— junho 2013 NUTRIÇÃO DIETAS NA TRANSIÇÃO Garantir saúde e produtividade O período de transição é muito importante para a saúde, produção e rentabilidade dos animais, uma vez que as vacas leiteiras passam por grandes mudanças adaptativas durante esse período. Com ajustes corretos na dieta, é possível reduzir o risco de problemas, bem como melhorar a produtividade dos animais O período classificado como período de transição compreende as três últimas semanas pré-parto e as três primeiras semanas pós-parto, período este em que há a mudança do estado não lactante para o estado lactante. Esse período é muito importante para a saúde, produção e ren» 36 tabilidade dos animais, uma vez que as vacas leiteiras passam por grandes mudanças adaptativas durante esse período. Para que possamos entender as mudanças que ocorrem no organismo da vaca no período de transição, dividiremos este período em duas fases: pré-parto e pós-parto. Pré-parto: exigências aumentadas Esta fase está relacionada ao aumento no tamanho do concepto (tecidos uterinos, placenta, membranas fetais e feto) e à demanda de nutrientes. Trabalhos demonstram que existe um aumento de aproximadamente 30% na exigência de energia — junho 2013 e superior a 50% na exigência proteica requerida por um animal gestante para promover a manutenção do concepto nos últimos 60 dias de gestação. Ainda, nos últimos dias de gestação, ocorre a formação de colostro e aumento da demanda da glândula mamária por glicose, aminoácidos, ácidos graxos, minerais e vitaminas. O fluxo sanguíneo mamário, o consumo de oxigênio e a absorção de glicose e acetato aumentam consideravelmente entre o segundo dia pré-parto e o primeiro dia pós-parto, mostrando que a glândula mamária está prestes a iniciar a abundante produção leiteira. Com o aumento da demanda energética e proteica dos animais nesta fase, espera-se que haja um aumento na ingestão de matéria seca, mas este aumento na demanda de nutrientes não é compensado pela maior ingestão de alimentos, sendo que ocorre o inverso, o consumo de alimento próximo ao parto reduz-se drasticamente. A redução na ingestão de alimentos inicia-se três semanas antes do parto, acentuando-se na semana que antecede o mesmo. Vários pesquisadores observaram que este consumo decresce em aproximadamente 30% durante este período. Independente de primíparas ou multíparas, todos os animais apresentam decréscimo na ingestão de alimentos, sendo que trabalhos demonstram que o decréscimo em vacas multíparas ocorre em maior grau quando comparado às primíparas. Pós-parto: demandas para produção A fase pós-parto inicia-se logo após o parto, com a produção de colostro e grande quantidade de leite. Nesta fase ocorre um aumento no metabolismo mamário com aumento no fluxo sanguíneo e captação de nutrientes pela glândula mamária. Segundo alguns pesquisadores, a captação de glicose (requerida para a síntese de lactose) no primeiro dia pós-parto é nove vezes aquela observada nove dias antes do parto. Nesta fase, a glândula mamária passa a desempenhar importante papel no metabolismo animal. As exigências metabólicas nesta fase se acentuam, quando comparadas às exigências observadas na fase anterior, pois a glândula mamária requer uma maior demanda de nutrientes, principalmente as vacas de alta produção. Poucos dias após o parto, a exigência mamária de alguns nutrientes aumenta muito em relação àquela observada no útero gravídico no final da gestação, como por exemplo a exigência de glicose (2,7 vezes), aminoácidos (2 vezes), ácidos graxos não esterificados (4,5 vezes) e energia (3 vezes). Ainda, da mesma forma que durante a primeira fase, o aumento do consumo de alimentos pelo animal não acompanha o aumento da demanda de nutrientes. O que diferencia esta fase da anterior frente ao consumo de alimentos é que, durante esta fase, ocorre um aumento gradativo na ingestão de matéria seca, fato não observado na fase pré-parto. Balanço energético negativo Para que possamos entender o que é balanço energético negativo, primeiramente precisamos analisar o que ocorre com a produção de leite pelo animal, bem como com o consumo de alimento. O pico de produção leiteira ocorre entre a 4ª e a 8ª semana pós-parto, enquanto que o pico de ingestão de matéria seca ocorre somente entre a 10ª e a 14ª semana pós-parto. Como podemos observar no Gráfico 1, as curvas de pico não se encontram, e com isso existe um desencontro entre o maior período de exigência nutricional e o período de maior ingestão de matéria seca e, consequentemente, de nutrientes. Por este motivo, as exigências proteicas e energéticas não são supridas pela ingestão de matéria seca e, desta forma, o organismo acaba por utilizar suas reservas. O desencontro existente entre a demanda de nutrientes pelo animal e a sua ingestão é denominado balanço energético negativo, sendo que este co- gráfico 1. CURVA DE LACTAÇÃO, INGESTÃO DE MATÉRIA SECA (IMS), BALANÇO DE ENERGIA (BEL) E MUDANÇA DE PESO CORPORAL (MPC) DE VACAS LEITEIRAS Fonte: Finardi, adaptado de Berchielli et al. » 37 — junho 2013 NUTRIÇÃO mumente ocorre entre as três últimas semanas pré-parto e as primeiras semanas de lactação. Possíveis problemas Devido ao balanço energético negativo pela falta da capacidade do animal em ingerir a quantidade