SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA – SESVALI FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA- FAVIP COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA LUCILENE BERNARDINO MONTEIRO DA SILVA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA COM O COMPANHEIRO/AUTOR DA VIOLAÇÃO. CARUARU 2010 2 Prof. Ms Vicente Espíndola Rodrigues Diretor – Presidente da FAVIP Profª. Ma. Mauricélia Bezerra Vidal Diretora Executiva da FAVIP Profª. Ma. Maria do Socorro Santos Coordenadora do Curso de Psicologia 3 LUCILENE BERNARDINO MONTEIRO DA SILVA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA COM O COMPANHEIRO/AUTOR DA VIOLAÇÃO. Trabalho de conclusão do Curso de Psicologia da Faculdade do Vale do Ipojuca – FAVIP, apresentado para obtenção do grau em Formação em Psicologia, sob orientação da professora Etiane Oliveira. CARUARU 2010 4 Catalogação na fonte Biblioteca da Faculdade do Vale do Ipojuca, Caruaru/PE S586v Silva, Lucilene Bernardino Monteiro da. Violência de gênero: um estudo bibliográfico sobre a relação da mulher vítima de violência com o companheiro/autor da violação / Lucilene Bernardino Monteiro da Silva. -- Caruaru : FAVIP, 2010. 49 f. Orientador(a) : Etiane Cristine Oliveira. Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do Vale do Ipojuca. 1. Violência de gênero. 2. Relação conjugal. 3. Violência contra a mulher. 4. Autores de violência. I. Título. CDU 159.9[11.1] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 5 LUCILENE BERNARDINO MONTEIRO DA SILVA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UM ESTUDO BIBLIOGRÁFICO SOBRE A RELAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA COM O COMPANHEIRO/AUTOR DA VIOLAÇÃO. Trabalho de conclusão do Curso de Psicologia da Faculdade do Vale do Ipojuca – FAVIP, apresentado para obtenção do grau em Formação em Psicologia, sob orientação da professora Etiane Oliveira. Data de aprovação: / / BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Profª. Ms. Etiane Cristine Oliveira Orientadora __________________________________________________ Profª. Ms. Suely Emilia Barros Santos Faculdade do Vale do Ipojuca- FAVIP __________________________________________________ Profª. Ms. Claudine Alcoforado Quirino Costa Faculdade do Vale do Ipojuca- FAVIP CARUARU 2010 6 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à Deus que é o autor e a força na minha vida. E a todas as pessoas que direta ou indiretamente acreditaram em mim, na minha capacidade e no meu esforço. 7 AGRADECIMENTOS Primeiramente à Deus, pois sem Ele mais essa vitória em minha vida não seria possível; Aos meus pais e demais familiares pela dedicação, investimento, ajuda e confiança depositadas em mim; Aos meus adoráveis sobrinhos Letícia e Davi, que alegram meus dias com um simples sorriso; Aos meus professores e professoras da FAVIP pela contribuição valiosa em minha vida acadêmica; dentre eles, gostaria de destacar Fabiana Nascimento, Renata Casé, Juliana Almeida, e minha supervisora de estágio Claudine Alcoforado; A Socorro Santos, coordenadora do Curso de Psicologia; A minha orientadora Etiane Oliveira, pela compreensão, dedicação, paciência e valiosas orientações que muito contribuíram para elaboração do presente; Aos meus colegas de sala, especialmente Elizama, Lucineide, Mariel, Deolinda, Itatiana, Andreza, Anamaria e Tiago, que estiveram ao meu lado nesses 05 (cinco) anos de faculdade, compartilhando dúvidas, e me apoiando em trabalhos, seminários, estágios, entre outras atividades; Aos meus amigos da Nelson Tur pela descontração, animação, festinhas, piadas e jogos que fazíamos durante o percurso diário de Santa Cruz do Capibaribe à Caruaru; A Fernando Mácio pelo carinho e preocupação com a produção do presente estudo; A psicóloga Verônica Valadares, com quem estagiei cerca de 03 (três) anos na Coordenadoria da Mulher, contribuindo muito para minha formação e aprendizado, inclusive sobre questões relacionadas à esse estudo; Ao psicólogo Jailson Amorim, pela transmissão de práticas e conhecimentos acerca da Psicologia; A minha terapeuta Zenaide Motta, que muito contribuiu para superação dos momentos difíceis que tive que enfrentar; A todos os meus amigos e amigas, em especial, Manoela Ramos, Tâmara Medina, Ana Regina e Xênia Zylana que estiveram ao meu lado nos bons e maus momentos; A todos que torceram e acreditaram em mim; A todas essas pessoas gostaria de expressar minha eterna gratidão. 8 “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência. Este é o nosso desejo e deve ser o nosso compromisso.” Nilcéa Freire (Ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres) 9 RESUMO Essa pesquisa tem como objetivo geral, compreender, através de levantamento bibliográfico, o que se revela sobre as relações estabelecidas entre as mulheres vítimas de violência com os companheiros/autores da violação. O estudo traz um levantamento bibliográfico, realizado com autores tais quais, Bandeira e Almeida (2005), Saffioti (1999), Mello (2010), Zuma (2004), além de outros que estudam a problemática da violência de gênero, transitando pela violência contra a mulher e violência conjugal. Essa pesquisa enfatiza, ainda, a importância de um trabalho de assistência ao homem-autor da violência, bem como a execução de ações preventivas, contínuas e consistentes para o enfrentamento e melhoria da qualidade de vida das mulheres que convivem diuturnamente com esse fenômeno. Palavras-chave: Violência de gênero, relação conjugal, violência contra a mulher, autores de violência. 10 ABSTRACT This research aims to comprehend, through a bibliographical study, what is revealed by the relations between the women who are victims of violence and their partners/perpetrators of the violence. The study is a bibliographical research, carried out on authors such as Bandeira e Almeida (2005), Saffioti (1999), Mello (2010), Zuma (2004) and others who study the subject of the gender violence. This research also emphasizes the importance of an assistance work towards the man perpetrator of violence, as well as the implementation of continuous consistent preventive actions in order to help the women who live together with this phenomenon to face it and improve their life quality. Key-words: Gender violence, marital relation, violence against the woman, perpetrators of violence. 11 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 11 2. METODOLOGIA 13 3. O fenômeno da violência 14 4. Discutindo o conceito de gênero 17 5. Violência de gênero 5.1. Violência contra a mulher 5.2. Tipos de violência 21 22 24 6. Violência contra a mulher na relação conjugal 6.1. Os impactos da violência contra a mulher na relação conjugal 6.2. Um olhar para o homem autor de violência conjugal 27 31 32 7. Redes de apoio e proteção 7.1. Políticas Públicas direcionadas às mulheres vítimas de violência 7.1.1. Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/06 7.2. Como se proteger? Como buscar ajuda? 37 40 41 43 8. Considerações finais REFERÊNCIAS 45 47 12 1. INTRODUÇÃO A escolha do tema desse estudo, deve-se primeiramente ao fato de considerar a problemática da violência contra a mulher uma temática relevante para a condição feminina, juntamente com o fato de trabalhar, como estagiária de Psicologia, na Coordenadoria da Mulher de Santa Cruz do Capibaribe-PE, local este, que tem como prioridade a luta contra a violência doméstica de gênero. Nessa experiência de estágio foi possível acessar histórias de vidas de mulheres que foram vítimas de violência pelos seus companheiros, e diante dessa situação pude notar minha inquietação frente a tal problemática. Através dessa experiência de estágio, percebi em mim a necessidade aprofundar a compreensão sobre o fenômeno da violência de gênero, enfatizando as relações estabelecidas entre a mulher vítima de violência e o autor da violação, para então, averiguar os desdobramentos da situação de violência na vivência conjugal. Outro motivo que me fez escolher esse tema foi a forma como ele me afeta, pois acesso os sentidos de medo diante da possibilidade de viver uma situação de violência na relação conjugal, afinal, vejo o sofrimento de algumas mulheres e a dificuldade em romper o ciclo da violência, fazendo com que permaneçam nessa situação por muito tempo. Aliada a essa afetação pessoal sobre o tema da violência contra a mulher, no âmbito acadêmico é possível perceber uma crescente produção que versa sobre tal violência. No entanto, a maioria das produções acadêmicas não dá visibilidade aos desdobramentos da violência na relação conjugal. Nesse sentido, o presente estudo visa enfatizar a importância de se investigar a violência de gênero enquanto um problema que se dá na construção sóciohistórica, do que é ser homem e ser mulher numa sociedade marcada pela cultura machista e patriarcal. Estudos alertam que a violência de gênero é um fenômeno histórico e cultural presente e constante em nossa sociedade, atingindo mulheres sem distinção de cor, raça, religião, status social, e geralmente é marcada por discriminações e abuso de poder (SOUZA, 2008). Segundo Almeida (2007, p.30) “O impacto dessa violência se reflete na saúde das mulheres, em aspectos sociais e econômicos que se estende a toda sociedade e principalmente aos aspectos psicológicos pertinentes àquelas que são vítimas da violência”. De acordo com Centro Regional de Informação das Nações Unidas (2010): 13 A violência contra as mulheres é uma forma de discriminação e uma violação de direitos humanos. Causa sofrimentos indizíveis e perdas em vidas humanas e, devido a ela, um grande número de mulheres em todo o mundo vive com sofrimento e medo [...] A violência contra as mulheres impede-as de alcançar a sua plena realização pessoal, entrava o crescimento econômico e compromete o desenvolvimento. Tais constatações, corroboram com a necessidade de tornar o problema da violência contra a mulher mais visível para a nossa população, nesse sentido, o presente estudo tem como foco um levantamento bibliográfico, cuja finalidade será investigar a questão da violência de gênero, especialmente no que se refere à violência contra mulher na relação conjugal, tendo como objetivo geral: • Compreender através de levantamento bibliográfico o que se revela sobre as relações estabelecidas entre as mulheres vítimas de violência com os companheiros/ autores da violação. E objetivos específicos: • Conhecer através de levantamento bibliográfico como a temática da violência conjugal aborda os desdobramentos de tal violência na vida da mulher; • Observar o que a literatura acadêmica aborda sobre a mulher vítima de violência conjugal; • Compreender o que a literatura acadêmica aborda sobre o homem autor de violência na relação conjugal; Sendo assim, através do levantamento bibliográfico realizado sobre a violência de gênero, percebe-se a relevância social deste estudo, pois a disseminação de investigações dessa natureza facilitará o enfrentamento do problema exposto, pois sem dúvidas a obtenção de informações através de estudos e pesquisas sobre as relações afetivas entre as mulheres vítimas de violência conjugal com os autores da violação poderá ajudar a efetivar campanhas, programas e ações voltadas à prevenção de tal problemática. 