 Rede Privada São Paulo 5,8 4,3 2. Qualidade diferenciada Proporção de escolas de ensino regular como inclusão de estudantes com deficiência Brasil: 27,6% Rede Pública 28,4% Rede Privada 22% Sudeste 45,4% Norte 15,4% Violência na escola Pesquisa (2009) - quanto mais discriminatório é o ambiente, menor é o aproveitamento dos estudantes. Pesquisa FIPE/MEC em escolas (professores, estudantes, funcionários) - Quem você não gostaria de ter como colega ou aluno. Os resultados são: não queriam homossexuais: 72%, não querem por perto pessoas com deficiência mental: 70,9%, ciganos: 70,4%, portadores de deficiência física: 61,8%, indígenas: 61,6%, moradores de periferia ou favela: 61,4%, pessoas pobres: 60,8%, moradores ou trabalhadores de área rural: 56,4% e pessoas negras 55%. - Ausência de dados para além do conteúdo programático para aferir qualidade social da educação (P.ex.: implementação Lei 10.639) 3. Desigualdade no acesso a recursos Gráfico 5 - Recursos disponíveis no Ensino Fundamental (2005) 100,0 90,0 % de alunos atendidos 80,0 70,0 Biblioteca 60,0 L. Cien. 50,0 L Info. Qdra Esp. 40,0 Internet 30,0 20,0 10,0 0,0 Brasil Pub Brasil Priv Norte Pub. Norte Ne Pub Ne Priv Se Pub Se Priv Sul Pub Sul Priv CO Pub CO Priv Priv 3. Desigualdade no acesso a recursos Professores - As desigualdades também se refletem na carreira do magistério Rendimento mensal médio – 30h (2008) Fundamental: R$ 1.195,41 Médio: R$ 1.526,62 Proporção de professores sem licenciatura – Ensino Fundamental (2008) 1ª a 4ª série: 26,8% 5ª a 8ª série: 17,3% Proporção de professores sem licenciatura – Ensino Médio (2008) 11,9% Déficit calculado em 250 mil professores CNE/2007) Desenvolvimento como desenvolvimento humano Modelo desenvolvimento não garantiu acesso à educação de qualidade, mas poucos postos de mercado formal de trabalho exigem escolarização e especialização técnica - Ruptura do círculo: adoção de novo modelo de desenvolvimento - Orientado para o desenvolvimento humano = expansão das possibilidades, ou liberdade, de adquirir condições de ter vida saudável e digna (Amartya Sen) - Concepção ancorada na idéia que os processos educativos não se reduzam aos da escolarização - Ruptura com lógica reducionista de crescimento de escolaridade / crescimento econômico - Participação das pessoas como fator fundamental para o processo de desenvolvimento humano Educação como direito humano e desenvolvimento - Participação é decorrente de uma educação que valoriza o ser humano como agente do seu próprio desenvolvimento e o da sociedade. - Idéia de desenvolvimento humano = noção da educação como direito humano. “A educação é valiosa por ser a mais eficiente ferramenta para crescimento pessoal. E assume o status de direito humano, pois é parte integrante da dignidade humana e contribui para ampliá-la como conhecimento, saber e discernimento (..), é um direito de múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social porque(..) promove o pleno desenvolvimento da personalidade. Direito econômico, pois favorece a auto-suficiência econômica por meio do emprego ou do trabalho autônomo. E direito cultural, já que a comunidade internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura universal de direitos humanos. Em suma, a educação é o pré-requisito para o indivíduo atuar plenamente como ser humano na sociedade moderna”. (Richard Pierre Claude ) Conseqüência relação educação/desenvolvimento humano Noção contemporânea de direitos humanos - universais, indivisíveis e interdependentes entre si e destinados a garantir a dignidade humana. Devem e podem ser exigidos tanto por meio de mobilização social quanto acionando o sistema de justiça. Universalidade – direitos educativos para os diferentes grupos, independentemente de qualquer condição = Necessidade de políticas educacionais diferenciadas para atender às especificidades = aportes materiais e financeiros diferenciados = “ação afirmativa” = dar mais para quem tem menos, para garantir condições iguais de acesso e exercício de direitos. Indivisibilidade e interdependência – não adianta disponibilizar acesso à educação se não há políticas que garantam condições de exercê-lo: renda, saúde, informação – processos de inclusão. Também, é insuficiente educação se não for com qualidade Exigibilidade - papel da sociedade civil frente ao Estado. Exigibilidade pelas normas jurídicas - Direitos educativos estão amplamente assegurados nas normas nacionais, e o Brasil é signatário de compromissos internacionais. - Mas, não há “cultura de direitos” - acionar o sistema de justiça contra as violações dos direitos educativos. - Poucas são as ações judiciais para garantir direitos educativos. - Pesquisa Ação Educativa - mais da metade das ações judiciais coletivas se referia ao acesso às creches, e são provocadas por conselhos de defesa dos direitos das crianças, e não por organizações que atuam no marco da educação - Em relação à qualidade, praticamente não existem. Não há ações demandando qualidade - Desafio colocado: disseminar a idéia da educação como direito e as formas de exigi-lo. - Democratização do acesso à informação – luz nos temas invisíveis; estímulo ao debate público Mariângela Graciano [email protected]