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Q http://Wvvw.editora.ufsc.br Direção editorial: Paulo Robelro da Silva
Capa e editoração :
Paulo Robelro da Silva
Supervisão técnico-editorial:
Aldy VeJgés Maingué
Revisão:
José Renato de Faria
Organização do texto:
Cnúiane Soares João Vicente Scalpin Fi cha Catalográfi ca (Calalogação na fonte feita pela DECTI da Biblioteca da UFS
D 111
Da prop os ta à a~ão : Currículo integrado do curso de M
cina da UFSC I Mauríci o José Lope s Perei ma.
Bergcr Salema Coelho, Marco Auré li o Da Ros, org
zadore s. - Florianó polis: Ed. da UFSC , 2005.
186p. : tab s.: grafs.
Incl ui bibliografia
I. Universidade Federal de Santa Catarina. Curso
Medicina - Curricul os - História. 2. Uni ve rsidade Fed
de Santa Catarina. Hospital Universitário. I. Pereima, M
rício Jo,é Lopes. 11. Coelho, El za Berger Salema. III.
Ros . Marco Aurélio.
CDU: 616(8 16.4)(0
ISBN, X5·328-D:J:l4·2
Resel\lad os t od os os direitos de publicação total o u parcial pela Editora da UFSC Impl-ess o no Brasil 120
Da proposta à ação
epistemológica, nesse ponto imaginário em que as p
acabam por se encontrar" .
E num exercício prospectivo poderíamos avançar a
limites das disciplinas e seus conteúdos, vaticinando que no
concepção holística pa ra a qual a ponta a evolução do conhe
científico irá tornar dispensável sua fragmentação em dis
chegando-se ao que denomino metad'sclplinarldade .
O trabalho em equipe como ferra menta indispensá
a construção interdisciplinar e sua transcendência apó
reconhecimento e instrumentação da diversidade huma
natureza processual de suas interações, ou seja, algo q
sempre em movimento, partindo do estado indiferenc
conjunto de pessoas q ue originalmente forma um grup
formação de um sistema humano em q ue cada um
componentes seja reconhecido em sua singularidade
exercer uma ação interativa na busca de objetos compart
Referências bibliográficas
GUSDORF. G. Ré flexions sur I' inte rdisciplinarité. Bulletin de
Psychologie, XLI II, 397, p.847-868, 1990.
MORIN, E. Epistemologia da modernidade. In: SCHNITMAN,
NOlJos paradigmas, cultura e subjetilJidade. Porto Alegre: Artme
(1994) .
OSORIO, L. C. Psicologia grupal: uma nova disciplina para o a
de uma e ra. Porto Alegre: Artmed, 2003 .
122
Da proposta à ação
dos quadros científicos~ na Universidade, a pesquisa possibilita
novas construções, visando à solução dos problemas colocados
pela realidade e pela prática social (extensão).
As descobertas científicas, uma vez socializadas através do
saber escolar, auxiliam na construção dos processos de autonomia
dos estudantes que se tornam profissionais. Ao ser socializado, o
conhec imento organizado e sistematizado nas propostas
curriculares e intencionalmente concebido para servir à
transformação da realidade constitui-se em premissa do
conhecimento científico do momento seguinte, pois o movimento,
a contradição, a mudança qualitativa das sínteses científicas é
uma constante .
Nos currículos tradicionais, a organização se dá pela grade
e a visão dominante de ciência é a moderna.
Conhecer, na visão moderna, exige a quantificação e o rigor
das medições que atestam a cientificidade; caracteriza-se por dividir
e classificar, para depois estabelecer relações entre aquilo que foi
separado, garantindo a apreensão da parte. E a partir do
quantificado, apreender a ordem, as leis e princípios que garantem
a estabilidade e as relações causais entre os fenômenos. Ocorre o
desconhecimento do homem como sujeito empírico e sua
identificação como sujeito epistêmico. Em conseqüência, temos
uma grade que dicotomiza o sujeito e o objeto.
