Maurício Paz Saraiva Câmara UMA ANÁLISE DA RIGIDEZ ORÇAMENTÁRIA NO BRASIL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988: EVOLUÇÃO, REALIDADE, CONSEQÜÊNCIAS E ALTERNATIVAS Brasília - 2008 Instituto Serzedello Corrêa – ISC Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento – Cefor Universidade do Legislativo Brasileiro - Unilegis 1. Identificação do Projeto Título: Uma Análise da Rigidez Orçamentária no Brasil Após a Constituição de 1988: Evolução, Realidade, Conseqüências e Alternativas. Autor: Maurício Paz Saraiva Câmara Finalidade do Projeto: Projeto de pesquisa apresentado como parte integrante da disciplina “Pesquisa Científica” ministrada pelo professor Antonio Barros para o curso de Especialização em Orçamento Público. Adequação à linha de pesquisa: orçamento público, vinculação de receitas, rigidez orçamentária, gastos obrigatórios Instituições: Instituto Serzedello Corrêa – ISC, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento – Cefor e Universidade do Legislativo Brasileiro - Unilegis Data: 28 de março de 2008 2 2. Apresentação do Tema O processo de elaboração e gestão do orçamento federal representa a etapa mais importante da política fiscal do Governo Federal. É através das três peças orçamentárias - Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e Programa Plurianual - que são discutidas as prioridades e o planejamento da sociedade para os recursos oriundos da receita de impostos e contribuições e que, em tese, deveriam espelhar a escolha pública dos cidadãos. Assim, em governos democraticamente eleitos, dever-se-ia esperar que a feitura e aplicação dos recursos do orçamento consolidassem políticas exitosas vigentes e, sempre que possível, redirecionassem os gastos para novas demandas sociais, seja por mudanças de paradigmas governamentais, seja por superação de obstáculos passados. Entretanto, desde a Constituição Federal de 1988, tem-se verificado um aumento substancial no grau de vinculação das receitas públicas, ou seja, daqueles recursos que possuem destinação específica na própria Carta Magna ou em lei, tanto aplicados de forma direta pela União como os que são transferidos para os entes subnacionais. Ao longo dos últimos anos, implementou-se uma rigidez orçamentária tão severa que, aliada à má qualidade do ajuste fiscal brasileiro e à crescente demanda de determinados grupos da sociedade por maiores participações nos recursos orçamentários, vem comprimindo cada vez mais as despesas discricionárias ao gestor público. Assim, instituíram-se mecanismos que cristalizam prioridades passadas para o futuro, restringem o planejamento e desestimulam a eficiência no gasto. 3 3. Objeto de Estudo Análise sobre a rigidez do orçamento brasileiro, sua evolução, os atores que influem nesse processo, sua contradições e os mecanismos de que o governo dispõe para flexibilizar a sua política fiscal. 4. Problema de Pesquisa A leitura dos orçamentos públicos no Brasil, no período posterior à Constituição de 1988, permite identificar um fenômeno que recrudesce a cada ano: a forte preponderância da vinculação das receitas orçamentárias de natureza não financeira a despesas previamente definidas, que passam ao largo do processo de planejamento e elaboração orçamentários. Pode-se argumentar que essas vinculações asseguram a continuidade de recursos aos entes federativos e, também, a setores importantes. Quanto ao primeiro caso, de fato, a descentralização financeira contribui para a estabilidade do sistema federativo e, ademais, atende ao princípio da subsidiariedade1. No segundo caso, o fluxo contínuo de recursos a setores essenciais – educação, saúde, previdência e outros - é o principal argumento dos defensores das vinculações, que buscam proteger as dotações dos humores tanto do Legislativo como do Executivo quando da elaboração dos orçamentos anuais. Esse argumento, contudo, deve ser analisado com cuidado, a despeito do peso desse axioma, pois, muitas vezes, o recrudescimento desses vínculos aumenta as distorções nas escolhas públicas, concretiza prioridades passadas para o futuro, afeta a dinâmica do processo orçamentário, compromete o orçamento como instrumento de política fiscal e desincentiva a qualidade do gasto pelos setores protegidos pelas vinculações. Além disso, não há garantia, conforme pretende-se deixar claro nesse estudo, de que os setores protegidos têm incrementos em seus gastos, em razão de diversos mecanismos utilizados pelos formuladores de política fiscal. 