14 2. METODOLOGIA No que se refere ao delineamento metodológico do presente estudo, será realizado um levantamento bibliográfico sobre o fenômeno da violência de gênero, perpassando pelas implicações desta violência na relação entre as mulheres e seus companheiros/autores da violação. Nessa pesquisa bibliográfica, utilizaremos teóricos que procuram problematizar as implicações das relações de gênero que permeiam situações de violência conjugal, tais quais, Almeida (2007), Souza (2008), Saffioti (2001), bem como, diversas cartilhas e materiais educativos desenvolvidos pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres do Governo Federal, além de artigos e documentos encontrados em sites e portais acadêmicos. Nesse sentido, esse estudo permite ao leitor e aos demais interessados pela temática, uma visão integrada desse fenômeno tão persistente na sociedade contemporânea, que denuncia a necessidade de maiores e melhores esforços nos campos de prevenção, assistência e punição. 15 3. O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA. O presente capítulo refere-se a um tema constante em nosso cotidiano, que constituiu um dos graves problemas que atinge a sociedade no Brasil e no mundo: o fenômeno da violência. Segundo Gauer (2004) “esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para a questão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados”. Segundo a Organização Mundial de Saúde: Não há um fator único que explique porque algumas pessoas se comportam de forma violenta em relação a outras, ou porque a violência ocorre mais em algumas comunidades do que em outras. A violência é resultado da complexa interação de fatores individuais, de relacionamento, sociais, culturais e ambientais. Entender como esses fatores estão relacionados à violência é um dos passos importantes na abordagem de saúde pública para evitar a violência. (BRASIL, 2005, p.37) . Neste sentido, consideramos fundamental iniciar esse trabalho a partir de uma breve revisão da literatura acadêmica que define e aborda a violência como fenômeno inquietante na sociedade contemporânea. Sendo assim, Gauer (2004, p.93) aponta que “falar sobre violência é falar sobre um universo tão amplo como tratar da própria sociedade com toda a sua complexidade”. Para Zuma (2004) a violência é um fenômeno complexo, desencadeada por múltiplos fatores. A violência consiste em ações de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade moral, física, mental ou espiritual (SOUZA, 2008). Sendo assim, a prática da violência, seja em qualquer forma e manifestação, causa danos e pode provocar a morte. Segundo Lima apud Toneli et al (2010): A Organização Mundial de Saúde define a violência como uso intencional de força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência no desenvolvimento ou privação. (LIMA apud TONELI et al., 2010, p.15) Os autores acima ainda citam Ribeiro (p.15) que enfoca que “pode-se considerar violento aquilo que extrapola os limites de cada um, invadindo e desestruturando a sua subjetividade”. 16 A imposição dos mais fortes sobre os mais fracos sempre esteve presente na história da civilização, mas não podemos, a partir disso, entendê-la como natural ou inerente ao ser (ZUMA, 2004). Afinal, assim como enfoca Pereira (2000), a violência sempre esteve presente em qualquer coletividade, pois a luta e a disputa são o fundamento de qualquer relação social. Sabemos que os conflitos existem e são inevitáveis em qualquer convívio, pois somos seres distintos um dos outros, porém temos que administrar esse conflitos sem apelarmos para a violência. Percebemos, entretanto, um aumento significativo e alarmante nas últimas décadas; a violência vem ganhando espaço, sendo sempre destaque nas principais manchetes de jornais, seja esta manifestada através de desrespeito, crimes, impedimentos, roubos, invasões, estupros, entre outros, ocorrendo tanto no espaço público, como no espaço privado. Nesse cenário, Gauer (2004, p.42) faz a seguinte referência com relação à convivência das pessoas na atualidade: Sair às ruas equivale a comprar um bilhete de loteria. Podemos comprá-lo todo dia durante anos a fio sem ser sorteado. Podemos viver anos sem ser assaltado. Sabemos, no entanto que a cada bilhete comprado há uma probabilidade de algum prêmio, a cada saída às ruas há um risco de um envolvimento qualquer em uma cena violenta. Vivemos, todos, imersos na cultura que possibilita a ocorrência de comportamentos violentos entre seus membros. E viver imersos significa que cotidianamente agirmos no sentido de manter, conservar a violência como resposta possível aos conflitos gerados pela convivência. (ZUMA, 2004) Para Gauer (2004, p.16), “de modo geral, a violência deixa transparecer uma reivindicação de ordenamentos sociais mais justos [...] e, portanto, denuncia a impotência do Estado, que não consegue cumprir o seu projeto e unificar e equilibrar a sociedade”. Mesmo com os números oficiais alarmantes da violência no Brasil, sabe-se que há uma parcela significativa – que possivelmente corresponda à maior parte – dos casos que nunca é contabilizada nas estatísticas, constituindo uma cifra invisível sobre a qual não há informações. Esse fato se dá por uma série de aspectos, incluindo a falta de denúncias, falta de pessoal qualificado para a categorização dos crimes, sistemas de dados que não comportam as informações básicas ou mesmo que aceitam informes incompletos, dentre outros. Tudo isso contribui para a maneira distorcida e desconectada da realidade como aparecem os dados colhidos diretamente das Secretarias de Segurança Pública e de Saúde. (TONELI et al., 2010, p.13). A violência para Tavares dos Santos et al,. apud Zaluar e Leal (2001), estaria expressa no excesso de poder que impede o reconhecimento do outro – pessoa, classe, gênero ou raça – 17 provocando algum tipo de dano e configurando o oposto das possibilidade da sociedade democrática contemporânea; porém não podemos deixar de frisar que, nem toda relação de poder envolve violência, as relações entre aluno e professor e entre pais e filhos são bons exemplos. São inúmeras e diversas as ações/manifestações de violência que atingem de forma geral nossa população brasileira, porém estatísticas revelam que uma parcela significativa das vítimas são mulheres, idosos e crianças. Em relação à violência contra a mulher, Almeida (2007, p.64), afirma que “os números da violência contra a mulher no Brasil são alarmantes, todos os anos, mais de dois milhões de mulheres são vítimas da violência, o que equivale a cerca de uma agressão a cada 15 segundos”. Sabemos que grande parte da violência perpetrada contra as mulheres é baseada em desigualdades de poder entre homens e mulheres, essa situação de violência é baseada em gênero, nos próximos capítulos abordaremos temas relevantes para essa questão, tais quais: violência de gênero, violência contra a mulher e violência conjugal. 18 4. DISCUTINDO O CONCEITO DE GÊNERO De acordo com Buarque (2006, p.08), gênero é: Um conceito relacional, elaborado pela teoria feminista, útil para entender a sociedade em que vivemos, pois nos permite compreender o que representam homens e mulheres nas relações de poder. O gênero não designa o sexo dos indivíduos, mas o conjunto de atributos construídos pela cultura para indicar os papéis que devem desempenhar mulheres e homens em cada sociedade. Sendo assim, compreendemos que a categoria de gênero é de extrema importância na compreensão de como as desigualdades nas relações de poder, entre homens e mulheres, são construídos socialmente, perpassando pela educação e costumes. A respeito dessa questão, Scott et al., (2009, p.82) afirmam que “por meio da comparação das diferentes sociedades é possível afirmar que o comportamento humano é decorrente da cultura, do arranjo de valores que o guiam, e não por intermédio de uma determinação biológica”, ou seja, o sexo identifica as diferenças biológicas entre as genitálias de fêmea e macho, e o gênero se refere a toda construção sociocultural elaborada a partir do sexo. Nessa discussão sobre gênero e sexo, Saffioti (2001) enfatiza que “o único consenso existente sobre o consenso de gênero reside no fato de que se trata de uma modelagem social, estatisticamente, mas não necessariamente, referida ao sexo”. Sendo assim, podemos dizer que o gênero pode ser construído independentemente do sexo. A categoria gênero foi cunhada com a finalidade de compreender como a relação entre natureza e cultura opera como justificativa das desigualdades entre homens e mulheres. (SCOTT et al, 2009) Os papéis de gênero variam de acordo com cada contexto, pela cultura e sociedade, nessa perspectiva Bandeira e Almeida (2005, p.10) enfatizam que: Os papéis exercidos pelas mulheres são aqueles ligados às atividades da reprodução social, dos cuidados com a/o outra/o e à esfera privada, enquanto aqueles desenvolvidos pelos homens são os das atividades produtivas, políticas, do controle e do mundo público [...] a mulher é um ser essencialmente intuitivo e amoroso, ao mesmo tempo desprovido de capacidades ligadas à razão, à coragem e à agressividade, as quais são consideradas características naturais dos homens. 