0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CRISTIANE CACILDA BENTO RESERVA DE VAGAS PARA AFRODESCENDENTES NO MERCADO DE TRABALHO COMO GARANTIA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Biguaçu 2009 1 CRISTIANE CACILDA BENTO RESERVA DE VAGAS PARA AFRODESCENDENTES NO MERCADO DE TRABALHO COMO GARANTIA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Doutor Marcos Leite Garcia Biguaçu 2009 2 CRISTIANE CACILDA BENTO RESERVA DE VAGAS PARA AFRODESCENDENTES NO MERCADO DE TRABALHO COMO GARANTIA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Direito Constitucional: direitos fundamentais Biguaçu, Novembro de 2009. Prof. Doutor Marcos Leite Garcia UNIVALI – Campus de Biguaçu Orientador Prof.ª. Dra. Maria da Graça dos Santos Dias Univali Membro Prof.ª Dra. Daniela Cadermatori Univali Membro 3 Dedico o presente trabalho monográfico primeiramente a Deus, que brilhantemente traçou meu caminho; Aos meus pais, que tornaram possível essa caminhada; A meu marido, pelo incentivo, e por estar sempre ao meu lado; E aos meus filhos, que foram sempre o motivo de minha dedicação. 4 Somos responsáveis por tudo que acontece neste mundo. Somos os Guerreiros da Luz. Com a Força do nosso amor, de nossa vontade, podemos mudar nosso destino, e o destino de muita gente. Paulo Coelho. 5 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, novembro de 2009. Cristiane Cacilda Bento 6 RESUMO A presente pesquisa versa sobre a reserva de vagas para Afros descendentes no mercado de trabalho, assim como analisa a desigualdade racial existente no Brasil que se manifesta muitas vezes de forma sutil e que impede o desenvolvimento da população negra. Questão urgente, visto que com o advento da Constituição da República do Brasil de 1988 vive-se dentro de um Estado Democrático de Direito, tendo este, ligação direta aos Direitos Humanos, embora nem todos os usufruam. No primeiro momento o referido trabalho se manifestara sobre a origem da desigualdade racial, pautado na história da escravidão, visto que, o modo como foram inseridos os afrosdescendentes no Brasil e no mundo muito tem haver com as condições em que hoje vivem. Num segundo momento o referido trabalho abordará sobre o princípio da igualdade, sendo este, um dos princípios basilares da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, demonstrando o real objetivo do Estado Brasileiro e dos Tratados Internacionais dos quais é signatário. Por fim, esboçar as políticas públicas brasileiras existentes, eis que o Estado vem à longa data instituindo políticas públicas no intuito de promover o equilíbrio racial, com base principalmente no princípio da igualdade material, e, neste sentido, amparados também, em leis alienígenas que se destinam a incluir os afros descendentes em setores que há tempos vem sendo fortemente seletivos a estes. Posteriormente pugna-se por traçar considerações sobre as Ações Afirmativas, fundamentadas na necessidade de reparação à população negra diante da perda acumulada no passado em relação ao acesso ao trabalho, uma vez que parte-se da idéia de que definir cotas diferenciadas para trabalhadores negros é uma das formas para diminuir essas diferenças. Palavra-chave: Discriminação racial, Princípio da Igualdade, Ação Afirmativa. 7 RESÚMEN La presente pesquisa versa sobre la reserva de plazas para afros descendentes en el mercado laboral, así como analiza la desigualdad racial existente en Brasil que se manifiesta muchas veces de forma sutil y que al final impide el desarrollo de la población negra. Trátase de una cuestión urgente, una vez que con el adviento de la Constitución de la República Federativa de Brasil de 1988 vívese dentro de un Estado Democrático de Derecho, estando este directamente ubicado a los Derechos Humanos, aunque no todos los miembros de la sociedad lo disfruten. En un primer momento el referido trabajo se manifestara sobre el origen da desigualdad racial, pautado en la historia de la esclavitud, visto que, la manera como fueran transferidos los afros descendentes de Africa a Brasil y al nuevo mundo está integralmente relacionada con las condiciones de vida que tienen hoy. En un segundo momento se abordará el principio de la igualdad, siendo este, uno de los principios básicos de la Constitución de la República Federativa de Brasil de 1988, enseñándose el real objetivo del Estado brasileño y de los Tratados a que hace parte. Al final, averiguar las condiciones de las políticas públicas brasileñas existentes, una vez que el Estado viene desde hace mucho instituyendo políticas públicas con el objetivo de promocionar un pretendido equilibrio racial, teniendo como base principalmente el principio de la igualdad material, y, en este sentido, amparados también, en leyes extranjeras que se destinaban a incluir os afros descendentes en sectores que hace muchos años viene siendo fuertemente selectivo a estos. Posteriormente pugna-se por delimitar consideraciones sobre las acciones afirmativas, fundamentadas en la necesidad de reparación de la población negra delante de la pierda acumulada en el pasado en relación al acceso al trabajo, una vez que se empieza de la idea que definir cotas diferenciadas para trabajadores negros es una de las formas para disminuir las diferencias existentes . Palabras-clave: Discriminación racial, Principio de la Igualdad, Acción Afirmativa. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 1. ORIGEM DA DESIGUALDADE RACIAL EXISTENTE NO BRASIL .. 13 1.1 ESCRAVIDÃO ................................................................................................. 14 1.1.1 Escravidão no Brasil ...................................................................................... 20 1.2 ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA .................................................................... 29 1.2.1 Situação do Negro após a Abolição ............................................................ 34 2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O TRATAMENTO DESIGUAL PARA OS DISTINTOS ..................................................................................................... 43 2.1 A IGUALDADE PERANTE A LEI ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL ........ 43 2.2. NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS .............................................. 53 2.2.1. Princípios ....................................................................................................... 55 2.2.2. Regras ............................................................................................................ 59 2.2.3. Diferenças essenciais entre princípios e regras ........................................ 62 2.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ............................................................................. 64 2.3.1 A Igualdade entre os desiguais ..................................................................... 69 3. DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL E AÇÃO AFIRMATIVA ....... 76 3.1 CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE RAÇAS ................................................... 76 3.1.1. Discriminação Racial ................................................................................... 80 3.2 AÇÃO AFIRMATIVA: CONCEITO E DESAFIOS............................................. 87 3.2.1. Ação Afirmativa: Aspectos históricos destacados ................................... 94 3.2.2 Direito Brasileiro e as ações afirmativas ...................................................... 97 3.3. RESERVA DE VAGAS PARA AFROSDESCENDENTES NO MERCADO DE TRABALHO ........................................................................... 105 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 113 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 116 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico tem a pretensão de analisar a reserva de vagas para afros descendentes no mercado de trabalho como garantia ao princípio da Igualdade. O que motivou a elaboração do referido trabalho foi à necessidade de compreender e estudar, a fundo, a realidade desigual na qual vivemos, e em que são vítimas os afrosdescendentes, além de buscar saber o porquê dessa diferença, e qual a provável solução para esse impasse, sabe-se previamente que a inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil é marcada pela desigualdade racial, pois, pertencentes ao rol dos que ganham menos e participam de ocupações mais simples e rudimentares Para a investigação do objeto e como meio de atingir os objetivos propostos, utilizar-se-á o método dedutivo, visando pesquisar e identificar pontos relevantes atinentes a desigualdade racial e sua origem. Quanto ao objetivo será do tipo descritivo e explicativo demonstrando por sua vez a importância do tema, bem como objetivando se chegar ao esclarecimento ou a conclusão. Será utilizada a técnica de documentação indireta, através de pesquisa documental, como leis, projetos de lei, princípios e pesquisas estatísticas relevantes ao tema. E da pesquisa bibliográfica composta por doutrinas, artigos e revistas que abordem sobre o tema, para ao final tecer respostas ao problema, dividindo o trabalho em três capítulos distintos. Tem-se como objetivos específicos, Pesquisar dentro de referentes históricos a origem da desigualdade racial existente no Brasil; averiguar o princípio da igualdade e o tratamento desigual para os desiguais, e por fim verificar a origem das ações sociais e pesquisar sobre leis ou projetos existentes voltados a inclusão social do afrodescendente. O primeiro capítulo abordará sobre a origem da desigualdade racial existente no Brasil, utilizando-se como linha mestra os referentes históricos da escravidão no mundo e principalmente na sociedade brasileira; buscando descrever através de doutrinadores clássicos, como Joaquim Nabuco, Gilberto Freire, dentre outros, a 10 forma como os negros foram introduzidos, como foram mantidos e dentro de qual sistema pertenciam, e por sua vez, quais foram às legislações existentes no período escravocrata que aprovavam e mantiveram esse sistema, dentre outras legislações que lutaram através do tempo para suprimi-lo. Neste mesmo sentido, dando sequencia ao referido capítulo, após identificado o caráter basilar da escravidão, trata-se-á sobre sua abolição, traçando os diversos fatores que levaram a sua concretude, além de identificar de que forma foram inseridos os ex escravos na sociedade brasileira. Tão importante quanto tratar sobre a origem das desigualdades raciais existente no Brasil, torna-se necessário identificar os preceitos fundadores do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o que passa a abordar o Segundo Capítulo do referido trabalho monográfico. O segundo capítulo versará sobre o princípio da igualdade e o tratamento desigual para os desiguais, iniciando-se por descrever mesmo que de forma concisa a base teórica de sua existência, ou seja, a origem dos direitos fundamentais, suas características, seus precursores, e ainda, seu desenvolvimento através do tempo. Considerando a maneira com que os Direitos Humanos se manifestam e a forma com que se tornam eficazes, o segundo capítulo esboçará ainda, através da doutrina pátria e da legislação constitucional e infraconstitucional, a norma jurídica, explanando sobre sua interpretação. Neste sentido considerando a norma jurídica gênero onde as espécies são os princípios e as regras, identificar-se-á cada uma delas, em suas características, diferenças, funções e dimensões, e ainda, a maneira como manifestam os conflitos entre estas. Após fundamentar o posicionamento a respeito da concepção principiológica utilizada pelo direito Constitucional Vigente, torna-se imprescindível para o entendimento e futura conclusão do tema proposto pelo presente trabalho monográfico, introduzir a base teórica acerca do princípio da igualdade, a forma como fora recepcionado pelas constituições brasileiras, sua concepção formal e material, o conteúdo isonômico a que se traz de efeito, e neste contexto identificar a 11 forma como é aplicada pelo Estado, diante da situação desigual em que os indivíduos se encontram. Após tecer considerações sobre a composição da norma jurídica baseada no tratamento isonômico, cumpre o terceiro capítulo, delinear de forma adequada as concepções utilizadas para definir o termo raça, em seguida, identificar a atual desigualdade racial existente no Brasil, apontando de forma sucinta a maneira como os afros descendentes sofrem a discriminação racial, principalmente no que tange ao mercado de trabalho, neste contexto, identificar-se-á a taxa de desemprego, sua ocupação, seu salário, dentre outras situações que consolidam a flagrante desigualdade em que se encontram. Utiliza-se neste momento como alicerce, bases doutrinárias e estatísticas, esta última, amparada pelos últimos estudos oficiais realizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por meio do PNAD ( Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) no ano de 2006, dentre outros Relatórios extra oficiais que sedimentam o referido capítulo. Traçado os fatores de diferenciação e pontuada a evidente discriminação enfrentada pelos afros descendentes principalmente quando o assunto é mercado de trabalho, passa-se no momento que segue verificar a origem das políticas públicas fundamentadas no propósito de reparação, principalmente advindas do poder Estatal. Neste momento, será delineado o conceito e função das políticas públicas instituídas através das ações afirmativas, além de descrever os desafios enfrentados por essa política, descrevendo desta forma, as principais questões levantadas a favor e contra a sua instituição quando o objetivo visa atender a situação em que se encontram os afros descendentes, ainda, procurar descrever os critérios utilizados para sua implantação. Em seguida, com intuito de sedimentar o conhecimento acerca das ações afirmativas, o referido capítulo delineará um breve histórico, passando a descrever a instituição desta em outros países, a forma como foram implantadas e as principais legislações internacionais a que tiveram base, tomando como ponto de referência os Estados Unidos, onde a ação afirmativa ganhou relevância e sedimentou-se. 12 Em relação ao Brasil, o referido capítulo delineará seu histórico além das dificuldades para sua implantação, ainda, trará como base, as legislações utilizadas em prol dos afros descendentes, além dos projetos de lei em tramitação com o mesmo objetivo. Por fim, para concluir o objetivo formulado em relação ao tema proposto, será apresentado de forma específica, as leis e os projetos de lei elaborados pelo Estado brasileiro, que objetivam o processo de inclusão do afro descendente no mercado de trabalho, além da contribuição desta inclusão por meio dos Tratados a que o Brasil faz parte, e tem como base. 13 1. ORIGEM DA DESIGUALDADE RACIAL EXISTENTE NO BRASIL A origem da Desigualdade é marcada entre as pessoas por todo o período histórico da humanidade. Surge, em princípio na história do Ocidente, através de uma pretensa superioridade branca em relação às outras etnias ou raças, na qual incide a divisão de classes, de direitos, da distribuição de honra e dos prestígios sociais, perdurando através do tempo a ordem hierárquica de privilégios até hoje não resolvida. No preceito de desigualdade, do qual o mais significativo teorizador é Karl Marx1, há a manifestação da integração subordinada, que se afirma nas relações desiguais entre capital e trabalho, uma desigualdade classista da modernidade capitalista. Já no preceito de exclusão, que tem Michel Foucault como um dos teóricos mais profundos, a atribuição acontece num processo histórico, onde uma cultura, através da apropriação de um discurso que se dizia verdadeiro, “cria o interdito e o rejeita” caracterizando dessa forma a exclusão.2 Para Boaventura de Souza Santos, a desigualdade se manifesta no campo sócio econômico enquanto a exclusão trata-se de um fenômeno cultural e social. Contudo, o instituto da desigualdade juntamente com o da exclusão se manifesta de forma concomitante, afirma o autor: “As práticas sociais, as ideologias e as atitudes combinam a desigualdade e a exclusão, a pertença subordinada e a rejeição e o 1 “Se analisarmos o contexto histórico do homem, nos primórdios, perceberemos que havia um espírito de coletivismo: todos compartilhavam da mesma terra, não havia propriedade privada; até a caça era compartilhada por todos. As pessoas que estavam inseridas nesta comunidade sempre se preocupavam umas com as outras, em prover as necessidades uns dos outros. Mas com o passar do tempo, o homem, com suas descobertas territoriais, acabou tornando inevitável as colonizações e, portanto, o escravismo, por causa de sua ambição. O escravo servia exclusivamente ao seu senhor, produzia para ele e o seu viver era em função dele.” KARL MARX. Política e Econômia. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm>. Acesso em: 18 de janeiro de 2009. 2 SANTOS, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. DISPONÌVEL EM: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/135/135.pdf>. Acesso em: 19 de janeiro de 2009. 14 interdito.” Afirma ainda o autor que o fato social mais marcante representado pela desigualdade foi à escravatura.3 Quer a desigualdade, quer a exclusão permitem diferentes graus. O grau extremo de exclusão é o extermínio: o extermínio dos judeus e dos ciganos no nazismo, a limpeza étnica dos nossos dias. O grau extremo da desigualdade é a escravatura. [...] A desigualdade entre capital e trabalho, a exclusão do interdito, o racismo e sexismo foram construídos socialmente enquanto princípios de hierarquização social no âmbito das sociedades nacionais metropolitanas e de algum modo foi nesse espaço-tempo que foram acolhidos nas ciências sociais. Mas desde o início da expansão capitalista estes princípios de hierarquização e discriminação têm um outro espaço-tempo: o sistema mundial onde também desde sempre se misturam os princípios da desigualdade e da exclusão.4 Seguindo aos fundamentos teóricos de Boaventura de Souza Santos, iniciam-se as discussões do presente trabalho abordando o fator social considerado por este autor o precursor da desigualdade entre as raças: a questão da Escravidão. 1.1 ESCRAVIDÃO Semelhantemente ao que ocorre com outros institutos, a Escravidão decorre de um longo processo histórico que deve ser estudado para melhor compreensão de suas implicações no contexto atual. Da mesma forma que fatos passados, conhecimentos e experiências ajudam a delinear o cerne de cada homem enquanto indivíduo, entender de maneira mais particularizada o tema em estudo, auxilia a sedimentar o conhecimento a respeito do tema, configurando-se numa fundamentação necessária para a apresentação de futuras conclusões no presente trabalho acadêmico. 3 SANTOS, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Disponível em:< http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/135/135.pdf>. Acesso em: 19 de jan. de 2009. 4 SANTOS, Boaventura de Souza. A construção multicultural da igualdade e da diferença. Disponível em: < http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/135/135.pdf>. Acesso em: 19 de jan. de 2009. 15 A Escravidão remonta as tribos mais primitivas, sendo um instituto tão antigo quanto o gênero humano e de magnitude universal, legitimada pelo direito do mais forte. Aconteceu em todos os tempos e em todas as sociedades. Para se ter idéia, no Egito, por exemplo, foram escravos que ergueram as pirâmides destinadas a eternizar a glória dos faraós. 5 Ainda, da Babilônia à Fenícia, da Grécia à Roma, todos os povos antigos conheceram a escravidão. Sendo que desde o início os escravos eram tomados como meios de produção. Joaquim Nabuco cita o francês Lamennais6 para lembrar o início da escravidão: Houve outrora um homem mau e maldido do céu, e esse homem era forte, e odiava o trabalho, de sorte que disse para si: „ Como hei de fazer se não trabalhar, e o trabalho me é insuportável?‟ Então saiu de noite, e apanhou alguns de seus irmãos dormindo e carregou-os a ferros. Porque, dizia ele, eu os forçarei com varas e com azorrague a trabalhar para mim e comerei o fruto de seu trabalho. E ele fez o que tinha pensado e outros, vendo isso, fizeram o mesmo e não houve mais irmãos: houve senhores e escravos.7 No entanto, embora a escravidão tenha brotado das mais diversas raças e etnias e desde a Antiguidade, fora a escravidão do negro africano no início da Idade Moderna, que a tornou expressiva, desenvolvendo a partir daí as mais diversas opiniões. Com o cunho especialmente capitalista, concordam os doutrinadores como Marcos Rodrigues da Silva e Suely Robles Reis de Queiroz em apontar os Portugueses como sendo os patrocinadores da transformação dos negros em escravos, e de toda a transformação de identidade que impuseram a vida destes. No entanto, Suely Robles Reis de Queiroz segue afirmando que, embora tenham sido os portugueses os pioneiros e monopolizadores do tráfico negreiro 5 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.5. Heghes Félicité Robert Lamennais foi um famoso filósofo e teólogo frânces da primeira metade do século XIX. Por suas idéias ele pode ser considerado com um precursor da Democracia Cristã e de um pensamento católico liberal, com preocupações sociais. SILVA, Agostinho da. Vida de Lamennais. Disponível em: <http://en.calameo.com/read/000039711f7138ab228e0>. Acesso em: 25 de jan. de 2009. 7 LAMENNAIS, Heghes Félicité Robert de. apud. NABUCO, Joaquim,; SILVA, Leonardo Dantas. A escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.p.57. 6 16 dentre os séculos XVI e XVII, os Ingleses, holandeses e franceses concorreram também para esse rendoso comércio, sendo que por volta de 1670 eram os holandeses os mais importantes negreiros, cedendo aos ingleses o domínio quase que absoluto do tráfico no século XVIII, destinados à conquista de novas terras, em principal a América.8 Marcos Rodrigues da Silva aponta ter sido a conquista de Ceuta no Ocidente em 1415 o marco inicial do tráfego negreiro, período em que ocorre a exploração de Portugal na África.9 Em que pese tenha sido Antão Gonçalves10 um dos primeiros a transportar escravos para Portugal, no período entre 1430 e 1443, as mais expressivas arrastas de escravos nesta época veio por Lançarote11 em 1443, ambos escudeiros de D. Henrique príncipe português, este, importante figura na era das descobertas. Quanto à Igreja, no intuito de balizar e integrar aos modelos da sociedade colonizadora outorgava através da bula Romanus Pontifex à possibilidade da captura dos negros, transformando-os em cristãos, e penalizando os que de certa forma tentavam continuar ligados aos seus costumes e crenças. A atitude papal na época sob a regência de Papa Nicolau V vestia-se com o espírito de “salvar almas”. Para a coroa portuguesa tornou-se proveitosa a outorga da Igreja liberando a captura dos negros, embora seus interesses estivessem profundamente desvinculados ao conteúdo efetivo da religião.12 A bula Romanus Pontífex, de 8 de janeiro de 1.454 é clara na legitimação da ação dos colonizadores: Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que nosso dileto filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em 8 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica,1987.p.14. SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD. 1987.p.8. 10 Antão Gonçalves foi um navegador português do século XV, criado do infante D. Henrique, que comandou várias explorações a África. CASA COLOMBO. Disponível em:< http://www.museucolombo-portosanto.com/museu_colombo.html>. Acesso em: 10 de março de 2009. 11 Lançarote fora Escudeiro e moço de câmara do infante D. Henrique. Tudo indica que tenha sido Lançarote a organizar a primeira expedição à costa ocidental africana com objetivos comerciais, provavelmente em 1443 ou 1444. CASA COLOMBO. Disponível em: < http://www.museucolomboportosanto.com/museu_colombo.html>. Acesso em: 10 de março de 2009. 12 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD,1987.p.8-9. 9 17 todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus, reduzindo à sua fé não só os sarracenos, inimigos dela, como também quaisquer outros infiéis. Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a conversão do povo ou ao menos de muito mais. Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação, concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, entre outras,de invadir, conquistar, subjugar a quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, sua terra e bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria e dos seus descendentes. Tudo declaramos pertencer de direito in perpetuum aos mesmos d. Afonso e seus sucessores,e ao infante. Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir essas determinações, seja excomungado [...].13 Neste caso, concluí-se que a Igreja estava materialmente conexa ao sistema de exploração que sofriam os escravos africanos. Eduardo Galeano relata que os deuses africanos permaneciam vivos entre os escravos que manifestavam a necessidade de sua identidade através de cerimônias e danças que o cristianismo negava.14 Diante deste documento, Portugal e Espanha agenciaram a devastação do continente africano. De forma brutal eram os negros trazidos em porões de navios, sendo que quanto maior o porão, maior o número de negros entulhados nestes, como afirma Marcos Rodrigues da Silva: Isto pode ser evidenciado pelo estado como eram transportados, ou, melhor, entulhados nos porões dos chamados „navios negreiros‟ ; ali, negros de diversas nações africanas, clãs e reinados iriam formar um único contingente de pessoas humilhadas e submetidas aos mais cruéis maus-tratos que a história do período colonial nos relata. A convivência nos porões dos „navios negreiros‟ era a pior possível: falta total de higiene, alimentação escassa, o que trazia, como conseqüência, a proliferação de moléstias contagiosas, que se tornavam incuráveis nos 120 dias infernais de viagem.15 A expansão da escravidão se deu, sem dúvida, decorrente da atividade comercial intensa realizada, utilizada como meio mais rápido para o crescimento e fortalecimento dos povos, nesta linha segue Suely Robles Reis de Queiroz dizendo 13 RIBEIRO apud. FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendentes: Identidade em Construção. São Paulo: Pallas, 2000.p.41. 14 GALEANO, Eduardo. As veias Abertas da América Latina. 34.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.p.97. 15 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD,1987.p.10. 18 que: “A escravidão foi um rendoso negócio: as atividades econômicas exigiam crescente número de braços, e o escravo era uma mercadoria que se podia comprar barato para vender caro.”16 Ainda neste contexto, em que pese os exploradores da África buscassem produtos rentáveis para o seu desenvolvimento, foi à exploração escrava o meio mais lucrativo para o desenvolvimento desejado, além de favorecer os senhores que os compravam, pois quem o comprava contava com mão de obra em tempo integral, não pagava salário e ainda tinha direitos sobre seus descendentes.17 Eduardo Galeano descreve com minúcias o tratamento desumano atribuído aos escravos no começo do século XVIII: No começo do século XVIII, enquanto nas ilhas inglesas os escravos acusados de crimes morriam esmagados entre os tambores dos trapiches de açúcar, e nas colônias francesas eram queimados vivos e submetidos ao suplício da roda, o jesuíta Antonil18formulava doces recomendações aos donos de engenho no Brasil, para evitar semelhantes excessos: „ Aos administradores não se lhes deve consentir de nenhuma maneira dar pontapés principalmente na barriga das mulheres que andam grávidas nem pauladas nos escravos, porque na cólera não se medem os golpes e podem ferir a cabeça de um escravo eficiente, que vale muito dinheiro, e perdê-lo‟. 19 Sendo assim, pode-se concluir no que concerne a sua característica, a escravidão é um regime-sócio econômico onde um é propriedade de outro, o primeiro utilizado para cumprir os mais diversos trabalhos a mando de seu senhor, sem que possa relutar contra essas obrigações, a escravidão torna o ser humano em simples mercadoria a mercê de seu dono. 16 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica,1987. p.11. QUEVEDO, Júlio. A escravidão no Brasil: Trabalho e resistência. São Paulo: FTD. 1999.15. 18 André João Antonil (João Antônio Andreoni), de Lucca, Itália, 1650, escreveu, entre outros, “cultutra e opulência do Brasil Colonial”(1711), Após os estudos primários em sua terra natal, veio para o Brasil em 1667, com 17 anos de idade. Tornou-se Sacerdote Jesuíta. Ocupou muitos cargos importantes dentro da Companhia de Jesus no Brasil. Faleceu em Salvador, na Bahia, no ano de 1716. Seu livro, publicado cinco antes de sua morte, contém excelentes informações sobre a atividade econômica brasileira nos séculos XVII e VIII. Disponível em: < http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/biografias/autores/andre_joao_antonil>. Acesso em: 02 de maio de 2009. 