INTRODUÇÃO: 1. elementos de história da vida consagrada; 2. essência da vida consagrada; 3. dinâmica da vida consagrada; 4. consagração e votos = conselhos evangélicos; 5. carisma da vida consagrada; 6. missão da vida consagrada. 1. ELEMENTOS DE HISTÓRIA DA VIDA CONSAGRADA a) Resgate da história: Igreja primitiva Até o séc. IV a Igreja primitiva, as primeiras comunidades cristãs, embora tivessem suas dificuldades, foi uma Igreja fervorosa e vibrante. Com a perseguição crescente no império romano os cristãos foram obrigados a viver nas catacumbas. O fato de ser batizado, estava baseado numa decisão séria e cheia de fé. O grande sinal da radicalidade na fé, no início da Igreja, foram os mártires. A radicalidade na oferta livre e até alegre da vida por Cristo, no martírio, tocou profundamente o coração de muitos que logo depois acolheram a fé cristã. Fazer-se batizar era candidatar-se ao martírio... Razão de se fazer batizar: fé no Senhor Jesus Ressuscitado que preenchia plenamente as vidas das pessoas. b)Pelo edito de Milão, no ano 312 d. C. , Constantino, declarou a liberdade religiosa em todo o Império Romano. O cristianismo foi declarado como religião oficial do Império por Teodósio I em 382 d.C. Assim as conversões ao cristianismo não eram mais motivadas por razões de fé, mas de conveniência. Ser cristão, agora trazia uma série de vantagens e benefícios, por isso as conversões eram a “granel”, pois interesseiras (emprego, honrarias, status...), mas sem convicções. a fé cristã perdeu “se primeiro amor”(Ap 2,4). Houve sinais de corrupção na lideranças, e esfriamento do fervor inicial, abusos, escândalos, infidelidades etc... A Igreja precisava recuperar o primeiro encanto, com novos sinais de radicalidade na vivência da fé, que fosse uma forte profecia para a própria Igreja e para o mundo. c) Origem da VC: Um movimento de cristãos inquietos!! Alguns batizados que queriam viver mais radicalmente sua fé, não achavam espaço no meio da sociedade decadente. Por isto foram ao deserto, para viver o seu batismo na radicalidade. A VC, começou sem qualquer intenção de introduzir na Igreja uma nova estrutura, ela simplesmente começou como um movimento de indivíduos que assumiam a vida de eremitas, para poderem viver seu batismo numa forma mais radical. Foram chamados de Padres do deserto. Começaram a atrair “discípulos” que viviam como eremitas ao redor do “pai espiritual”. Assim começaram as primeiras comunidades religiosas. d) Projeto original da VR – Os padres do deserto e as primeiras comunidades religiosas queriam somente uma coisa: Viver a aliança do seu batismo de uma forma radical. Qual a essência desta aliança batismal? É AMAR!! AMAR a DEUS de “todo seu coração, com toda a sua alma, com todo seu entendimento e com toda a sua força”(Mc 12, 31); e AMAR o PRÓXIMO como a si mesmo (Mc 12, 28-34). Portanto é amar a Deus de forma radical e amar o próximo também de maneira radical. O projeto central da vida consagrada é muito simples. É amar!! Fala do desejo sincero de amar a Deus com paixão, porque descobrimos, na contemplação que Deus foi quem se apaixonou primeiro por nós. E por causa do amor a Deus, nosso amor tem de chegar até sinais proféticos de amor ao próximo. Todo o restante da vida consagrada como: estruturas, apostolado, vida comunitária, não teria sentido se não fosse inspirado e motivado pela vivência radical da aliança do batismo. Por isso, na vida de um consagrado há somente um único absoluto, DEUS. e) Conseqüências: a pessoa consagrada pertence totalmente a Deus; é uma aliança livremente assumida; assume um processo de conversão para a vida inteira: deixar todos os ídolos ou absolutos, para acolher o único Absoluto em sua vida. Os votos, castidade, pobreza e obediência são meios principais para viver o Primado do Absoluto. f) CRISES NA VIDA CONSAGRADA A crise é o verdadeiro motor da história; tudo que é humano e temporal está sujeito a crise. Somente Deus não entra em crise pois ele não é filho do tempo e nem envelhece com o tempo! Crise, quase sempre, é renovação a partir de valores essenciais que sobraram no inverno de uma instituição. Crise vem de Kir\Kri (raiz sânscrita): purificar, limpar... Vem dali acrisolar. A crise faz uma depuração para sobrar somente o essencial. Separa o essencial do secundário. Na crise não se pode discutir tudo; deve sobrar um ponto sólido a partir do qual se pode iniciar uma nova construção; Caminhar é preciso; recriar é urgente, mas guardar as raízes históricas é essencial para sobreviver, salvaguardar a identidade própria. Krisis (grego) significa decisão tomada pelo juiz ou médico depois de examinar bem o processo ou o paciente. o processo decisório nasce da crise, do julgamento. Purificação e decisão são elementos necessários para um novo caminho A queda das nações iniciou quando os povos perderam a “utopia” e a vontade de crescer e de desenvolver-se. Museu é que fica parado no tempo. A vida e a Instituição precisam avançar. Olhar só para o presente pode ser desesperador; é preciso contemplar o passado, onde encontramos as raizes do futuro. Na vida Consagrada não basta olhar só para o passado e o presente; é preciso deixar-se iluminar pela luz da fé, pois ela tem algo que ultrapassa a história e a própria Instituição. Trabalhar como se tudo dependesse somente de nós mesmos\as; sabendo que tudo depende de Deus. CRISE INTERNA: IDENTIDADE Até o Concílio de Trento a VC tinha como finalidade central, viver a radicalidade da consagração batismal, tendo Deus como único Absoluto