19 Percebemos que durante muito tempo o homem foi tido como provedor da família, aquele que trabalhava fora, ditava as regras e dava as ordens, já a mulher era a cuidadora do lar e dos filhos. Neste sentido, as mulheres se ajustam aos papéis que a feminilidade determina, e tais papéis têm passividade, subordinação, sensibilidade, obediência, comportamentos que a sociedade espera que tenham. [...] que a mulher lave, passe, cozinhe, cuide dos filhos, ocupações que se limitam ao âmbito doméstico. Por outro lado, espera-se que o homem de família, seja o provedor do lar, o viril, o corajoso, o trabalhador, o competente. (GOMES e FREIRE, 2005). Notamos que esse olhar persiste na forma de educar meninos e meninas, nas brincadeiras, nas cores, no modo de se vestir, do que se deve ou não fazer, porém, notamos que hoje temos mulheres conquistando seus direitos e ocupando espaços antes considerados como masculinos. (SILVA e SOUZA, 2010) É possível compreender que, tanto os homens são diferentes entre si, como as mulheres entre elas, porém na relação de Direitos, ambos são iguais. De acordo com Frazão e Rocha (2005, p.30), “a integração harmônica de ambos é parte fundamental do processo de desenvolvimento e crescimento”. De acordo com (MELLO, 2010, p.29): Fica entendido que temos a compreensão de que existem relações as quais estão orientadas de forma desiguais abusivas entre humanos. Essas desigualdades são orientadas considerando a superioridade da concepção de masculinidade hegemônica, entendendo todas as outras formas de masculinidades e feminilidades em condição de inferioridade. É necessário entender que as diferenças pertencem ao reino da natureza, por mais transformada que esta tenha sido pelo ser humano, enquanto a igualdade nasceu no domínio do político, parece fora do horizonte de uma ideologia de gênero que naturaliza atribuições sociais, baseando-se nas diferenças sexuais. (SAFFIOTI, 1999). As diferenças entre os sexos geram uma certa desigualdade na relação de poder. Buscando favorecer os interesses das mulheres em busca de equidade1 e igualdade entre os sexos e objetivando a desconstrução do patriarcado2 surgiu o Movimento Feminista, que em 1 A equidade reconhece a diferença entre os indivíduos e os grupos sociais. Ela estabelece estratégias para se atingir uma sociedade justa social, econômica, política e culturalmente. As ações afirmativas voltadas para a promoção da igualdade de sexo e de raça são formas de trabalhar com o princípio da equidade. 2 Sistema de dominação em que o homem é o centro da sociedade e as relações sociais são determinadas pela opressão e subordinação da mulher, através do controle da sua capacidade reprodutiva, da sua sexualidade, da sua capacidade de trabalho e da interdição do seu acesso ao poder. 20 muito viria contribuir para a auto afirmação da figura feminina construindo o seu espaço na sociedade. O conceito que fundamenta o movimento feminista é tido por Buarque (2006, p.01) como sendo: A ação política das mulheres em favor da transformação das relações de poder entre homens e mulheres, que incide na transformação da sociedade, através do combate às desigualdades, discriminações, opressões e explorações de sexo, com contribuições, teóricas e práticas, nos campos da organização política, das leis, dos hábitos e costumes, dos saberes e dos governos. De acordo com essa autora, “o sujeito do feminismo são as mulheres”, importante frisar isso, pois diante de uma sociedade predominantemente patriarcal como a brasileira, o movimento feminista vem conquistando alguns direitos, como: Acesso à educação e ao mercado de trabalho, igualdade salarial, direito ao voto e acesso aos espaços de poder, independência, entre outros. Este movimento construiu novas formas de fazer política, novas teorias e novas maneiras de construir o conhecimento na filosofia e na ciência. (SCOTT et al., 2009). Nesse sentido, Buarque (2006, p.02) enfoca que: O feminismo reivindica primeiro a abolição dos privilégios jurídicos, econômicos, sociais e políticos dos homens em relação às mulheres e, segundo, a construção de novos direitos, comportamentos e relações na vida pública e na vida privada capazes de contemplar as diferenças biológicas e promover a igualdade social entre os sexos. Diante do movimento feminista, percebemos que o enfrentamento das desigualdades entre homens e mulheres é indispensável à construção de uma sociedade justa e igualitária para todos e todas. Entretanto, sabemos que questões de gênero abrangem tanto o feminino como o masculino. O conceito de gênero usado pelas feministas tem sido fundamental para compreendermos os padrões de masculinidades e feminilidades como construções socioculturais e históricas, levando-nos a questionar a determinação biológica desses padrões e a rever as relações sociais entre homens e entre homens e mulheres. Ampliar a perspectiva de gênero envolvendo as masculinidades tem contribuído para que os homens incluam no seu cotidiano as questões da vida privada habitualmente exclusivas em nossa sociedade, ao universo feminino. (ACOSTA et al, 2004. p.15) 21 Se por um lado há o movimento feminista em busca de direitos equivalentes3 é importante citar que: Atualmente, com a mudança de valores relativos ao exercício da paternidade, os homens estão reivindicando licença paternidade para cuidar de suas crianças recémnascidas. Isto decorre também de mudanças de valores na relação entre homem e mulher no que se refere à participação dos pais no cuidado com os/as filhos/as, bem como da divisão de tarefas domésticas no espaço da casa. Dessa maneira, direitos inicialmente diferentes para conseguir, por meio da equivalência, a igualdade, podem ser instituídos como novos direitos universais, ampliando a autonomia e liberdade dos indivíduos. (SCOTT et al., 2009, p.80) Consequentemente, houve algumas mudanças em relação aos papéis e valores tanto para homens como para mulheres, como forma de garantir a igualdade entre ambos. Pois sabemos que: O homem como um ser de possibilidades não está limitado apenas a um ideal hegemônico; assim, na contemporaneidade vemos a mostração de distintos modos de ser homem, bem como assumir cada vez mais de uma paternidade, com vivência de afeto e cuidado, e não apenas, do lugar de provedor da família. (SILVA e SOUZA, 2010, p.17) Sendo assim, notamos que é necessário lançar um olhar também ao ser masculino no intuito de que este possa desencadear reflexões sobre sua história de vida, seu comportamento, sexualidade, enfatizando sempre os papéis e as relações de gênero. Aumentando consideravelmente as chances de uma sociedade mais igualitária, tanto para homens, como para mulheres. 3 São direitos diferenciados, mas que não visam instituir privilégios, e sim promover igualdade de condições de vida entre indivíduos diferentes. 22 5. VIOLÊNCIA DE GÊNERO A Violência de gênero, especialmente no quesito violência contra a mulher, vem despertando um grande interesse, essencialmente nas produções acadêmicas e nas políticas públicas. Assim como afirma Brasilino (2010, p.32): Estudos de diversas áreas se têm debruçado sobre esse tema, quando buscam compreender as diferentes formas de manifestação de tal violência, sua permanência na história da sociedade brasileira, o comportamento de vítimas e autores de violência. (grifos nossos) De acordo com Blay (2003) “organismos internacionais começaram a se mobilizar contra esse tipo de violência depois de 1975, quando a ONU realizou o primeiro Dia Internacional da Mulher”. Porém, a Comissão de Direitos Humanos da própria ONU, apenas em 1993, na Reunião de Viena, incluiu um capítulo que denuncia e propõe medidas para coibir a violência de gênero. Segundo Bandeira e Almeida (2005), “toda vez que a motivação da violência for baseada na preferência sexual, na orientação sexual, na identidade social ou no desempenho dos papéis sociais estamos falando em questões de gênero”. Este manifesta-se de diferentes formas, tais como: estupro, assédio moral, assédio sexual, prostituição forçada, entre outros. A violência de gênero é um conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos; isso refere-se aos homens que praticam violência contra crianças, adolescentes e mulheres, como também às mulheres que praticam violência contra crianças, adolescentes e homens. (SAFFIOTI, 2001). Como afirma Mello (2010, p.28): Consideramos a violência de gênero qualquer ato de abuso que parta de relações de poder assimétricas – desiguais- entre pessoas humanas, baseadas em gênero, entendendo a hegemônica como força motriz da opressão, tanto de outras masculinidades quanto de feminilidades. Apesar da violência de gênero englobar a violência familiar, a violência doméstica e a violência contra a mulher, elas possuem características próprias, que apesar de estarem no mesmo contexto (violência de gênero) apresentam peculiaridades entre si. (SAFFIOTI, 1999). A violência familiar é aquela que envolve membros de uma mesma família, levando-se em 23 conta a consanguinidade e afinidade, podendo ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora geralmente ocorra no primeiro caso. Já a violência doméstica, segundo comenta Bandeira e Almeida (2005, p.14), “costuma ocorrer dentro de casa e, geralmente, é praticada por um membro da família ou pessoa que habite no mesmo domicílio”. Na violência doméstica as vítimas podem viver parcial ou integralmente no domicílio do autor da violência. Dados da Organização Mundial de Saúde, publicados em 2005, revelaram que uma em cada seis mulheres no mundo sofre violência doméstica. Ainda segundo a pesquisa, até 60% dos casos envolvendo violência física foram cometidos por maridos ou companheiros. (BRASIL, 2007. p.07) Como o presente estudo pretende observar as repercussões da violência de gênero a partir da relação que a mulher vítima de violência estabelece com seu companheiro/autor da violação, acredito que seja de suma importância discutir sobre a violência contra a mulher, bem como seus tipos de manifestação. 5.1 Violência contra a mulher A violência contra a mulher refere-se a vários tipos de danos causados a meninas e mulheres. Esta questão não é nenhuma novidade na sociedade contemporânea, afinal, não apenas no Brasil como também em demais países, trata-se de uma questão histórica e cultural latente que infelizmente faz parte de muitos lares. Bandeira e Almeida (2005, p.12) trazem o conceito de violência contra a mulher como sendo: Atos ou condutas dirigidos contra as mulheres que causem situações de agressão física ou sua ameaça, a coerção sexual, a maus tratos psicológicos e/ou emocionais, que possa levar ao dano, ao sofrimento á mulher ou até mesmo a morte. É uma prática social e racial que pode vir a ocorrer, tanto nas esferas pública como na privada. A violência contra a mulher tem sido considerada um dos graves problemas sociais brasileiros, fundamentada numa lógica patriarcal e machista. Sobre essa questão Bandeira e Almeida (2005) enfatizam que ‘a violência contra as mulheres é produto de uma divisão de gênero que gera a desigualdade entre homens e mulheres, que possui profundas raízes nas estruturas econômicas, na organização social e de poder na sociedade”. 