A especialização produz o conhecimento aprofundado de
aspectos, mas sem obter processos integrativos; a atividade
científica é concebida como a atualização de um método, assumido
como um conjunto de procedimentos previamente estabelecidos
e legitimados, para os quais se supõe validade generalizada
conforme o objeto de estudo, e não tem a ver com o objeto
pesquisado ou o processo particular de intelecção do indivíduo
pesquisador.
Nesse modelo, os estudos universitários estão direcionados
para obtenção de um título reconhecido pelo Estado, requerendo
um plano de estudos fixo e detalhado numa grade curricular,
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
123
u11lca, válida para qualquer postulante. Por isso, ocorre uma
regulamentação unifo rme à qual deve se submeter todo o corpo
docente e discente. Os cursos são organizados com ciclo básico e
outro profissionalizante, separando-se também a teoria - que
necessariamente vem antes - da prática . Assim, os estágios ficam
alocados no final do currículo escolar em cada curso.:;
Atualmente, muitas instituições vêm buscando integrar o
currículo num todo; as ações integrativas contribuem para auxiliar
o aluno a construir um quadro teórico-prático global mais
significativo, mais próximo dos desafios que enfrentará na
realidade profissional dinâmica, onde atuará depois de concluída
a graduação.
Estes esforços integrativos já são decorrentes de uma visão
diferenciada da ciência, chamada de pós-moderna ,4 que representa
uma mudança paradigmática em relação à citada visão modernas
Um novo posicionamento é proposto; ele altera radicalmente o
posicionamento quanto à visão de ciência, conhecimento e,
3
4
5
Este modelo de grade curricular, no qual se separou o ciclo básico do
profissionalizante, pode ser encontrado nos documentos acerca da
organização da Universidade Napoleônica, quando Napóleão Bonaparte
foi imperador da França. Anotações a respeito do modelo napoleônico e
demais modelos de influência na universidade brasileira podem ser
encontradas em Anastasiou (1998) .
Sugerimos ver Santos (1999), e as obras de Edgar Morin, em especial Morin
(2000a) e Morin (2000b).
Acerca do avanço da ciência e do rompimento dos pilares do paradigma
anterior, Boaventura de Souza Santos nos aponta: as descobertas de Einstein
em relação ao conceito da relatividade da simultaneidade (a simultaneidade
de acontecimentos distantes não pode ser verificada, mas tão-somente
definida); as descobertas de Heisenberg e Bohr, sobre a mecânica quântica,
que demonstram a interferência existente sobre objetos observados ou
medidos; o princípio da incerteza, de Heisenberg (temos do real apenas aquilo
que nele introduzimos , demonstrando a interferência estrutural do sujeito no
objeto observado); a Biologia, ao nos demonstrar a inviabilidade do
pressuposto determinista, pois o real não se reduz à soma das partes; e a
Química, ao comprovar que a irreversibilidade de sistemas abertos se faz por
flutuações de energia, não lineares nem previsíveis inteiramente, sustentando
uma lógica de auto-organização numa situação de não-equilíbrio, significando
que esses processos são produto de sua história, determinantes de sua
evolução (SANTOS , 1999) .
125
Da proposta à ação
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
conseqüentemente, do saber escolar e da organização curricular:
no lugar do mecanicismo, a interpenetração, a espontaneidade e
a auto-organização; no lugar do determinismo, a imprevisibilidade;
no lugar da reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; no
lugar da ordem, a desordem e os eventos; no lugar da necessidade,
a criatividade e o acidente , e , portanto, no lugar da eternidade, a
história, história esta que é construída com a ação dos seres
humanos num te mpo e num espaço histórico.
o produzimos e o retemos como forma de entender a realidade , que
nos facilite e melhore o modo de viver (LUCKESI et ai., 1991) .
124
Embora na antiga Lei 5.440/68, no que se refere ao ensino
supe rior, a pesquisa. tenha sido enfatizada, manteve-se a estrutura
curricular em grade, a separação entre a teoria e a prática, a
distinção entre um ciclo básico e outro profissionalizante, assim
como um habitush docente baseado na predominância da exposição
do conteúdo pelo professor e da memorização do mesmo pelos
alunos. É esta a situação que temos que to.mar como ponto de
partida para a re-organização proposta na lei atual: . L.D.B.E.N.
n .9394/96, da qual derivam as Diretrizes Curriculares.
o conhecimento e o saber escolar e a organização
curricular
Se conhecer é o processo pelo qual o homem compreende
o mundo, para nele atuar, o conhecimento é um conjunto de
enunciados , formalizados ou não, sobre o mundo, enunciados
que o homem produz e do qual necessita, não só para comunicar­
se , mas também para sobreviver, sendo assim uma ação que se
vincula ao individual e ao coletivo.
