Réplica ao artigo “Saudades do Conselho da Revolução” de Silva Paulo
Por Brandão Ferreira - 16/05/13
“As Forças Armadas dispõem de três impressionantes vantagens políticas sobre as
organizações civis: marcada superioridade de organização, um status altamente
emocional e o monopólio das armas; que perante tudo isto o surpreendente é que
obedeçam aos seus chefes políticos”. Samuel Finer (1976).
O c.m.g. Silva Paulo (SP) garantiu, de há uns tempos para cá, uma espécie de “coluna
semanal” nas páginas do Diário de Notícias. Ele e eles, lá saberão porquê.
Com falas mansas, mascaradas de correcção democrática e politicamente correcta
q.b. vem, sub-repticiamente, a minar os fundamentos da “condição Militar” e a tentar
subverter a postura e importância da Instituição Militar no seio do Estado e da Nação.
Evidencia uma avantanjada falta de “espírito militar” e inépcia para ter entendido o
que é a nobre “profissão das armas”.
Não é o único, conheci alguns com décadas de serviço e que parecia que nunca
tinham passado pelas fileiras…
Há gente assim, enganam-se (ou são enganados) na vocação e depois passam a vida
em passo trocado e zangados com a bílis. Tenho até, dúvidas, que SP, quando se alistou
na Armada, não pensaria estar a entrar para alguma marinha de recreio.
O último artigo dado à estampa, com o mesmo título que encima este, não foge à
regra. Já é tempo de o começar a rebater.
Nele insinua que “muitos” andam com “saudades do Conselho da Revolução” (CR);
defendem “ modelos de actuação das FA desviantes da Constituição” e do “controlo
civil”; “discutem a legitimidade do poder político”; existem “apelos à intervenção das
FA na governação”; etc.
Nunca, porém, concretiza, ou explicita, nada do que deixa no ar.
Chega a invocar o “revivalismo da Carta de Mouzinho de Albuquerque ao Príncipe”,
como prova do que afirma.1
O rosário de barbaridades é extenso e passa ainda pela defesa da “supremacia civil
sobre as FA”; a falta de “sorriso” com que a maioria dos militares, “como os
burocráticos públicos”, aceitam “a retracção a que as FA têm sido sujeitas desde 1982”.
E acaba fazendo incursões no que apelida de “ausência do estado de direito
democrático, na formação básica dos militares”, chegando à deselegância de propor que
1
Carta de Mouzinho de Albuquerque (na sua qualidade de “Aio”), ao Príncipe Real, D. Luís Filipe de
Bragança escrita, em 1901. Uma extraordinária peça de antologia que atesta a sua nobreza de carácter e
Espírito Militar.
1
as FA sejam “afastados de cenários domésticos” dado que as oportunidades (de
intervenção) podem surgir, pois a “carne é fraca”. Gostaram desta pérola? Será que S.
Exª ainda se atreve um dia destes a proibir as mulheres de irem de bikini para a praia –
“just in case”?
E deixa um apelo pungente, depois de criticar o “Conceito da Marinha de duplo uso”
– que é das coisas mais bem elaboradas pela Armada (para além do elementar bom
senso em que se baseia): aproveitar esse espanto de projecto apelidado de” Defesa
2020” para “tornar a formação básica dos militares e sobretudo dos oficiais, capaz de
garantir que eles sabem o que é o Estado de direito democrático que juraram defender e
que o defendem com convicção”.
Antes de entrarmos na análise de algumas das contradições e na refutação de ideias
veiculadas, ficámos com esta curiosidade quase mórbida: onde será que este cidadão
que cursou a Escola Naval e mais uns quantos cursos técnicos e de promoção (e não
parece haver ofício em que os seus profissionais passem mais tempo em formação), terá
conseguido aprender o que é essa coisa de “estado de direito democrático”, que nega
aos outros saberem?
E só nos espanta como é que não propôs, desde logo, a criação de uma “campo de
reeducação” – de que ele seria um putativo director – onde os relapsos detectados nas
formaturas e conversas de bar (como fazem falta os comissários políticos!), logo fossem
internados!
Infere-se até, que os seus camaradas foram promovidos a oficiais e andaram a jurar
coisas sem saber ao que iam...
Uma derradeira achega: aos militares não é importante como diz, aprender o tal
conceito que para si aparenta ser o “supra sumo da essência do sublime”. Meia dúzia de
aulas de Ciência Política chegam para isso e muito mais. O que é verdadeiramente
importante é a aprendizagem e interiorização da Ética e da Deontologia Militar. São elas
que vão determinar o bom ou mau uso que os conceitos, técnicas, tácticas, doutrina, etc.,
possam vir a ter.