24 É importante destacar também que para abordar a violência contra a mulher, faz-se necessário o entendimento de gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças entre os sexos e como modo primordial das relações de poder. (KRONBAUER apud TONELI, et al., 2010). A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), ligada diretamente à Presidência da República faz referência que a violência contra a mulher: Acontece no mundo inteiro e atinge as mulheres em todas as idades, grau de instrução, classes sociais, raças, etnias e orientação sexual. A violência de gênero em seus aspectos de violência física, sexual e psicológica, é um problema que está ligado ao poder, onde de um lado impera o domínio dos homens sobre as mulheres, e de outro lado, uma ideologia dominante, que se dá sustentação. (BRASIL, 2003. p.09) Homens e mulheres são atingidos pela violência de formas diferentes assim como afirma a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2008), os homens tendem a ser vítimas de violência predominantemente no espaço público, já as mulheres sofrem cotidianamente com um fenômeno que se manifesta dentro dos seus próprios lares, na grande parte das vezes, praticado por seus maridos e companheiros. Outra intervenção importante sobre o tema surge da afirmação de “os homens tendem a ser atacados ou assassinados por estranhos, enquanto que a violência contra a mulher é exercida por agressores próximos como companheiros, ex-companheiros ou parentes íntimos, como pai ou padrasto” (ALMEIDA, 2007, p.36). Geralmente o autor da violência objetiva o poder e controle perante a vítima, abusando da mesma, fisicamente através de ações ou omissões. Segundo Almeida (2007, p. 38): A violência contra as mulheres é fundamentada por desequilíbrios de poder entre homens e as mulheres e é causado e perpetuado por fatores sociais e culturais que justificam esta violência gerando um consentimento social que suporta e aporta a violência ao sabor do tempo. Esse consentimento social gera uma espécie de “passe livre” para a violência contra a mulher, pois fundamentados numa relação desigual de poder, muitas vezes, os maridos, companheiros, irmãos, namorados, pais, chefes, padrastos, acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres, levando em consideração o mito que são mais fortes e superiores às mesmas. 25 Importante ressaltar que a violência contra a mulher, até recentemente, era considerada como natural e corriqueira, em virtude do poder que o homem detinha sobre a mulher nas relações familiares. (ALMEIDA, 2007) A Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de Belém do Pará, que ocorreu em 1994, adotada pela OEA (Organizações dos Estados Americanos) entende como violência contra a mulher as seguintes situações e ações “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na privada” (BANDEIRA e ALMEIDA, 2005, p.12) 5.2 Tipos de violência contra a mulher É comum pensar em violência como atos que provocam algum tipo de lesão corporal, porém existem várias maneiras do autor de violência se manifestar perante a vítima, podendo causar diferentes tipos de violência, são elas: violência física, violência sexual, violência moral, violência psicológica e violência patrimonial. As violências física, sexual, emocional e moral não ocorrem isoladamente. Qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está presente. Certamente, pode-se afirmar o mesmo para a moral. (SAFFIOTI, 1999) As violências moral e psicológica tem menor visibilidade, pois as decorrências não são percebidas de imediato, diferentemente da violência física, onde seus danos geralmente são visivelmente perceptíveis. Percebemos que geralmente ocorrem vários tipos de violência de uma só vez. A violência física é frequentemente acompanhada da violência psicológica e, entre um terço a 50% dos casos, pela violência sexual. (BERGER e GIFFIN, 2005). Para melhor distinção abordaremos os 5 principais tipos de violências que podem ser perpetradas contra as mulheres, são elas: Violência Física São as agressões físicas ao corpo da mulher, geralmente ocasionada por socos, tapas, pontapés, empurrões, beslicões, queimaduras, estrangulamentos, mordidas e até uso de armas. Esse tipo de violência utiliza o uso da força com o objetivo de ferir, podendo deixar ou não marcas evidentes (BANDEIRA e ALMEIDA, 2005) 26 Para Souza (2008), esse tipo de violência é tido como “qualquer conduta que ofenda a integridade física ou saúde corporal da mulher”. Segundo Lamoglia e Minayo (2009), “o nível de agressão física atinge 45% das mulheres que buscam a delegacia”. Esta mesma autora enfoca que o rosto é o alvo preferido para tais agressões. Violência Sexual A violência sexual para alguns teóricos, “Pode ser exercida através da coerção à pratica do sexo, cuja vítima é obrigada, por meio de força, coerção ou ameaça, a praticar atos sexuais que não deseja. [...] A coerção à prática do sexo, inclui, com maior frequência, os crimes de estupro e de atentado ao pudor” (BANDEIRA e ALMEIDA, 2005, p.13). Esse tipo de violência frequentemente é praticada pelo próprio marido ou companheiro, onde induz a mulher a comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, limitando e até mesmo anulando seus direitos sexuais e reprodutivos. Obrigar a mulher a olhar imagens pornográficas, quando ela não deseja e obrigar a vítima praticar sexo com outras pessoas também são tidos como violência sexual. (BRASIL, 2005) Violência Moral Sua ação é destinada a caluniar (acusar pela responsabilidade de algo tido como crime), difamar (fazer ofensas à reputação) ou injuriar (atribuir qualidade negativa). (BRASIL, 2006) Violência Psicológica Também conhecida como violência emocional, é marcada por rejeição, desrespeito, discriminação, manipulação, ameaças diretas ou indiretas, entre outros. De acordo com Bandeira e Almeida (2005, p.13), “Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida”. A violência psicológica geralmente afeta a auto estima da mulher; o autor da violência, muitas vezes, faz proibições da mulher sair, estudar, trabalhar, se expressar etc., prejudicando e atrapalhando seu pleno desenvolvimento. 27 Em 85% dos casos, a mulher necessita de assistência psicológica, esse percentual revela a intensidade do sofrimento psíquico causados às mesmas. (ALVES e COURAFILHO, 2001) Violência Patrimonial Caracterizada por ações que causem perdas, retenção ou subtração de bens e valores. “A violência patrimonial causa sérios danos econômicos e emocionais às mulheres. [...] com o objetivo de dificultar as condições materiais e de subsistência”. (BANDEIRA e ALMEIDA, 2005, p.13) 28 6. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA RELAÇÃO CONJUGAL Neste capítulo tentaremos enfatizar a relação conjugal em um contexto de violência perpetrada pelo companheiro, bem como os impactos causados nas mulheres devido à violência sofrida, e ainda um olhar para o homem autor de tal violência. Nessa perspectiva, “a violência conjugal pode ser entendida como uma nomeação que a descreve e qualifica enquanto ação, ou seja, qualifica-se que houve um ato violento, ocorrido na relação entre duas pessoas que mantêm (ou mantiveram) um relacionamento afetivo-sexual” (BRASILINO, 2010, p.32). Desta forma, “na última década, a violência conjugal vem sendo discutida com mais intensidade, tanto por organizações internacionais como por nacionais, devido às repercussões negativas que vêm causando na qualidade de vida das mulheres” (CORRÊA et al., 2001). A violência contra a mulher por parte do marido ou companheiro, tem sido considerada no Brasil, um relevante problema de saúde pública, pois esse ato tem reflexo em toda sociedade assumindo números significativos. Segundo Berger e Giffin (2005): No Brasil, desde os anos 80, vários estudos abordam a questão da violência doméstica e conjugal com base no trabalho das instituições policiais e jurídicas [...] grande parte destes trabalhos foi fortemente influenciada pelo movimento de mulheres, que privilegiou o direito da mulher à sua segurança na ‘privacidade’ do lar, e estimulou as denúncias contra os maridos autores de violência. (grifos nossos). A violência conjugal, é uma das manifestações de opressão mais radical a qual as mulheres estão sujeitas em suas relações com os homens e com a dominação masculina. (BRASILINO, 2010). Portanto, deve-se considerar as relações de poder entre o casal, pois essa violência deriva de um conflito de gênero, onde sua raiz é o poder patriarcal que promove desigualdade entre os sexos, assim como a dominação do homem nas relações de gênero. Assim sendo, tradicionalmente presente nos relacionamentos amorosos, a violência conjugal está associada à violência doméstica e é compreendida como violência de gênero, estando, sobretudo presente no cotidiano doméstico e conjugal das mulheres, mediante a definição do seu papel feminino na sociedade. (ALVES e DINIZ, 2005). Alves apud Brasilino (2010, p. 44) enfoca sobre essa questão que: 29 Para se definir o modo de ser marido e de ser mulher na relação conjugal, os sujeitos se apóiam no processo de socialização do homem e da mulher dentro de uma perspectiva assimétrica e hierarquizada de gênero. Nessa relação, o homem tem uma posição dominante e a inadequação da mulher ao seu papel social também é apontada como uma explicação para a ocorrência da violência. Percebemos assim a importância do rompimento de algumas representações ligadas ao gênero, pois as mulheres necessitam obter autonomia e empoderamento, para se sobressair em meio a relacionamentos violentos, levando em consideração que a maior parte da violência de gênero tem lugar nos relacionamentos afetivos. Os autores Corrêa et al., (2001) apontam características ao contexto familiar do casal: Esse espaço é protegido pelo silêncio, levando dessa maneira, as mulheres a estarem expostas a ocorrência de violência doméstica e ao estupro, situações sistematicamente ocultadas e negadas, O lar, na construção feminina, seria o espaço compartilhado do amor, baseado nos princípios do amor romântico. Mas é exatamente o local onde ocorrem, com maior e trágica intensidade, o desamor, a ameaça à integridade física e emocional das mulheres. Aquelas que deveriam ser paredes protetoras desse espaço atuam como muros de medo. Seguindo essa linha de raciocínio Toledo (2007) nos revela que: Em nome da indissolubilidade da família e da relação conjugal, tudo deve ser tolerado e preservado no campo da privacidade do lar. Por essas regras, ‘roupa suja se lava em casa’, ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’ etc. Esse tipo de imaginário concorre para a resistência da mulher para tornar pública a violência que sofre, calada, muitas vezes reposta no dia-a-dia por motivos banais, na nobre tarefa de preservar a unidade