19 GALEANO, Eduardo. As veias Abertas da América Latina. 34.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992..p.97. 17 19 Impossível neste momento não invocar a concepção de escravo que tinha Aristóteles, para ele, o escravo é tido como instrumento que passa a existir de modo natural e necessário para a constituição política do Estado, como pode ser observado no texto de sua obra descrita abaixo: Existem escravos e homens livres pela própria ação da natureza. Essa distinção permanece em alguns seres, sempre do mesmo modo pareça útil e justo para alguém ser escravo, para outrem comandar; porque é preciso que aquele atenda e este mande conforme o seu direito natural, quer dizer, com uma autoridade plena. O vício de obedecer ou mandar é igualmente nocivos a ambos. Pois o útil em parte o é no todo; o útil ao corpo, é-o à alma. Ora, o servo faz parte do senhor como um membro vivo participa do corpo – somente essa parte é separada.20 Contudo, embora à escravidão tenha sido força de trabalho que serviu para o desenvolvimento econômico, o trafico negreiro e a vida imposta a estes foram sem dúvida uma das maiores tragédias da história da humanidade como afirma Kabengele Munanga21 que segue em sua tese: Milhares de seres humanos, homens e em sua maioria mulheres ainda na idade reprodutiva, foram arrancados de suas raízes e deportados para Américas (tráfico transatlântico) e para Ásia ( tráfico oriental e transaatiano). O trauma causado por essa ruptura é incomensurável. Além de um triste balanço das milhares de mortes ocorridas entre as localidades de captura na terra africana e os portos de embarque, e entre eles estes e os países de destino no além do mar, houve também uma desestruturação das instituições políticas tradicionais. O que seria a África de hoje se a de ontem não tivesse passado por séculos dos humilhantes processos de escravidão e colonização ?.22 20 Aristóteles. Política : texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2007.p.63 Kabengele Munanga possui graduação em Curso de Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi (1969) e doutorado em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1977) . Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, Membro de corpo editorial da África (São Paulo), Membro de corpo editorial da Tricontinental Revista PEC-G (UFPB) e Membro de corpo editorial da Humanitas (PUCCAMP). Tem experiência na área de Antropologia , com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras. Atuando principalmente nos seguintes temas: mestiçagem, identidade nacional, Identidade Negra. MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.6. 22 MUNANGA, Kabengele; NASCIMENTO, Abdias do. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.6. 21 20 Desta forma, identificado o caráter basilar da escravidão, resta traçar de forma concisa como esse instituto se deu no país que escravizou o maior número de africanos e foi o último país do mundo cristão a abolir a escravidão. 1.1.1 Escravidão no Brasil A história é inconteste em relatar que o descobrimento do Brasil ocorreu devido às grandes navegações, principalmente Portugal e Espanha saíram à procura de novas terras frente à crise econômica e social que sofriam. Em 1492, Cristóvão Colombo em uma de suas navegações avista a América, na sequência e com o objetivo de evitar desentendimentos, Portugal e Espanha, ambos, com o mesmo objetivo explorador e colonizador assinam o Tratado de Tordesilhas, este, destinado a dividir as terras descobertas. Portugal preocupado com uma possível invasão dos que ficaram fora do Tratado inicia sua exploração em 1530.23 O inicio da exploração por Portugal fora marcado pela dominação dos nativos que há séculos aqui estavam como afirma Marcos Rodrigues da Silva: Essas populações que aqui já estavam havia séculos, somente perceberam a presença dos portugueses quando estes, agressiva e violentamente, atacaram e aprisionaram os índios nativos [...]. Uma primeira investida contra esses prisioneiros nativos foi considerá-los „mão-de-obra‟ escrava para o trabalho de corte e transporte do paubrasil e para os trabalhos serviçais, nas primeiras colônias estabelecidas nas terras descobertas no Brasil.24 Começara a partir deste momento uma das mais sangrentas conquistas de toda a história, Michel Montaigne filósofo contemporâneo dos fatos relata: „ “quantas cidades arrasadas, quantas nações exterminadas, quantos milhões de povos 23 HISTÓRIA DO BRASIL: História do Brasil Colônia, a história do descobrimento do Brasil, os primeiros contatos entre portugueses e índios, o escambo, a exploração do pau-brasil. Disponível em: < http://www.historiadobrasil.net/descobrimento/> Acesso em: 10 de Abril de 2009. 24 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD, 1987.p.14. 21 passados a fio de espada. Nunca a ambição humana chegou a promover coisas tão horríveis e miseráveis” ‟.25 Gilberto Cotrin alude em sua obra relatos do frei espanhol Bartolomeu de Las Casas presente nesta época nefasta: O que basta para três casas de dez pessoas em um mês, come um cristão e destrói em um dia. São muitas as forças, violências e vexações que lhe faziam [...]. Tomavam as criaturas (os bebês) das tetas das mães pelas pernas, batiam suas cabeças nas pedras. [...]. continua ainda na descrição desta terrível história: o cacique Hatthuey, da atual ilha de Cuba foi preso com toda a sua gente e queimado vivo. E como estava atado a um tronco, um religioso de São Francisco (homem santo) lhe disse algumas coisas de Deus e de nossa Fé que lhe pudessem ser úteis, no pequeno espaço de tempo que os carrascos lhe davam. Se ele quisesse crer no que lhe dizia, iria para o céu onde está a glória e o repouso eterno e se não acreditasse iria para o inferno,a fim de ser perpetuamente atormentado. Esse cacique, após ter pensado algum tempo, perguntou ao religioso se os espanhóis iam para o céu; o religioso respondeu que sim, desde que fossem bons. O cacique disse incontinenti, sem mais pensar,que não queria absolutamente ir para o céu; queria ir para o inferno,a fim de não se encontrar no lugar em que tal gente se encontrasse [...].26 Para Gilberto Freyre, constituiu-se desta maneira uma sociedade agrária na estrutura, e como técnica de exploração escravocrata, composta inicialmente de índios e mais tarde de negros.27 Apesar da busca dos exploradores fosse destinada a encontrar ricos metais nos primeiros tempos, nada disso fora encontrado, restando a eles, explorar inicialmente o comércio do pau-brasil e depois de algumas décadas dedicarem-se no cultivo de cana-de-açúcar. Desta forma, com o cultivo da cana-de-açúcar crescendo de forma célere e com a impossibilidade da contígua introdução dos negros pelos portugueses no 25 MONTAIGNE, Michel Apud: COTRIN, Gilberto. HIstória e Consciência do Brasil.7.ed. São Paulo: [s.n], 1999. p.31. 26 LAS CASAS, Bartolomeu Apud: COTRIN, Gilberto. História e Consciência do Brasil. 7.ed. São Paulo: [s.n], 1999. p.32. 27 FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. 45. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.p.4. 22 Brasil devido à guerra com a Holanda28, mantiveram os índios escravizados como fonte imediata de mão de obra. Acontece, porém, que os índios escravizados eram rebeldes, e não foram suficientes para suprir todas as necessidades. Com o fim da guerra com a Holanda, estes foram substituídos pelos escravos africanos, restando aos primeiros apenas serem utilizados nos currais, rebanhos e nos combates.29 Por volta de 1539 à necessidade de trazer ao Brasil escravos negros eram ainda maiores, os colonos solicitavam ao rei a importação de negros africanos, como Duarte Coelho em 1549 e Pero de Gois três anos após, mas a demanda não era no toda atendida devido ao grande lucro no fornecimento de escravos negros para Índias Espanholas o qual propiciava lucro à Fazenda Real. Apesar de haverem estudos apontando à entrada de negros antes desse período, fora na Regência de D. Catarina dada à permissão para a entrada de cativos proporcional à necessidade da colonização.30 A partir desse período a busca pela mão-de-obra escrava aumentava de forma fragorosa, os portugueses além de se valer dos serviços escravos em suas colônias, os forneciam a outros países europeus, atividade que gerava a eles um rápido enriquecimento. Segue neste contexto Julio Quevedo: Em sua melhor época, o tráfico propiciou aos negociantes portugueses lucros fantásticos de até 600%. No início, os próprios traficantes assaltavam determinadas aldeias para fazer escravos. Logo começaram a utilizar os próprios nativos nessa tarefa. Capturados por seus irmãos de cor, os escravos eram comprados a baixo preço pelos mercadores portugueses, que os revendiam na América por preços muitas vezes superior.31 Quanto aos negros, tidos como “peças da África”, estavam sob o domínio dos seus senhores, e não tinham conhecimento de seu destino, sendo vendidos já 28 “Embora os portugueses possuíssem escravos africanos antes que tivessem começado o povoamento do Brasil, relativamente poucos negros foram introduzidos na colônia durante os dois primeiros séculos de sua existência. Atribui-se a esse fato às guerras com a Holanda que obrigaram os portugueses no Brasil a buscar mão-de-obra em outras áreas”. SMITH, T. Lynn. Brasil: povo e instituições. Rio de Janeiro: USAID, 1967.p.71. 29 SMITH, T. Lynn. Brasil: povo e instituições. Rio de Janeiro: USAID, 1967.p.73. 30 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.17. 31 QUEVEDO, Júlio. A escravidão no Brasil: trabalho e resistência. São Paulo: FTD, 1999.p.15. 23 no cais do porto em sua chegada, divididos em lotes e de acordo com critérios utilizados pelos mercadores, como idade, força física, sexo, ou até mesmo comercializados por metro ou quilograma, tradução do total desrespeito a sua dignidade humana.32 Apesar de não se ter certeza da quantidade de escravos negros trazidos para o Brasil, considera-se ter sido o Brasil o país a escravizar o maior número de escravos, além de ter sido o último país da América a abolir a escravidão. Os escravos no Brasil eram introduzidos nas mais diversas atividades e situações, havia escravos urbanos que apesar de prestar contas a seus senhores, muitas vezes andavam soltos pelas ruas, e se conseguiam algum rendimento podiam almejar pela carta de alforria, distintos totalmente dos escravos rurais, categoria em que se inseriam a maioria dos cativos, como passa a descrever Lilia Moritz Schwarcz: Basicamente distinta era a situação dos escravos rurais, que, na verdade, correspondiam à imensa maioria dos cativos importados. Suas condições de trabalho e a possibilidade de conseguir alforria eram inferiores ás de seus parceiros da cidade. No campo, o poder e a autoridade do senhor não possuía limites. A jornada de trabalho chegava a dezoito horas e o descanso era pouco [...] Nos anúncios de fuga, que apareciam com freqüência nos jornais do século XIX, ficava evidente como os proprietários falavam dos cativos que pouco conheciam: não davam detalhes ou indicações mais precisas de idade; preferiam descrevê-los por suas cicatrizes e marcas.33 O sofrimento do escravo africano já começava em sua terra, arrancado abruptamente de seu laço familiar, de sua cultura, entulhado em porões de navios negreiros no qual muitas vezes ali já falecia devido às terríveis condições que lhes eram impostos. Suely Robles Reis de Queiroz descreve que eram submetidos ainda a marcas a fogo em seu “ombro, na coxa ou no peito, logo após o embarque desciam para os porões onde, postos a ferro, amontoavam-se num bando anônimo e indistinto”34 32 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD, 1987.p.11. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Negras Imagens: Ensaios sobre Cultura e Escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.p.17. 34 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica,1987.p.38. 33 24 Fatos outros são descritos pela história como as gargallheiras 35 de ferro no pescoço, bolas de ferro presas aos pés, além das torturas bárbaras como o afogamento ou a imobilização em formigueiros, enfim, os escravos estavam a mercê de qual fosse à vontade de seu dono. Quanto à Igreja na sociedade escravagista descreve Marcos Rodrigues da Silva: Na sociedade escravagista, a Igreja não só compactuou com os excessos cometidos nos pelourinhos e com as torturas nas senzalas como também, dentro de seus espaços eclesiais, favoreceu a introdução da mão-de-obra escrava negra africana. Concretamente, somente nesta última década, a Igreja está retomando no seu seio a reflexão sobre a sua real participação durante o período da escravidão no Brasil. Essa postura consciente dos seus desvios do anúncio verdadeiro da mensagem evangélica terá conseqüência profunda no futuro pastoral, da eclesiologia e da renovação litúrgica iniciada com as decisões tomadas a partir do Concílio Vaticano II (1962 a 1965).36 O autor acima afirma ainda que, na verdade, sem a escravidão o crescimento social e econômico do Brasil colônia estaria comprometido. A participação dos escravos permaneceu não só na economia agrícola com a cana de açúcar, ao final do século XVII com a descoberta do ouro em Minas Gerais sobreveio a necessidade da importação de escravos para o trabalho nas minas. Sobre este assunto Julio Quevedo aponta como era desenvolvido o trabalho dos escravos na região mineira: Nos garimpos, os escravos tinham condições de vida piores do que nos engenhos: trabalhavam em buracos pouco ventilados, na água ou atolados no barro. Além disso, a alimentação fornecida pelos senhores era reduzida, o que fazia com que os cativos contraíssem facilmente doenças que os levavam a morte. 37 35 Gargalheiras eram as coleiras de ferro presas ao pescoço dos escravos negros. SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD, 1987.p.13. 37 QUEVEDO, Júlio. A escravidão no Brasil: trabalho e resistência. São Paulo: FTD, 1999.p.23. 36 25 Com o declínio da mineração, devido às formas predatórias utilizadas na extração e o esgotamento do ouro, o Brasil concentra-se novamente na agricultura, com algodão produzido no Maranhão e açúcar produzido em São Paulo. Ambas as regiões amparadas pelo serviço escravo. Os escravos eram os verdadeiros construtores de riquezas alheias, Victor Civita acrescenta descrevendo em sua obra: Essa gente humilhada constituía, nas primeiras décadas do século XVIII, um terço da população total da colônia. Nas extensas plantações de cana, tabaco ou algodão, na mineração, na indústria de charque do Rio Grande do Sul – cada vez mais se abria uma nova frente econômica, aumentavam as levas de africanos trazidos para o Brasil. Não havia serviço em que não entrasse o braço escravo. E a riqueza das pessoas se media pelo número de escravos que possuíssem. 38 No entanto, foi no século XIX com a cafeicultura que o Brasil deu um grande salto no mercado internacional, mesmo sendo o Brasil já neste período politicamente independente a mão de obra escrava continuava a ser imprescindível como afirma Suely Robles Reis de Queiroz: O período de domínio da lavoura cafeeira aumenta a concentração de escravos negros no Centro-Sul. Importados da África ou transferidos das províncias em crise econômica, calcula-se que ali viviam nos últimos anos da escravidão mais de 2/3 do total existente no Brasil. Pelo exame do processo evolutivo da economia brasileira, pode-se ver, portanto, a íntima correlação entre a mesma e o cativeiro. À medida que se desenvolvia o regime de grande propriedade, com base numa única atividade produtiva, à volta da qual geravam as demais, desenvolvia-se também o sistema escravista.39 No século XIX tornou-se evidente a necessidade de escravos nos centros urbanos, estando eles presentes nas mais diversas atividades. Eram alugados, serviam de cocheiros, jardineiros, vendedores ambulantes; as mulheres escravas lavavam, passavam cada qual com a sua especificidade, sem deixar de serem 38 SILVEIRA, Roberto M. (Org). Conhecer: Cultura e História. São Paulo: Abril Cultural,1982.v.2.p.108. 39 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.26. 26 indispensáveis os escravos continuaram sendo elementos fundamentais para a economia brasileira.40 O Estado quase em todo período escravocrata poderia ser considerado a tradução de um Apartheid41 não codificado, um agente impulsionador do controle social e da legitimação das desigualdades. Servindo como exemplo o Alvará expedido em 23 de março de 1753, que determinava a prática de tortura e a tatuagem a ferro e fogo da letra „F‟ nas espáduas dos negros rebelados.42 Com a Independência, a elaboração da primeira Constituição do Império de 1824, é verificada a continuidade da promoção da discriminação embora baseada nas idéias liberais em voga na época, fundada na crença da inferioridade biológica e cultural, como também no impedimento ao acesso e gozo da cidadania.43 A carta constitucional de 1824 era a tradução da total discrepância de direitos. Embora descrevesse em seu artigo 179 inciso XIII que a lei será igual para todos. “Todos” eram considerados os cidadãos, e os escravos não eram considerados como tais. Nesta linha segue Luis Roberto Barroso: “Vem de longe à visão estreita, oligárquica, caricaturalmente aristocrática, de um país que se desenvolve para poucos, os mesmos de sempre, de geração para geração”.44 Mas a submissão dos escravos africanos aos seus senhores nem sempre foi pacífica. Desde o início do período escravocrata já havia subsídios contra a essa represália. A insubordinação e a rebeldia passiva eram elementos dentre outros utilizados para exteriorizar o desejo pela liberdade. Neste sentido muitos escravos praticavam o suicídio, o aborto e a resistência ao trabalho. 40 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.27. “O apartheid foi um dos regimes de discriminação mais cruéis de que se tem notícia no mundo. Ele aconteceu na África do Sul de 1948 até 1990 e durante todo esse tempo esteve ligado à política do país. A antiga Constituição sul-africana incluía artigos onde era clara a discriminação racial entre os cidadãos, mesmo os negros sendo a maioria na população.” Disponível em: <http://www.grupoescolar.com/materia/apartheid.html>. Acesso em: 19 de Abril de 2009. 42 VIDA, Samuel. O Racismo Institucional e as Ações Afirmativas enquanto dever do Estado. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.80. 43 VIDA, Samuel. O Racismo Institucional e as Ações Afirmativas enquanto dever do Estado. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.81. 44 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.12. 41 27 E mesmo diante da repressão, a luta pela liberdade foi por um longo tempo transposta por rebeliões diversas e formação de quilombos45. Com relação a este último Marcos Rodrigues da Silva descreve: Os quilombos não eram somente locais de esconderijo para escravos fugitivos. Tinham como característica fundamental a formação de aldeias, onde a liberdade era um imperativo para sua manutenção e sobrevivência. Podemos afirmar que os quilombos tinham – no modo de se estabelecerem enquanto povo que se organizava numa nova proposta de sociedade – quatro características essenciais: Mostrar o protesto negro contra o sistema escravagista imposto sobre a raça negra; Mostrar a revolta contra os maus-tratos, que sofriam todos os negros, negras, crianças e idosos, neste período; Revelar a busca do povo negro por um espaço próprio para celebrar a sua fé e viver os seus costumes; Afirmar que a identidade negra estava sendo recuperada, após o genocídio nos navios negreiros, nas senzalas e nos trabalhos forçados.46 Cumprindo ressaltar que o quilombo mais expressivo foi o Quilombo dos Palmares, formado no período colonial e tendo resistido por mais de um século foi considerado o maior símbolo de resistência à escravatura, tanto, que a data da morte de seu último e principal líder Zumbi dos Palmares em 20 de novembro de 1695 é considerada atualmente como sendo o Dia da Consciência Negra conferida à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Neste sentido continuavam os negros resistindo e negociando, muitas vezes indo ao confronto direto, promovendo de certa forma instabilidade social e econômica ao país. Com os interesses voltados para indústria, as colônias inglesas instaladas na África, em especial a Grã-Bretanha, passaram a extinguir o tráfico de escravos de seus territórios, fazendo consequentemente grandes campanhas para que essa extinção tomasse todo o comércio internacional. 45 os negros que conseguiam fugir se refugiavam com outros em igual situação em locais bem escondidos e fortificados no meio das matas. Estes locais eram conhecidos como quilombos. Nestas comunidades, eles viviam de acordo com sua cultura africana, plantando e prod uzindo em comunidade. Disponível em: < http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/quilombos/>. Acesso em: 19 de Abril de 2009. 46 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD, 1987.p.20. 28 Desde aproximadamente 1810 passou-se a utilizar de acordos e convenções para atingir tal objetivo, o Brasil, ainda um Império, mostrava sua resistência devido aos interesses envolvidos na mão de obra escrava, e mesmo depois de promulgada a lei de 7 de novembro de 1831, que visava extinguir o tráfico externo, já sendo o Brasil politicamente independente, a resistência continuara, sob a alegação de que a obediência à lei acabaria trazendo riscos para a produção cafeeira.47 Contudo, restando inesitosas as tentativas em extinguir o tráfico negreiro, o Parlamento Britânico aprova em 1845 a lei Bill Aberdeen, passando a considerar o tráfico como pirataria, dando poderes para prender e punir os navios negreiros que eram encontrados nos mares do mundo. A partir daí, restou ao Brasil, encontrar meios para ceder à pressão externa. Em 1850 o Parlamento brasileiro converte em lei o projeto que extinguia de forma definitiva o tráfico negreiro elaborado por Eusébio de Queiros, do qual segue o texto: A Regência, em nome do Imperador o Senhor Dom Pedro Segundo, faz saber a todos os súditos do Império, que a Assembléia Geral decretou, e ela sancionou a Lei seguinte: Art. 1º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres. Excetuam-se: 1º. Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes a país, onde a escravidão é permitida, enquanto empregados no serviço das mesmas embarcações. 2º. Os que fugirem do território, ou embarcação estrangeira, os quais serão entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fora do Brasil. Para os casos da exceção no. 1, na visita da entrada se lavrará termo do número de escravos, com as declarações necessárias para verificar a identidade dos mesmos, e fiscalizar-se na visita da saída se a embarcação leva aqueles, com que entrou. Os escravos, que forema achados depois da saída da embarcação, serão apreendidos, e retidos até serem reexportados. Art. 2º. Os importadores de escravos no Brasil incorrerão na pena corporal do art. 179 do Código Criminal imposta aos que reduzem à escravidão pessoas livres, e na multa de 200$000 por cabeça de cada um dos escravos importados, além de pagarem as despesas da reexportação para qualquer parte da África; reexportação, que o Governo fará efetiva com a maior possível brevidade, contratando as autoridades africanas para lhes darem um asilo. Os infratores responderão cada um por si, e por todos. Art. 3º. São importadores: 47 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.64. 29 1º. O Comandante, Mestre ou Contramestre. 2º. O que cientemente deu, ou recebeu o frete, ou por qualquer outro título a embarcação destinada para o comércio de escravos. 3º. Todos os interessados na negociação, e todos que cientemente forneceram fundos, ou por qualquer motivo deram ajuda, a favor, auxiliando o desembarque, ou consentindo-o nas suas terras. 4º. Os que cientemente comprarem, como escravos, os que são declarados livres no art. 1o.; estes porém só ficam obrigados subsidiariamente às despesas da reexportação, sujeitos contudo às outras penas. Art. 4º. Sendo apreendida fora dos portos do Brasil pelas forças Nacionais alguma embarcação fazendo o comércio de escravos, proceder-se-á segundo a disposição dos arts. 2o. e 3o. como se a apreensão fosse dentro do Império.48 Os mecanismos desta lei foram atendidos de forma gradual, mas definitiva, embora por muito tempo ainda praticavam-se o tráfico ilegal. Fatos estes dentre tantos que levaram o Brasil a caminho da Abolição que a partir de agora passa a ser delineada. 1.2 ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA Não há como se falar em Abolição, sem antes delinear características que ajudaram para a sua concretização. Longe de ser ato de mera bondade, a Abolição dos escravos envolveu diversos fatores, dentre eles a situação social e econômica em que o país se encontrava. O Brasil fora fortemente internacionais, de forma que , após influenciado pelos acontecimentos Lincoln extinguir a escravidão norte- americana49, seria o Brasil, o único país americano que ainda carregava a estigma escravocrata.50 48 BRASIL. Lei Eusébio de Queiroz de 7 de Novembro de 1831. Lex: Disponível em: < http://www.kedere.com.br/legislacao/lei-de-7-de-novembro-de-1831>. Acesso em 25 de Abril de 2009. 49 “Desde o início da colonização, em 1619, quando os primeiros escravos chegaram a Jamestown, os problemas da escravidão e a luta pela libertação dos negros marcaram a história dos EUA e, muitas vezes, dividiram a nação. [...] Às vésperas da Guerra da Secessão (1861–1865), 8 milhões de brancos e 4 milhões de negros (cerca de 500 mil livres) viviam no Sul dos EUA. A estrutura agrária servia de argumento para se afirmar a necessidade da escravidão na região. A discriminação racial era justificada pela crença na suposta desigualdade entre os seres humanos. [...] Quando o Congresso proibiu oficialmente a importação de escravos em 1808, ninguém imaginava que as 30 O fim do Tráfico imposto pela Lei Eusébio de Queiros em 1850 corroborou em demasia para que o Brasil repensasse a mão de obra utilizada para a comercialização do café. Não podendo mais importar escravos, o primeiro passo foi remanejá-los dentro do próprio país, o que durante anos logrou êxito devido à grande quantidade de cativos já instalados nas colônias. Já não satisfazendo as necessidades econômicas, devido estagnação natural dos escravos, a solução fora contratar os imigrantes vindos a partir de 1870, como vislumbra Suely Robles Reis de Queiroz: Era preciso encontrar soluções, cuja busca resultou no apelo à imigração estrangeira assalariada. A partir de 1870 uma, a princípio, tênue corrente imigratória se dirige ao Brasil, em especial para São Paulo. A poucos passos da abolição do cativeiro a Província recebe imigrantes aos milhares, italianos em sua maioria; em 1887 chegam 32 mil e, no ano seguinte, 92 mil, crescendo sempre daí para frente.51 Apesar da Lei Eusébio de Queiroz ter sido propulsora na vedação de importação dos cativos reforçando a Lei Bill Aberdeen, ocorria ainda o tráfico ilegal, praticado em plena luz do dia, diante das autoridades, traduzindo desta forma a total hipocrisia ao texto da lei. Fator que levou o Decreto 1.303 regulamentar essa situação, prevendo a emancipação dos trazidos ilegalmente, porém, previa de divergências entre o Norte industrializado e o Sul agrícola fossem se agravar tanto, a ponto de culminar numa guerra civil. A escravidão foi o estopim do conflito, mas suas causas foram um complexo emaranhado de fatores socioeconômicos e político-culturais. [...] Ao ver que os nortistas não conquistavam vitórias decisivas, Lincoln aderiu às reivindicações dos republicanos radicais e abolicionistas, e transformou a guerra contra os "Estados rebeldes" numa luta contra a escravidão.[...] . Os Estados do Norte vincularam ao Ato de Emancipação de 1° de janeiro de 1863 uma reestruturação do sistema social do Sul. Os negros passaram a ser recrutados pelo exército nortista, mas a proclamação de Lincoln não significou uma abolição institucionalizada da escravatura.[...]Os 4 milhões de negros ainda tiveram de esperar até dezembro de 1865, quando o Congresso proibiu oficialmente a escravidão nos Estados Unidos através da 13ª Emenda Constitucional.[...] Pelo artigo suplementar 14, os negros obtiveram direitos iguais aos brancos em 1868. Dois anos mais tarde, o artigo 15 garantiu-lhes a igualdade de direito eleitoral. Estados como Carolina do Sul, Mississippi e Louisiana, porém, deram um jeito de burlar os direitos dos escravos libertados, mantendo restrições legais, os chamados black codes. [...] Alguns Estados e municípios, não só no Sul dos EUA, encontram ainda hoje meios e caminhos para "manter o negro em seu lugar". Vinculam, por exemplo, o direito de votar a complicadas provas ou inatingíveis patamares de renda mínima.”Disponível em: < http://www.dw-world.de/dw/article>. Acessado em: 10 de maio 2009. 50 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica,1987.p.68. 51 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.68.. 