1 Assim, sob o ponto de vista alocativo, seria mais fácil identificar as preferências dos cidadãos e estes ainda poderiam fiscalizar a aplicação dos recursos mais eficientemente. 4 5. Hipóteses A primeira hipótese é a de que a vinculação de recursos não garante, necessariamente, aumento de recursos para as áreas protegidas. Isso faz com que a disputa no Parlamento em busca de dinheiro para determinadas áreas não tenha a eficácia que inicialmente se imagina, uma vez que o Poder Executivo possui instrumentos para privilegiar ou engessar os gastos de determinados setores, agraciados ou não com recursos “carimbados”. Além disso, propõe-se desmistificar uma tese que é normalmente defendida na academia e na imprensa de que, no cenário atual, a redução das vinculações é a solução para os problemas de alocação de recursos por parte dos formuladores de política. Nesse sentido, pretende-se discutir que a diminuição de vinculações de receita não levará, necessariamente, a uma redução de despesa. Independentemente de qualquer mecanismo de vinculação, as despesas do Governo Federal são tão elevadas que os compromissos teriam que ser honrados de qualquer forma, motivo porque leva-se a crer que o caminho mais efetivo para se obter uma maior maleabilidade para o gestor seria por meio do controle do gasto público. A terceira hipótese consiste no fato de que o instituto da “Desvinculação de Receitas da União – DRU” não deixa os recursos totalmente liberados para o Governo aplicar discricionariamente. Em outras palavras, existiria uma série de “amarras” a esses recursos, mesmo supostamente desvinculados, especialmente para cobrir o déficit da previdência e da seguridade social. 6. Objetivos 5 • Objetivo Geral Analisar o fenômeno da rigidez orçamentária após a Constituição de 1988. • Objetivos Específicos a) apresentar uma visão sobre a evolução dos mecanismos de desvinculação de receitas e suas particularidades; b) analisar a atuação e a efetividade da atuação dos grupos de interesse vis-à-vis ao que a teoria econômica denomina logrolling; c) corroborar a hipótese de que a “Desvinculação de Receitas da União – DRU” não deixa os recursos totalmente liberados para o Governo aplicar discricionariamente; d) discussão da tese de que a vinculação de receitas gera nem sempre gera expansão de despesas. 7. Justificativas A escolha do tema se deve em razão de um episódio que vem recrudescendo de maneira muito visível desde a Constituição de 1988: o aumento das vinculações orçamentárias. A essência desse fenômeno, cuja conseqüência mais nefasta é a redução da maleabilidade do gestor público e a perpetuação de prioridades passadas, se dá por efeitos diversos que se agregam. Em primeiro lugar, está o volume de despesas obrigatórias constantes do orçamento público brasileiro, cujo montante tem aumentado exponencialmente ano após ano. Além disso, há uma forte pressão de setores específicos – especialmente no Congresso Nacional - que buscam se proteger dos humores do Executivo, garantindo em lei recursos que, em tese, não poderiam ter destinação diversa. Essa premissa, entretanto, deve ser vista com reservas. O Executivo possui algumas formas de estancar esse canal e, assim, administrar a sua política 6 fiscal. As duas principais são os decretos de contingenciamento, que são publicados no início de cada exercício, e o instituto da Desvinculação das Receitas da União - DRU que, em teoria, serviam para fornecer margem de manobra para o Executivo implementar, com mais folga, o seu projeto de governo. Pretende-se mostrar, no entanto, que a DRU não é um mecanismo tão eficaz como geralmente é argumentado quando de sua discussão no Congresso Nacional. Ela serve, em boa medida, para flexibilizar os recursos da área fiscal que serão destinados para o orçamento da seguridade social e não tanto para setores objetos de qualquer política pública prioritária. Em síntese, espera-se concluir que a redução do volume de despesas obrigatórias é que fornecerá os recursos perenes para serem aplicados pelos policymakers em qualquer política governamental e não por meio de artifícios instáveis e de eficiência contestável como os que são utilizados atualmente. 