familiar. Dentre outras muitas razões, cabe mencionar a pressão que fazem à família externa, os filhos, os amigos, a igreja etc., no sentido de preservação da sagrada família. (SAFFIOTI, 1999). Essas pessoas ainda tendem a usar frases tipo, “ruim com ele, pior sem ele”, ou “ele é o pai dos seus filhos”, geralmente criando mais angústias e dúvidas nas decisões/ações da vítima. Sabemos também, que existe na comunidade, uma parte que prefere não se envolver, pois segundo a visão de Zuma (2004) eles (a comunidade) pensam que depois o casal se entende, o vilão da história fica sendo aquele que ajudou, deu conselhos, socorreu ou mesmo denunciou. Esse fato colabora para que muitos vizinhos, e até “amigos” do casal se afastem, seja por medo ou simplesmente por omissão. Sabemos que não é fácil para uma mulher romper uma relação amorosa sem auxílio externo (SAFFIOTI, 2001). Nessa mesma visão, Souza (2008) enfoca que as vítimas vivem em um estado de pânico e temor, precisando de ajuda para assumir seu problema e encontrar 30 soluções alternativas. Pois o que acontece é que geralmente as mulheres possuem um laço de afinidade e intimidade com o companheiro/autor da violência, com múltiplas dependências, para a mulher vitimizada, não foi um homem qualquer que a violou, mas aquele homem com quem ela convive, geralmente pai dos seus filhos com o qual tem um projeto de vida familiar, dificultando assim, o rompimento de tal relacionamento. Além da questão afetiva, na maioria dos casos de violência contra a mulher, existe uma relação de dependência econômica e financeira. (SOUZA, 2008). Pois, ainda hoje, é notório que nem todas as mulheres constroem sua autonomia, sendo o homem (autor da violência) o único provedor do lar, muitas vezes a mulher sente-se impossibilitada de trabalhar fora, especialmente quando possui filhos pequenos. No entanto, sabemos que um grande número de agressões contra mulheres no contexto doméstico, ocorrem justamente quando estas decidem trabalhar fora de casa, ou quando ousam manifestar seus pontos de vista contrários aos do seus maridos, contestando regras que ainda predominam em nosso meio. (CABRAL, 1999) Existe também uma dificuldade na obtenção de dados concretos, devido à falta de denúncias, pois embora seja relevante o índice de violência contra a mulher, sabemos que são poucas as mulheres que denunciam essas situações: Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda [...] Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que ‘foi só daquela vez’ [...] outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. [...] o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor. Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos (ANONIMO, 2010)4. (grifos do autor) Sendo assim, há um problema relacionado aos registros dos dados dos boletins de ocorrência, pois “o registro em boletins de ocorrência, ponto de partida para a investigação, é muito inferior ao número de agressões pelo fato de que muitas vítimas evitam a exposição pública e a constrangedora coleta de provas do crime” (Lopes et al. apud Toneli et al. 2010, p.14). Desta forma dificulta-se a obtenção de dados concretos, gerado por essa conspiração do silêncio. Os dados revelados a seguir foram retirados do Livro “Com todas as mulheres, por todos os seus direitos” (2010), da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres (SPM), o mesmo retrata a pesquisa Percepções e Reações da Sociedade Sobre a Violência Contra a 4 Disponível em: http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=105 31 Mulher, realizado em 2009 pelo Ibope em parceria com o Instituto Avon, em que se tem como resultado que: O alcoolismo e a violência enraizada na cultura machista foram indicados pelos entrevistados como os principais motivos para a violência. Para 38% a violência pode ser atribuída a problemas com a bebida e 36% dos entrevistados acham que trata-se de uma questão cultural, pois o “homem brasileiro é muito violento” e “alguns homens ainda se consideram donos da mulher”. Na opinião de 48% o exemplo dos pais aos filhos é a atitude mais importante para que a relação entre homem e mulher siga com respeito e sem violência. Ainda sobre os dados da pesquisa, revelou-se que as razões que levam a continuar a relação com o autor da violência, são principalmente a falta de condições econômicas para viver sem o companheiro, a preocupação com a criação dos filhos, além do medo de ser morta caso rompa a relação. O medo, a insegurança, a vergonha e a dependência afetiva também são comuns e muitas vezes impulsionam as razões citadas anteriormente. Algumas mulheres acreditam que “foi só dessa vez”, que ele vai mudar ou que não haverá repetição do episódio, e acabam permanecendo nesse clima de horror. A associação da violência ao uso do álcool é expressa pelas mulheres como forma de explicar e, ao mesmo tempo, desculpar a conduta violenta do homem, mediante os efeitos que o álcool produz. (CABRAL apud ALVES e DINIZ, 2005). Ou seja, o álcool é tido como algo que faz o homem torna-se violento, assim como drogas ilícitas, dificuldades financeiras, problemas de desemprego, entre outros. Percebemos que, o estabelecimento da relação fixada e a rotinização, impulsionam as mulheres a permanecerem nessa relação abusiva, assim como a esperança que o companheiro mude. Talvez essa seja a justificativa da ambiguidade da mulher, que às vezes apresenta a queixa e no dia seguinte a retira, geralmente a família é para essa mulher, aquilo que ela possui de mais importante, contribuindo para sua posição de submissão, pois não se trata apenas de coragem para denunciar o autor de violência, mas também uma renúncia a um projeto de vida familiar. (SOUTO e BRAGA, 2009) Na maioria dos casos, depois de ser espancada várias vezes pelo marido/companheiro, a mulher decide se separar, passando a morar em outra casa, às vezes até com outro companheiro, e em inúmeras vezes continua sendo importunada pelo ex- marido/companheiro, pois estes acham que têm o direito de exercer seu poder sobre as mulheres, mesmo após a separação. E segundo Lamoglia e Minayo (2009) “muitos são os casos em que a mulher passa a sofrer violência depois da separação, quando é chantageada porque não quer retornar seu casamento ou porque está namorando outra pessoa”. 32 6.1. Os impactos da violência contra a mulher na relação conjugal As violências são múltiplas e manifestam-se de diferentes formas, de acordo com as relações estabelecidas. (BRASILINO, 2010), podendo ocorrer vários, ou todos os tipos de violência contra a mulher, moral, física, sexual, psicológica e patrimonial. Para Souza (2008, p.23) “a violência conjugal tem sido associada com o aumento de diversos problemas de saúde como baixo peso dos filhos ao nascer, queixas ginecológicas, depressão, suicídio, entre outros”. Sinais e sintomas depressivos e ansiosos, assim como, perturbações no sono, transtornos alimentares, disfunções sexuais, fobias, uso de calmantes, entre outros, são manifestações apontados por estudiosos que atingem as mulheres onde a violência familiar é presente. (ALVES e COURA-FILHO, 2001) Isso se reflete na saúde mental das mulheres, pois existem enfermidades e queixas médicas relacionadas à violência conjugal que sofrem diuturnamente. Envolvidas afetivamente e imbuídas nesse processo de violência as mulheres vivenciam episódios de violência praticados pelo companheiro, essa situações vivenciadas por longo períodos as fragilizam ainda mais, pondo-as em menos condições de enfrentamento. (SOUTO e BRAGA, 2009) Mulheres violentadas pelos companheiros passam a sentir-se indefesas, incapazes, desvalorizadas, até mesmo culpadas diante do ciclo violento, rodeada de desamparo e insegurança. Segundo Souto e Braga (2009): Dor, sofrimento, humilhação, vergonha, tristeza, tudo isso vivenciado no cotidiano dessas mulheres. O medo aparece como um modo de intimidá-las, de oprimi-las, e controlá-las. Parece contribuir para silenciarem o problema da violência conjugal. [...] Com o passar do tempo, o medo e a vergonha podem levar ao isolamento, impedindo a mulher de se expor a uma situação de risco, de buscar apoio, limitando possibilidades de ajuda e, consequentemente, tornando-a mais dependente do autor de violência. (grifos nossos). Essas mesmas autoras enfocam que a violência conjugal apresenta para as mulheres medo e aprisionamento, decorrentes da intimidação, da ameaça de agressão e do controle manipulado pelo companheiro. Tudo isso pode reverter em isolamento social e no afastamento de pessoas que têm para elas bom significado afetivo. 33 Diante do medo, pois nunca se sabe o que pode ocasionar a fúria do autor da violência, as mulheres acabam expostas ainda mais às situações de violência, acarretando maiores riscos à sua saúde e sua integridade, bem como colocando sua própria vida em risco. Sobre essa questão, Souza (2008) revela que as vítimas possuem, além de baixa autoestima, vários problemas de saúde, na maioria dos casos, as mulheres são tão chantageadas por seus companheiros que, frequentemente, cedem às pressões, sentindo-se incapazes de agir. Muitas vezes o companheiro usa os filhos para fazer chantagem emocional para com as mesmas, dificultando ainda mais a ação da mulher vitimizada. É dever do Estado apoiar a mulher que sofre violência por parte se seu parceiro, criando condições especiais de atendimento para essa situação, pois existe uma tendência da situação piorar com o passar do tempo. Sabemos que, nem todos os casais em situação de violência conseguem sair ou ressignificar a relação. Muitos precisam da intervenção da Justiça. Em outros casos, as mulheres são submetidas a essa situação que pode ocasionar um fim trágico, onde as vítimas são assassinadas pelos seus cônjuges ou ex-cônjuges. (GUIMARÃES et al., 2007) Segundo Almeida (2007, p.41), “Estima-se que entre 40% a 70% dos homicídios de mulheres ocorridos em todo o mundo, são cometidos por parceiros íntimos, geralmente num contexto de relação abusiva”. No Brasil, 76% dos crimes contra a mulher acontecem dentro de casa e o autor da violência é o seu próprio marido ou companheiro5. 6.2 Um olhar para o homem autor de violência conjugal Podemos nos perguntar porque há a predominância do sexo masculino envolvido em situações de violência, sejam eles como autores, sejam como vítimas. Para Cecchetto apud Assis (2007, p.02) “em várias sociedades, na socialização dos homens, a aquisição de atributos masculinos comumente se caracteriza por processos violentos”. Muitas vezes, na convivência entre homens, mesmo havendo diferentes sentidos do que é ser masculino, eles costumam seguir os padrões predominantes de masculinidade para receberem o atestado de homens e não serem questionados (ASSIS, 2007). 