31 antemão que estes escravos teriam que prestar 14 anos de serviço para pagar por sua reexportação, neste sentido relata Samuel Vida52: O tratamento dispensado aos negros ilegalmente introduzidos no País chama a atenção pelas singularidades utilizadas. Continuam sendo tratados como coisa, veja-se na linguagem utilizada para a possível repatriação: „reexportação‟ são compulsoriamente obrigados ao trabalho forçado durante 14 anos, para em seguida, serem „reexportados‟ para África.53 Na sequência, e com o sentido de abrandar o poder dos senhores sobre os escravos africanos, a Lei do Ventre Livre em 1871 vem a declarar livre todo nascituro, em contrapartida esta mesma lei passa a prever que estes serviriam aos escravocratas até atingirem a sua maioridade, segue o artigo 1º, e § 1º do seu texto: A princesa imperial regente, em nome de Sua Majestade o imperador o senhor d. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1o: Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. §1o: Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratálos até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.54 Na mesma direção surge a Lei dos sexagenários em 1885, prevendo a liberdade para quem chegasse aos 60 anos, em contrapartida continuava o 52 Samuel Vida é advogado, professor de Direito da UFBA e UCSAL, Coordenador do Programa de Pesquisa e Extensão Direito e Relações Raciais. 53 VIDA, Samuel. O Racismo Institucional e as Ações Afirmativas enquanto dever do Estado. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.81. 54 BRASIL. Lei do Ventre Livre de 1871. Lex: Disponível em:< http://www.colegiosaofrancisco.com.br.> Acesso em 26 de Abril de 2009. 32 beneficiado desta, a prestar serviços gratuitos a seu ex-proprietário durante cinco anos após o recebimento deste benefício. Em verdade, estariam os senhores livrando-se dos que não lhe eram mais úteis. Samuel Vida comenta sobre o descrito acima: “Estranho humanismo, o revelado pelo Estado brasileiro, que consagra a continuidade de tratamento diferenciado, além de impor sanções restritivas de direito aos supostos „beneficiários‟.” Observa-se porém, que, paralelamente as legislações criadas para dirimir a situação do escravo africano, crescem no meio urbano o movimento abolicionista. Amparados pelos ideais da independência e influenciados pelo liberalismo, os abolicionistas culminavam pela proclamação da República e libertação dos escravos. A formação de seus líderes compunha das diversas classes, embora pertencessem todos ao meio urbano. Sobre a sua formação comenta Marcos Rodrigues da Silva: È solicitado para a liderança do movimento, por ser considerado o teórico principal das idéias abolicionistas, o jovem Joaquim Nabuco. Com ele, assumiram a causa Rui Barbosa, André Rebouças, José do Patrocínio, Luiz Gama, Antônio Bento e muitos companheiros que, simpatizando com os princípios abolicionistas, foram aderindo com entusiasmo e espírito renovador55 Dentre vários os discursos utilizados pelo líder Abolicionista Joaquim Nabuco segue o descrito abaixo: A escravidão é um estado violento de compressão da natureza humana no qual não pode deixar de haver, de vez em quando, uma forte explosão. Não temos estatística dos crimes agrários, mas podese dizer que a escravidão continuamente expõe o senhor ou os seus agentes, e tenta o escravo, à pratica de crimes de maior ou menor gravidade. Entretanto, o número de escravos que saem do cativeiro pelo suicídio deve aproximar-se do número dos que se vingam do destino da sua raça na pessoa que mais o atormenta, de ordinário, o feitor. A vida, do berço ao túmulo, literalmente, debaixo do chicote é uma constante provocação dirigida ao animal humano, e à qual cada um de nós preferiria mil vezes, a morte. Quem pode, assim, condenar o suicídio do escravo como covardia ou deserção? O 55 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD, 1987.p.32. 33 abolicionismo, exatamente porque a criminalidade entre os escravos resulta da perpetuidade da sua condição, concorre para diminuí-la, 56 dando uma esperança à vítima. Para Joaquim Nabuco um dos fundamentos do abolicionismo está contido nos princípios fundamentais do mundo moderno, onde o homem não pode ser propriedade do homem, sendo eles portadores de direitos e de liberdades.57 Neste momento, o pensamento liberal, ganha frente, e a força política angariada pelos abolicionistas contribuem cada vez mais para o fim do sistema escravista. Suely Robles Reis de Queiroz confirma esta assertiva: Como Nabuco, assim pensavam os demais abolicionistas. Influenciados pelo liberalismo, acreditando nos direitos naturais do Homem, viam no cativeiro o fruto da vontade humana, portanto transitório e revogável em nome da moral, da religião, da racionalidade econômica, do progresso. A conjuntura de 70 favoreceu-lhe a atuação e eles buscam todos os espaços possíveis no aliciamento de adeptos para a sua causa. A imprensa será um dos meios prediletos: textos polêmicos, artigos e livros surgem em profusão nessa época. Multiplicaram-se os clubes e associações.58 Em 1888, o projeto que extinguia a escravidão no Brasil, pelo qual se empenhava Nabuco ao longo de uma década tanto no parlamento quanto fora dele seguia rumo ao êxito. Pode-se afirmar que houve sim um esforço expressivo no tocante à criação de uma lei que declarasse extinta a escravidão no país. Foi fruto de um amplo embate entre as diversas forças sociais e políticas. Entre estas, havia os que temiam pela ruína de seus negócios, e os que viam a extinção da escravidão como medida de superação dos maiores males: atraso econômico, não industrialização, não urbanização, e principalmente não democratização.59 56 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Publifolha, 2000.p.18. 57 NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Publifolha, 2000.p.19. 58 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Atica, 1987.p.68.. 59 REZENDE, Maria José . Cultura Afro Brasileira: Construindo Novas Histórias. Londrina: Idealiza, 2007.p. 45 – 46. 34 Em 13 de maio de 1888 resta proclamada a Lei Áurea, abolindo a escravidão de modo formal no Brasil no texto que segue: A PRINCESA IMPERIAL Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os súditos do IMPÉRIO que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte: Art. 1º - É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art 2ºRevogam-se as disposições em contrário. Manda portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios d'Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros Bacharel Rodrigo Augusto da Silva do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr60 A partir deste momento formal, abri-se caminho para um campo muito mais hermético, que é a inserção do considerado ex-escravo na sociedade, fatos que serão discutidos no item que segue. 1.2.1 Situação do Negro após a Abolição Observa-se que após a abolição formal da escravidão, através a Lei Áurea, até quando já se iniciava o processo de abolição do país, os negros foram abruptamente substituídos como mão de obra. A atividade livre e assalariada a partir de então, fora atribuída aos imigrantes europeus. O Brasil, sobretudo a partir de 1890 realizava propaganda através de diversos meios com objetivo de trazer trabalhadores supostamente mais aptos para o regime de trabalho livre e assalariado, Jair de Souza Ramos alude que a literatura61 revela a intenção do país em obter trabalhadores utilizando-se de um 60 BRASIL. Lei Àurea de 13 de maio de 1888. Lex: Disponível em: < http://leituradebolso.blogspot.com/2009/05/lei-aurea.html>. Acesso em: 26 de Abril de 2009. 61 A literatura que o autor Jair de Souza Ramos se refere está baseada nos autores Syferth (1991), Skidmore (1976), Schwarcz(1993), Azevedo ( 1987). 35 critério provisoriamente racial, “que definiu a preferência pelo imigrante branco e europeu e a rejeição da imigração das raças não brancas.”62 O autor ainda faz referência à representação do imigrante ideal, aparecendo em contrapartida o imigrante indesejável. Ele identifica através da literatura que o imigrante ideal seria o branco europeu, sendo o ingrediente principal para atender a teoria do branqueamento na construção da raça brasileira.63 Neste contexto descreve Ubirajara do Pindaré64: [...] declarou-se ilegal a exploração do trabalho escravo, mas não foi dada nenhuma chance para o povo negro participar do mercado de trabalho, imaginem se a elite aceitaria, àquela época, que um afrodescendente realizasse atividades remuneradas em seus empreendimentos econômicos. Isso vale tanto para as atividades industriais como agrícolas. Possivelmente essa tenha sido a primeira grande discriminação sofrida pela população negra após o reconhecimento jurídico de sua liberdade.65 Manoel Bonfim destaca que desde o século XVIII havia surgido no país duas posturas políticas bem distintas no que tange ao futuro do negro, determinadas por ele em conservadora e progressista. Em relação à primeira, o negro parecia não ter futuro, pois sua libertação estava imposta pela situação econômica e política do país. Não havendo neste caso qualquer concepção da inserção do negro na sociedade. Quanto à postura progressista, esta estava contida dentro da perspectiva de que havia a necessidade de se criar formas de melhorias para a vida dos negros, revertendo à situação de miséria em que se encontravam, propiciando ao exescravo a possibilidade no desenvolvimento de seus direitos.66 62 RAMOS, Jair de Souza Apud: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo V. Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996. p60. 63 RAMOS, Jair de Souza Apud: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo V. Raça, Ciência e Sociedade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996.p60. 64 Ubirajara do Pindaré é Advogado, mestre em Políticas Públicas pela UFMA e Delegado Regional do Trabalho no Maranhão. 65 PINDARÈ, Ubirajara. O negro no mercado de trabalho. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.201. 66 BOMFIM, Manoel. O Brasil nação: realidade e soberania brasileira . 2.ed. Rio de Janeiro : Topbooks, 1996.p.214. 36 Evidentemente a postura conservadora saiu vitoriosa, pois não havia no país, planos que evidenciassem a inserção do negro na sociedade. Marcos Rodrigues da Silva aponta que os dois parágrafos contidos na promulgação da Lei Áurea não foram suficientes para cobrir questões fundamentais, que até hoje são determinantes em conflitos que envolvem o povo negro. Dentre as questões suscitadas pelo autor encontramos: A reforma agrária, uma questão social e política para a qual, desde a abolição, ainda não foi encontrada uma solução justa, no que diz repeito à distribuição da terra [...]. A condição de assalariados. A partir da „liberdade legal‟ os negros passam de escravos submetidos aos mais cruéis tratamentos de violação da dignidade da pessoa humana a donos de sua força de trabalho. A imigração em massa para as capitais foi o desafio que enfrentaram as lideranças políticas da época. Esse fato ocorre até os nossos dias, e sabemos que a grande maioria dessa população está representada pelo povo negro, pelo indígena e pelos brancos pobres.67 Para que fosse eliminada a violência e a imagem da escravidão o então, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do Tribunal do Tesouro Nacional, Rui Barbosa, resolve em 14 de dezembro de 1890: Considerando que a nação brasileira, pelo mais sublime lance de sua evolução histórica, eliminou do solo da pátria a escravidão – a instituição funestíssima, que por tantos anos paralisou o desenvolvimento da sociedade, inficionou-lhe a atmosfera moral;Considerando que a república está obrigada a destruir esses vestígios por honra da pátria, e em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de cidadãos que pela abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira; Resolve: 1º Serão requisitados de todas as tesourarias da Fazenda todos os pápeis, livros e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativos ao elemento servil, matrícula de escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e libertos sexagenários, que deverão ser sem demora remetidos a esta capital e reunidos em lugar apropriado na recebedoria. 2º Uma coissão composta dos Srs. João Fernandes Clapp, presidente da Confederação Abolicionista, e do administrador da recebedoria desta capital, dirigirá a arrecadação dos referidos livros e papeis e procederá à queima e destruição imediata deles, que se 67 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios.São Paulo: FTD, 1987.p.36. 37 fará na casa da máquina da Alfândega desta capital, pelo modo que mais conveniente parecer à comissão.68 Para suprimir as lembranças da escravidão, aplacando assim a vergonha que pairava sobre os tempos republicanos, o então Ministro partiu para uma atitude tão atroz quanto à própria escravidão, queimar os documentos que registravam a atuação do Estado frente à escravatura, a autora Lilia Moritz Scharcz continua seu entendimento com a seguinte conotação: Dando coerência a esses propósitos de negação, melhor também ignorar os cerca de 700 mil escravos libertados em 13 de maio e as novas dificuldades que passaram a enfrentar no seu dia-a-dia (sem contar os milhares de ex-escravos,os forros, os libertos, os fugitivos e seus descendentes, que já vagavam pelos meandros da sociedade escravocrata). Livres das correntes, mas atrelados à pobreza, ao preconceito, e ainda vítimas da ausência de políticas que os integrassem a sociedade.69 A autora Eliane Azevedo lembra que a escravatura não acabou com a libertação, ficou inatingível por dispositivos legais o seu autodesvalor. O processo de colonização e a catequese opressora geraram mudanças fundamentais na autopercepção do negro “ Após gerações de perda absoluta dos direitos e do valor, a visão do negro sobre si mesmo absorveu influências da concepção escravista da época.”70 Neste sentido a autora Lucina de Barros Jaccoud é concorde e complementa que “Abolida a escravidão em 1888, os afros descendentes continuaram a sofrer uma exploração específica graças aos mecanismos de exclusão que acompanha o racismo.” 71 Por não terem recursos financeiros para trabalhar por sua conta, e desprovidos de educação, muitos negros continuaram desempenhando as mesmas atividades exercidas quando escravos. 68 COSTA, Angela Marques Apud: SCHUWARCZ, Lília Moritz. Negras Imagens: Ensaios sobre Cultura e Escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.p.81.. 69 SCHUWARCZ, Lília Moritz. Negras Imagens: Ensaios sobre Cultura e Escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.p.82-83. 70 AZEVEDO, Eliane. Raça: conceito e preconceito. São Paulo: Atica, 1987.p.48. 71 JACCOUD, Luciana de Barros; Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: IPEA, 2002.p.15. 38 Florestan Fernandes afirma que o negro viveu em estado de dependência social extrema durante a escravidão, não chegando a participar das formas de vida social, cita como exemplo a família e outros grupos primários de que se beneficiavam os brancos, e segue dizendo: A Abolição ocorreu em condições que foram verdadeiramente „espoliativas‟ do ponto de vista da situação de interesse dos negros. Estes perderam o único ponto de referências que os associava ativamente à nossa economia e à nossa vida social.72 Observa-se que, a partir da abolição, os negros passaram a carregar profundas marcas de seu passado. Gerando uma relevante defasagem histórica dentro da sociedade brasileira, como efeitos negativos mesmo nos dias atuais, como afirma Giberto Cotrim: As estatísticas mostram os graves problemas sofridos pelo negro ainda hoje na sociedade brasileira. São eles os mais atingidos pela miséria, fome, falta de moradia, falta de assistência à saúde e à educação. São eles os que trabalham nas profissões mais humilhantes e ganham os piores salários.73 No entanto, não houve qualquer reserva ou intenção de amparo que diminuísse o impacto dos aproximadamente 800 mil negros libertos, tanto no final do Brasil Imperial, quanto no Brasil Republicano compreendido no período de 1889 a 1930. Este último, caracterizado pela economia agroexportadora, e tendo como controle do poder a oligarquia. Restando a estes, “os libertos”, somente a discriminação e a repressão. As idéias liberais emprestadas da Europa foram traduzidas a favor dos produtores nacionais, ricos proprietários de terras que mantinham o monopólio colonial e a quem evidentemente interessava muito a manutenção do trabalho escravo mesmo após a independência. 74 72 FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.p.37. 73 COTRIN, Gilberto. HIstória e Consciência do Brasil. 7.ed. São Paulo: [s.n], 1999.p.215. 74 CIVITA, Vitor. Conhecer: Cultura e História. São Paulo: Abril Cultural,1982.v.2.p.199. 39 Não diferente da primeira carta constitucional, a República declarada pela Constituição de 1891 continuou omissa quanto à inclusão dos ex escravos na sociedade, mesmo tendo desfragmentado o império, o poder continuou nas mãos de poucos, “Faltara-lhe eficácia social, não regeu os fatos que previra, não fora cumprida.” 75 Tão somente a partir de 1930 com a revolução que objetivava o desmonte do coronelismo, as questões sociais voltaram a ser discutidas, o proletariado ganha força e direitos, que estariam sendo positivados pela Constituição de 1934 por Getúlio Vargas. Observa-se porém, que, logo após a abolição, quando milhares de negros desempregados eram jogados nas ruas, surge a primeira versão da Lei em 4 de junho de 1888 que punia a ociosidade, a popular “vadiagem”, atualmente prevista no artigo 59 da Lei n. 3.688 de 1941, Lei das Contravenções Penais. Fatos estes que traduzem a situação intricada na qual os negros libertos passaram a conviver. 76 Neste momento, paralelo às questões políticas existentes na sociedade de classes, surge um dos movimentos mais expressivos com forte apelo integracionista: “ A Frente Negra Brasileira”. A Frente Negra Brasileira criada em 1930 sintetiza o trabalho objetivado em obter espaços específicos ao negro e angariar posições sociais não alcançadas por eles após a abolição. Seus ideais eram voltados para ordem de igualdade de direitos, terminando por inserir o negro como elemento chave do debate em torno da resolução dos problemas raciais. Diante do êxito que logrou, transformou-se em partido político, que durou até o golpe de Estado Novo em 1937, onde os partidos políticos foram abruptamente dissolvidos, inclusive o da Frente Negra. 77 75 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 79. 76 MUNANGA, Kabengele; NASCIMENTO, Abdias do. O Negro na sociedade brasileira: resistência, participação, contribuição. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.127. 77 No bojo dessa movimentação ideológica da comunidade negra paulista, através dos seus jornais, surge a idéia da formação da Frente Negra Brasileira. Ela irá constituir-se em um movimento de caráter nacional, com repercussão internacional. Surgiu da obstinação de negros abnegados, como Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral, José Correia Leite (que, depois, dela se afastará por motivos ideológicos) e mais alguns.[...] Paradoxalmente, o conceito de raça é manipulado pelos frente-negrinos, que, no seu jornal A Voz da Raça, colocam como seu slogan “Deus, Pátria, Raça e 40 Mesmo contando com lutas das mais diversificadas, o negro, a partir dos anos 30, consegue criar uma forma própria em relação ao seu passado, posto frente à frente com a prática de discriminação e preconceitos, construindo um mundo fechado, sob os rígidos padrões morais da sociedade burguesa. Esta parece ser a realidade encontrada junto a uma nascente classe média negra, dos anos 50/60, que segundo Florestan Fernandes, não pode permanecer sem alterações, por muito tempo; “esse mecanismo terminou redundando num isolamento racial penoso, por que o problema não era só de classes, mas também de raça.”78 Em verdade dois momentos significativos marcam a trajetória das organizações negras no século XX: o Movimento negro dos anos 30 e o Movimento Negro dos anos 70, ambos são expressões da proeminente necessidade de profundas alterações e mudanças. Apesar de a segunda metade da década de 60 ter sido marcada por uma relevante perda de direitos e garantias individuais, devido ao golpe militar de 1964, os movimentos negros permaneceram no projeto da reorganização da democracia racial. Luciana de Barros Jaccoud alude sobre o assunto: Na realidade, e particularmente a partir da década de 1970, esse movimento denuncia com veemência a democracia racial como mito, segundo o qual a mestiçagem seria vocação peculiar brasileira; não existiriam conflitos raciais; a escravidão teria sido benigna; e, por fim, Família”, que depois foi modificado. Era o slogan decalcado diretamente do “Deus, Pátria e Família”, da Ação Integralista. Apesar dessas contradições ideológicas, a Frente Negra se desenvolveu rapidamente, criando núcleos em vários Estados do Brasil. Milhares de negros, nas principais áreas do país, aderem ao seu ideário e passam a ser seus membros. Em face dos êxitos alcançados, a Frente Negra resolveu transformar-se em partido político. Tinha todas as condições exigidas pela Justiça Eleitoral da época, e entrou com pedido nesse sentido em 1936. Sobre o assunto houve discussão entre os membros do Tribunal, que chegaram a alegar uma tendência racista na Frente. Finalmente o seu registro foi concedido. Durou pouco, porém. Logo em seguida, 1937, o golpe de Estado deflagrado por Getúlio Vargas implantando o Estado Novo dissolverá todos os partidos, entre eles a Frente Negra Brasileira. Houve um trauma muito grande na comunidade que a acompanhava ou militava nos seus quadros. Milhares de negros sentiram-se desarvorados politicamente. Um dos seus fundadores, Raul Joviano do Amaral, tenta conservar a entidade, mudando-lhe o nome para União Negra Brasileira. Mas a situação geral do país não era favorável à vida associativa no Brasil, onde a repressão via atos subversivos em qualquer organização. O jornal A Voz da Raça deixa de circular. A censura é imposta a todos os órgãos de imprensa, e a União, que procurou substituir a Frente, morre melancolicamente, em 1938, exatamente quando se comemoravam 50 anos da Abolição. MOURA, Clóvis. A Frente Negra Brasileira: Disponível em: < http://www.terrabrasileira.net/folclore/origens/africana/frente.html>. Acesso em: 05 de maio de2009. 78 FERNANDES, Florestan. O Protesto Racial. São Paulo: Revista da Fundação SAEDE, 1988.p.17. 41 o desenvolvimento econômico haveria de desmanchar os resíduos do preconceito e do racismo e promover a inclusão da população negra. O Movimento Negro manifesta-se, pois, contra uma sociedade que oculta, esconde e legitima o estigma, o preconceito e a discriminação.79 O Poder Público, através dos avanços obtidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deu as primeiras respostas a esse problema histórico, antes tratada com a criação do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, instituído no governo Franco Montoro em São Paulo – 1984. Marco importante não só porque atuou como processo e inclusão do negro na sociedade, como também fora o momento em que o Estado admitiu a existência da discriminação racial.80 Além de pertencermos atualmente a um Estado Democrático de Direito previsto constitucionalmente, onde trazemos insculpido na vigente Constituição o direito de igualdade, torna-se manifesta a necessidade de se discutir e instituir políticas eficazes para essa reparação. Vanda Maria Menezes Barbosa81 traduz a manifesta desigualdade enfrentada pelos negros: As desigualdades no Brasil dispensariam maiores comentários. No entanto, neste momento, caberia apontar que o fato de termos um número tão expressivo de pessoas vivendo em condições de pobreza exige também reconhecer a dimensão racial da pobreza no Brasil. É isto que as organizações do movimento negro e de mulheres vêm denunciando há anos: que a pobreza no Brasil tem cor e é negra, [...].82 . 79 JACCOUD, Luciana de Barros; Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília,: IPEA, 2002.p.15. 80 JACCOUD, Luciana de Barros; Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: IPEA, 2002.p.16. 81 Vanda Maria Menezes Barbosa é Secretária Especializada da Mulher do Governo de Alagoas, com formação em psicologia, é agente de Polícia e Perita Criminal e foi coordenadora do Programa Municipal de Saúde da Mulher, Fundadora do Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres da Alagoas e Representante do Fórum na Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004. 82 BARBOSA, Vanda Maria Menezes. O negro no mercado de trabalho. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p140. 42 Portanto, não desprezando posicionamentos opostos, mas, em conformidade com todo o material de pesquisa colecionado e apontado até o momento, defende-se a tese de que a origem da desigualdade racial sucede ao passado atroz em que foram submetidos os negros. Logo, tão importante quanto tratar sobre a origem das desigualdades raciais existentes no Brasil, torna-se necessário, mesmo que de forma condensada, identificar os preceitos fundadores da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para que se torne possível o entendimento do tema proposto. 43 2. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O TRATAMENTO DESIGUAL PARA OS DISTINTOS A simples expressão da igualdade já evoca as mais variadas tentativas de formulação conceitual, tanto no campo do direito, quando nas demais esferas de conhecimento. Para impedir a utilização desmensurada do tema, urge delimitar sua abrangência no tema ora estudado, qual seja, o princípio da igualdade e o tratamento desigual para os desiguais. 2.1 A IGUALDADE PERANTE A LEI ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL Para o melhor posicionamento a respeito da concepção principiológica utilizada pelo constitucionalismo moderno no que tange ao princípio da igualdade, torna-se essencial a introdução mesmo que condensada da base teórica de sua existência, qual seja, dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente. José Joaquim Gomes Canotilho aborda a concepção de direitos fundamentais, diferenciando-os do direito do homem: As expressões „”direitos do homem”‟ e „”direitos fundamentais”‟ são freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalizante garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.83 83 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1999.p.393. 44 Embora seja válida a afirmativa de considerar como marco principal dos direitos fundamentais o lema revolucionário “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” do século XVIII alcançado pelos franceses, convém considerar, porém, que o mundo antigo fora responsável em lançar idéias chave para o pensamento de que o homem por sua própria existência é titular de direitos naturais e intransferíveis.84 José Afonso da Silva confirma a assertiva descrita acima, considerando que o pensamento primitivo era condizente na afirmação de direitos do homem.85 O que não ocorria no momento de sua institucionalização (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), posto que o regime presente fosse o de monarquia absoluta apoiado pelo pensamento cristão vigente, em contraponto com uma sociedade em plena expansão comercial liderada pela burguesia. José Afonso da Silva confirma a alegação de Ingo Wolfgang Sarlet em considerar que, o condicionante do aparecimento das leis fundamentais estiveram pautadas na idade antiga pelo interesse da tutela estamental dominante, mas que fora a partir da idade média o surgimento de precedentes limitadores do poder estatal, não de maneira ideal, vista da concepção racionalista, mas ao menos utilizada como parâmetro para a sua evolução. Certo é que, no correr dessa evolução, alguns antecedentes formais das declarações de direitos foram sendo elaborados, como o veto do tribuno da plebe contra ações injustas dos patrícios em Roma. A lei de Valério Publícola proibindo penas corporais contra cidadãos em certas situações até culminar com o Interdicto de Homine Libero Exhibendo, remoto antecedente do habeas corpus moderno, que o Direito Romano instituiu como proteção jurídica da liberdade. Não 84 “Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, nos legou algumas das idéias-chave que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser denominada, consoante já ressaltado, de „”pré-história”‟ dos diretos fundamentais. De modo especial, os valores da dignidade humana, da liberdade e da igualdade dos homens encontram suas raízes na filosofia clássica, especialmente na greco-romana, e no pensamento cristão. Salientese aqui,a circunstância de que a democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura do homem livre e dotado de individualidade. Do antigo testamento herdamos a idéia de que o ser humano representa o ponto culminante da criação divina, tendo sido feito à imagem e semelhança de Deus. Da doutrina estóica greco-romana e do cristianismo, advieram, por homens em dignidade (para os cristãos, perante Deus).” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.45. 85 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.27.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p,174. 