8. Metodologia Pretende-se lançar mão de pesquisas bibliográfica e documental. As fontes da primeira serão os artigos, livros e teses que têm servido de substrato para as discussões acerca do tema e que podem ser obtidos em bibliotecas e sites especializados na internet. Quanto à pesquisa documental, a origem das informações está centrada, basicamente, nas peças orçamentárias – lei orçamentária e lei de diretrizes orçamentárias –, além de decretos (especialmente os que tratam de contingenciamento ou descontingenciamento de recursos), de medidas provisórias de créditos adicionais que influem diretamente no orçamento. 9. Referencial Teórico 7 O processo de elaboração orçamentária compreende uma importante etapa na condução da política fiscal de qualquer governo eleito democraticamente. Em tese, tenderia a refletir não somente as estratégias e planos de um governo como também, numa esfera maior, as preferências da sociedade. Entretanto, nenhum desses dois enfoques têm sido satisfeitos em sua totalidade, especialmente pelas limitações impostas por uma dinâmica orçamentária que vem se acirrando ano após ano: uma rigidez orçamentária tão severa que não permite que os policymakers tenham liberdade para implementar, com autonomia, as diretrizes de governo. Além disso, cristalizam prioridades passadas, transferindo-as para o futuro. Rezende (2005) ressalta que, “engessado, o orçamento se transformou em um instrumento marcado por grandes incertezas, incapaz de desempenhar o papel tanto de campo de definição e de reordenamento das prioridades públicas quanto de instrumento de planejamento”. Silva (2003) ratifica esse entendimento e vai além: “os segmentos governamentais favorecidos pelas vinculações de receitas, ao não estarem sujeitos a remanejamentos financeiros, têm suas decisões de gasto distanciadas ou mesmo parcialmente desarticuladas das considerações de ordem macroeconômica, o que gera sobrecarga no ônus a que estão sujeitas as demais áreas da administração pública não beneficiadas por esse tipo de blindagem fiscal”. Mas não é só isso. Esse processo de vinculações pode funcionar como mecanismo inibidor do aprimoramento de práticas gerenciais inovadoras e da melhoria dos indicadores relacionados à eficiência do gasto. Em outras palavras, não há incentivos para a melhoria da qualidade do gasto público. Mas há que se identificar o porquê do recrudescimento desse processo ao longo do tempo. Uma parte desse efeito é explicado pela atuação de grupos de interesses que, em boa medida, atuam no Congresso Nacional buscando maiores fatias do orçamento federal para determinados setores da sociedade. No estudo, pretende-se relacionar essa atuação ao que, em economia, é conhecido como Teoria da Escolha Pública. Trata-se de um método de análise baseado nos princípios econômicos e aplicado aos objetos de estudo da ciência 8 política. Nesse particular, procurar-se-á asseverar como que determinados grupos de interesse têm conseguido inserir demandas (por vezes perenes) no orçamento, mesmo sem ter maioria parlamentar para aprová-las, frente a outros pleitos que a sociedade certamente julgaria mais importante. A tese dos defensores das vinculações de receitas a gastos de que essa seria uma forma de garantir recursos adicionais a determinados setores não encontra respaldo no pensamento de Velloso (2006). Para ele, as duas principais áreas beneficiadas por vinculações - seguridade social e educação têm canalizado recursos cujos montantes são superiores aos percentuais vinculados, o que significa dizer que, mesmo se as amarras não existissem, o Governo seria obrigado a direcionar mais e mais recursos para essas áreas. Além disso, quando não for esse o caso, o governo possui mecanismos para evitar a aplicação impositiva de parte desses recursos – ainda que não consiga mudar a destinação como, por exemplo, o mecanismo de contingenciamento, que é feito por um simples decreto presidencial. 10. Cronograma de Execução - 2008 FevereiroPesquisa bibliográfica/ documental Análise e Interpretação Redação do Trabalho Final Defesa/Revisão Julho Agosto X x X Setembro Junho X x x 11. Estrutura do Trabalho 9 1. Introdução Nessa parte, pretende-se contextualizar o tema, apresentar o objeto do estudo, destacar as hipóteses que serão tratadas no corpo do trabalho e as contradições que são intrínsecas ao tema. 2. Vinculação de receitas a gastos específicos O orçamento público deveria ser uma peça que espelhasse, anualmente, as demandas da população. E, como essas vontades são naturalmente mutáveis ao longo do tempo, dever-se-ia caminhar na direção de remover as prioridades passadas e abraçar as do presente. Mas não é isso o que acontece. Por isso, pretende-se apresentar o porquê dessa distorção que tem levado à feitura de orçamentos cada vez mais engessados e relacionar os argumentos que advogam contra o excesso de vinculações. 