5 DIAS, Sandra Pereira Aparecida. Violência doméstica contra a mulher – um apanhado histórico. Disponível em,http://jusvi.com/artigos/16934 acesso em 20 de setembro de 2010. 34 Segundo Keijzer apud Assis (2007, p.02) “a masculinidade, situada no âmbito de gênero, representa um conjunto de atributos, valores, funções e condutas que se espera que um homem tenha numa determinada cultura”. Percebemos que a masculinidade é uma referência de identidade para grande parte dos homens e, portanto, os mesmos são influenciados por modelos culturais e históricos que ditam características do que é ser homem. Para Assis (2007, p.03) “o status de ser homem também é influenciado pela classe social em que ele se situa, pela etnia/raça a que se filia e pelo momento de vida por ele vivenciado”. Em geral, os homens constroem suas masculinidades em sociedades cultural e historicamente violentas. Além disso, os mesmos são educados para reprimir necessidades e possibilidades como, suas emoções, angústias, receptividade, o cuidar do outro etc.. Circula a idéia de que, ao homem, é aceitável socialmente que seja violento, mesmo que essa não seja sua opção. (BRASILINO, 2010). Notamos que é preciso desnaturalizar o modelo hegemônico de masculinidade, pois acreditamos que não há apenas um padrão de masculinidade a ser seguido, entretanto, necessita-se olhar e dar vez a outros tipos de masculinidades possíveis. O consentimento social que a sociedade libera aos homens, assim como a força e o domínio exercido pelos mesmos causa danos a ambos os sexos, pois, assim como afirma Assis (2007, p.04), “ao cenário da dominação masculina, as vítimas não são apenas as mulheres. Os homens, sem se aperceberem, também são vítimas da própria dominação masculina”. Há uma necessidade em nosso país de políticas públicas, programas e ações de prevenção à violência perpetrada pelos homens, em especial a violência causada as mulheres. Lima apud Brasilino (2010) cita que é importante uma reflexão sobre o autor de violência, para a compreensão dos diversos fatores que colaboram para que os homens pratiquem atos de violência contra as mulheres. Além disso, “um serviço que atenda aqueles que cometeram violência nos seus relacionamentos íntimos aumenta as chances de prevenir novos atos de violência – na mesma relação ou em novos relacionamentos que venham a se envolver”. (ASSIS, 2007, p.06) É necessário ações eficazes e efetivas de prevenção desse fenômeno, olhando tanto para o ato quanto para o processo. Ou seja, é preciso dispor de um espaço onde se possa oferecer tanto à vítima como ao autor da violência, reflexões sobre a violência ocorrida. Porém, sabemos que infelizmente, raramente isto ocorre, para Muszkat apud Brasilino (2010, p.41) “em uma determinada situação de violência, o que geralmente acontece é isolar o sujeito 35 identificado como autor da violência (em geral os homens), com vista de poupar maior sofrimento aos que são identificados como vítimas”. É visível que o foco de políticas públicas são voltados à mulher, crianças e adolescentes, geralmente considerados vítimas e/ou frágeis, em ações de apoio e proteção, restando para os homens autores da violação apenas a punição. No relacionamento conjugal quando a mulher é vítima de violência nota-se que geralmente ocorre algo semelhante com a citação a seguir: Se à mulher é atribuído o papel de vítima, que lugar fica reservado ao homem? Que opções lhe restam quando não lhe é dada a possibilidade de inclusão, de amparo e de escuta? Acreditamos que o homem, enquanto visto exclusivamente como autor de violência, sofre um processo de exclusão dentro da própria família e da sociedade, não lhe sendo facultada nenhuma possibilidade de reparação, ou de inclusão num sistema ideológico alternativo. Consequentemente, ao ser-lhe negada essa condição, podemos estar incorrendo nos mesmos preconceitos e discriminações de origem naturalista que negaram por anos à mulher o direito de exercer sua autonomia e autodeterminação. (MUSZKAT apud BRASILINO, 2010. p.42). Saffioti (2001) nos lembra que há que se investir na mudança não só das mulheres, mas também dos homens, pois acreditamos que ele pode reparar seus atos e trabalhar em prol da não reincidência de tal violência, visualizando seu papel e responsabilidade pelo fim da violência baseada em gênero, além de prevenir violência a outras pessoas e em outras esferas. Ou seja, é preciso estimular a reflexão dos mesmos, bem como, buscar novas alternativas e modelos que não necessitem o autoritarismo, nem nenhum tipo de violência perante suas companheiras. Zuma apud Assis (2007, p.06) nos traz uma importante referência a essa questão quando cita que: Dar atenção aos homens que cometeram violência não significa retirar deles a responsabilidade por seus atos. Podemos pensar a violência fazendo uma distinção entre ato e processo. Um ato de violência tem um autor e uma vítima, mas o processo pelo qual aquele ato tornou-se possível tem a participação de todos que fazem parte daquele contexto. [...] O autor do ato deve ser responsabilizado e responder por isso, e a vítima do ato deve ser cuidada e protegida, mas é preciso oferecer aos dois, e a outros diretamente envolvidos, a possibilidade de um espaço de reflexão sobre o processo – a dinâmica relacional que tornou o ato possível – para que se evite a reincidência e a cristalização de papéis. Toneli et al., (2010, p.17), enfocam que: A idéia de atender homens autores de violência baseia-se na aposta de que o sujeito possa reconhecer e responsabilizar-se pela violência que comete, assumir seu compromisso com as formas hegemônicas de masculinidades e procurar alternativas 36 existenciais não violentas, abrindo-se, assim, o espaço para que o sujeito se exerça enquanto tal. Esses mesmos autores citam algo bastante relevante, ao dar ênfase que “é importante que as pessoas envolvidas sem situação de violência não sejam fixadas em lugares de ‘vítima’ ou ‘autor de violência’, uma vez que assim se cria a chance para que a voz de cada sujeito seja ouvida” (p.15). Sendo assim, percebemos o quão importante é levar em consideração o lugar que cada um ocupa dentro desse processo violento, onde muitas vezes os sentimentos de amor e ódio acabam misturando-se, desencadeando momentos de tensão e momentos de prazer simultaneamente. As pessoas envolvidas na relação violenta devem ter o desejo de mudar, tanto a vítima quanto o autor da violência devem ter o desejo de uma transformação na relação, necessitando ambos de auxilio para tal. É por essa razão que não se acredita numa mudança radical de uma relação violenta, quando se trabalha exclusivamente com a vítima. Sofrendo esta algumas mudanças, enquanto a outra parte permanece o que sempre foi, mantendo seu habitus, a relação pode inclusive, torna-se ainda mais violenta. Todos percebem que a vítima precisa de ajuda, mas poucos vêem esta necessidade no autor de violência. (SAFFIOTI apud TONELI et al., 2010. p.18 e 19) Importante salientar que é de suma relevância o homem ter a vontade de mudar, assumindo seus erros, pois sabemos que alguns homens tendem a minimizar seus atos e comportamentos violentos, ou até mesmo negá-los, bem como culpar a vítima (mulher) por sua conduta. Segundo Assis (2007, p.06): Uma das queixas mais frequentes dos homens sobre seus relacionamentos com as mulheres diz respeito à violência psicológica delas [...]. São inúmeras as descrições de humilhações, desqualificações e comparações com outros homens que atingem a auto estima e promovem sentimentos de mágoa e frustração. Boa parte dessas comparações e desqualificações estão associadas aos rígidos padrões de gênero que homens e mulheres desempenham na sociedade. Por isso, percebemos mais uma vez, o quão recomendada é um programa que trabalhe a discussão de uma série de questões relacionadas ao gênero, sexualidade, violência, bem como estratégias de enfretamento diante da perspectiva de gênero. Acredito que seja de grande importância para este estudo citar o trabalho desenvolvido pelo Instituto Noos que desde 1999 faz parte de uma rede de prevenção e atenção à violência 37 familiar e de gênero, representando uma mudança de paradigma na abordagem da violência contra a mulher. Basicamente todo conteúdo aqui apresentado foi retirado da cartilha conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero (2004), onde pudemos observar como se dá a implementação de trabalhos que efetivamente auxiliem no enfrentamento da violência contra as mulheres, bem como seus objetivos, plano de ação, atividades, técnicas, dinâmicas, acompanhamento e apoio aos participantes. A cartilha conversas homem a homem: grupo reflexivo de gênero, traz um passo-apasso de como os grupos de reflexão foram construídos e vêm sendo elaborados; o mesmo abarca homens de diversos contextos, faixas etárias, etnias e religiões, das mais diferentes camadas sociais da cidade do Rio de Janeiro. Os grupos reflexivos da referida cidade são realizados semanalmente, por um período de 05 (cinco) meses, com duração de duas horas e meia cada, totalizando 20 encontros com, no máximo, 12 participantes de diferentes faixas etárias. A procura tem sido espontânea em relação aos homens que praticam violência contra mulheres, além de encaminhamentos dos Juizados Especiais Criminais, Varas da Infância e Juventude, Conselhos Tutelares, Centrais de Penas e medidas alternativas, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e Centro de Atendimento à Mulher. O que se pretende nos grupos de reflexão é que os autores de violência reconheçam e responsabilizem-se por seus atos violentos, reduzindo assim, as dificuldades do sistema criminal, proporcionando uma reflexão do autor de violência, para que estes possam ampliar os recursos para a resolução de crises e conflitos em suas relações, especialmente a violência de gênero praticada nos sistemas conjugal e familiar, objetivando a construção de um contexto grupal que favoreça o surgimento de novas configurações de masculinidades e feminilidades, incluindo a equidade entre homens e mulheres. (ACOSTA, et al., 2004) 38 7. REDES DE APOIO E PROTEÇÃO Segundo pesquisa realizada pelo Ibope, solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que afligem as mulheres, e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. (BRASIL, 2007) Percebemos que o drama da violência contra mulheres no Brasil, é muito mais frequente e complexo do que se imagina. Por isso, a repercussão do mesmo, vem mobilizando os