45 nos iludamos, contudo, porque essas medidas tinham alcançe limitado aos membros da classe dominante.86 Ante a isto, a forma empregada era fundamentada no direito natural baseado na razão e no direito do homem como ser humano, - pelo Direito Natural Racionalista pensado pelos filósofos87. Diversas foram às lutas destinadas à limitação do poder estatal, concretizando a transição da Idade Média para Idade Moderna. Iniciando dessa forma, a busca pela positivação destes direitos, pautadas nas revoluções liberais/burguesas. Desde então, surgiram diplomas preocupados com a situação individual do ser humano, cita-se como exemplo a Declaração de Virgínia instituída em Williamsburg, 12 de junho de 1776, a qual traz em seu artigo 1º o seguinte texto: I - Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança88 Não menos importante a Revolução Americana, que provocou a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América em 1776. Ambas empregadas como base de fundamento para o governo e para as demais declarações, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão instituída durante a Revolução Francesa, considerada um marco na positivação dos direitos fundamentais. 86 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p,150. 87 A partir desta nova forma de pensar, surge a igualdade, em meio o período moderno. O igual agora não eram somente os cristãos, mas sim todos os indivíduos. Os filósofos referidos são: Hugo Grocio jurista holandês, considerado fundador do direito internacional, como notável influência sobre o pensamento racionalista e iluminista do século XVII; Samuel Pufendorf jurista alemão; e Christian Thomasius, todos defensores dos direitos naturais inerentes ao homem. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 88 FRANÇA. DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO BOM POVO DE VIRGÍNIA. Disponível em: <http://www.rolim.com.br/2002/_pdfs/0611.pdf >. Acesso em: 10 de junho de 2009. 46 E ainda, o Preâmbulo e artigo 1º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão instituída na França em 26 de agosto de 1789: Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão: Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.89 Urge destacar que as instituições destes direitos ficaram longe de ter uma evolução mansa e pacífica. Vários foram os contragolpes de direita (lê-se Monarquia). 90 Sendo que somente no final do século XIX com a burguesia no poder que a liberdade fora positivada, liberdade esta, ainda limitada. José Adércio Leite Sampaio cita Karl Marx para traduzir os direitos humanos como discurso de dominação de classes: As liberdades burguesas, tão decantadas pelas declarações solenes, não libertavam o homem, especialmente o homem proletário, de seus grilhões individuais e sociais, ao contrário, enraizava-os ainda mais no calabouço da servidão: „ o homem não foi liberado da 89 DECLARAÇÃO DO HOMEM E DO CIDADÃO . Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos_homem_cidad.html>. Acesso em: 10 de junho de 2009. 90 Neste período, tropas foram enviadas a Paris com intuito de desconstituir a Assembléia Nacional Constituinte instituída pelos burgueses, porém não obtiveram êxito. Em julho de 1789 a burguesia provoca a tomada de Bastílha, e em 4 de agosto deste mesmo ano decretam o “Fim do Feudalismo” todos os homens franceses agora são iguais, inclusive com a abolição da escravidão. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p.44. 47 Religião, mais sim obteve liberdade religiosa. Não foi liberado da propriedade, mas sim, obteve liberdade de ofício‟ (1965:65) Parecialhe muito clara a perspectiva de classe dos direitos do homem e do 91 cidadão. Para Karl Marx92, afirma José Adércio Leite Sampaio, as declarações deveriam ser resultados de conquista pela classe operária com o cunho de desconstituir as causas de sua exploração e não somente pautada na natureza do homem como indivíduo, argumento utilizado pela burguesia. Paulo Bonavides considera que a revolucionária Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão veio a profetizar os caminhos de institucionalização dos direitos fundamentais, manifestado através de três gerações sucessivas, “liberdade”, “igualdade” e “fraternidade”. Considera o autor acima, que o direito de primeira geração refere-se ao direito de liberdade, tratando este, sobre os direitos civis e políticos, a saber, os primeiros a constarem em matéria constitucional, “São por igual direitos que valorizam primeiro o homem-singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade mecanicista que compõe a chamada sociedade civil,[...]”93 Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, considera ser os direitos de primeira geração, ou como ele intitula “direitos da primeira dimensão”, marcados pelo individualismo, mais especificadamente como direitos de defesa do indivíduo frente ao Estado. Continua o referido autor em sua afirmação: São, por esse motivo, apresentados como direitos de cunho „negativo‟, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, „direitos de resistência ou de oposição perante o Estado‟.94 91 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.p.44. 92 “Marx queria a inversão da pirâmide social, ou seja, pondo no poder a maioria, os proletários, que seria a única força capaz de destruir a sociedade capitalista e construir uma nova sociedade, socialista.” KARL MARX. Política e Econômia. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/marx.htm>. Acesso em: 18 de agosto de 2009. 93 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.565. 94 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.56. 48 Os direitos de segunda geração, dominantes no século XX correspondem aos direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos, estes ligados intimamente com o direito de igualdade. Os direitos econômicos, sociais e culturais da segunda geração provieram do impacto da industrialização, e dos problemas sociais e econômicos marcados pela ineficácia dos direitos advindos da primeira geração, houve neste sentido movimentos reivindicatórios impulsionando o Estado a se manifestar quanto à justiça social. Para Ingo Wolfgang Sarlet, falava-se neste momento em direitos de dimensão positiva, “Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.95 Segue ainda o referido autor sobre os direitos de segunda dimensão: Estes direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848 ( que não chegou entrar em vigor), caracterizam-se, ainda hoje,por outorgarem ao indivíduo direitos e prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a formulação preferida na doutrina francesa. É, contudo, no século XX, de modo especial nas Constituições do segundo pós-guerra, que estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um número significativo de Constituições, além de serem objeto de diversos pactos internacionais.96 Em que pese, tenha sido a segunda geração alvo de jurisdicionalidade duvidosa97, e passar por crises quanto a sua execução, as jovens Constituições já prevêem aplicação imediata, inclusive o Brasil, afirma Paulo Bonavides.98 95 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.56. 96 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.57. 97 a jurisdicionalidade duvidosa de que Paulo Bonavides se refere, diz respeito a falta de institucionalização desses direitos, os tornando vulneráveis a classe dominante quanto a sua aplicação. SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: Retórica e Historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. 49 Cabe aqui destacar o parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevendo que: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” 99 Contudo, depende esta aplicação de legislação ulterior, o que por vezes não atende de forma eficaz todos os direitos e garantias necessários, faltando-lhe eficácia social.100 A partir deste momento, passou a ser de suma importância garantir esses direitos, fazendo nascer desta forma as: “garantias institucionais”. Sobre a sua função alude Paulo Bonavides: A importância porém das garantias institucionais é que elas revalorizam sobremodo os direitos da liberdade, até então concebidos numa oposição irremediável entre o indivíduo e o Estado, e o fizeram na medida em que se pôde transitar de uma concepção de subjetividade para uma concepção de objetividade, com respeito aos princípios e valores da ordem jurídica estabelecida.101 Ante o exposto, pode-se concluir que, nesse momento os direitos passam por um processo de positivação, destaca-se, pois, dentre as conquistas: o sufrágio universal; os direitos dos trabalhadores; a liberdade de: reunião, associação, dentre outros. Na sequência surgem os direitos de terceira geração, dotados de grande teor humanístico assentados na fraternidade. De certa forma os direitos de terceira geração, vieram a acrescentar aos direitos instituídos na primeira e segunda geração dentro de uma fardagem universal. 98 “De tal sorte que os direitos fundamentais da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos está é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.” BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.564. 99 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. 100 por eficácia social adota-se o entendimento dos doutrinadores : Luís Roberto Barroso e Ingo Wolfgang Sarlet. Para eles a eficácia social confunde-se com a efetividade da norma, esta representa, pois a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, a materialização dos fatos. Para melhores esclarecimentos consultar: SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 101 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.568. 50 Paulo Bonavides acrescenta: Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e igualdade. [...] os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificadamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. 102 Ocorre, pois, o processo de internacionalização, ou seja, a comunidade começa a criar mecanismos institucionais para proteção dos direitos sociais. Tais como: ONU103 (A Organização das Nações Unidas), imbuída de manter a paz entre os povos; UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que tem como objetivo promover a defesa dos direitos das crianças; dentre outros diplomas que prevêem a permanência e eficácia desses direitos. Ingo Wolfgang Sarlet alude sobre os direitos de terceira geração: Dentre os direitos fundamentais de terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos a paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, [...]. Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como o processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.104 Em matéria de direitos fundamentais, não restam dúvidas que grandes avanços foram obtidos, inclusive na ordem jurídica brasileira, que além de garantir os direitos fundamentais acima aludidos, tenta manter certo equilíbrio tratando os 102 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p.569. “A Organização das Nações Unidas é uma instituição internacional formada por 194 Estados soberanos, fundada após a 2ª Guerra Mundial para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos. Os membros são unidos em torno da Carta da ONU, um tratado internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade internacional.” NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/index.php>.Acesso em: 11 de junho de 2009. 104 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.58. 103 51 desiguais de forma desigual. Como ocorre com as legislações infraconstitucionais: Direito do Consumidor (CDC); Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); Direitos da Criança e do Adolescente (ECA), Direitos da Mulher, Direito do idoso, Direito Indígena, dentre outros. É consabido, porém, que as relações humanas são extremamente imprevisíveis não conseguindo a atividade legislativa acompanhá-las ou antevê-las em sua totalidade. Destaca-se neste sentido, a manifesta desigualdade racial brasileira aparentemente dissimulada numa “harmonia racial” respaldada pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro. Ainda assim, considera-se que uma das mais importantes construções da contemporaneidade está presente no sistema jurídico/político/institucional da Suprema Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que estabelece limites e organização da atividade estatal. Nesta linha se manifesta Joaquim Gomes Canotilho: O sentido histórico, político e jurídico da construção escrita continua hoje válido: a constituição é a ordem jurídica fundamental de uma comunidade. Ela estabelece em termos de direito e com os meios do direito os instrumentos de governo, a garantia de direitos fundamentais e a individualização de fins e tarefas. As regras e princípios jurídicos utilizados para prosseguir estes objetivos são de diversa natureza e densidade. Todavia, no seu conjunto, regras e princípios constitucionais valem como „lei‟ o direito constitucional é direito positivo. Neste sentido se fala na „constituição como norma‟ e na „força normativa da constituição‟.105 A atual classificação dos Direito Fundamentais manifesta-se através de critérios que fundamentam a própria forma institucional de Governo, previstos em seu Preâmbulo e nas sequentes descrições do artigo 5º e incisos, a saber: os direitos e garantias fundamentais, dentre outros que amparam a legitimidade do tratamento equânime aos seus titulares. Neste contexto insere-se o artigo 7º inciso XX, prevêndo a proteção ao trabalho da mulher; o artigo 23 inciso X que em seu texto prevê atuação do Estado a 105 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1999.p.243. 52 “combater as causas de pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”; artigo 170 inciso IX, prevê tratamento diferenciado a empresas de pequeno porte; artigo 227 inciso II, institui a criação e o atendimento especializado aos portadores de deficiência, dentre outros dispositivos constitucionais que revelam a importância do tratamento isonômico. Não excluindo, pois, as hipóteses de incorporação de normas internacionais que tem como objeto a tutela de direitos humanos, desde recepcionado formalmente pelo direito interno, respeitado o mesmo processo de formação de emendas constitucionais como prevê parágrafo 3º artigo 5º da referida Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dos preceitos legais acima destacados, convém descrever o qual motiva a aludida Carta Magna: Preâmbulo Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO 106 BRASIL. Contudo, para que o objetivo da presente monografia seja alcançado, urge delinear as bases em que estes direitos, tão importantes na história da humanidade, se manifestam e de que forma se tornam eficazes. 106 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. 53 2.2. NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS De forma condensada, entende-se por norma jurídica um complexo metódico de extrair o sentido da disposição legal. Complementando esse conceito operacional Humberto Ávila diz que “Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”107 Para o doutrinador acima mencionado, não necessariamente precisa haver uma perfeita correspondência entre a quantidade de dispositivos (texto legal) e a quantidade de normas. Inclusive, de alguns dispositivos é impossível extrair-se sequer alguma norma, de outros, ainda que de um dispositivo singular, emanam várias normas.108 Neste sentido segue abaixo o artigo 5º caput da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, [...]”.109 De um texto legal a priori simples, até mesmo pela sua breve extensão - conta com palavras perfeitamente conhecidas e compreensíveis-, a partir da interpretação sistemática110, inferem-se várias normas. No mínimo, deduz-se que a igualdade ali disposta é para todos, o que demonstra uma regra, e que se pretende estabelecer uma proteção a alguém nesta relação jurídica, evidenciando um princípio. 107 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 30. 108 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.6.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 30-31. 109 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. 110 Não se pretende adentrar na seara inerente à hermenêutica jurídica, já que ampliaria por demais a abrangência do assunto estudado no presente trabalho. Assim, se aceita a concepção de que interpretação sistemática é aquela ofertada pelos meios tradicionalmente conhecidos na ciência jurídica, quais sejam: a doutrina e jurisprudência. Por isso, para maiores esclarecimentos a esse respeito, sugere-se a leitura dos clássicos como introdução ao estudo do direito, de Paulo Nader. 54 Neste ponto, percebe-se que a idéia de norma jurídica, no contexto da proposta aqui defendida, possui desdobramentos formativos, pois, imprescindívelmente, é composta de regras e princípios. Segundo Paulo Bonavides foi Robert Alexy, 111 tendo este, por sua vez, aprimorado o modelo proposto por Ronald Dworkin, quem estabeleceu a distinção entre regras e princípios, constituindo-os como modalidades à definição de norma.112 A partir desses juristas alienígenas começou-se a discutir a importância das normas constitucionais. Mudou-se a maneira de encarar o papel dos princípios, visto que anteriormente estes constavam na legislação infraconstitucional, e passaram a ser constitucionalizados. Assevera ainda Paulo Bonavides que “A teoria dos princípios é hoje o coração das Constituições”113, portanto, continua o doutrinador, precisou também modificar a própria teoria e prática do direito, devendo considerá-los de forma diversa daquela até então empregada. Por conseguinte, a nova hermenêutica constitucional assume que os princípios têm um papel fundamental na formação do Estado e da Sociedade, bem como na atividade da produção do direito em todos os seus níveis (daquele dado por sentença, por ato legislativo, até daquele produzido por particulares, ou seja, no direito público e no direito privado).114 A norma, destarte, é o gênero do qual emanam duas espécies a regra e o princípio. 111 “ muito contribuíram os estudos de Robert Alexy e do jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin ao apresentarem a seguinte diferenciação: "a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.” Teoria neopositivista da distinção entre regras e princípios. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/noticias/116628/teoria-neopositivista-da-disntincaoentre-regras-e-principios>. Acesso em: 10 julho de 2009. 112 ALEXY, Robert. Apud: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 277. 113 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 281-294. 114 As constituições anteriores já traziam as garantias fundamentais em seu texto. Porém, não eram estas normas tratadas como princípios, e dependendo da Constituição a ser referida, o alcance era totalmente limitado, como o que ocorreu na primeira Constituição de 1824. 55 Esta nova forma de pensar, segundo Paulo Bonavides, é póspositivista, na qual os códigos deixaram de ter o papel fundamental passando para o direito constitucional.115 Destarte, a seguir apresenta-se a significação de ambos (princípios e regras), bem como a importância destes para a moderna ciência jurídica. 2.2.1. Princípios A definição de princípios, jamais é tarefa efêmera, na qual seja possível se chegar facilmente a um conceito fechado, compreensível e acabado. Os próprios doutrinadores116 discordam entre si ao apresentarem diferentes enfoques acerca do tema. Apesar disso, essas variações conceituais nem sempre se contrapõem, mas pelo contrário, complementam as lacunas que dificultam a compreensão da fundamental representatividade que os princípios têm na ordem jurídica. Resumindo quanto mais se lê a respeito, mais é possível fundamentar uma conceituação, que não deve imaginar-se inalterável. O princípio, enquanto linha mestra117,é anterior ao direito ou a qualquer outra espécie de normatização jurídica. Contudo, a maneira de empregar, de utilizar o princípio no âmbito jurídico, modificou-se sobremaneira no último século, e em particular na década atual, quando se refere ao Brasil. Em que pese não desconhecer o posicionamento divergente de alguns autores a respeito de assunto, neste trabalho utiliza-se o fundamento teórico póspositivista, o qual contempla as transcendências conceituais dos princípios, tratandoos como norma prospectiva. Neste sentido, aponta Luis Roberto Barroso: O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, 115 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 281. 116 Os doutrinadores que neste momento o presente trabalho refere-se são: José Afonso da Silva, Paulo Bonavides e Luis Roberto Barroso. 117 Considera-se linha mestra aquilo que fundamenta. 56 princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais. Edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.118 Salienta-se que esta supremacia dos princípios no ordenamento jurídico é uma tendência existente no direito constitucional moderno e, ao que tudo indica, irregressível. A esse respeito assevera Paulo Bonavides “As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” 119. Dentre a doutrina utilizada como fundamento neste trabalho, destacase a conceituação apresentada por Humberto Ávila, que sintetiza de maneira completa o pensamento acerca do tema, assim, para este autor: Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção120. Considerando esta proposição tem-se que os princípios, ao contrário das regras que são descritivas, são finalísticos. Por finalístico entende-se ser a qualidade inerente aos princípios em descrever uma finalidade, um estado ideal de coisas a ser atingido. Justamente, devido a se caracterizar num estado ideal de coisas a ser promovido, é que os princípios são prospectivos, pois fazem ver adiante. Desta forma, um princípio não visa ter aplicação imediata à ocorrência de um fato, devendo ser aplicado para se atingir um estado ideal de coisas no futuro. 118 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.291. 119 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 264. 120 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006 p.78-79. 57 Porquanto, o alvo do princípio da igualdade é a busca da promoção deste estado ideal de coisas, neste caso a promoção de igualdade, em determinadas relações. Assim, somente com base nos princípios não é possível solucionar um problema concreto, pois eles vão resolver parcialmente e complementarmente os conflitos. No que concerne à pretensão dos princípios, aduz-se que é tanto de parcialidade quanto de complementaridade, ou seja, não buscam resolver, decidir definitivamente problemas de um caso concreto. Para aplicação de um princípio não será verificado se o que ocorreu nos fatos e o que diz os princípios é correspondente, porque um princípio não se aplica somente em virtude de um fato ocorrido. Repisa-se para aplicar um princípio é preciso verificar a correlação entre um estado ideal de coisas a ser promovido (idéia de finalidade) e a conduta havia como necessária para formação desse padrão, o que significa noutras palavras que o princípio não estabelece o que deve ser feito naquele caso121. Quem deve determinar o que deve ser feito no caso concreto é o magistrado impulsionado pelas partes e levando em consideração o fim a ser atingido. A esse respeito, esclarece Humberto Ávila: Vale dizer: é o próprio intérprete que, em larga medida, decide qual fato é pertinente à solução de uma controvérsia no curso da sua própria cognição. Para decidir qual evento é pertinente, o intérprete deverá utilizar os parâmetros axiológicos oferecidos pelos princípios constitucionais, de modo a selecionar todos os eventos que se situarem no centro dos interesses protegidos pelas normas jurídicas122. Assim, a fim de que seja assegurada a efetividade de sua pretensão, são as partes, ao estarem diante de um princípio que restou violado ou que proteja 121 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.295. 122 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006p.100. 58 seus interesses, quem deverão sugerir ao intérprete da lei o que deve ser feito em determinados casos. A diferença basilar desse pensamento para àquele preponderante na concepção positivista, reside no fato que, para a doutrina pós-positivista, os princípios são determinantes; eles influenciam diretamente na interpretação da regra e não apenas quando houver lacuna ou omissões.123 Num primeiro momento, os princípios eram tidos como normas jurídicas subsidiárias. Na falta de uma lei que regulasse o caso concreto caberia ao juiz utilizar-se dos princípios gerais do direito, conforme dispõe o art. 4º da LICC, e o art. 127 do CPC. Nesse contexto histórico os princípios tinham baixa normatividade. Aqui reside a principal diferença da fase positivista para a fase póspositivista do momento atual: os princípios deixaram de ser mera recomendação, são imperativos, têm imperatividade, tanto quanto as regras. Na atualidade não é mais válido afirmar que as regras são obrigatórias e os princípios não. Essa idéia não mais se auto-sustenta, já que os princípios não são mais mera recomendação, são imperativos, exprimem uma ordem que precisa também ser obedecida.124 A deliberação dos princípios como norma jurídica integra uma das dimensões que compõe os princípios, a dimensão integrativa. Não obstante ao enfoque primordial dessa dimensão nesta monografia, as outras também precisam ser analisadas. A doutrina representada por Paulo Bonavides distingue seis dimensões diferentes dos princípios, a saber: fundamentadora, interpretativa, supletiva, integrativa, diretiva e limitativa125. 123 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.295. 124 “Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional.” SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.p.75. 125 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 283. 59 Nas suas dimensões fundamentadora, diretiva e limitativa o princípio serve como base para a criação de todo um ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que embasa, dirige e limita a criação de leis. Como também, as dimensões fundamentadora, interpretativa estruturam as regras e auxiliam na interpretação, no caso de dúvidas na aplicação da regra, os princípios devem ser utilizados para analisá-las. As dimensões interpretativa e supletiva surgem da necessidade do princípio exercer a função de suprir as deficiências ou lacunas da lei (vide, como exemplo, o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil). Por sua vez, a dimensão integrativa diz respeito ao princípio enquanto parte ativa da norma jurídica, e, na atualidade, é amplamente influente e aceita na formulação da ciência do direito126. Enfim, os princípios além de orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico, tornam efetivo seu papel de suprir eventual lacuna do sistema, dentro das suas funções/dimensões supletiva e integrativa. Salienta-se, entretanto, que a omissão suscitada não concerne apenas à regra em si, mas também aquela decorrente de não se chegar ao estado ideal a ser atingido. Essas dimensões, ao mesmo tempo em que caracterizam a evolução histórico-jurídica dos princípios, correspondem à aplicabilidade deles no direito atual. Além disso, cabe ressaltar que as dimensões supra citadas encontram-se desigualmente previstas em cada fase jurídica dos princípios. 2.2.2. Regras Como já visto, modernamente afastou-se a concepção que somente as regras são obrigatórias e os princípios mera orientação a serem utilizados nas lacunas da lei. 126 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 283-284. 60 As regras são também normas jurídicas, contudo, para compor estas não se pode prescindir dos princípios. A esse respeito aduz Humberto Ávila: As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos127. Assim, as regras são aquelas que prescrevem determinado fato, comportamento, utilizam o sentido de subsunção. Destarte, ou a regra se enquadra num fato e é aplicável, ou ao não se enquadrar, sofrem de inaptidão de aplicabilidade.128 Decorre disto a noção anterior vigente de que somente as regras têm normatividade, de que apenas as regras são obrigatórias, pois, devido a subsunção, são mais fáceis de serem aplicadas. Completando essa linha de pensamento tem-se que as regras direcionam-se às situações já ocorridas, fatos passados, assim, somente verifica-se a ocorrência da regra, só pode incidir quando algo já aconteceu. Se ocorrer um fato descrito na norma (enquanto regra) a regra incide, se não ocorreu, não incide.129 Pretendem decidir (decidibilidade) o caso de forma abrangente sem precisar de outros instrumentos normativos. Nesse sentido, a regra é clara. Para saber se é possível aplicar uma regra deve ser avaliada a correspondência entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos; significa noutras palavras, o processo de 127 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006.p. 78. 128 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira.7.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.293. 