E se aceita um conselho, devia preocupar-se mais em que os políticos aprendessem
Ética e Deontologia do que os militares soubessem de estado de direito democrático…
Os políticos nem sempre cumprem as leis que elaboram; tão pouco as promessas que
fazem; mentem despudoradamente, quase por compulsão (democrática, obviamente);
dão azo a que a corrupção campeie; andam a destruir as instituições do país e o próprio
país e acabaram por bloquear o próprio sistema político onde se enredaram e SP acha
que isto representa o “Estado de direito democrático”!?
E aqui passamos à Constituição (CR). Acusa militares (mais uma vez sem identificar
ninguém) de se quererem desviar dela, mas ainda não demos conta de ninguém o ter
feito; ao contrário, parece que a actuação das forças políticas é que não pára de incorrer
em tal prática como, de resto, o Tribunal Constitucional (TC) vem afiançando.
2
E aqui é que o texto do autor nos baralha: por um lado os militares juraram defender a
CR (e segundo SP até o devem fazer com convicção), mas por outro lado o mesmo SP
fica com erupções de pele só de pensar que algum fardado possa intervir seja no que for.
Então em que ficamos?
Aqui para nós, eu nem sei porque é que o TC (e as restantes forças políticas) se
preocupam com essa coisa da CR. Então, na última revisão constitucional não
mudaram, quase à socapa, o articulado da dita cuja, no sentido de subalternizar todo o
edifício legal nacional, face às leis que se produzem em Bruxelas? Nesse caso o que é
que venha de lá (Troika incluída) pode ser considerado inconstitucional?
E poderá o eminente escriba esclarecer o que entende por “supremacia civil”?
Eu julgava que o termo era subordinação (não submissão) das FA ao poder
legitimamente constituído, o que deve ocorrer, outrossim, com os restantes corpos
especiais, ou não, do Estado, como os diplomatas, os serviços de informações, as
direcções gerais, etc. e as polícias – a propósito não há nenhum militar a comandar
polícias, o que há é oficiais de Exército que, transitoriamente, dada a realidade histórica,
integram a GNR que presumo, deve saber, ser uma força de segurança com estatuto
militar.
Entenderá que os civis devem andar contra os militares ou estes contra aqueles? Que
os políticos possam fazer da IM “gato-sapato” e ninguém tem direito a protestar? Que
os militares são seres descartáveis? Que a sua opinião não deve contar?
O quê?
Não lhe chega as limitações constitucionais existentes? Os cidadãos militares na
reserva e reforma são assexuados e apolíticos? Os políticos estão acima de crítica? Por
acaso perpassa-lhe pela mente que as chefias militares não devem apenas lealdade ao
governo, mas também ao PR, aos seus pares, aos Ramos que comandam e à Nação de
onde emanam e, prioritariamente defendem?
O Senhor atreve-se a chamar o Mouzinho – cuja carta, que evocou, devia ser lida
todos os anos nas escolas do país – que é um exemplo de virtudes militares, à colação,
para insinuar semelhanças com eventuais atitudes menos próprias, logo ele, que teve a
coragem de se meter na campa por já não suportar as perfídias dos políticos e da
política?
De facto fazem falta outros “Mouzinhos” que escrevam ao 1º Ministro, como ele o
fez, dizendo a dado passo, “Todos sabem os apuros financeiros do país e sabem por
igual que, para segurar o poder por mais 2 ou 3 anos, V. Exª e o gabinete a que preside
não hesitarão em sacrificar o futuro”.2
2
Carta que escreveu ao Presidente do Conselho de Ministros, José Luciano de Castro, em 23/7/1898,
após ter sido exonerado do cargo de Comissário Régio, em Moçambique.
3
Espero que quando da próxima vez que balbuciar o nome do herói de Chaimite o faça
respeitosamente e na posição de sentido e, se armado, apresente armas!
Quanto ao CR, foi um órgão que resultou das sequelas do 25 de Abril – seguramente
uma das intervenções que aos militares está interdita, a avaliar pelo que exprimiu. O
CR, de facto, não deixou grandes recordações, mas tem que se lhe fazer a justiça de ter
entregado o poder, conforme o acordado entre a maioria das forças políticas emergentes
e uma nova CR aprovada.
Não consta que mais ninguém o tenha reivindicado a não ser por dedução do disco
riscado do camarada Otelo.
Medite antes na citação do Samuel Finer. Se perceber a sua dúvida, talvez consiga
pôr em ordem a baralhação que lhe vai na cabecinha.
Concedo, todavia, que numa área as FA têm sido condescendentes: nos exames
psicotécnicos.
A malha tem de ser apertada.
João J. Brandão Ferreira
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