governos – Federal, Estadual, Municipal – para o estabelecimento de uma rede de propostas, medidas e ações no que se refere ao enfrentamento e controle dà violência contra as mulheres, visando garantir a integridade da mulher e a punição dos autores da violência. Assim, Um exemplo da articulação com os poderes federais e com os governos estaduais e municipais é a criação de núcleos de gêneros e de defesa da mulher nos ministérios públicos estaduais, bem como de juizados, varas especializadas e todos os demais organismos envolvidos (BRASIL, 2010, p.148). Pensando nessa questão e na necessidade deste compromisso, em 2003, no primeiro ano do mandato do presidente Luís Inácio Lula da silva, foi criada pelo Governo Federal, a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), visando contribuir para a melhoria da vida de todas as brasileiras. Esta política foi estruturada a partir do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), e representou uma mudança na forma de intervenção do Estado no combate à violência, especialmente pela definição de sua responsabilidade central no enfretamento ao fenômeno da violência perpetrada contra mulheres. A Política Nacional se baseia na estruturação e na ampliação da rede de serviços especializados (delegacias da mulher, casas – abrigo, centros de referência, serviços da rede pública de saúde, entre outros.) para garantir o atendimento integral às mulheres em situação de violência; na conscientização e capacitação dos agentes públicos para atendimento e prevenção; na ampliação do acesso das mulheres à justiça; e no apoio a projetos educativos e culturais. (BRASIL, 2007, p.15) Em meio a esses serviços especializados, é importante destacar as Delegacias Especializadas de atendimento à Mulher (DEAMS), e os Centros de Referência, pois ambos são serviços essenciais na prevenção e no enfretamento da violência em questão. 39 A criação da primeira Delegacia da Mulher em 1985 foi no Estado de São Paulo. O Brasil foi pioneiro na constituição de uma instituição voltada a atender casos de violência contra mulher. Desta forma, As DEAMS são responsáveis pela apuração, investigação e enquadramento legal, embasadas nos Direitos Humanos e nos princípios do Estado Democrático de Direito, e toda e qualquer agressão contra mulheres deve ser tratada dentro dos parâmetros criminais, recebendo todos os procedimentos policiais cabíveis, inquéritos, investigações e medidas. (BRASIL, 2010, p.153). Os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa de prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a ruptura da situação de violência, e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e informação) à mulher em situação de violência. O mesmo visa proporcionar atendimento e acolhimento necessários à superação da situação de violência ocorrida, contribuindo para o fortalecimento da mulher e o resgate da sua cidadania. (BRASIL, 2006) Nessa perspectiva, os Centros de Referência de acolhimento/atendimento devem exercer o papel de articulador das instituições e serviços governamentais e não governamentais que integram a Rede de Atendimento, sendo o acesso natural a esses serviços para as mulheres em situação de vulnerabilidade, em função de qualquer tipo de violência. (BRASIL, 2006) Em ambos os lugares as mulheres devem ter um atendimento de qualidade, se sentindo acolhida, pois, geralmente, as mulheres estão muito assustadas e, ao relatar a agressão que sofreram, expressam muito medo (LAMOGLIA e MINAYO, 2009). É importante haver um espaço de privacidade para a mulher expor sua problemática, e com informações e orientações sobre a melhor forma de proceder no seu caso. Uma verdadeira política de combate à violência doméstica exige que se opere em rede, englobando a colaboração de diferentes áreas, tais como: Política, magistratura, ministério público, hospitais e profissionais de saúde, inclusive na área psíquica, da educação, do serviço social, etc. (SAFFIOTI, 1999) É importante frisar que: No trabalho das redes, é de grande relevância que exista um fortalecimento e melhoramento para a vida das vítimas de violência para que estas possam enfrentar satisfatoriamente à situação vivenciada, bem como, para que consigam um 40 ajustamento criativo que lhes favoreça elaborar tal situação. (VALENTIM e SILVA, 2010, p.36) Tudo é muito difícil para a mulher que sofre violência conjugal, e sendo assim, a proximidade lhe é muito importante, porque proporciona o desabrochar de seus desejos, medos, sentimentos, angústias e possibilidades. Deve servir de fio condutor para que ela se perceba na situação de violência e, a partir daí, possa vir a fortalecer-se na sua autodeterminação e força de vontade para posicionar-se ante os problemas. (CORRÊA et al., 2001) O Governo Federal também criou vinculada a SPM, em 17 de agosto de 2007 o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, cuja ações estão sendo executadas desde 2008, devendo ser contempladas em 2011, por diversos órgãos da administração pública. (BRASIL, 2007) Ao todo, 11 ministérios e secretarias especiais, além de empresas privadas, Poder Judiciário, Ministério Público, organismos internacionais, organizações não – governamentais, estados e municípios são parceiros do desenvolvimento do Pacto Nacional, a execução das atividades contarão com cerca de R$ 1 bilhão a serem investidos durante os 4 anos – 2008 à 2011. (BRASIL, 2008) Segundo cartilha do Pacto Nacional elaborado pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 2007, seus objetivos são: • Reduzir os índices de violência contra as mulheres; • Promover uma mudança cultural a partir da disseminação de atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero e de valorização da paz; • Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência, considerando as questões raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional. Essa conjunção de esforços compreende não apenas a dimensão do combate aos efeitos da violência contra as mulheres, mas também as dimensões da prevenção, atenção, proteção e garantia dos direitos daquelas em situação de violência, bem como o combate à impunidade dos autores de violência. Com o Pacto Nacional de Enfretamento à Violência contra as Mulheres, daremos um importante passo na promoção de mudanças para superar as desigualdades entre mulheres e homens na nossa sociedade. (BRASIL, 2007, p.10) 41 7.1 Políticas Públicas direcionadas ás mulheres vítimas de violência. Os problemas relacionados à violência contra a mulher devem ser discutidos nos espaços públicos, no sentido de buscar soluções em políticas públicas, visando possibilidades e caminhos para alcançar a erradicação desta violência. (MELLO, 2010) Sendo assim, é fundamental a adoção de políticas públicas que articulem programas de prevenção, assistência e controle à violência contra a mulher, e que estas sejam acessíveis a todas que convivem com esse fenômeno. Se desejamos relações igualitárias, o primeiro passo é analisarmos os problemas sobre gênero garantindo que aspectos relacionais entre masculinidades e feminilidades serão evocados. Assim como, o respeito à integridade humana, independente de categorias de gênero, de vítimas ou de culpados, necessário para o pleno exercício da cidadania. (ALVIM apud BRASILINO, 2010, p.40) A luta contra esse tipo de violência concerne a todos nós e, principalmente, aos governantes, a quem cabem medidas efetivas para ajudar a combater e prevenir, de forma eficaz, estes atos. (CABRAL, 1999) Pois, um Estado ineficiente e sem programas, onde a injustiça e a impunidade são comuns, contribui para o aumento da violência. Existem no Brasil, algumas campanhas em prol do fim da violência contra as mulheres, dentre elas cabe destacar: ‘Homens Unidos pelo Fim da Violência’ e a ‘Campanha 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra Mulheres’. A primeira campanha, ‘Homens Unidos pelo Fim da Violência’, refere-se à conscientização dos homens pela causa, lançada em 2008 pela SPM, qualquer homem pode se cadastrar na lista de assinaturas disponível no site www.homenspelofimdaviolencia.com.br, cuja meta é atingir 90.000 assinaturas. A campanha é tida como uma versão nacional da iniciativa internacional da ONU “Unidos para Acabar com a Violência contra Mulheres”. (BRASIL, 2010). Já a ‘Campanha 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra Mulheres’, referese a uma criação do Centro de Liderança Global das Mulheres (Center for Women’s Global Leadersship), em 1991. No Brasil esta Campanha é realizada há seis anos, e em 2007 a SPM passou a ser co-promotora, juntamente com a Agende (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento), a mesma tem início dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) e continua pelos dias: 25 de novembro (Dia Internacional pela eliminação da Violência contra mulheres), dia 01 de dezembro (Dia Mundial de Luta contra AIDS), e por último dia 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos) (BRASIL, 2010). 42 7.1.1. Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/06 Fruto de muita luta das mulheres, por meio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), a Lei Maria da Penha – Lei n° 11.340/06 foi decretada pelo Congresso Nacional e posteriormente sancionada pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, no dia 07 de agosto de 2006, a referida Lei coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. No Art. 5° da Lei n° 11.340/06 in verbis “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Desta forma: A partir desta Lei, todo caso de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher torna-se crime e deve passar por inquérito policial que será remetido ao Ministério Público. Os crimes deverão ser julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, instrumentos criados a partir dessa legislação, ou, enquanto estes não existirem, nas Varas Criminais. Dentre outras conquistas, a Lei tipifica os tipos de violência doméstica; proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos autores de violência; amplia a pena a eles imputada de até 1 ano para até 3 anos; e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. (BRASIL, 2008, p.99 e 100) Essa lei altera o Código Penal (Decreto – Lei nº 2848/1940), o Código de Processo Penal (Decreto – Lei nº 3.689/1941), a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.209/1984) e a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95). (MELLO, 2010. p. 89) A Lei Maria da Penha, é hoje, no Brasil, o principal instrumento jurídico de proteção e combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, a