129 GOMES, Luis Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7527>. Acesso em: 10 de junho de 2009. 61 subsunção, ou seja, a correspondência do que diz os fatos com o que diz a regra. Essa é categórica, objetiva.130 Todavia, apesar da objetividade das regras estas têm fundamentos bem definidos, quais sejam os princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes. Por conseguinte, devem-se observar os princípios de modo mediato na aplicação da regra. Assim, de modo imediato as regras ou incidem ou não, inviável é a tentativa de interpretar sua incidência. Só que a regra também tem fundamentos que são, como já visto, os princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes. Sempre há um valor, um interesse que é protegido pela regra. Ao ferir esses princípios valores que são hierarquicamente superiores às regras, estas podem ser afastadas, ou seja, não aplicadas ainda que persista a subsunção.131 A suspensão da aplicabilidade de uma regra não prescinde de cuidados extremos, já que se assim o fosse, o ordenamento jurídico estaria condenado ao caos. Afastar uma regra, que por ser norma jurídica decorre de dispositivo legal, ou seja, é a expressão da vontade do povo, por meio do legislador, depende de critérios. Nesse sentido esclarece Humberto Ávila: A superação de uma regra deverá ter, em primeiro lugar, uma justificativa condizente. Essa justificativa depende de dois fatores. Primeiro, a demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente. É preciso apontar a discrepância entre aquilo que a hipótese da regra estabelece e o que sua finalidade exige. Segundo, da demonstração de que o afastamento da regra não provocará expressiva insegurança jurídica132. 130 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006p. 83. 131 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006p. 84. 132 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. São Paulo, 2006. p. 120. 62 Entende-se, portanto, que para não aplicar uma regra é preciso fundamentar a não aplicabilidade ou a suspensão num princípio maior, o qual prevê a finalidade da própria regra. 2.2.3. Diferenças essenciais entre princípios e regras Ao se tratar de incidência da norma, retomando o conceito antes apresentado, relembra-se que as regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma (regra) tem incidência; caso contrário não há de se falar em incidência da regra. Por isso diz-se que para as regras vale a lógica do tudo ou nada, conceito do qual teve em Ronald Dworkin seu precursor. 133 Em contrapartida, os princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Aduz Paulo Bonavides ao explicitar o pensamento de Alexy que “os princípios são normas dotadas de alto grau de generalidade relativa, ao passo que as regras, sendo também normas, têm, contudo, grau relativamente baixo de generalidade”134. Porém, não reside aqui a principal diferença entre princípios e regras, já que esta noção de generalidade nada traz de novo em relação ao pensamento anterior. A primordial dissemelhança ocorre em termos de colisão, tanto entre si, regra x regra, princípio x princípio, quanto de um com o outro. Assim, se duas regras colidem, fala-se em conflito puro e simples. Ao caso concreto uma só será aplicável, já que, necessariamente, uma afasta a aplicação da outra. Esse conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios 133 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 282. 134 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 277. 63 clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior. Para solucionar o choque de princípios os meios clássicos de interpretação não servem, tendo em vista que os princípios não possuem hierarquias entre si. Entre eles pode haver "colisão", não conflito, no sentido que um invalida completamente o outro, pois ao colidirem, não se excluem, mas pelo contrário permitem o balanceamento de valores e interesses - equilíbrio. Dentro deste contexto Sergio Cadermatori afirma: Com efeito, os princípios que corporificam direitos fundamentais têm vocação prima facie para regular situações jurídicas; mas apenas prima facie, pois podem encontrar (e normalmente encontram) outro princípio com as mesmas pretensões de regulação. Neste caso, deve o operador-intérprete proceder à ponderação entre os valores subjacentes aos princípios em colisão para descobrir qual o mais adequado para o caso.135 A incidência em casos concretos, muitas vezes pode ser concomitante, ou seja, dois ou mais deles sendo válidos ao mesmo tempo. Assevera o insigne jurista e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, em julgamento do HC 82.424-2/RS, a respeito dessa subversão de princípios: O princípio da liberdade de expressão, como os demais princípios que compõem o sistema dos direitos fundamentais, não possui caráter absoluto. Ao contrário, encontra limites nos demais direitos fundamentais, o que pode ensejar uma colisão de princípios. Esta matéria é de extrema importância no Direito Constitucional e precisa ser analisada com muito cuidado. Contempla os mais variados aspectos, que devem ser estudados caso a caso mas, como afirma Robert Alexy, têm um ponto em comum: todas as colisões somente podem ser superadas se algum tipo de restrição ou de sacrifício forem impostos a um ou aos dois lados. A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos necessita, assim, de uma atitude de ponderação dos valores em jogo, decidindo-se, com base no caso concreto e nas circunstâncias da hipótese, qual o direito que deverá ter primazia. Vale ressaltar que essa ponderação de valores ou concordância prática entre os princípios de direitos fundamentais é um exercício que, em nenhum momento, afasta ou ignora os elementos do caso 135 CADERMATORI, Sergio. Estado de direito e legitimidade: Uma abordagem garantista. 2.ed. São Paulo: Millennium, 2006.p.30. 64 concreto, uma vez que é a hipótese de fato que dá configuração real a tais direitos136. Portanto, verificando os argumentos acima relacionados percebe-se que a aplicação dos princípios não prescinde da verificação do caso concreto, em que pese estes (os princípios) não visarem uma situação fática em particular, mas um fim a ser atingido. Já o conflito entre regra e princípio deve ser considerado que as regras necessitam de princípios que as fundamente. Desta forma, a regra, se “ferir” o princípio que a fundamenta, deverá ser afastada. Importantíssimo ressaltar, conquanto, que a suspensão momentânea da regra não significa sua revogação. Sendo assim, após fundamentar o posicionamento a respeito da concepção principiológica utilizada pelo direito constitucionalista moderno, torna-se fundamental introduzir a base teórica acerca do conceito operacional137do Princípio da Igualdade. 2.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE A Constituição Federal de 1988 adota tratamento igual a todos perante a lei, impedindo desta maneira a manifestação arbitrária entre seus titulares e frente ao Estado; Art 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...].138 (grifo nosso) 136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC n.º82.424-RS, Rel. originário Min. Moreira Alves. Rel. para o acórdão Min. Maurício Correa, j. 17/09/2003. 137 entende-se por conceito operacional a categoria importante para o presente trabalho, da qual se extrairá a definição que se pretende ser aceita para os efeitos das posições apresentadas. In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 43-58. 138 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009 65 Versando, pois, dos direitos individuais, ou no dizer de José Afonso da Silva de “direitos fundamentais do homem-indivíduo”139 , aquele que reconhece a autonomia dos particulares, garantindo iniciativa e independência. Cumpre ressaltar que, embora sua roupagem meramente formal, o mesmo diploma promove dispositivos de garantia em prol dos desiguais com intuito de torná-los iguais de fato. Resultado obtido através do tempo pela sociedade. Cita-se como exemplo o que prevê o inciso XX do artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, como forma de eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher, Ou ainda, na proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre para menores de dezoito anos como forma de proteção, previsto no inciso XXXIII do referido artigo, dentre vários outros dispositivos que ilustram a referida Constituição. Dentre os aventados, convém citar os seguintes: Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. [...] XX- proteção do mercado de traballho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; [...] XXXIII- proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos [...].140 Destarte, essa qualidade é única, no sentido que não é suplantada por nenhuma outra, é atribuída ao ser humano individualmente, de forma que cada um deve/pode exercê-la. Perquirindo-se a história das Constituições Brasileiras, constata-se que embora a Constituição Imperial de 1824 tenha aderido os moldes liberais de “liberdade e igualdade”, e inserido em seu texto o princípio de igualdade, não 139 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.p.183. 140 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009 66 obstante, manteve a escravatura a mercê de sua elite oligárquica consoante ao texto que segue: “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”. 141 As outras Constituições142 que se seguiram mantiveram o princípio da igualdade, sobressaltando a de 1946 que inaugurou o texto: “todos são iguais perante a lei” acima dos direitos individuais, ressaltando, pois, sua relevância. Instituído pela Constituição Brasileira de 1946 o princípio da igualdade vem paralelamente com o princípio da isonomia, transportando seu conteúdo formal para o substancial, ou seja, atendendo necessidades materiais existentes.143 Não obstante à concepção ofertada nas Constituições anteriores, foram as transformações da democracia dentro do período moderno que operaram no sentido de abarcar o maior número de indivíduos titulares do direito de igualdade, como afirma Pontes de Miranda: Isso exigia que se abolissem a escravidão e que se reconhecesse o voto de todos. Aí se colhe a maior verdade lógica que se podia extrair do progresso social dos povos: é impossível realizar-se completamente a democracia sem certa porção de liberdade e 144 igualdade. O conteúdo constitucionalmente previsto e atribuído ao direito de igualdade por carregar substância de natureza jurídica formal advinda das Constituições anteriores, dificulta sobremaneira a igualação de direitos para os diferentes grupos presentes na sociedade. 141 BRASIL. Artigo 179 inciso XIII da Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/>. Acesso em : 10 de julho de 2009. 142 As outras Constituições a que o texto se refere são as de 1937; 1946; 1967 e a emenda constitucional n. 1 de 1969. 143 “Embora não possua texto que resolva o problema de modo categórico, paralelamente à isonomia firmada no §1º do art. 141, estabeleceu, no art. 145, que „a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano‟, firmando, outrossim, no art. 147 que „o uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social‟. A lei, com observância do art. 141, § 16, poderá promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos.” FARIA, Anacleto de Oliveira. Do princípio da igualdade jurídica. São Paulo: RT e USP, 1983.p. 75-76. Apud. PEIXINHO, Manoel Messias; NASCIMENTO FILHO, Firly; GUERRA, Isabella Franco (Guerra, Isabella Franco). Os principios da constituicao de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.p.279. 144 MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2.ed. São Paulo: Saraiva.p.409. 67 Caso em que não seria interessante o contrário, visto que criados dentro do pensamento burguês. Neste contexto afirma Sandro Cesar Sell: Tradicionalmente, o Princípio da Isonomia, inscrito nas constituições, refere-se à igualdade no seu regime jurídico-formal (igualdade perante a lei). Com efeito, na conjuntura da qual emergiram os direitos do homem, era difícil crer que poderia ser diferente. Era mais simples, e politicamente conveniente, atribuir igualdades formais a todos e fazer vistas grossas às diferenças materiais verificadas entre os diferentes grupos da sociedade. Afinal, a burguesia, mentora intelectual dos novos direitos,queria que estes formassem a base de um mundo que os protegesse, e não de um mundo que os eliminasse enquanto classe privilegiada na sociedade.145 Celso Ribeiro Bastos afirma que a igualdade formal traduzida na idéia de que “todos são iguais perante a lei” surge historicamente na época da Revolução Francesa146 objetivada a ruir a sociedade estamental dominante neste período. Nas palavras deste autor: [...] naquela ocasião conhecia-se à perfeição o endereço do preceito. Tratava-se de abolir a sociedade estamental então vigorante. O que se pretendia era fazer ruir um castelo de privilégios erigido a partir da inserção do indivíduo numa dada classe social. Era todo um sistema de valores sendo contestado quer quanto à sua legitimidade, quer quanto à sua legalidade.147 Conclui Celso Ribeiro Bastos que a igualdade formal consubstancia no direito de que todo cidadão tem, de não ser desigualado pela lei. O que nos leva a discutir vários outros fatores que contrapõe essa maneira de ver a igualdade, tão programático diante da sociedade que a história construiu e da realidade atual. 145 SELL, Sando Cesar. Ação Afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002.p.42. 146 As Constituições Americanas (1787) e Francesa ( 1793) foram as protagonistas do princípio da Igualdade perante a lei. Ligado à Declaration dês droits de I‟homme et Du citoyen de 1789. BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. 147 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. V. 2.p.6. 68 Ou seja, os preceitos de igualdade perante a lei, implantado pelos liberais estavam em caminho diverso daquele de realmente combater as desigualdades sociais verdadeiramente existentes no momento. Contudo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 mantém o dispositivo que assegura e igualdade perante a lei, garantindo a inviolabilidade deste direito de uma forma muito mais abrangente. Entende-se que o dispositivo presente na Carta Magna supracitada destinase não somente a norma legal já presente, mas também quando da edição e aplicação de outras normas que venham a incorporar o direito interno, devendo estas estarem em consonância com conteúdo isonômico do princípio da igualdade, dispensando assim, tratamento equânime às pessoas148. Neste sentido, cumpre observar o disposto no artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quanto aos seus objetivos: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; [..].149 Ora, sabendo-se que o destinatário da “igualdade perante a lei” insculpida na Constituição de República Federativa do Brasil de 1988 é o Estado, convém este manifestar através da legislação sua atribuição de maneira a proporcionar a maior igualdade possível entre os particulares de acordo com a exigência Constitucional, cujo objetivo perfaz na justiça e na equidade. 148 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 10. 149 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. 69 2.3.1 A Igualdade entre os desiguais Por mais que o dispositivo da lei supracitado (art.5º caput) determine a aplicação da igualdade sem distinções de qualquer natureza, não se considera que o mesmo esteja completo, no sentido de que o princípio da igualdade precisa ser entendido em, no mínimo, duas dimensões, a saber: uma como qualidade intrínseca do ser humano e outra que é a concepção instrumental, ou seja, que exige do poder estatal uma contraprestação que possibilite o pleno exercício da igualdade que todos possuem diante da situação em que se encontram. Neste sentido manifesta-se Manuel Gonçalves Ferreira Filho: Ao pé da letra esta cláusula impediria o tratamento diferenciado entre os que se desigualam. Não é este o significado do texto. Quer ele apenas dizer que descabem entre os brasileiros e os estrangeiros residentes no País distinções arbitrárias, desarrazoadas, inadequadas à sua finalidade.150 Dentro da mesma abordagem, não exclusiva, mas inclusiva, a igualdade precisa ser entendida, também, inserido num contexto social, a qual não pretende relativizar a própria igualdade, e sim incluir algumas outras nuances, sem as quais a conceituação estaria incompleta. Desta forma, afirma Celso Antonio Bandeira de Mello que, cabe ao Estado inviabilizar as “desequiparações fortuitas ou injustificadoras”, ou seja, vedar a criação por meios preconceituosos ou de forma gratuita normas jurídicas que venham a desrespeitar ainda mais o conteúdo isonômico do princípio da igualdade. Em suas palavras: [...] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto,e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição. 150 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários a Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990.v.1.p.28. 70 Indubitável é que a própria noção de igualdade merece a proteção estatal, mas a maneira de efetivação, por certo, é diferenciada, pois se levará em consideração tanto os aspectos sócio/culturais, e na mesma medida, às particularidades do elemento discriminador e sua finalidade. Para José Joaquim Gomes Canotilho, não basta configurar o princípio da igualdade somente em seu aspecto formal, pois estaria estancando seu alcance a simples prevalência da lei, e ainda, desta forma, os problemas entre os iguais e desiguais se manteriam irresolvidos. Para este autor é necessário que o princípio da igualdade seja visto em seu conteúdo material, de maneira a identificar os iguais dos desiguais para a correta aplicação da justiça.151 Quanto ao emprego instrumental da igualdade material, Alexandre de Moraes é assente, e confirma a necessidade de tratamento igual para os iguais, e desigual para os desiguais, no entanto, confirma a vedação de distinções incoerentes que afrontem seu teor isonômico, tornando-se por fim inconstitucional. 152 Este autor confirma a assertiva acima citando a lição de San Tiago Dantas, citação esta, de suma importância para o entendimento do tema proposto: Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de sexo, de profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade. A intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que tem no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir as leis 151 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003.p.427. 152 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2007.p.32. 71 arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário.153 Credita-se desta maneira que, as diferenciações feitas referente à pessoas e situações atendem ao princípio isonômico previsto constitucionalmente, desde que, exista conexão do objeto da discriminação com o objetivo final de proporcionar maior igualdade, pois do contrário, impossível seria a invocação do princípio da igualdade provocadora de sua própria antítese. Neste sentido se manifesta Celso Antonio Bandeira de Mello: [...]: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.154 Para o autor supra citado os três aspectos que acima descritos, direcionam a análise da qualificação da norma jurídica posta frente aos preceitos constitucionais, reafirmando, pois, que a falta de um deles condicionam a sua desqualificação.155 A esse respeito, Celso Antonio Bandeira de Mello, alega que, a singularização do destinatário, de tal forma a não incidir a norma a qualquer outro que se configurasse na mesma situação concorre no rompimento ao princípio da 153 DANTAS, F.C San Tiago. Igualdade perante a lei e due processo of Law: contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo. Apud: MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo: Ed.Atlas, 2007.p.33. 154 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 21-22.. 155 “suponha-se hipotética lei que permitisse aos funcionários gordos afastamento remunerado para assistir a congresso religioso e o vedasse aos magros. No caricatural exemplo aventado, a gordura ou esbeltez é o elemento tomado como critério distintivo. Em exame perfunctório parecerá que o vício de tal lei, perante a igualdade constitucional, reside no elemento fático (compleição corporal) adotado como critério. Contudo, este não é, em si mesmo, fator insuscetível de ser tomado como fato deflagrador de efeitos jurídicos específicos. O que tornaria inadmissível a hipotética lei seria a ausência de correlação entre o elemento do discrimen e os efeitos jurídicos atribuídos a ela.[...]. todavia, em outra relação, seria tolerável considerar a tipologia física como elemento discriminatório. Assim os que excedem certo peso em relação à altura não podem exercer, no serviço militar, funções que reclamem presença imponente.” MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 38. 72 igualdade, assim sendo, não haveria afronta a esse princípio a norma que visar atingir sujeitos indetermináveis ou indeterminados na edição de tal norma, desde que destinadas à promoção da igualdade.156 A igualdade formal e a igualdade substancial aos olhos da doutrina internacional157 devem ser estrategicamente estabelecidas para o atendimento ao princípio isonômico a que é proposto. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o problema da aplicação de norma com cunho discriminatório reside no fato de possivelmente estarem à mercê de critérios políticos, o que levaria vantagem a certa minoria, fugindo assim do objetivo real do princípio da igualdade, qual seja, estabelecer tratamento desigual aos que se encontram em situação desigual de fato. 158 Contudo, o elemento da discriminação não é fator isolado para configurar afronta ao princípio constitucional da igualdade, estando, no entanto, ligado intimamente com a finalidade da norma imposta, como afirma Celso Ribeiro Bastos: Quanto ao elemento discrímen já foi dito que ele não pode, isoladamente, fornecer o critério da sua validade ou invalidade, ainda quando a Constituição expressamente o vede, como nos casos de raça, sexo, cor etc. Não há negar-se que nestas hipóteses a presunção de sua inconstitucionalidade é fortíssima, mas não chega, contudo, ao ponto de obstar a demonstração de que in casu a ereção de quaisquer desses elementos em fator discriminador se afigura necessária ao atingimento de uma finalidade constitucionalmente perseguida. Em outras palavras: o elemento discrímen não é autônomo em face do elemento finalidade.159 Perquirindo os aparatos internacionais em busca da aplicação exemplar do conteúdo isonômico previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 156 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 2006.p. 25.. 157 A doutrina internacional a qual o trabalho se refere esta consubstanciada em Norberto Bobbio: nascido em 18 de Outubro de 1909 e falecido a 9 de Janeiro de 2004, em Turim, Norberto Bobbio foi, como um dos seus colaboradores mais próximos o qualificou, uma testemunha fundamental dos acontecimentos que ocorreram no século XX e que marcaram a história da Europa e do mundo. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/ doutrina/texto.asp?id=8615>.Acesso em: 05 de julho de 2009. 158 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários a Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990.v.1.p.27. 159 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo:.Saraiva, 1989. V. 2.p.10. 73 1988, convém destacar o alcance da Convenção sobre a eliminação das formas de Discriminação Racial, adotada pelas Nações Unidas em 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968, com intuito protetivo dos direitos fundamentais. A Convenção em questão adota medidas especiais visando à proteção de grupo ou pessoas vulneráveis às desigualdades. Tutelando, pois, os interesses de crianças, idosos, mulheres, vítimas de tortura, de discriminação racial, dentre outros, que se encontram em situação de desnivelamento social decorrente de discriminação.160. Da referida Convenção, convém trazer em citação o artigo 1º n. 1 e n. 4, elucidando seus objetivos: Artigo 1.º 1 - Na presente Convenção, a expressão a «discriminação racial» visa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na raça, cor, ascendência na origem nacional ou étnica que tenha como objectivo ou como efeito destruir ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios político, econômico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública [...] 4 - As medidas especiais adotadas com a finalidade única de assegurar convenientemente o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que precisem da proteção eventualmente necessária para lhes garantir o gozo e o exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais em condições de igualdade não se consideram medidas de discriminação racial, sob condição, todavia, de não terem como efeito a conservação de direitos diferenciados para grupos raciais diferentes e de não serem mantidas em vigor logo que sejam atingidos os objectivos que prosseguiam. 161 160 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 2ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.p.14. 161 “Três relevantes fatores históricos impulsionaram o processo de elaboração desta Convenção na década de 60, destacando-se o ingresso de dezessete novos países africanos na ONU em 1960, a realização da Primeira Conferência de Cúpula dos Países Não-Aliados em Belgrado em 1961 e o ressurgimento de atividades nazifascistas na Europa.(1) Estes fatores estimularam a edição da Convenção, como um instrumento internacional voltado ao combate da discriminação racial.” CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL. Disponível em: < http://www.gddc.pt/direitos-humanos/>. Acesso em: 05 de julho de 2009. 74 No tocante ao Afro descendente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, instituiu em seu ordenamento jurídico como sujeito à sua tutela. Criando medidas especiais de caráter protecionista como as normas penalizadoras de discriminação racial,162e promocional, como a presente na lei 10.678/2003, que trata sobre iniciativas públicas, objetivada na promoção compensatória e reparatória, assim como seu incentivo frente à sociedade. Convêm aqui, destacar o texto da Lei n. 10.678 de 23 de maio de 2003, de forma a complementar aos objetivos constitucionais: Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória nº 111, de 2003, que o Congresso Nacional aprovou, e eu, Eduardo Siqueira Campos, Segundo Vice-Presidente, no exercício da Presidência da Mesa do Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no art. 62 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda constitucional nº 32, combinado com o art. 12 da Resolução nº 1, de 2002-CN, promulgo a seguinte Lei: Art. 1o Fica criada, como órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Art. 2o À Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial compete assessorar direta e imediatamente o Presidente da República na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e avaliação das políticas públicas afirmativas de promoção da igualdade e da proteção dos direitos de indivíduos e grupos raciais e étnicos, com ênfase na população negra, afetados por discriminação racial e demais formas de intolerância, na articulação, promoção e acompanhamento da execução dos programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à implementação da promoção da igualdade racial, na formulação, coordenação e acompanhamento das políticas transversais de governo para a promoção da igualdade racial, no planejamento, coordenação da execução e avaliação do Programa Nacional de Ações Afirmativas e na promoção do acompanhamento da implementação de legislação de ação afirmativa e definição de ações públicas que visem o cumprimento dos acordos, convenções e outros instrumentos congêneres assinados pelo Brasil, nos aspectos relativos à promoção da igualdade e de combate à discriminação racial ou étnica, tendo como estrutura básica o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial - CNPIR, o Gabinete e até três 163 Subsecretarias. 162 As normas penalizadoras citadas neste parágrafo, referem-se ao artigo 5º inciso XLII da CRFB/88, por conseqüência da Lei 7.716 de 1989 que trata sobre o racismo. 163 BRASIL. Lei n. 10.678 de 23 de maio de 2003. Lex: Disponível em: < http://www.mp.sc.gov.br>. Acesso em: 10 de agosto de 2009. 75 Entretanto, verifica-se no momento, que as normas constitucionais direcionadas ao fim da discriminação racial ainda não encontraram satisfatória aplicabilidade no quadro jurídico/político/institucional brasileiro. Com efeito, ao tecer considerações acerca da composição da norma jurídica baseada no tratamento isonômico, compete no capítulo que segue traçar de forma adequada a desigualdade existente na sociedade brasileira atual, e por fim discorrer sobre as medidas especiais que visam combater a desigualdade racial em que são vítimas os afros descendentes. 76 3. DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL E AÇÃO AFIRMATIVA Antes de adentrar na seara do instituto da Ação Afirmativa, compete para o melhor entendimento do tema proposto, tecer considerações terminológicas utilizadas para traduzir o termo: Raça, e apontar mesmo de forma concisa as atuais desigualdades raciais no Brasil. 