de nutrientes suficientes para o atendimento de suas necessidades, algumas doenças podem ser desencadeadas na fase pós-parto, como a doença do fígado gordo, cetose, deslocamento de abomaso, retenção de placenta, mastites, metrites, hipocalcemia, acidose ruminal e laminite, além de imunodebilidade e alterações reprodutivas como o anestro pós-parto. Essas doenças podem levar a uma queda de consumo de matéria seca ainda maior, sendo que isto acaba por elevar o período de balanço energético negativo. Devido a estes fatores, pode ocorrer também queda na produção leiteira dos animais acometidos, fato que causa ainda mais prejuízo aos produtores. Avaliação do escore corporal Além das patologias destacadas anteriormente, devemos lembrar da relação condição corporal, produção leiteira, imunidade e reprodução. É importante sempre nos lembrarmos da necessidade e importância de se avaliar a condição corporal (escore de 1 a 5) das vacas no período pré-parto, sendo que o escore de condição corporal (ECC) ideal para vacas ao parto deveria ser entre 3,5 a 3,75 (Figura 1). As vacas não devem chegar muito gordas ao parto (ECC > 4), pois esses animais apresentam uma depressão no consumo de matéria seca ainda maior durante a fase pré-parto e a fase inicial de lactação, piorando ainda mais o balanço energético negativo. Da mesma forma, as vacas não devem apresentar também baixa condição corporal (ECC < 3), uma vez que estes animais apresentarão menores reservas nutricionais para serem mobilizadas para a produção leiteira, levando a um menor pico de produção durante a lactação. Nesta fase ainda temos fatores estressantes que desencadeiam uma imunossupressão nos animais, tornando-os mais susceptíveis a doenças. Assim sendo, é importante que estes fatores estressantes, como o estresse térmico e o estres» 38 FIGURA 1. AVALIAÇÃO DE ESCORE CORPORAL DE VACAS LEITEIRAS — junho 2013 É importante que se estimule o consumo de alimentos pelos animais, sendo que o fornecimento de forragens de alto valor nutricional é de suma importância se alimentar, sejam reduzidos. Ainda, devemos lembrar da importância dos minerais, principalmente os microminerais, que auxiliarão em uma melhor resposta imunológica. Por último temos a reprodução, que é a continuação da cadeia produtiva, haja vista que vacas que não emprenham podem, em algumas situações, continuar a produzir leite, mas de forma inviável e antieconômica, e se vazias, quebrarão o ciclo de produção da propriedade, onerando ainda mais o custo de produção. brando dos cuidados frente ao fornecimento de concentrado a estes animais, já que o excesso pode desencadear uma acidose ruminal, reduzindo a ingestão de alimentos e agravando o quadro de balanço energético negativo. Durante esse período, as exigências energéticas estão aumentando, sendo necessário ajustar o valor energético da dieta. Vale ressaltar que novilhas apresentam uma exigência superior, pois apresentam consumo menor e têm exigências energéticas adicionais por estarem em crescimento. Como a energia, as exigências Nutrição adequada proteicas também aumentam conforme Sem sombra de dúvidas, um bom e ade- avança o período gestacional, devendoquado manejo nutricional é de suma se ajustar o teor proteico da dieta, sendo importância para que tenhamos o ideal ao redor de 12% de proeficiência econômica, bem teína bruta na dieta total de como sanidade no rebavacas e 14% na dieta total O DESENCONTRO nho. Através dos ajustes de novilhas. EXISTENTE ENTRE A corretos na dieta dos O uso de dieta aniônianimais neste período, ca nos 30 dias finais DEMANDA DE NUTRIENTES é possível minimizar da gestação é imporPELO ANIMAL E A SUA os prejuízos ocasiotante, uma vez que a INGESTÃO É DENOMINADO nados pelos gastos ativação de mecanisBALANÇO ENERGÉTICO com medicações, bem mos de homeostase NEGATIVO como obter uma melhor de cálcio é lenta e não produtividade dos animais. consegue acompanhar o Todo o cuidado e ajuste nutrirápido aumento na demancional devem iniciar antes do parto. da deste mineral devido ao gasto É importante que se estimule o consumo com contrações uterinas no parto e as de alimentos pelos animais, sendo que o necessidades para que haja a produção fornecimento de forragens de alto valor de colostro e leite, fato que predispõe a nutricional é de suma importância, lem- ocorrência de hipocalcemia, retenção de placenta, metrites e mastites. Mas é importante lembrar que na nutrição não existe uma “receita de bolo”, sendo que cada propriedade apresenta características próprias, com animais que apresentarão necessidades diferentes, lembrando sempre que “cada caso, é um caso”. Desta forma, é importante sempre que o produtor tenha o auxílio de profissionais e empresas idôneas e capacitadas para realizar os ajustes necessários, de forma a minimizar os prejuízos que podem ser desencadeados por falhas no manejo da propriedade. Quanto à nutrição, é importante que o produtor tenha a consciência das mudanças fisiológicas nos animais, bem como das necessidades dos mesmos para que produzam com eficiência, e que sejam realizados os ajustes necessários na dieta de modo a ter sempre animais produtivos na propriedade. Marco Antônio Passareli Finardi Médico Veterinário Departamento Técnico de Nutrição Animal Grupo Matsuda » 39