e para tal assumia-se tres valoresrenúncia baseados nas tres tentações de Jesus: bens e propriedades; família; poder. Na interpretação dos documentos do Concílio de Trento, foram instituídos os votos; os votos se tornaram finalidade, ficando em segundo plano a consagração. No Vat. II, após releitura da história, houve o resgate da finalidade, da essência da VC, restituindo o lugar aos votos como meios privilegiados para viver o Primado do Absoluto. Esta crise levou a concepções equivocadas da VC: 1. O QUE NÃO É A VIDA RELIGIOSA a) não é um estado de perfeição A finalidade da VR não é atingir o estado de perfeição. Sempre seremos humanos e falíveis; passíveis aos limites da condição de ser humano e criatural; A santidade na Igreja não é propriedade da Igreja e da vida religiosa. A LG 110 declara que “o dom da santidade na Igreja é universal”. Todos os batizados são chamados a santidade. Os que assumem a VR e o matrimônio tem o mesmo dever de procurar a santidade. O dever de procurar a santidade vem do batismo. O estado de vida perfeito não é nem para a VR e nem para os leigos. Houve erros históricos que originaram falsas idéias e falsas identidades: ser perfeito era como que um dever, do contrário era tido como impuro, infiel etc... Isto levou muitas pessoas a serem um tanto farisaicas: compromisso de serem perfeitas externamente sem levar em conta o estado interior. Havia observância externa mas sem o espírito. A motivação era a de ser um perfeito observante das normas e leis das instituições. b) A VR não foi fundada por Jesus Cristo A VR começou sua existência no século IV d.C. Começou não porque JC a fundou mas por algumas circunstâncias eclesiais daquele tempo. A VR tem uma inspiração do jeito de viver de JC e por isto tem uma inspiração bíblica, mas não tem um fundamento bíblico. Os primeiros religiosos tinham bem claro de que queriam viver todos os conselhos evangélicos sobretudo a caridade a Deus e ao próximo e não somente o que diz respeito aos votos de castidade, pobreza e obediência... c).A ênfase da VR não está no fazer Erro ético introduzido por Calvino: os que trabalham e produzem são salvos, porque isto é um sinal de predestinação de Deus. A modernidade e a pós-modernidade ajudam a fortalecer esta ética. Quem produz tem valor. Quem não produz não tem valor em nossa sociedade. É bom religioso/a que faz e produz. É uma visão reducionista da VR. A VR reduzida na sua essência ao fazer. Essa ética lançou a VR num ativismo exagerado e sem freios. Esqueceu-se que o “ser” é que dá sentido ao “fazer”. a ética do ativismo sem freios deu a impressão de que só temos valor enquanto produzimos ( problema da 2ª. E 3ª. Idade... Quando os limites começam a aparecer...); outra conseqüência: as nossas obras como parte essencial de nosso ser, identificando nosso “ser” religioso com essas mesmas obras. muitas obras já não existem mais (escolas, hospitais etc.), por várias razões (recursos humanos, financeiros...); Não se pode identificar nosso “ser” religioso/ com uma obra ou com um fazer. Sob este ponto de vista muitos religiosos estariam desempregados ou subempregados. Nenhum fazer é capaz de sustentar o essencial da VR. d) A economia não é o eixo condutor da VR, embora sua influência sempre esteve presente. A complexidade da economia mundial atual, o sistema econômico desequilibrado, incide notavelmente sobre as economias das instituições. Precisamos nos preocupar com a economia, mas não pode se tornar o centro de nossas preocupações e ações... A preocupação atual a respeito deste tema é a do uso evangélico dos bens. As estruturas não são a essência da VR, embora necessárias, pois dão sustentabilidade as obras missionárias, os processos formativos, mas também podem ser ao mesmo tempo contratestemunho A Vida Consagrada não é uma empresa, embora suas estruturas tenham que se adequar as leis do país, mas não as do mercado. Precisamos de uma estrutura mínima para o exercício de nossa missão. Isso nos convida, constantemente, discernirmos sobre o uso evangélico dos bens. CRISE EXTERNA Perda da dimensão mistérica da vida, perda da transcendência: falta de fé num relacionamento consistente com Deus; Desajuste antropológico: relacionamento humano viciado por interesses subjetivos; Crise de atividade ou práxis econômica como única realidade válida e construtiva. Importante é ter um corpo esbelto e malhado; ter para poder consumir; individualismo; ética da auto-referência... Passou-se da visão da Vida baseada no Teocentrismo para o Antropocentrismo. No dizer de Cencini, o narcicismo pósmoderno levou-nos a “antropofania”. No redemoinho da crise sempre aparece a “crise de identidade e do sentido da vida”. A crise de identidade abarca tudo e a pessoa não sabe mais para que ou para quem vive. “A crise mais profunda de nossa sociedade (e da Vida Religiosa) é a da sua própria razão de ser” (Blavel, Núcleo da ( VR, Ed. Vozes) A VIDA CONSAGRADA (síntese): Deve procurar sua raiz bíblica, reencontrando o segredo da consagração, da comunhão fraterna e da missão apostólica; No mundo temporal, deve sinalizar para um outro mundo transcendente; Deve apreciar os relacionamentos humanos mas ao mesmo tempo revelar o segredo sonhado pela comunidade de Jerusalém (“uma só alma e um só coração”); Ela se envolve na atividade apostólica, mas sua missão principal é recordar, inclusive para a Igreja, a urgência do mundo que virá; Ela precisará recordar-se do dever de solidariedade com o povo de seu tempo especialmente o mais indefeso e enfraquecido.