3.1 CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE RAÇAS A identidade do afro-descendente é constantemente discutida através do tempo, tornando importante especificar alguns conceitos quanto às terminologias utilizadas por pesquisadores e teóricos com relação ao tema. Embora sua definição seja controversa, alguns doutrinadores e cientistas são concordes, em definir a raça pelo seu conteúdo biológico, condição definida por sua característica física, genética, subgrupos do gênero humano. Neste caso identifica-se um diferenciador no contexto de Ricardo Franklin Ferreira de etnia, esta, destinada a classificar os indivíduos de acordo com o aspecto cultural, embora seja facilmente utilizada como sinônimo.164 A origem da raça segundo Eliane Azevedo sucede aos efeitos do local onde determinado grupo humano se encontra, para ela, não existe raça pura, mas sim frutos de miscigenação. A autora refere-se ao Brasil nesse sentido: “O brasileiro é mesclado no corpo e no espírito, no ser e no fazer, na aparência e na cultura. Sua singularidade é a heterogeneidade e sua identidade é a mescla.”165 Já a autora Zilá Bernd alega que a ciência desde o século XX já comprovou a impossibilidade de conceituar “raça”, sendo este termo substituído pelo de “etnia”, traduzido na idéia de reunião de indivíduos que partilham da mesma cultura.166 164 FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-descendentes: Identidade em Construção. São Paulo: Pallas, 2000.p.50. 165 AZEVEDO, Eliane. Raça: conceito e preconceito. São Paulo: Atica, 1987.p.30.. 77 Neste sentido segue o trecho do artigo – “O que é Raça”: Com este entendimento, as pessoas que possuem os mesmos ancestrais, ou compartilham com as mesmas crenças ou valores, mesma linguagem ou qualquer outro traço social ou cultural são considerados como uma raça167 Na busca de resultados quanto à distinção da raça ainda que de forma não unânime é comum a classificação pela cor, característica utilizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) quando se refere às categorias branco, preto, pardo, amarelo, indígena. E pelo IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que utiliza-se das cores: branco, preto, pardo e amarelo, atribuindo os sem declaração característica de pardo.168 Em que pese à indubitável deficiência em distinguir de forma exata as raças existente em um país, principalmente dada à heterogeneidade do Brasil, permanece, contudo, a existência da diferença entre elas, neste enfoque descreve Thomas Lynn Smith: Tornaria uma vida inteira qualquer estudo aprofundado sobre a composição racial da população brasileira e a forma pela qual os vários elementos se distribuem entre as diversas classes e regiões. Se os Estados Unidos se aplica a designação de cadinho racial, o Brasil pode ser considerado uma caldeira. Nenhum outro país teve por quatrocentos anos tão numerosos elementos brancos, pretos e vermelhos lançados em tão íntimo contato físico e social. À população já extremamente heterogênea composta das três correntes originárias, e na qual a componente portuguesa branca já representava por sua vez uma soma de muitos elementos, somaramse nos séculos XIX e XX milhões de europeus, principalmente italianos, alemães, poloneses, portugueses e espanhóis e , neste século, novos contingentes de sírio-libaneses e japoneses.169 166 BERND, Zilá. Racismo e anti-racismo. São Paulo: Moderna, 1994.p.11. MITCHELL, Glenford, JORDAN, Daniel. O que é Raça? . Disponível em: <http://www.bahai.org.br/racial/Raca.htm>. Acesso em: 12 de abril de 2009. 168 Para obtenção destes dados foram feitas pesquisas nos seguintes sites: <http://www.ipea.gov.br> e <www.ibge.gov.br>. 169 SMITH, T. Lynn. People And Institutions. Tradução de José Arthur Rios. Pessoas e Instituições Rio de Janeiro: USAID, 1967.p.67. 167 78 Para este autor a composição da população brasileira sobreveio da política colonial portuguesa, o qual se limitou em três correntes mais importantes: - a dos colonos portugueses; - os índios e os seus descendentes com os portugueses gerando os mamelucos; - e os milhões de escravos trazidos da África. De forma a acrescentar os introduzidos pela imigração européia: italianos, alemães, poloneses e japoneses.170 Contudo, considerando a possibilidade de conceituar raça de acordo com os aspectos biológicos do gênero humano, embora, longe de focalizar seus grupos e subgrupos com eficiência, torna-se importante frisar de que forma essas diferenças são observadas pela sociedade, neste contexto, Juan Comas cita: Facilmente podemos observar que os homens não são semelhantes na aparência; a variações nas características físicas externas transmitidas, total ou parcialmente, de pai para filho. E são os grupos relativamente homogêneos, quanto a este aspecto, que constituem o que genericamente chamamos de „raças‟. Estas raças não apenas diferem na aparência física; elas, não raro, possuem diferentes graus de desenvolvimento, algumas delas usufruindo de todas as vantagens de uma civilização adiantada, enquanto outras apresentam maior ou menor grau de subdesenvolvimento.171 Lilia Moritz Schwarcz é assente em afirmar à importância da discussão sobre a raça para identificar a identidade nacional, entretanto, estudada de forma descomprometida: Tudo parece sinalizar para uma visibilidade acentuada da questão racial e um trato freqüente de temas que a envolvem. No entanto, o que se observa é bem diverso. Com freqüência – e sobretudo para fora – fazemos o discurso da exaltação da especificidade da miscigenação brasileira, porém, no país e entre nós, o tema é quase um tabu. Com efeito, a não ser de forma jocosa ou aparentemente descomprometida, pouco se fala acerca do tema e pouco questionamento o assunto merece.172 170 SMITH, T. Lynn. People And Institutions. Tradução de José Arthur Rios. Pessoas e Instituições. Rio de Janeiro: USAID, 1967.p.68. 171 COMAS, Juan. Raça e ciencia I. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 176. 172 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Negras Imagens: Ensaios sobre Cultura e Escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.p.154. 79 A autora afirma ainda, que a problemática sobre os diferentes grupos afloram interesse reduzido, produzindo a idéia de neutralidade e harmonia. Denomina a autora a esta forma de concepção de “racismo a brasileira”, aonde a maneira de lidar com o “incômodo”, é não falar sobre ele.173 A respeito ao conceito de raça a soberana Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não se manifesta, nem mesmo a classifica, no entanto, prevê em seu artigo 5° inciso XLI a punição de qualquer ato discriminatório que atente aos direitos e liberdades fundamentais, ou seja, no caso em tela o direito de igualdade independente de sua natureza. O dispositivo acima descrito está regulado pela Lei 7.716/89 que prevê pena aos crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; e a Lei 9.459/97 que prevê pena para os atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza. Dentro deste contexto Luciana de Barros Jaccoud alude: “A cor das pessoas é um determinante das chances de vida, e a discriminação racial parece estar presente em todas as fases de vida individual.”174 Observa-se o que o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil de 2007-2008 alude: Os organizadores do Relatório não desconhecem os avanços científicos na área da genética desde o final da Segunda Guerra Mundial que, progressiva e coerentemente, apontam para a inexistência das raças como uma realidade biológica. Tais verdades científicas são importantes, pois, no plano normativo, contribuem, fundamentalmente, para os que lutam contra o racismo. Todavia, tais avanços precisam ser bem compreendidos, para que, de uma compreensão progressista, não se transformem em instrumento de preservação de antigas assimetrias entre seres humanos de diferentes aparências físicas. Os organizadores do referido relatório entendem, que embora a utilização do termo raça em seu conteúdo biológico tenha se tornado inexistente, subsiste o 173 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Negras Imagens: Ensaios sobre Cultura e Escravidão no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.p.154. 174 JACCOUD, Luciana de Barros. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: Ipea, 2002.p.17. 80 comportamento dos indivíduos em dividir-se em grupos, fundados na aparência, origem ou situação social, levando a perpetuidade da idéia de raça. Observa-se, contudo, que a raça está baseada nas características aparentes das pessoas, a soma de características físicas sociais e culturais. Valendo-se das considerações de Glenford Mitchel e Daniel Jordan, “o uso dos termos raça ou etnia está circunscrito à destinação política que se pretende dar a eles”.175 Conclui-se desta forma, que embora a definição de raça seja matéria arriscada e discutível, a existência da desigualdade entre os grupos de indivíduos é manifesta. Dando ensejo a conflitos sociais e econômicos, como os que o presente trabalho passa a delinear. 3.1.1. Discriminação Racial A origem da desigualdade racial sofrida pelos Afrosdescendentes no Brasil restou traçada no 1º capítulo deste trabalho, quanto tratou sobre o instituto da escravidão, porém, necessário se faz, esboçar os efeitos atuais sofridos por este grupo de pessoas, especificadamente no que tange a sua presença no mercado de trabalho. No Brasil há uma grande dificuldade de abordar sobre o assunto da discriminação racial, eis que, plainamos sobre o mito de uma democracia racial, ou seja, uma falsa convivência harmônica entre os grupos de pessoas. Diferente de alguns outros lugares, onde a discriminação posta encontrou-se positivada, como no sul dos Estados Unidos e África do Sul, na afirmação Ricardo Franklin Ferreira. 176 Para este autor, o fato da discriminação ser expressa por lei nestes locais, favoreceu aos que estavam contra ela, lutar por diversa condição, o que no Brasil 175 MITCHELL,Glenford,JORDAN,Daniel. O que é Raça?. Disponível em: < http://www.bahai.org.br/racial/Raca.htm>. Acesso em: 12 de abril de 2009. 176 FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-Descendente: Identidade em Construção. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.p. 40. 81 não ocorreu de modo aberto, posto que esta discriminação encontra-se encoberta pelo mito da democracia racial. 177 Continua Ricardo Franklin Ferreira afirmando que: O afro-descendente enfrenta, no presente, a constante discriminação racial, de forma aberta ou encoberta e, mesmo sob tais circunstâncias, tem a tarefa de construir um futuro promissor. [...]. A cor de pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável raça e condição social, o que leva ao afro-descendente a introjeção de um julgamento de inferioridade, não somente quanto ao aspecto racial, mas também em relação às condições socioeconômicas, implicando o favorecimento de uma concentração racial de renda, de prestígio social e de poder por parte do grupo dominante.178 Conclui-se a princípio, que após a abolição da escravatura, desenvolveu-se a ideologia do embranquecimento. Desta forma, o método utilizado na aparente “democracia racial” não fez mais que, manter o afro descendente distante da participação da sociedade capitalista que passara a se formar desde então. 179 Antonio Sergio Alfredo Guimarães considera que no Brasil, a discriminação advém da perpetuação da divisão de classes, compreendida pela desigualdade de direitos, da distribuição de honra e prestígios sociais. Para este autor permanecera intacta a ordem hierárquica de privilégios, não abatida pela classe média em busca da igualdade e da cidadania no período capitalista moderno.180 Marcos Rodrigues da Silva, afirma que o povo afro descendente insere-se em situação flagrantemente preconceituosa, de maneira em que se encontram, em quase toda a sua totalidade, inserida nos pólos periféricos das cidades. 177 FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-Descendente: Identidade em Construção. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.p. 40. 178 FERREIRA, Ricardo Franklin. Afro-Descendente: Identidade em Construção. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.p. 41-42. 179 “Por exemplo: as convocações para os novos tipos de emprego que, normalmente, vão surgindo nos departamentos industriais sempre trazem nos seus anúncios o adendo: “Precisa-se de secretária, com boa aparência...” A partir dessas formas sutis de discriminação, chegamos à manutenção da chamada “democracia racial”. Esse foi um dos métodos aplicados sobre a pessoa do negro, procurando mantê-los à distância de todo processo de construção da sociedade capitalista.” SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo: FTD,1987.p.41. 180 GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Classes, Raças e Democracia.34.ed. São Paulo. 2002.p. 43. Disponível em: < Pesquisa de Livros do Google. Acesso em: 24 de agosto de 2009. 82 O autor alude ainda, que a sociedade negra encontra proteção na maioria das vezes nos morros, favelas, e nos cortiços onde geralmente habitam, protegendo-se assim, da sociedade burguesa. 181 Toda essa resistência opressora gera, sem margem de dúvidas, o desvalor de si próprio, como afirma Eliane Azevêdo: [...] a crença no desvalor de si próprio minou o espírito do negro. As sementes das projeções valorativas do branco foram ganhando prestígio na consciência do negro, em detrimento das projeções de seu próprio valor. Ainda hoje, os reflexos dessa introjeção traduzemse em várias atitudes do negro, conscientes ou não. [...] Das conseqüências da escravatura, não temos dúvidas de que, pior que a pobreza, a miséria, o analfabetismo, a marginalização e a doença, é ... a perda da autovisão de valor. Se qualquer forma de racismo por si só já é condenável, devido aos efeitos bloqueadores que impõe ao outro, o auto-racismo é o mais destruidor dos sentimentos, pois impede até o prazer natural de ser um ser.182 A idéia de democracia racial vem desde a República, que por sua vez atribuiu ao afro descendente à responsabilidade de sua própria exclusão, dentro de um silogismo perverso de onde não se percebe, ou faz-se não perceber que, os desempregados, subempregados e marginalizados são na maioria vítimas históricas das leis da abolição e sua substituição pelos europeus. Vê-se sobremaneira, que encobertada ou não, a discriminação faz surgir um verdadeiro Apartheid social, no entendimento de Zilá Bernd esse Apartheid trata: [...] de uma política segregacionista que corresponde a uma separação rigorosa dos „diferentes‟. Esse tipo de racismo de exclusão corresponde à figura da antropoemia ( em grego emein, „vomitar‟), que determina que os elementos indesejáveis da comunidade sejam expelidos, „vomitados‟ para fora do corpo social, como se não existissem.183 A referida autora continua em sua afirmação dizendo, que se atribui a raça o fator determinante para avaliar a inserção dos indivíduos no mercado de trabalho, 181 SILVA, Marcos Rodrigues Da. O Negro no Brasil: História e Desafios. São Paulo:.FTD, 1987.p.41. 182 AZEVÊDO, Eliane. Raça: Conceito e preconceito. São Paulo: Ática, 1998.p.48. 183 BERND, Zilá. Racismo e anti-racismo. São Paulo: Moderna, 1994.p. 21. 83 acrescenta a autora, que em relação aos brancos, os negros encontram em nítida desvantagem, sendo por fim, difícil de ter “igualdade na diferença” eternizado desta forma a estigma da cor.184 Entende-se de certa forma, que o afro descendente sofre um tipo de racismo cordial 185 , mesmo que consigam ingressar no mercado de trabalho, ainda assim, as dificuldades persistem, eis que, não conseguem caminhar rumo à ascensão dentro do ramo ao qual adentraram. Contudo, observa-se que a discriminação racial advém de um processo histórico, quando o homem separou-se em grupos, os julgando por característica e situações em que se encontram, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis. Construindo desta forma uma superioridade racial sobre aos que classificaram como inferiores.186 Quanto ao fator renda, Álvaro Ricardo Souza Cruz observa que algumas atividades são praticamente inacessíveis aos afros descendentes, em sua colocação cita Joaquim B. Barbosa Gomes: Um passeio pelos nossos shopping-centers nos levará à surpreendente constatação de que raríssimos negros trabalham em estabelecimentos comerciais especializados na venda de produtos de maior sofisticação; nos grandes centros urbanos uma „”promenade”‟ aos restaurantes elegantes nos indicará uma quase total ausência de negros em serviços que demandam contato próximo com a clientela, como maitrê ou garçons. Em constraste, nesses mesmos espaços será abundante a presença de negros em funções que realçam claramente a sua inferioridade („leão de chácara”, manobrista, por exemplo), transmitindo de forma sutil, a 184 BERND, Zilá. Racismo e anti-racismo. São Paulo: Moderna, 1994.p. 38-39. Para o racismo cordial inserido neste parágrafo entende-se aquele onde as pessoas tentam não demonstrar o preconceito contra os afros descendentes que possuem. Para melhor esclarecimento consultar: TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo cordial : a mais completa analise sobre o preconceito de cor no Brasil. São Paulo: Atica, 1995.p.11. 186 “tememos o que desconhecemos; desconfiamos do que não nos é familiar; evitamos o que é estranho. Por esse motivo, se nos criamos uma sociedade de louros, suspeitamos os que têm cabelos pretos. Se nos criamos numa sociedade de pessoas altas, receamos as que são baixas. Se nos criamos numa sociedade em que todos têm pele clara, tememos os morenos. Se aprendemos o grego desde a infância, consideramos bárbaros todos os que não falam essa língua. Congregamonos para proteger-nos dos estrangeiros e dos que diferem de nós. Mais ainda. Esforçamo-nos por explicar e justificar o temor a aversão: o temor ao estranho e a aversão a aceitá-lo. Isso constitui o fundamento do conceito de raça, o mito que se tornou fator preponderante em qualquer sociedade. PACHECO, Josephine Fenneli. O problema do racismo nos Estados Unidos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1983.p.7. 185 84 idéia da sua imprestabilidade para tarefas que exijam um grau de civilidade.187 Complementando, Álvaro Ricardo Souza Cruz traz em sua obra a pesquisa de Vera Moreira Figueira, concernente a concepção desde a infância da discriminação racial no emprego. Na referida pesquisa foram entrevistados 442 (quatrocentos e quarenta e dois) alunos. A eles foram entregues fotos que representavam algumas profissões, e diante delas fora requerido que os alunos indicassem o status mais adequado para os brancos e o status mais indicado para os negros. Restou obtido o seguinte resultado:188 Preferência por Brancos Preferência por Negros Engenheiro 85,4% 14,50% Médico 92,2% 7,8% Faxineiro 15,5% 84,4% Cozinheiro 15,5% 84,4% Vê-se previamente, que a discriminação racial surge desde a infância, enquanto já há uma introspecção valorativa dos brancos sobre os negros, e que realmente há a manifestação contrária a democracia racial até então defendida no Brasil.189 No entanto, um dos mais importantes parâmetros que contribuem para identificar o grau de desigualdade racial no contexto raça/cor, têm sido as pesquisas demográficas, tanto as realizadas oficialmente como: IBGE ( Instituto Brasileiro de 187 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Apud: Álvaro Ricardo de Souza Cruz. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.109. 188 FIGUEIRA, Vera Moreira. Apud: Álvaro Ricardo de Souza Cruz. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.111. 189 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.112. 85 Geografia e Estatística) por meio do PNAD ( Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), PME (Pesquisa Mensal de Emprego), dentre outras, quanto as realizadas por instituições não governamentais, como o: DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), e DIESAT (Departamento Intersindical e Saúde do Trabalhador), dentre outros. Nestas pesquisas os indicadores mais utilizados giram em torno do status social, quando é avaliada principalmente a escolaridade, ocupação e rendimento. A coleta das informações basea-se na apresentação ao entrevistado de alternativas de cor ou raça identificadas no questionário. Quanto ao quesito cor ou raça as pesquisas oficiais do Brasil como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) utiliza-se das alternativas de cor: Branca, preta, Amarela, Parda e Indígena. Importante observar, que a cor preta e parda são consideradas pertencentes ao mesmo grupo, tal conceito advém da mesma barreira social por estes enfrentadas.190 Quanto ao número populacional de residentes no Brasil, a pesquisa realizada pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2006, aponta que dos entrevistados 49,1% eram brancos, 49,5% pretos e pardos, 0,3% indígenas e 0,5% amarelos. Considerando desta forma, que o Brasil não pode ser considerado branco por maioria.191 Contudo, a distribuição da população residente no Brasil aponta desigualdades quando o assunto é trabalho, como afirma a citação abaixo: O campo de atuação profissional é de fundamental importância para a autonomia dos indivíduos, para a construção de identidade, para o reconhecimento social, para o acesso a bens de consumo, entre outras dimensões tanto materiais quanto simbólicas, cada vez mais importantes em nossas sociedades neste século XXI. Por isto, a forma como os diferentes grupos populacionais se inserem no mercado de trabalho retrata uma faceta fundamental da 190 RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL; 2007-2008. Disponível em: < www.laeser.ie.ufrj.br>. Acesso em: 31 de agosto 2009. 191 Em 2006 foram visitados cerca de 145,5 mil unidades domiciliares em todo o Brasil, a mesma pesquisa identifica neste mesmo ano 187,2 milhões de habitantes residentes no Brasil. RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL; 2007-2008. Disponível em: < www.laeser.ie.ufrj.br>. Acesso em: 31de agosto de 2009. 86 desigualdade. Homens, mulheres, brancos e negros apresentam características bem distintas na entrada no mercado de trabalho, nos postos ocupados, nos rendimentos auferidos, nas áreas de atuação, entre outros indicadores[...].192 De acordo com estudos realizados pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) em 2006, a taxa de desocupação, onde mensura a proporção de pessoas desempregadas à procura de emprego retrata a desigualdade enfrentada pelos afros descendentes. A pesquisa apresenta um percentual de 7,1% para os afro descendentes e 5,7% de brancos na mesma situação. Quanto à posição em que ocupam, também há a manifestação desta desigualdade. O relatório acima referido destaca que há uma concentração maior de afros descendentes em ocupações precárias e sem carteira assinada. além de apresentar uma proporção maior de mulheres afro descendentes em empregos domésticos, identificando um percentual de 21,7% da participação de mulheres afro descendentes para 12,6% de mulheres brancas nesta ocupação. Ainda, quando se trata de trabalho infantil, a referida pesquisa ressalta que, embora as taxas venham decaindo ao passar dos anos, as taxas existentes se concentram nos meninos afros descendentes ( de 5 a 9 anos e entre 10 a 15 anos).193 O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil elaborado em 2008 apresenta um resumo das desigualdades sofridas pelos afros descendentes com base em dados apresentados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) compreendidos entre os anos de 1995 a 2006, conforme segue: - A condição assalariada com carteira assinada era mais comum: entre os trabalhadores brancos ( 36,8%) do que entre os pretos & pardos ( 28,5%), entre os homens brancos ( 39,8%) do que os pretos & pardos ( 33 %); entre as brancas ( 33%) do que ente as pretas & pardas ( 22%); 192 RETRATO DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA: Análise preliminar dos dados. Disponível em: < www.ipea.gov.br/sites/.../Pesquisa_Retrato_das_Desigualdades.pdf>. Acesso em: 31de agosto de 2009. 193 RETRATO DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO E RAÇA: Análise preliminar dos dados. Disponível em: < www.ipea.gov.br/sites/.../Pesquisa_Retrato_das_Desigualdades.pdf>. Acesso em: 31de agosto de 2009. 87 - O Emprego assalariado sem carteira assinada, era mais comum: aos homens pretos & pardos (25,2%) do que os brancos ( 17,2%). Entre as mulheres, o percentual de pretas & pardas era ligeiramente superior; - O emprego de funcionária pública ou militar era pouco mais comum às mulheres brancas (5,9%) do que as pretas & pardas ( 4,6%); - O emprego doméstico ocupava mais mulheres do que homens e mais pretas & pardas do que brancas. Assim, das pretas & pardas uma em cada cinco era doméstica ( 21,8%). A probabilidade de se encontrar uma mulher branca como tal era de 8,9 pontos percentuais inferior do que a de uma preta & parda;[...] - A ocupação não remunerada era mais comum entre as mulheres do que entre os homens. No caso de pretas & pardas a probabilidade de se encontrarem nesta condição era de 8,7% e das brancas, de 7,4 %. No Pnad masculino, o percentual de não remunerados era de 5,7% entre os pretos & pardos e de 3,6% entre os brancos. - Em 2006, o rendimento médio mensal real do trabalho principal dos homens brancos em todo o país equivalia a R$ 1.164,00. Esse valor, no mesmo ano, era 56,3% superior á mesma remuneração obtida pelas mulheres brancas ( R$ 744,71), 98,5% superior a auferida pelos homens pretos & pardos ( R$ 586,26) e 200 % a recebida pelas mulheres pretas & pardas.194 Conclui-se, diante dos indicadores acima referidos, que a situação do afro descendente, é ainda, manifestamente discriminatória. Mantendo-se resquícios da exclusão histórica a que foram vitimados. Diante dos traços diferenciadores que a história construiu e fundamentados no propósito de reparação, surge o instituto da Ação Afirmativa, na qual o presente trabalho passa a descrever. 3.2 AÇÃO AFIRMATIVA: CONCEITO E DESAFIOS No que se refere ao conceito e objetivo da Ação Afirmativa, segue o entendimento de alguns doutrinadores: Nas palavras de Álvaro Ricardo Souza Cruz: As ações afirmativas podem ser entendidas como medidas públicas e privadas, coercitivas ou voluntárias, implementadas na 194 RELATÓRIO ANUAL DAS DESIGUALDADES RACIAIS NO BRASIL; 2007-2008. Disponível em: < www.laeser.ie.ufrj.br>. Acesso em: 31de agosto de 2009. 88 promoção/integração de indivíduos e grupos sociais tradicionalmente discriminados em função de sua origem, raça, sexo, opção sexual, idade, religião, patogenia física/piscológica, etc.195 Para o autor acima referido, a ação afirmativa é composta por atos discriminatórios lícitos, tido como elemento fundamental de democracia. Segundo Sandro Cesar Sell: Ação Afirmativa consiste numa série de medidas destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características biológicas ( como raça e sexo) ou sociológicas ( como etnia e religião), que marcam a identidade de certos grupos na sociedade.196 No entanto, diversamente dos doutrinadores acima citados, Yvone Maggie, entende, que as políticas de inclusão em relação à raça ou cor, não fazem mais que perpetuar a diferença: “[...], há quem queira ainda transformar o País em uma nação dividida, por força da lei, em brancos e negros, criando as “raças”.197 Para os universalistas como Yvone Maggie, o caráter formal da igualdade deve ser plenamente atendido, atendendo aos limites a que fora criado, caso contrário estaria criando uma discriminação reversa, ou seja, uma injustiça combatida com outra injustiça, haveria neste momento em seu entendimento a perpetuação das raças. Os universalistas defendem ser ilegítima à política direcionada a atender tão somente um grupo específico, neste passo, seria legítimo atender uma situação em geral, seja social ou econômica, direcionada a todos, independente de sua característica.198 Para Sergio da Silva Martins, o entendimento do parágrafo descrito acima, sedimenta ainda mais a constatação da necessidade da discussão sobre as políticas de Ações Afirmativas, o autor segue em suas palavras: 195 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.143. 196 SELL, Sandro Cesar. Ação Afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. P.15. 197 MAGGIE, Yvonne . Pela igualdade. Estudos Feministas. Florianopolis, v.16, n.3, p.909, Set.2008. 