3. Principais vinculações constitucionais/legais e rigidez de despesas O objetivo dessa parte é mostrar o conjunto de receitas com destinações específicas que foram criadas pela Constituição Federal de 1988 (e suas alterações posteriores). Além disso, será examinado o conjunto de despesas que são extremamente rígidas e que têm abrangido parcelas cada vez maiores do orçamento, tais como aquelas relativas à área de seguridade social, que abrange o tripé previdência, assistência social e saúde. 4. Grupos de interesses 10 A atuação de grupos de interesses pode explicar, pelo menos em parte, o crescimento de despesas do governo federal. Eles atuam justamente para preservar e, sempre que possível, para reservar maiores fatias do orçamento para determinados setores da sociedade. Assim, pretende-se relacionar essa atuação com aquilo que a teoria econômica denomina de logrolling. Com base nessa teoria, é creditado o “índice de sucesso” aos grupos que têm as suas demandas fortemente consideradas - e muitas vezes aprovadas frente a outros pleitos que a sociedade certamente julgaria mais importante -, mesmo sem ter, por vezes, maioria parlamentar para aprovar matérias relevantes. Abre-se espaço, assim, para que as minorias encontrem terreno para negociar seus projetos. 5. Mecanismos de desvinculação de receitas Nessa parte, o objetivo é apresentar a trajetória, as peculiaridades e as críticas que envolvem os mecanismos de desvinculação de receitas desde a Constituição de 1988: o Fundo Social de Emergência e o Fundo de Estabilização Fiscal, ambos sucedâneos da atual Desvinculação de Receitas da União. 6. A vinculação de receitas gera, de fato, expansão de despesas? Aqui, pretende-se apresentar uma visão sobre o fato de se amarrar receitas a determinados gastos nem sempre significa obtenção segura de recursos. Além disso, demonstrar que, em certas situações, mesmo se as vinculações não existissem, o Governo seria obrigado a direcionar mais e mais recursos para algumas áreas. 7. Conclusões 11 Após o estudo, espera-se, ao contrário do senso comum, corroborar a tese de que a busca incessante pela garantia de recursos protegidos por lei a determinados segmentos da sociedade não tem garantia de eficácia por causa da atuação do Poder Executivo. Também procurar-se-á demonstrar que os recursos liberados pela DRU que, em tese, deveriam estar totalmente disponíveis ao gestor público, estão vinculados a determinados compromissos, especialmente de natureza previdênciária e de seguridade social. Por fim, espera-se concluir que, sob a ótima do gestor público, o fundamental é encontrar mecanismos de controle das despesas obrigatórias (especialmente no caso da seguridade social) ou mesmo estabelecer critérios de eficiência e prioridade para o gasto. A vinculação de receitas, por si só, não é, em parte dos casos, geradora de despesas. 12. Referências Bibliográficas BORSANI, Hugo. Relações entre política e economia: Teoria da Escolha Pública. 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Vinculações de receitas dos orçamentos fiscal e da seguridade social e o poder discricionário de alocação dos recursos do governo federal. Brasília, 2003. REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando. Limitações e privilégios: o reduzido espaço para a realização de escolhas orçamentárias. In Contribuintes e Cidadãos: Compreendendo o Orçamento Federal. Fundação Getúlio Vargas, 2002. REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando. O orçamento público e a transição do poder. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2003. REZENDE, Fernando e CUNHA, Armando. Rigidez Orçamentária e Investimento Público. In Disciplina fiscal e qualidade do gasto público: fundamentos da reforma orçamentária. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2005. SILVA, Mauro Santos. Vinculação de receitas não financeiras da União. VIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Panamá, outubro, 2003. VELLOSO, Raul. Contenção e flexibilização da despesa pública. III Encontro CODEMEC - Desenvolvimento do Mercado de Capitais, Agenda de Reformas e Ajuste Fiscal de Longo Prazo. São Paulo, 2006. 13 VELLOSO, Raul. Rigidez orçamentária e difíceis escolhas. Estudos e Pesquisas nº93, INAE, Rio de Janeiro, 2005. 14