O conhecimento é também uma forma ao mesmo tempo
teórico-prática e prático-teórica de compreender a realidade que nos
cerca, sendo produto de um enfrentamento do mundo realizado
pelo ser humano, que só faz plenamente sentido na medida em que
6
Habitus: conjunto de esquemas que permite engendrar uma infinidade de
práticas adaptadas a situações sempre renovadas, sem nunca se constituir
em princípios explícitos (BOURDLEU , in PERRENOUD, 1992, p.209).
Para construir o conhecimento na Universidade , assimilamos
e acomodamos novos elementos através do confronto entre o dado . novo e o que já te mos elaborado; o conhecimento social existente, que é organizado como saber escolar, é o btido dos quadros científicos. É fruto do enfrentamento dos sujeitos - professor e aluno
- com a ciência, a comunidade e a realidade em suas diferentes
manifestações, visando à sistematização de determinados campos
do saber. Para sua socialização é preciso o estabelecimento de
métodos que possibilitem a apropriação coletiva deste saber.
Nas instituições de ensino, o saber escolar é o objeto de
transferência e const rução de sínteses progressivamente mais
complexas; por este movimento, não deve ser proposto como algo
dado e acabado, produzido por determinados gênios, mas como
produto determinado e resultado de um confronto entre diferentes
alternativas de compreensão e de concretização do mundo.
A partir destes ele mentos, pontuamos que uma orgànização
curricular sempre reforça determinada visão de ciência : numa
organização curricular em grade, a visão cartesiana, o modelo
racionalista está de tal forma entranhado que não facilita ações
integrativas dos saberes. Estas, quando ocorrem, resultam de
verdadeiros ma'l abarismos criativos dos professores , que, já tendo
percebido os resultados que a visão fragmentada acarreta aos
alunos, acabam por assumir pessoalmente ou em grupos ações
de integração disciplinar.
Já numa organização curricular globalizante a integração
se inicia pelo próprio desenho curricular; mesmo que o docente
pretenda apenas lidar com uma área ou campo d o conhecimento,
terá dificuldades em não interagir com os demais, pois o P rojeto
Político Pedagógico já se organiza nesta outra forma.
Um modelo curricular globalizante adota diferentes formas
de processar o conhecimento, pela parceria estabelecida entre os
sujeitos envolvidos: aluno.s e professores.
127
Da proposta à ação
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
Organizado sob a forma de saber escolar, porque traduzido
no nível de assimilação dos sujeitos aprendizes, o conhecimento
é assumido como: "trajetória, sempre provisória de aproximação
do real; é dinâmico, admite controvérsias e divergências, traz
subjacente uma série de compromissos, interesses e alternativas
que contestam sua condição de universalidade , que discutem sua
condição de objetividade, que criticam sua condição de
neutralidade" (LEITE, 1999, p.21).
diferenciados foram transplantados como disciplinas ou matérias
de estudo nas organizações curriculares do modelo grade.
126
Na Universidade o saber escolar leva o aluno a um confronto,
via aproximação - a mais atualizada possível- ao quadro científico
teórico-prático da área estudada. Temos, então, como conteúdos
de ensino o conjunto de conhecimentos, procedimentos,
habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação
social, organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a
assimilação ativa e aplicação pelos estudantes na sua prática de
vida. Em cada área, englobam-se conceitos, idéias, fatos, processos,
princípios, leis científicas e regras; habilidades cognoscitivas, modos
de atividade, métodos de compreensão e de aplicação, hábitos de
estudo, de trabalho e de convivência social; valores, convicções,
atitudes (UBÂNEO, 1995).