198 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005 89 [...] a reflexão sobre a ação afirmativa coloca-nos diante da constatação de que a sociedade brasileira desenvolveu-se através da perpetuação de um sistema de profundas desigualdades, inclusive raciais, escamoteadas por um modelo político democrático liberal formal.199 Para este autor, o problema reside na vontade política, que por medo de discutir o problema, prefere eternizar a aparente hegemonia racial em que pensam viver, onde se afirma a inexistência das raças independente do contexto a que ela esta inserida. A aplicação da ação afirmativa, no entendimento de seus opositores por assim dizer “universalistas” somente se legitima quando aplicada de acordo com a situação global (considerando que pertencemos a um único grupo) atingindo assim os problemas sociais, cita-se como exemplo, em relação à pobreza e não a cor da pele. Ademais, negar a transformação e a evolução da sociedade em suas especificidades é sobremaneira uma atitude perigosa, podendo ser considerada hodiernamente como atitude conservadora, preconceituosa e opressora, em que se identifica uma estrutura política de manutenção da ideologia dominante. Joaquim Benedito Barbosa Gomes, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal faz referência quanto ao alcance da Ação Afirmativa : Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fato, de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, aptas a inculcar nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano.200 199 MARTINS, Sergio da Silva. Ação Afirmativa e Desigualdade Racial no Brasil. Estudos Feministas. Florianopolis, v.4, n.1,p. 208, Set.1996. 200 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. Disponível em: < http://www.adami.adv.br/artigos/19.pdf>. Acesso em: 01 de setembro de 2009. 90 As ações Afirmativas também se encontram capituladas como “política de cotas”, “reservas de vagas”, dentre outras, como afirma Sabrina Moehlecke: [...] a ação afirmativa também envolveu práticas que assumiram desenhos diferentes. O mais conhecido é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número ou percentual a ser ocupado em área específica por grupo (s) definido(s), o que pode ocorrer de maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos flexível. Existem ainda as taxas e metas, que seriam basicamente um parâmetro estabelecido para a mensuração de progressos obtidos em relação aos objetivos propostos, e os cronogramas, como etapas a serem observadas em um planejamento a médio prazo.201 No objetivo finalístico da Ação Afirmativa encontra-se a reparação, que se entende respectivamente como a forma de compensar prejuízos históricos sofridos por um determinado grupo, ou tão somente a equiparação racial por força da atual desigualdade em que se encontram. Resolvida através da instituição de percentuais, assegurando assim um mínimo de contratação a determinados grupos, seja em empresas privadas, públicas ou instituições educacionais, ou pela implantação de outras formas de inclusão.202 O princípio que norteia a adoção das políticas de ação afirmativa é a compreensão de que o critério cor/raça/etnia é lícito, seja nas admissões no mercado de trabalho, inclusão nos setores do governo, no ensino e em outras áreas marcadas pela situação histórica da desigualdade, atendendo o conteúdo isonômico presente no princípio da igualdade.203 Flavia Piovesan argumenta que o primeiro dilema que se funda acerca da ação afirmativa é quanto à “igualdade formal” versus “igualdade material”, seus opositores, como acima já destacado, afirmam serem as ações afirmativas 201 MOEHLECKE, Sabrina . Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, n.117, p. 199, Nov. 2002. 202 ASSIS, Erivan. Trabalho, Cultura e Ações Afirmativas In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004. p173. 203 HERINGER, Rosana. Ação Afirmativa e Combate às Desigualdades Raciais no Brasil: o desafio da prática. Disponível em: < http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0152.pdf>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 91 atentatórias ao princípio da igualdade formal prevista na atual Constituição onde “todos são iguais perante a lei”.204 Neste sentido, Valter Roberto Silvério alude que, a negativa acima, advém de uma visão romântica anti racista, na qual se pugna por não reconhecer as diferenças, que por sinal, são gritantes.205 Para os favoráveis a implantação das ações afirmativas, não identificar a diferença e manter o caráter formal intitulado “na igualdade a todos perante a lei” gera a idéia de conformismo em relação situação social, em que tudo depende da oportunidade de cada um, os “melhores”, os “vencedores”, continuariam em vantagem na corrida pela vida, e que evidentemente não estariam incluídos neste rol, a maioria da população negra brasileira. 206 O segundo dilema apresentado por Flavia Piovesan seria a “política universalista”, versus “política focada”, os opositores da ação afirmativa alegam que a política focada enfraqueceria a prática da política universalista, no entanto, nada impede que sejam promovidas em conjunto, defende a autora, afirmando ainda que, estudos e pesquisas voltadas a políticas universalistas comprovam que estas não são capazes de reduzir as desigualdades raciais.207 Uma terceira polêmica surge quanto aos destinatários das políticas públicas implantadas através da ação afirmativa, seus opositores afirmam que tais políticas estariam perpetuando a diferença entre as raças da sociedade brasileira, neste ponto cabe enfatizar o que diz Flavia Piovesan: [...] “se “raça” e “etnia” sempre foram critérios utilizados para exclusão de afrodescendentes no Brasil, que sejam agora utilizados, ao revés, para a sua necessária inclusão.” Neste sentido segue Celia Maria Marinho de Azevedo quando explana sobre os favoráveis as ações afirmativas: 204 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas no Brasil: Desafios e Perspectivas. Estudos Feministas. Florianopolis, v.16, n.3, p. 893, Set-dez 2008. 205 SILVÈRIO, Valter Roberto. Ação Afirmativa e o Combate ao Racismo Institucional no Brasil. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, n.117, p. 237, Nov. 2002. 206 AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Cota Racial e Estado: Abolição do Racismo ou Direitos de Raça. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, v.34, n.121, p. 214, Abr. 2004. 207 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas no Brasil: Desafios e Perspectivas. Estudos Feministas. Florianopolis, v.16, n.3, p. 894, Set-dez 2008. 92 Essa perspectiva, porém, revela uma espinhosa tensão interna, pois como atacar a formidável herança racista das teorias raciais científicas no imaginário coletivo e ao mesmo tempo reafirmar a existência social das raças humanas ? O raciocínio aqui é sempre tortuoso: sim, é verdade, a raça não passa de uma invenção de elites racistas, mas ela de fato existe em termos sociais e simbólicos; quisermos libertarmo-nos do racismo, precisamos afirmar a raça, porém, com fins benéficos.208 A autora referida acima cita Antonio Sergio Alfredo Guimarães quanto ao reconhecimento da identidade social. Para este autor, o meio de se identificar os titulares da ação afirmativa, seria o sistema binário: branco/negro, afirma ser a forma certa no processo de identificação, hoje utilizado pelos censos e pesquisas amostrais, que por si identificam a dimensão das desigualdades existentes.209 Em relação ao Brasil, semelhante forma tem adotado o Estado do Rio de Janeiro quando na Lei Estadual nº 5346 de 2008, dispõe sobre o sistema de cotas para ingresso nas Universidades Estaduais mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro, considerando negros os que se auto declararem, além do contido no Projeto de Lei nº 6.264 de 2005 promovido pelo senador Paulo Paim, visando instituir o Estatuto da Igualdade Racial, estabelecendo critérios para o combate à discriminação racial de afros descendentes, este último indica o seguinte texto: “Art. 2º Para os fins deste Estatuto considera-se: III – afrobrasileiros: as pessoas que se classificam como tais ou como negros, pretos, pardos ou por definição análoga.”210 Quanto ao problema de se identificar quem é negro no Brasil, Zulu Araújo responde de forma espirituosa que: 208 AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Cota Racial e Estado: Abolição do Racismo ou Direitos de Raça. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, v.34, n.121, p. 217, Abr. 2004. 209 AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Cota Racial e Estado: Abolição do Racismo ou Direitos de Raça. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, v.34, n.121, p. 218, Abr. 2004. 210 BRASIL. Estatuto da Desigualdade Racial. Disponível em: < ttp://www.cedine.rj.gov.br/legisla/federais/Estatuto_da_Igualdade_Racial_Novo.pdf>. Acesso em: 20 de setembro de 2009. 93 Para além do óbvio, em função da cor da pele, faça um teste: pergunte a qualquer policial ou zelador de prédio, que eles saberão responder sem pestanejar, seja para colocar no comburão, seja para mandar subir pelo elevador de serviço. A cor da pele, o cabelo, a boca, mas acima de tudo exclusão de cidadão tem sido a forma mais eloqüente de se reconhecer quem é negro no Brasil. Percebe-se, que não esgotam aqui as questões levantadas a favor e contra as políticas adotadas através da ação afirmativa, neste sentido, reconhece-se a necessidade da criação de critérios sérios em relação a sua aplicabilidade, resultando o fim a que se destina, qual seja: a redução das desigualdades raciais por conseqüência a promoção da igualdade. Defendendo a plena eficácia da ação afirmativa, alude Flavia Piovesan: O debate público das ações afirmativas tem ensejado, de um lado, aqueles que argumentam constituírem elas uma violação de direitos, e, de outro lado, os que advogam serem elas uma possibilidade jurídica ou mesmo um direito. A respeito, nota-se que o anteprojeto de Convenção Interamericana contra o Racismo e toda a forma de Discriminação e Intolerância, proposto pelo Brasil no âmbito da OEA, estabelece o direito à discriminação positiva, bem como o dever dos Estados de adotar medidas ou políticas públicas de ação afirmativa e de estimular a sua adoção no âmbito privado.211 Neste sentido manifesta-se Hédio Silva Junior: Salvo engano, é certo que a Constituição de 1988, implícita e explicitamente, não apenas admitiu como prescreveu discriminações, a exemplo da proteção do mercado de trabalho da mulher (artigo 7º., XX) e da previsão de cotas para portadores de deficiência (artigo 37, VIII), donde se conclui que a noção de igualdade circunscrita ao significado estrito de não-discriminação foi contrapesada com uma nova modalidade de discriminação, visto como, sob o ângulo material, substancial, o princípio da igualdade admite sim a discriminação, desde que o discrímen seja empregado com a finalidade de promover a igualização.212 211 PIOVESAN, Flávia. Ações Afirmativas no Brasil: Desafios e Perspectivas. Estudos Feministas. Florianópolis, v.16, n.3, p.894, Set-dez 2008. 212 HEDIO JR, Silva. Apud. SIVA, Luis Fernando Martins. Estudo sociojurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil: aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5302&p=2>. Acesso em: 15 de setembro de 2009. 94 Importante ressaltar ainda, que, em que pese haja discordância quanto ao seu objetivo, à ação afirmativa tem como fundamento de um modo geral, constituir medidas especiais e específicas acelerando o processo de igualdade, diminuindo a importância da raça e não a aumentando, criando políticas compensatórias, estimulando a inserção e inclusão de grupos discriminados. A chamada “discriminação lícita” ou “discriminação positiva”, estabelecidas por autoridades legislativas, administrativas, judiciais, ou voluntárias. No entanto, para que se conheça a aplicação das ações afirmativas através do tempo, cumpre observar mesmo que de forma concisa sua evolução histórica. 3.2.1. Ação Afirmativa: Aspectos históricos destacados A ação afirmativa já em seu nascimento articulou uma política paradoxal, visando acabar com a discriminação e desta forma reafirmar a identidade dos grupos. Suas estratégias já foram utilizadas em países como a Índia, Malásia, Estados Unidos, dentre outros. Na década de 1940, a Índia, utilizou-se da ação afirmativa para inserir no parlamento, representantes de castas, que até o momento, encontrava-se em situação de exclusão. Na Malásia, incluía-se nos setores econômicos dominados por indianos e chineses, representantes de malaios também vitimados pela exclusão. 213 Porém, foi nos Estados Unidos que o instituto da ação afirmativa ganhou relevância. Na década de 1960 os Estados Unidos era alvo de diversas reivindicações democráticas, ressaltando entre outros, os movimentos por direitos civis, liderados por brancos objetivados em eliminar as leis segregacionistas existentes. Com esse 213 QUEIROZ, Delcele Mascaranhas. Trabalho, Educação e Ações Afirmativas para negros no Brasil. In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004. P60. 95 mesmo intuito, desenvolviam-se ações afirmativas, que além de exigir do estado leis anti-segregacionistas, também viessem a garantir melhora nas condições da população negra214, ilustra-se neste momento a luta de Martin Luther King pelos direitos civis. 215 São elementos centrais desse processo a aprovação do Civil Rights Act216, em 1964 promovido pela Suprema Corte Americana, e suas devidas alterações, além das Voluntary Affirmative Actions, articulada pela iniciativa privada, instituindo que os empregadores e sindicatos assegurassem o tratamento igual aos 214 MOEHLECKE, Sabrina . Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, n.117, p.198, Nov. 2002. 215 Martin Luther King nasceu em 15 de janeiro de 1929 em Atlanta na Georgia, filho primogênito de uma família de negros norte-americanos de classe média. Seu pai era pastor batista e sua mãe era professora. Com 19 anos de idade Luther King se tornou pastor batista e mais tarde se formou teólogo no Seminário de Crozer. Também fez pós-graduação na universidade de Boston, onde conheceu Coretta Scott,uma estudante de música com quem se casou. Em seus estudos se dedicou aos temas de filosofia de protesto não violento, inspirando-se nas idéias do indu Mohandas K. Gandhi. Em 1954 tornou-se pastor da igreja batista de Montgomery, Alabama. Em 1955, houve um boicote ao transporte da cidade como forma de protesto a um ato discriminatório a uma passageira negra, Luther King como presidente da Associação de Melhoramento de Montgomery, organizou o movimento, que durou um ano, King teve sua casa bombardeada. Foi assim que ele iniciou a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Em 1957 Luther King ajuda a fundar a Conferência da Liderança Cristã no Sul (SCLC), uma organização de igrejas e sacerdotes negros. King tornou-se o líder da organização, que tinha como objetivo acabar com as leis de segregação por meio de manifestações e boicotes pacíficos. Vai a Índia em 1959 estudar mais sobre as formas de protesto pacífico de Gandhi. No início da década de 1960, King liderou uma série de protestos em diversas idades norte-americanas. Ele organizou manifestações para protestar contra a segregação racial em hotéis, restaurantes e outros lugares públicos. Durante uma manifestação, King foi preso, tendo sido acusado de causar desordem pública. Em 1963 liderou um movimento massivo, "A Marcha para Washington", pelos direitos civis no Alabama, organizando campanhas por eleitores negros, foi um protesto que contou com a participação de mais de 200.000 pessoas que se manifestaram em prol dos direitos civis de todos os cidadãos dos Estados Unidos. A não-violência tornou-se sua maneira de demonstrar resistência. Foi novamente preso diversas vezes. Neste mesmo ano liderou a histórica passeata em Washington onde proferiu seu famoso discurso "I have a dream" ("Eu tenho um sonho"). Em 1964 foi premiado com o Nobel da Paz. Os movimentos continuaram, em 1965 ele liderou uma nova marcha. Uma das conseqüências dessa marcha foi a aprovação da Lei dos Direitos de Voto de 1965 que abolia o uso de exames que visavam impedir a população negra de votar. Em 1967 King uniu-se ao Movimento pela Paz no Vietnam, o que causou um impacto negativo entre os negros. Outros líderes negros não concordaram com esta mudança de prioridades dos direitos civis para o movimento pela paz. Em 4 de abril de 1968 King foi baleado e morto em Memphis, Tenessee, por um branco que foi preso e condenado a 99 anos de prisão. Em 1983, a terceira segunda-feira do mês de janeiro foi decretada feriado nacional em homenagem ao aniversário de Martin Luther King Jr.'s. Biografia de Martin Luther King. Disponível em: < http://www.lutherking.hpgvip.ig.com.br/biografia.html>. Acesso em: 17 de setembro de 2009. 216 “Este ato, assinado na lei pelo presidente Lyndon Johnson em 2 de julho de 1964, proibiu a discriminação em locais públicos, prevista para a integração das escolas e outras instalações públicas, e fez a discriminação no emprego ilegal. Este documento foi o mais abrangente legislação de direitos civis desde a Reconstrução.” Disponível em: < hhttp://www.ourdocuments.gov/doc.php?flash=true&doc=97>. Acesso em: 01 de setembro de 2009. 96 trabalhadores, seja de admissão ou permanência em seus quadros, na tentativa de eliminar a discriminação racial nos Estados Unidos.217 Dentre outras medidas, cumpre fazer referência ao Decreto Executivo n. 11.246/65, lançado pelo então presidente Lindon Johnson, condicionando a “celebração de contratos administrativos com a União à admissão de percentuais razoáveis de minorias”. No governo de Nixon esse plano teve sequência, através do Philadelphia Plan , tornando-se legal por meio da Office of federal Contract Compliance, objetivando a contratação de negros, índios, hispânicos, mulheres e portadores de deficiência, por meio de metas a serem atingidas.218 Importante se faz ressaltar os comentários que Lindon Johnson, presidente democrata dos Estados Unidos no período de 1963-1969 como argumento favorável a reparação dos prejuízos causados aos afros descendentes: [...] a liberdade, per se, não é suficiente. Não se apaga de repente cicatrizes de séculos proferindo simplesmente: agora vocês são livres para ir onde quiserem e escolher os líderes que lhe aprouverem [...] não se pode pegar um homem que ficou acorrentado por anos, libertá-lo das cadeias, conduzi-lo, logo em seguida, à linha de largada de uma corrida, dizer „você é livre para competir com os 219 outros‟, e assim pensar que se age com justiça Conforme alude Joaquim Benedito Barbosa Gomes, o propósito inicial da ação afirmativa nos Estados Unidos definia-se como mero “encorajamento”, em que a maioria dos responsáveis políticos e empresariais abrissem caminho as pessoas, independente de raça, cor, sexo ou origem. Proporcionando a presença destes, tanto nas escolas, quanto no mercado de trabalho. 217 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.145 218 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.146. 219 CURRY, George E; WEST, Cornet. Apud. JUNIOR, João Feres. Comparando Justificações das Políticas de Ação Afirmativa: EUA e Brasil. Disponível em: < http://www.achegas.net/numero/30/joao_feres>.Acesso em: 17 de setembro de 2009. 97 Ocorre que, diante da ineficácia da medida, constituiu-se um segundo propósito que ao invés, de somente encorajar, exigia de forma vinculada cotas rígidas a serem obedecidas, concernentes a inclusão de negros e mulheres em determinados setores do mercado de trabalho e nas instituições de ensino, o que de certa forma, vinha sendo aceito pela Corte Americana quando de seus julgados. 220 Contudo, a Corte Americana que até então favorecia a ação afirmativa voltada aos afros descendentes dentre outras minorias, teve seu rumo alterado devido à nomeação de juízes conservadores durante os 12 anos de mandato de Ronald Reagan e Goerge Bush (1960-1992). As decisões conservadoras tomadas quanto à legitimidade das Ações Afirmativas a partir de então, tem enfraquecido as políticas governamentais de integração das minorias, devido o maior endurecimento do strict scrutiny221. Atualmente, para que as políticas de ação afirmativa logrem êxito nos Estados Unidos, precisam acima de tudo, serem temporárias, e terem coesão no objeto e na finalidade a ser proposta correspondendo ao interesse social, sob pena de perderem a qualidade de discriminação lícita. 3.2.2 Direito Brasileiro e as ações afirmativas A primeira grande dificuldade encontrada no Brasil no que se refere à efetivação da ação afirmativa, é que, diferentemente dos Estados Unidos, não existiu após a abolição da escravatura, a prática legal de discriminação racial, fato em que levou o país a conviver em uma aparente “harmonia racial” como já mencionado em momento oportuno. O discurso utilizado pelas autoridades brasileiras estabelecia-se na idéia de que negros e brancos gozavam de iguais oportunidades e condições, sendo que 220 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro. Disponível em: <http://www.adami.adv.br/artigos/19.pdf>. Acesso em: 01 de setembro de 2009. 221 O chamado strict scrutiny, refere-se ao controle rigoroso de revisão judicial, baseada em cláusula de igual proteção presente na décima quarta emenda, determinando a constitucionalidade de certos tipos de políticas de governo. CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.160. 98 apenas as práticas de racismo isoladas constituíam-se em um problema a ser resolvido, tornando o real problema enfrentado pelos afros descendentes, invisíveis aos olhos da maioria.222 Na busca em identificar as diferenças e lutar contra elas, as organizações do movimento negro, tanto na década de 30 quanto na década 70, conforme já ilustrados no item 1.4 do primeiro capítulo, foram praticamente os precursores na luta contra a desigualdade, motivados na necessidade de promover profundas alterações, decorrente do contexto histórico em que os afros descendentes foram inseridos. Em que pese o movimento negro tenha conseguido levantar e levanta até hoje o problema da desigualdade racial e a necessidade de políticas específicas voltadas a corrigir a situação da população negra, ainda assim, o Governo Brasileiro, durante muito tempo, debilmente pautou-se sobre o tema.223 Traz-se neste sentido, a contribuição do governador André Franco Montoro em São Paulo, e o governador Leonel Brizola no Rio de Janeiro, que em 1983 adotaram as primeiras iniciativas quando da criação de órgãos específicos para que se discutissem os problemas oriundos da discriminação racial, em 1989, a prefeita de São Paulo Luiza Erundina adotara iniciativa nesse mesmo sentido, criando o Conselho da Comunidade Negra. E ainda, o deputado Abdias do Nascimento, e outros constituintes como: Benedita da Silva e Carlos Alberto Oliveira, também fizeram ressoar a importância de um sistema anti-racista a ser inserido no corpo da Constituição de 1988 que estava sendo criada. 224 Contudo, considera-se que o reconhecimento do tratamento desigual no quadro jurídico/institucional brasileiro manifesta-se a partir do momento em que o legislador prevê dispositivos que passam a proteger e equilibrar a situação desigual, 222 MARTINS, Sergio da Silva. Ação Afirmativa e Desigualdade Racial no Brasil. Estudos Feministas. Florianopolis, v.4, n.1, p. 203, Set.1996. 223 “No Brasil há vaga referência a essa política, se não me engano, em 1868 em reportagem do Jornal do Brasil, quando técnicos do Ministério do Trabalho sugeriram ao então ministro Jarbas Passarinho que, em função da discriminação do negro no mercado de trabalho, eram favoráveis a uma lei que obrigasse as empresas a terem em seus quadros 20 % de empregados de cor, outras 15%, outras 10%, conforme sua área de atuação. Na época a proposta causou bastante polêmica e não prosseguiu”. GARCIA, Vanuário. Uma nova fase no movimento negro In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004. P.72. 224 VIDA, Samuel. O Racismo Institucional e as Ações Afirmativas enquanto dever do Estado In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.93. 99 devendo acima de tudo, acompanhar as transformações a que o Estado e a sociedade se insere, observando acima de tudo os objetivos finalísticos propostos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o que nem sempre é tarefa fácil. Repisa-se novamente no descrito no artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, já descrito em momento anterior: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.225 Neste sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, manifesta o tratamento isonômico como já vislumbrado no decorrer do capítulo anterior, consubstanciando o reconhecimento da condição de desigual vivida por alguns setores ou grupos. Ainda assim, quando se refere à situação dos afros descendentes, a resposta é “déficit social”, a sociedade, ainda, permanece seletiva e desigual. Não desmerecendo a contribuição da Convenção sobre a eliminação das formas de Discriminação Racial, adotada pelas Nações Unidas em 1965 e ratificada pelo Brasil em 1968, já devidamente investigada no item 2.4 do Capítulo II, à implantação de políticas públicas, imbuídas em nivelar a situação desigual em que o afro descendente se encontra, intensificou-se a partir da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenefobia e Intolerância Correlata, presidida pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Durban, Africa do Sul em 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, fato que levou o Brasil dar mais atenção as desigualdades existentes, lançando programas e/ou projetos de lei específicos, beneficiando os 225 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009. 100 afros descendentes, este, instituídos por parte do Governo Federal, Estadual e Municipal.226 Segue abaixo alguns trechos do Relatório da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenefobia e Intolerância Correlata, importantes para sedimentar o conhecimento sobre o referido tema: [...]79. Acreditamos firmemente que os obstáculos para superar a discriminação racial e alcançar a igualdade racial residem, principalmente, na ausência de vontade política, na existência de legislação deficiente, na falta de estratégias de implementação e de medidas concretas por parte do Estados, bem como na prevalência de atitudes racistas e estereótipos negativos; 80. Acreditamos firmemente que a educação, o desenvolvimento e a implementação fiel das normas e obrigações de direitos humanos internacionais, inclusive a promulgação de leis e estratégias políticas econômicas e sociais, são cruciais no combate ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e a intolerância correlata; [...] 100. Reconhecemos e lamentamos profundamente o sofrimento e os males inomináveis infligidos a milhões de homens, mulheres e crianças como resultado da escravidão, do tráfico de escravos, do tráfico transatlântico de escravos, do Apartheid, do colonialismo, do genocídio e das tragédias do passado. Observamos ainda que alguns Estados tiveram iniciativa de pedir perdão e pagar indenização, quando apropriado, pelas graves e enormes violações perpetradas; [...] 108. Reconhecemos a necessidade de se adotar medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade de condições. Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance de representação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos partidos políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços judiciários, na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns casos devem exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para igualdade de participação;[...] PROGRAMA DE AÇÃO 226 HERINGER, Rosana. Ação Afirmativa e Combate às Desigualdades Raciais no Brasil: o desafio da prática. Disponível em: < http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0152.pdf>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 101 Reconhecendo a necessidade urgente de se traduzir os objetivos da Declaração em um Programa de Ação prático e realizável, a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata: [...] 5. Solicita que os Estados, apoiados pela cooperação internacional, considerem positivamente a concentração de investimentos adicionais nos serviços de saúde, educação, saúde pública, energia elétrica, água potável e controle ambiental, bem como outras iniciativas de ações afirmativas ou de ações positivas, principalmente nas comunidades de origem africana;227 Observa-se, contudo, que a doutrina internacional dos direitos humanos adota a implementação de estratégias visando como termo final o equilíbrio entre a igualdade formal e a igualdade material. Caminha-se a partir de então ao reconhecimento do afro descendente como portador de demandas específicas, como condição essencial para a construção de um projeto democrático, tendo como tarefa prioritária a superação das desigualdades raciais.228 Dentre as propostas de Ação Afirmativa no Brasil, após a Conferencia Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, onde o tema ganha relevância frente ao Estado, cita-se:229 O Programa de Ações Afirmativas, Raça e Etnia promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário através da portaria nº 202 em 2001, que prevê reserva de vagas para 20% negros, 20% mulheres e 5% portadores de necessidades especiais nos quadros dos servidores contratados por concurso, dos cargos comissionados e dos empregados em empresas prestadoras de serviços; 227 RELATÓRIO DA CONFERÊNCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERÂNCIA CORRELATA. Disponível em: < http://www.comitepaz.org.br/Durban_4.htm>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 228 VIDA, Samuel. O Racismo Institucional e as Ações Afirmativas enquanto dever do Estado In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.92. 