mesma possibilita que autores de violência sejam presos em flagrante e extingue penas alternativas, há também na Lei medidas preventivas de urgência para proteger a vítima. Segundo Toneli et al., (2010, p.13): Essa nova Lei altera em muito o caráter da punição por ofensas de violência contra a mulher, violência sexual e admite uniões homoafetivas, reconhecidas como familiares em sua aplicação, na medida em que explicita que a violência doméstica sobre a qual incide independe da orientação sexual dos parceiros. A Lei Maria da Penha tem esse nome em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que em 1983, sofreu uma tentativa de homicídio por parte do seu então marido, que atirou em suas costas, deixando-a paraplégica, a mesma permaneceu 43 4 meses internada no hospital e 2 semanas após voltar para casa sofreu outra tentativa de assassinato, onde novamente seu companheiro tentou eletrocutá-la através do chuveiro elétrico. Maria da Penha decidiu separar-se depois de 07 anos de casamento, com 03 filhas. Após 15 anos, o autor da violência continuava em liberdade, devido à vagarosidade do processo e aos recursos conseguidos pela defesa do réu. Em 1994 Maria da Penha publica o livro “Sobrevivi... posso contar” relatando seu histórico de violência e sua luta por justiça. (BRASIL, 2010) Porém não foi fácil lutar por justiça por quase 20 (vinte) anos, Maria da Penha encontrou diversas dificuldades e empecilhos durante o processo. Com a demora da Justiça brasileira, Maria da Penha recorreu à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que, pela primeira vez, acatou denuncia de um crime de violência doméstica. Em 2001, a Comissão responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. (TONELI et al, 2010, p.13) Esse fato foi decisivo para conclusão do processo e punição ao autor da violência, resultando assim, na criação da Lei Federal Maria da Penha-Lei nº 11.340/06. Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei Maria da Penha dá cumprimento, finalmente, à Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da OEA (Convenção de Belém do Pará) [..] bem como à Convenção para a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), da ONU”. (BRASIL, 2006, p.08) Em 2009, foi criado o Instituto Maria da Penha visando implementar as propostas da referida Lei, de inibir, punir e erradicar toda e qualquer violência perpetrada à mulher. Em um ano de vigência , os números mostram que a Lei Maria da Penha é vitoriosa. Dados parciais da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) revelam que, durante os primeiros oito (08) meses de vigência da Lei (out/2006 a maio/2007), foram instaurados 32.630 inquéritos policiais, 10.450 processos criminais, 864 prisões em flagrante e 77 preventivas e mais de 5 mil medidas protetivas de urgência foram aplicadas. (BRASIL, 2007, p.16) Notamos que, apesar das dificuldades, a Lei Maria da Penha vem divulgando os direitos das mulheres, bem como fazendo valer sua aplicação no âmbito familiar e doméstico. Antes dessa Lei, os crimes cometidos pelos autores de violência, na sua maioria maridos ou companheiros, eram julgados pelos juizados dos Especiais Criminais (Jecrins), tratados da 44 mesma forma que delitos no trânsito e considerados “de menor potencial ofensivo”. (BRASIL, 2007) Importante ressaltar que a Lei prevê, também, um trabalho de educação e reabilitação para os autores de violência, conforme retrata o Art. 35. “A União, o Distrito Federal, os Estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: VCentros de educação e de reabilitação para os agressores”. (BRASIL, 2006. p 28). 7.2 Como se proteger? Como buscar ajuda? Num contexto de violência, a mulher pode construir um plano de proteção, as dicas dadas a seguir foram retiradas da Cartilha Enfrentando a Violência Contra a Mulher, elaborada em 2005 pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), nela estão contidas idéias e informações de como proceder durante e depois do ataque. Na hora do ataque: • Evite locais como cozinha e banheiro, onde há facas, objetos perigosos, superfícies cortantes e espaço reduzido; • Evite locais onde haja armas. Nunca tente usar armas para ameaçar o autor de violência. Elas podem facilmente se voltar contra você; • Não corra para o local onde as crianças estejam. Elas podem acabar sendo também agredidas; • Evite fugir sem as crianças; • Ensine às crianças a pedir ajuda e a se afastar do local, quando houver violência. Depois do ataque: • Guarde sempre com você os números de telefone de socorro; • Procure uma delegacia, alguma pessoa ou instituição em que você confie. • Se você estiver ferida procure um hospital ou um posto de atendimento e revele o que aconteceu; • Separe um pacote e roupas e objetos de primeira necessidade suas e das crianças. Guarde com alguém de confiança, para pegar no caso de abandono da casa; • Guarde cópias de documentos importantes em local seguro: certidões de nascimento e casamento, identidade, etc; • Tente guardar por escrito, com as datas e horários, todos os episódios de violência física, psicológica ou sexual que você esteja sofrendo; • Conte sua situação para pessoas em quem você confia, como: amigos e vizinhos. Planeje com elas um esquema de proteção. Fonte: BRASIL (2005). 45 Em relação a como se buscar ajuda, existe a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, criada pelo Governo Federal, por intermédio da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), que é uma ótima escolha, e talvez a melhor a priori, visto que esta é acessível a todos os lugares em qualquer horário. As ligações são feitas gratuitamente de qualquer parte do território nacional, com funcionamento integrado à ouvidoria, destina-se a receber denúncias ou relatos de violência e tem a função de auxiliar e orientar as mulheres vítimas de violência a buscar apoio necessário, informá-las sobre seus direitos, encaminhá-lá para serviços de apoio e proteção de acordo com a necessidade do caso; este serviço conta com 80 atendentes e funciona 24 horas diárias, incluindo feriados e finais de semana, que segundo a SMP são as ocasiões em que o número de ocorrências de violência contra a mulher aumenta; importante frisar que a mulher não precisa se identificar. (BRASIL, 2010) Outra característica muito boa da Central de Atendimento é que: As atendentes da Central são capacitadas em questões de gênero, legislação, políticas governamentais para as mulheres e são orientadas para prestar informações sobre os serviços disponíveis no país para o enfrentamento à violência contra a mulher e, principalmente, para o recebimento de denúncias e o acolhimento das mulheres em situação de violência. (BRASIL, 2006, p.13) Criada em novembro de 2005, esse serviço tem se revelado bastante útil, na medida em que, as mulheres, ao obterem conhecimento sobre locais onde podem ser atendidas e como proceder de acordo com sua situação, vêem uma possibilidade de romperem com o ciclo de violência que convivem, na maioria dos casos, diariamente. Segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres “a Central de Atendimento à Mulher registrou mais de 900 mil chamadas de 2007 a 2009” (BRASIL, 2010. p.162). Porém, apesar da demanda crescente do Ligue 180, ainda existe um grande trabalho a ser feito em prol de uma maior divulgação da prestação dos seus serviços. 46 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desse estudo ficou evidenciado que observar a magnitude da violência de gênero, bem como os efeitos causados especialmente às mulheres não é uma tarefa fácil. Apesar da existência de dados estatísticos assustadores da violência contra a mulher, é difícil o acesso real à sua dimensão, pois este levantamento bibliográfico aponta que o medo e a insegurança impedem as mulheres violadas a procurar ajuda e/ou fazer uma denúncia, ficando à mercê de sua própria sorte, permanecendo em uma situação que causa danos à sua saúde física e psicológica e em alguns casos arriscando sua própria vida. Acredita-se, então, que o fenômeno da violência conjugal seja bem mais abrangente e complexo do que se percebe. É de grande relevância que se implante medidas de proteção e orientação às mulheres que se encontram nesta situação, como o conhecimento dos seus direitos e as possibilidades para dar fim à tal violência, bem como o acesso a um suporte moral, físico e social. Esse estudo teve objetivo de compreender e apresentar, segundo levantamento bibliográfico, as implicações que a violência de gênero causa/ pode causar no relacionamento conjugal, bem como o que se aborda sobre as mulheres em tal situação. Sendo assim, é notório que diante do medo e da insegurança muitas mulheres permanecem vivendo com a violência constante em seus lares. Outro tema abordado, foi um possível atenção de atendimento aos homens autores de violência, tendo em vista o reconhecimento da ação e responsabilidade perante tal ato, assim como a prevenção de reincidências. É visível a necessidade de pesquisas e programas de prevenção e proteção para que se fortaleçam as políticas públicas, possibilitando que todos que precisam tenham acesso às ações e assistências sociais que o governo oferece. Sabemos que não basta uma boa segurança pública e um judiciário eficiente, é necessário também uma articulação e melhoria de outros sistemas como: Educação, saúde, entre outros, visando uma profunda transformação social onde exista a quebra de estruturas machistas e cheias de preconceitos. Como afirma a Ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres, Nilcéa Freire, “Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência. Este é o nosso desejo e deve ser o nosso compromisso.” (BRASIL, 2006) Espero que essa construção bibliográfica desperte o interesse nos leitores pelo referido tema, e que cada um possa ter uma atitude ativa frente à violência perpetrada contra mulheres, 47 pois é necessário e imprescindível que a sociedade mobilize-se e faça valer a Lei e os Direitos Humanos das Mulheres. 48 REFERÊNCIAS ACOSTA, Fernando; FILHO, Antônio Andrade; BRONZ, Alan. Conversas Homem a Homem: Grupo Reflexivo de Gênero. Metodologia. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2004. ALMEIDA, Juliana Barbosa Lins de. Crenças sociais acerca das diferenças entre homens e mulheres e suas relações com a percepção da violência do homem contra a mulher. João Pessoa, 2007. ALVES, Sandra Lúcia Belo; DINIZ, Normélia Maria Freire. “Eu digo não, ela diz sim” : a violência conjugal no discurso masculino. Brasília, 2005. ALVES, Andréa Matias; COURA-FILHO, Pedro. 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