229 Para os dados descritos foram utilizadas as seguintes fontes: Estudo sócio jurídico relativo à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5302&p=2>; Ação Afirmativa e Combate às Desigualdades Raciais no Brasil: o desafio da prática. Disponível em: <http://www.lppuerj.net/olped/documentos/ppcor/0152.pdf>;www.camara.gov.br/; <http:www.senado.gov.br/>.Acesso em: 17 de setembro de 2009. 102 A adoção de cotas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2001 reservando 20% para negros, 20 % para mulheres e 5% para portadores de necessidades especiais nas empresas prestadoras de serviço ao STF; Dezembro de 2001, o Presidente Fernando Henrique Cardoso defende abertamente a adoção de políticas afirmativa no Brasil através do discurso em cerimônia da entrega do Prêmio Nacional dos Direitos Humanos; O Ministério da Justiça, através da Portaria nº 1.156/01, estabelece reserva de 20% das vagas para negros, 20% para mulheres e 5% para pessoas portadoras de deficiência. Em dezembro de 2001 o Ministério da Justiça anunciou a adoção do sistema de cotas, nos moldes do iniciado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. A implantação do sistema está sob supervisão do Conselho Nacional de Combate à Discriminação criado pelo Ministério da Justiça; 2002, o Brasil faz o depósito da declaração facultativa prevista no art. 14 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, após o Congresso Nacional tê-lo aprovado, através do Decreto Legislativo nº 57, de 26 de abril de 2002; 2002, o Decreto presidencial 4.228, institui o Programa Nacional de Ações Afirmativas; 2002, o Instituto Rio Branco cria um programa de bolsas de estudo (vinte bolsas por ano) para afro-descendentes em cursos preparatórios para o ingresso na Instituição, que é responsável pelo treinamento de diplomatas brasileiros; 2003, é criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, por meio da Lei nº 10.678, como órgão de assessoramento imediato ao Presidente da República e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, que foi regulamentado em 20 de novembro, por força do Decreto nº 4.885/03 (alterado o artigo 4º e o parágrafo único deste mesmo artigo e incluído o artigo 4º-A pela lei 11.693/2008 permanecendo o objetivo originário); 103 Projeto de Lei nº 6.264 de 2005 promovido pelo senador Paulo Paim, visa instituir o Estatuto da Igualdade Racial, estabelecendo critérios para o combate à discriminação racial de afros descendentes e alteração da Lei nº 6.015 de 1973; (atualmente este projeto encontra-se sujeito à apreciação conclusiva pelas comissões da câmara dos deputados) Projeto de Lei nº 2.697 de 2007, promovido pela Câmara dos Deputados através do deputado Evandro Milhomen, dispõe sobre a reserva de vagas em empresas para os trabalhadores pretos e pardos. (atualmente proposição sujeita a apreciação do plenário); Lei Estadual nº 5346 de 2008, Dispõe sobre o sistema de cotas para ingresso nas Universidades Estaduais mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro; visa pelo período de 10 anos o sistema de cotas, assegurando a classificação final nos exames vestibulares a estudantes negros; indígenas; alunos da rede pública de ensino e pessoas portadoras de deficiência, desde que carentes; Dentre outras propostas, de iniciativa do Governo Federal, Estadual e Municipal e de entidades privadas, instituindo cotas ou percentuais com a finalidade de promover a diversidade racial no mercado de trabalho e nas instituições educacionais. Contudo, mesmo diante das mudanças ocorridas através do tempo, e a intensificação do reconhecimento das desigualdades raciais existentes, convivemos ainda, com divergentes interpretações, quanto à aplicação, legitimidade e legalidade da Ação Afirmativa, emergindo diversas disputas políticas e teóricas. Não há decisão definitiva sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das políticas de ação afirmativa promovidas até o momento pelo poder judiciário, as diversas ações ajuizadas nos tribunais, demandadas relativo ao tema ainda não foram julgadas no mérito. Ainda assim, importante destacar o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mendes de Farias Mello a respeito das ações afirmativas: 104 “ E, aí, a Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam como fundamentos da República Brasileira a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e não nos esqueçamos jamais de que os homens não são feitos para as leis; as leis é que são feitas para os homens. Do artigo 3º vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma ação afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual".230 Ainda, neste mesmo sentido posiciona-se quanto à constitucionalidade das ações afirmativas o também Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Benedito Barbosa Gomes: No plano estritamente jurídico (que se subordina, a nosso sentir, à tomada de consciência assinalada nas linhas anteriores), o Direito Constitucional vigente no Brasil, é perfeitamente compatível com o princípio da ação afirmativa. Melhor dizendo, o Direito brasileiro já contempla algumas modalidades de ação afirmativa, inclusive em sede constitucional. [...],pode-se concluir que o Direito Constitucional brasileiro abriga, não somente o princípio e as modalidades implícitas e explícitas de ação afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo nosso país.231 Conclui-se, que embora haja ainda muito que se discutir sobre as estratégias a serem tomadas por meio das ações afirmativas, a sua incidência nos casos de desigualdades raciais tem auferido grande relevância no poder Estatal, embora seja somente o começo, eis que as pesquisas censitárias destacadas do inicio do presente capítulo item 3.1.1, conotam, a atual e abissal desigualdade racial. No intuito da concluir o objetivo formulado em relação ao tema proposto, o referido trabalho passa agora delinear pontos específicos em relação à ação afirmativa aplicada em favor dos afros descendentes no mercado de trabalho. 230 Marco Aurélio fala sobre ações afirmativas e igualdade no seminário "Discriminação e Sistema Legal Brasileiro" promovido pelo Tribunal Superior do Trabalho.. Disponível em: < http://www.adami.adv.br/raciais/>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 231 A Discriminação e a Lei: Disponível em: < http://www.adami.adv.br/raciais/>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 105 3.3. RESERVA DE VAGAS PARA AFROS DESCENDENTES NO MERCADO DE TRABALHO Embora o Brasil venha sendo palco de um processo louvável de crescimento econômico, industrial e tecnológico, o mercado de trabalho manteve-se intensamente seletivo para os afros descendentes. Em relação à população branca e não branca esta última continua em plena desvantagem, seja no momento da admissão ou na ascensão no mercado de trabalho, conforme demonstrado no item 3.1.1 do capítulo em epígrafe quando enfatizou dados estatísticos realizados oficialmente pelo IBGE ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) por meio do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), dentre outras informações de cunho doutrinário. A preocupação quanto à presença do afro descendente no mercado de trabalho já vem sendo suscitada há algum tempo, visto que o critério raça/cor persiste quando da inserção dos indivíduos neste setor. Neste sentido, alguns tratados internacionais foram utilizados como tática de pressão em relação ao Poder Estatal Brasileiro, para que este viesse a assumir de forma séria o combate a discriminação, exemplo a isso, cita-se a Convenção n.111 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada mediante o Decreto n. 62.150 em 1968 pelo Brasil, onde este se comprometeu em produzir políticas de promoção de igualdade em relação a oportunidades e tratamento no mercado de trabalho.232 Convém citar neste momento os artigos 1º e 2º da Convenção nº 111 da OIT, sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão, adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho na sua 42ª sessão, em Genebra, em 25 de Junho de 1958: 232 MOEHLECKE, Sabrina . Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, n.117, p.206, Nov. 2002. 106 Artigo 1º (1) Para os fins da presente Convenção, o termo «discriminação» compreende: a) Toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Estado Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de patrões e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.[...] Artigo 2.º Todo o Estado Membro para qual a presente Convenção se encontre em vigor compromete-se a definir e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstancias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objectivo de eliminar toda a discriminação.233 No entanto, em 1990 a organização sindical - CUT (Central Única dos Trabalhadores fez denúncia a OIT (Organização Internacional do Trabalho) pelo descumprimento por parte do Brasil, sob o argumento de haver a prática de discriminação racial no mercado de trabalho, em face da denúncia, o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) instituiu uma série de medidas voltadas a enfrentar a questão, em 1995 admitindo a existência do problema cria-se no Brasil o GTEDEO ( Grupo de Trabalho, para Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação), implementando medidas que visem o combate à discriminação no emprego e na ocupação, propondo cronogramas, estratégias e órgãos de execuções e ações.234 Em 1996 é lançada pela Secretaria dos Direitos Humanos o PNDH ( Programa Nacional dos Direitos Humanos) estabelecendo dentre outros objetivos, o desenvolvimento de ações afirmativas visando o acesso aos negros à cursos profissionalizantes, a universidades e áreas tecnológicas, além de criar políticas 233 Convenção n.º 111 da OIT, sobre a Discriminação em matéria de Emprego e Profissão. Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais>. Acesso em: 18 de setembro de 2009. 234 MOEHLECKE, Sabrina . Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa: Revista de Estudos e Pesquisa em Educação, São Paulo, n.117, p.206, Nov. 2002. 107 compensatórias e apoiar ações de iniciativa privada para realização de discriminação positiva.235 Observa-se, porém, como já elucidado em momento anterior, que a intensificação dos debates quanto à ação afirmativa surge no período pós Durban com a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Neste sentido complementa Luciana de Barros Jaccoud: É importante destacar, ao longo de todo o processo preparatório da Conferência de Durban, a participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), particularmente no que diz respeito à produção de diagnósticos inéditos sobre a magnitude das desigualdades raciais no Brasil: o governo reconhece, a partir de números oficiais, as imensas distâncias que existem entre negros e brancos. Merece menção, também, a iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que, em 2001, cria seu Programa de Ações Afirmativas voltado tanto para o público interno como para os beneficiários das políticas e das ações sob responsabilidade do Ministério. Note-se ainda, que o MDA, em parceria com o Ipea, deu início a um processo de diálogo com o setor empresarial com o intuito de promover o debate sobre o respeito à diversidade de mãode-obra empregada no mercado de trabalho privado.236 Ainda assim, mesmo diante de tais mecanismos, o mercado de trabalho para os afros descendentes continua seletivo, o desemprego é maior entre eles, a falta de acesso manifesta-se em diversos setores, revelando e enfatizando um quadro permanente de exclusão. A forma de exclusão opera de várias maneiras, se manifestando de acordo com a situação, por exemplo, não é politicamente correto requerer em anuncio a boa aparência ou é ilegal o anúncio que se utiliza como critério a cor, no entanto, exigem com freqüência o currículo com fotografia em anexo.237 Em consonância com o parágrafo acima afirma Carlos Benedito Rodrigues da Silva: 235 JACCOUD, Luciana de Barros. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: Ipea, 2002.p.21. 236 JACCOUD, Luciana de Barros. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: Ipea, 2002.p.22. 237 GARCIA, Vanuário. Uma nova fase no movimento negro: O negro no mercado de trabalho. Brasília. Fundação Cultural Palmares. 2005.p.72. 108 Ter a pele diferente dos padrões estabelecidos a partir das matrizes européias colonizadoras pode ser determinante na seleção e remuneração. Nos casos em que o emprego está garantido, determina também a possibilidade ou não da ascensão profissional dentro das empresas.238 Para o autor acima, a mudança desse quadro é conjunta, começando por mudar a mentalidade do País para que se construa a igualdade, mudando a mentalidade dos educadores, para que ensinem que a história do negro não é somente a escravidão, fazendo com que as crianças cresçam orgulhosas de si, independente de sua cor, e ainda assim mudar a mentalidade da política e da própria história do trabalho que não começa com a industrialização e sim com a vinda dos grupos negros e com o fruto de seu trabalho, e por fim conclui em suas palavras que “É preciso, mudar a mentalidade dos empresários, para que saibam que nenhum plano de desenvolvimento tem eficácia ao excluir a maioria da população à qual ele está destinado”.239 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 7º, inciso XXXI estabelece a proibição de diferença de salários, no exercício de funções e também no critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor e estado civil. 240 Semelhante ao artigo acima referido determina a Lei 9.029 de 1995 em seus artigos 1º e 3º: Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. Art. 3º Sem prejuízo do prescrito no artigo anterior, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações: 238 SILVA, Carlos Benedito Rodrigues(org.). Cultura, Educação e Mercado de Trabalho In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.72. 239 SILVA, Carlos Benedito Rodrigues. Cultura, Educação e Mercado de Trabalho In: MINISTÉRIO DA CULTURA. O Negro no Mercado de Trabalho. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2004.p.72. 240 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 9. ed. São Paulo: Rideel, 2009 109 I - multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência; II - proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais.241 No entanto, a proibição desta prática não impediu que os afros descendentes fossem excluídos do mercado de trabalho, sendo vítimas de maior taxa de desemprego, menores salários e posições laborais. A aplicação no domínio privado da ação afirmativa criando critérios para admissão, promoção ou permanência do grupo minoritário não tem por finalidade reprimir a autonomia de vontade que as empresas possuem, mas sim, combater ações ou omissões que produzam ainda mais preconceito e discriminação, o princípio da igualdade neste momento opera como direito subjetivo público.242 Desta forma, com intuito de identificar a eficácia e aplicabilidade da ação afirmativa no mercado de trabalho, seja por meio de metas243 ou por meio de cotas (reserva de vagas), importante se faz realizar consultas aos grupos afetados, ao Estado (Governo, Estados e Municípios), as organizações, aos sindicatos de empregados e empregadores, as organizações representativas dos grupos discriminados, dentre outros setores interessados, para que possa chegar a um consenso das metas de igualdade a serem atingidas, e a maneira que devam ser aplicadas, para ao fim obter o sucesso desejado. Traz-se como complemento, o trecho do trabalho realizado no âmbito do projeto Igualdade Racial produzido pela OIT ( Organização Internacional do Trabalho): A definição de critérios claros de seleção para determinar quem deve se beneficiar da ação afirmativa é importante para evitar tensões em lugares onde diferentes grupos foram designados para receber proteção. Uma abordagem mais individualizada da ação afirmativa, 241 BRASIL. LEI Nº 9.029, DE 13 DE ABRIL DE 1995. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9029.htm>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 242 CRUZ. Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.162. 243 As metas procuram estabelecer patamares em relação aos quais se possa medir o progresso em relação a objetivos fixados. 110 que leve em conta não apenas o pertencimento a um grupo, mas também outros fatores, como condições socioeconômicas, também pode se mostrar adequada. [...] Sempre que se pensa em medidas de tratamento preferencial, é necessário definir procedimentos e mecanismos justos e transparentes para se determinar até quando e como elas devem deixar de existir. Mais importante, os efeitos potenciais e reais da aplicação dessas políticas em terceiros devem ser previstos e acompanhados. Isso pressupõe uma avaliação regular e objetiva dos programas de ação afirmativa, com vistas a assegurar sua eficiência, redefinindo seu âmbito e seus conteúdos, sempre que se fizer necessário, e determinando quando eles devem chegar ao fim.244 Importante destacar ainda, que a função da ação afirmativa no mercado de trabalho de acordo com que afirma Rosana Heringer é priorizar a contratação de afros descendentes sem abrir mão da qualificação para o cargo a ser ocupado, reafirmando o compromisso com os critérios da igualdade e a competência.245 Não desconsiderando outros projetos de leis existentes, encontra-se atualmente por iniciativa do Deputado Evandro Milhomen, sujeito a apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.697 de 2007 que, conforme anteriormente destacado, dispõe sobre a reserva de vagas em empresas para os trabalhadores pretos e pardos. Segue abaixo o texto do referido Projeto de Lei: O Congresso Nacional decreta: Art. 1º As empresas com vinte ou mais empregados estão obrigadas a empregar número de pessoas pretas e pardas equivalente a, no mínimo, vinte por cento dos trabalhadores existentes em todos os seus estabelecimentos. Parágrafo único. A dispensa de empregado na condição estabelecida neste artigo, quando se tratar de contrato por prazo determinado, superior a noventa dias, e a dispensa imotivada, no contrato por prazo indeterminado, somente poderá ocorrer após a contratação de substituto em condições semelhantes. 244 Ação afirmativa para a igualdade racial: características, impactos e desafios . traduzido por Hélio Guimarães. Composto e editorado pela PQAS em março de 2005 para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) com as fontes Franklin Gothic Book para o texto e Franklin Gothic Demi Cond. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=98>. Acesso em: 22 de setembro de 2009. 245 HERINGER, Rosana. Ação Afirmativa e Combate às Desigualdades Raciais no Brasil: o desafio da prática. Disponível em: <http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0152.pdf>. Acesso em: 19 de setembro de 2009. 111 Art. 2º Para os efeitos desta lei, a condição de pessoa preta e parda será determinada mediante autodeclaração. Art. 3º Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer sistemática de fiscalização, avaliação e controle das empresas, como instituir procedimentos e formulários que propiciem estatísticas sobre o número de pessoas pretas e pardas economicamente ativas e as vagasnpreenchidas, para fins de acompanhamento do disposto no art. 1º desta lei. Art. 4º Os infratores das disposições desta lei são passíveis das seguintes cominações: I – multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador por vaga não preenchida, elevada em cinqüenta por cento em caso de reincidência; II – proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais. Parágrafo único. Será adotado o critério da dupla visita para o disposto neste artigo, nos termos do art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho e dos §§ 3º e 4º da Lei n° 7.855, de 24 de outubro de 1989. Art. 5º O processo de fiscalização, notificação, autuação e imposição de multa reger-se-á pelo disposto no Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Art. 6º Esta lei entra em vigor noventa dias após a sua publicação.246 O referido Deputado justifica e fundamenta o Projeto de Lei proposto baseado no artigo 7º inciso XXXI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que por sua vez estabelece a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão; na publicação do mapa da população negra no mercado de trabalho elaborado pelo INSPIR (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial) que conota o prejuízo sofrido pelo afro descendente no emprego, identificando maior taxa de desemprego em relação aos brancos, além das dificuldades encontradas quando da sua admissão. E ainda, em que pese o referido Deputado afirme a existência da conscientização de empresas em favor da diversidade racial, entende ser poucas as que tornam claras a efetivação de políticas visando à inclusão do afro descendente. Neste sentido, cita empresas como: a Fersol - Indústria e Comércio de produtos químicos, defensivos agrícolas, veterinários e saneantes, que institui o programa de diversidade em prol principalmente de mulheres negras; o Projeto Geração XXI da Fundação BankBoston, que por sua vez visa garantir o acesso ao 246 BRASIL. Projeto de lei n. 2.697 de 2007. Disponível em: HTTP://www2camara.gov.br/proposições. Acesso em 29 de setembro de 2009. 112 conhecimento, acompanhando jovens negros desde o início da vida escolar até a universidade; e ainda, o Programa de valorização da diversidade da Cia Paulista de Força e Luz – CCPFL , uma das maiores distribuidoras de energia elétrica do Brasil, esta, preocupada com o respeito as diferenças, inibi o assédio e mecanismos que tem como base a discriminação. No entanto, afirma o Deputado Evandro Milhomen ser insuficiente o apelo privado, sendo necessário por parte do Estado a instituição de políticas sérias que visem a inclusão dos afros descendentes no mercado de trabalho, diminuindo desta forma a situação na qual se encontram.247 Contudo, conclui-se que, embora não tenha hoje o Brasil uma decisão definitiva quanto à constitucionalidade da ação afirmativa, mesmo que hodiernamente utilizadas com mais freqüência por parte do Estado brasileiro, tem-se ao menos, a certeza que o dever fundamental de todos é chegar o mais próximo possível da Igualdade resguardada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, cumprindo assim seu dever social, presente no legítimo Estado Democrático de Direito brasileiro. 247 Maiores informações acessar: BRASIL. Projeto de lei n. 2.697 de 2007. Disponível em: HTTP://www2camara.gov.br/proposições. Acesso em 29 de setembro de 2009. 113 CONCLUSÃO Observou-se no decorrer da presente pesquisa que a inserção da população negra no mercado de trabalho no Brasil é marcada pela desigualdade racial. Essa população pertence ao rol dos que ganham menos e que participam de ocupações mais precárias. Diante das descrições do presente trabalho, verificou-se que, mesmo antes de existir formalmente o mercado de trabalho, milhões de africanos já haviam sido incorporados no mundo do trabalho no Brasil através do mercado escravo, conforme restou demonstrado no primeiro capítulo. Durante a vigência da escravidão, todo o trabalho considerado desqualificado era trabalho negro, em que pese tenha sido o trabalho desqualificado do negro que solidificou e gerou riquezas a toda uma nação, inclusive ao Brasil. Repisa-se em destacar ter sido o Brasil o país a escravizar o maior número de escravos, e ainda, ser o último país a abolir a escravidão, já em 1888, fato este, que comprova o recente problema a que foram submetidos os escravos e seus descendentes, uma vez que a Abolição instituída através da Lei Áurea fora apenas atendida em seu caráter formal, colocando-os em total situação de exclusão. Neste sentido conclui-se a partir dos dados avençados que talvez tão grande quanto o problema da escravidão, tenha sido o período pós abolição. Para o Estado, e para a sociedade, o negro não mais existia, se a lei proibia a utilização das peças trazidas da África, o correto seria não mais utilizá-las, “entende-se desta forma”. Para solidificar a desigualdade após a abolição somente os imigrantes brancos fariam jus ao trabalho anteriormente atribuído ao escravo, não restando a este, muito que fazer diante da exclusão a que fora submetido. Desta forma, observou-se que a origem da desigualdade racial enfrentada pelos afros descendentes, advém do processo histórico a que foram vitimados, e que deva ser analisado sob dois aspectos: as perdas acumuladas do passado e as tendências preocupantes do futuro. 114 A evidência construída pela escravidão cristalizou-se dentro da cultura brasileira como representação negativa do negro trabalhador, tornando-se natural para a maioria dos brasileiros ver negros e negras com as menores remunerações, nos piores postos de trabalho e na maioria desempregados, condição estatisticamente comprovada por dados oficiais já destacados no capítulo 3 do referido trabalho, quando da apresentação dos dados do PNAD ( Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), dentre outras. Apresentado esses dados observou-se que a reparação do passado e a construção do futuro quando da incorporação da população negra no mercado de trabalho é um grande desafio. Frente ao Estado Democrático de Direito ao qual pertencemos devemos como ponto de partida efetuar uma abordagem aos direitos humanos, pautou-se em pontos: como os direitos individuais e coletivos, a democratização, e principalmente o direito a equidade, já demonstrado incansavelmente no presente trabalho, e que objetiva a construção de uma igualdade material ou substancial, respeitando acima de tudo as diferenças, por sua vez, assumindo as diferenças existentes. Embora esteja previsto legalmente o tratamento igualitário, é intensa a desigualdade racial brasileira, tornando-se necessária a construção de medidas que incluam os afros descendentes, em patamar de igualdade, pautadas em promover a representação de certos grupos que têm sido subordinados e/ou excluídos. Indubitável é, que a própria noção de igualdade merece a proteção Estatal, mas a maneira de efetivação, por certo, é diferenciada, pois se levará em consideração tanto os aspectos sócio/culturais, e na mesma medida, às particularidades do elemento discriminador e sua finalidade. Ampla é a Legislação que aborda a questão da desigualdade racial atualmente, o próprio Estado brasileiro através de suas legislações e projetos de lei prevê a inclusão do afro descendente nos setores em que estes se encontram excluídos, cita-se como exemplo a criação da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) que comprova o reconhecimento do problema racial anteriormente não reconhecido pelo Estado, e atualmente negado por grande parte da sociedade, dentre outras legislações que trabalham neste sentido. 115 Compete de forma específica, também citar o projeto de lei de autoria do Deputado Evandro Milhomen, que preocupado com a desigualdade enfrentada pelos afros descendentes no mercado de trabalho, promove a instituição de uma lei que obrigue as empresas privadas a incluírem em seus quadros empregados negros. Dentro deste contexto e de forma a fundamentar a conclusão, cumpre ressaltar que o tratamento desigual a que esta sujeita a população negra encontra principalmente amparo no plano internacional, quando dos tratados que se reportam ao combate a discriminação e a implantação da inclusão social a qual o Brasil faz parte, como já aludido em momento oportuno no presente trabalho. No entanto, observa-se, que a promoção de políticas públicas objetivadas em equilibrar a situação entre negros e brancos, diminuindo desta forma a desigualdade racial, deve ser amplamente discutida, objetiva quanto a sua finalidade, respeitando a base teórica em que o princípio isonômico fora constituído, alcançando um estado ideal de coisas a ser atingido, sob pena de se tornarem ilegítimas. Além destes requisitos, observa-se também que deva ser temporária qualquer medida que institua cotas ou percentuais, extintas após cumprida sua finalidade, não perpetuando assim as diferenças, como prevêem seus opositores, além de serem instituídas em conjunto com diversas outras medidas que visem qualificar o indivíduo discriminado, como a instituição de melhor educação, melhor saúde, dentre outros direitos previstos como garantias fundamentais, favoráveis aos grupo minoritário. Contudo, conclui-se que embora não haja no presente momento decisão definitiva quanto à constitucionalidade das ações afirmativas em prol do afro descendente, é sob uma nova perspectiva social e com o objetivo de superar as barreiras das desigualdades que elas se findam, dispondo de políticas compensatórias para a implementação do princípio isonômico constitucionalmente previsto. 116 REFERÊNCIAS ANTONIL, André João. Biografia. 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