Da estrutura globalizante do currículo
A organização trad icional do currículo em grade reforça
a fragmentação do saber, possibilitando a especialização. Mas
para a compreensão de vários fatos ou problemas a
especialização nem sempre é suficiente, sem que se faça a
interação das partes. Mesmo para a pesquisa, em que a
especialização possibilita aproximações particularizadas e
aprofundadas, cada vez mais se faz necessária a ação de
equipes multidisciplinares para dar conta da complexidade dos
problemas que a realidade nos coloca.
A fragmentação das ciências criou corpos especializados
de conhecimentos, determinados por campos, objetos,
instrumentais, metodologias , aplicações e análises. Estes campos
Nessa transposição,? estão estabelecidos três graus de
relações disciplinares: a multidisciplinaridade, caracterizada pela
proposição simultânea de disciplinas, de forma somática, sem
que se explicitem relações entre elas (é o currículo grade ou
coleção); a interdisciplinaridade, que é a interação de duas ou
mais disciplinas, desde idéias, ações , tarefas, até a interação do
campo conceitual, leis e princípios, podendo até ocorrer o
surgimento de uma nova disciplina, como o caso da bioquímica;
e a transdiscip/inaridade, que corresponde a uma integração total,
dentro de um sistema globalizante, de modo a explicar a realidade
para além do parcelamento disciplinar.
° currículo integrado supera a multidisciplinaridade, na
direção da articulação dos conteúdos curriculares a partir de eixos,
módulos, projetos, pesquisa, resolução de problemas, partindo
do princípio de que o aluno constrói o conhecimento utilizando­
se de uma abordagem relacional do conteúdo. Ele se rá desafiado
a realizar atividades, de forma a construir, no pensamento e pelo
pensamento, as relações essenciais pretendidas no currículo,
apropriando-se delas, buscando a construção contínua e
processual de sua própria autonomia. Esta ação significativa
garante que os interesses, as capacidades e motivações dos alunos
sejam mobilizados, direcionados para a construção e elaboração
das sínteses necessárias para o apropriar-se do conhecimento.
Neste contexto, o conhecimento supera a simples
informação, possibilitando o processame nto significativo e
inteligente da mesma.
Conhecimento não se reduz a informação. Esta é um primeiro
estágio daquele. Conhecer implica em um segundo estágio, o de
trabalhar com as informações classificando-as, analisando-as e
contextua/izando-as. O terceiro estágio tem a ver com a
inteligência, a consciência ou sabedoria. Inteligência tem a ver
7
Sugerimos, a esse respeito, a leitura de Zabala (1998).
\
128 Da prop osta à ação
com a a rte de vincular conhecimento de maneiTa útil e pertinente,
isto é , de produzir novas formas de progresso e dese nvolvimento:
consciência e sabedoria envolvem reflexão, isto é, capacidade de
produzir novas formas de existência, de humanização (MORIN apud
PIMENfA, 2000, p.20)
Nos currículos integrativos ou globaliza ntes, para além de
um saber a ser memorizado e usado como produto dado e pronto,
os saberes estão diretamente associados ao processo de
construção, a um saber fazer, saber como, saber por que, saber
para que, que se estruturam em torno dos pri ncípios da
co mplexidade ,8 tomando-se como complexo aquilo que é tecido
junto. Daí, a importância da realidade como ponto de partida e
de chegada nos momentos e na abordage m d ialética que a
metodologia nos propõe.
O complexo requer um pensa mento que capte as relações,
interrelações e implicações mútuas, os fenôm enos m ultidimensionais,
as realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas [... ],
.q ue respeite a diversidade , ao mesmo tempo que a unidade, um
pensamento organizador q ue conceba a relação recíproca de todas
as partes (MORIN, 2000, p.14) .
Morin nos alerta para as reformas universitárias ocorridas
até agora que se encontram atreladas a um tipo de inteligência
que é preciso refor mar, através da reproblematização dos
princípios do conhecimento e daquilo que se pensava ser a
solução, reformando o pensamento na direção da complexidade;
é necessário ligar, tecer junto, contextualizar, globalizar.
Alterar a estrutura curricular exige uma série de modificações
essenciais, dentre as quais destacamos :
8
9
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
129
• a alteração da lógica da organização do conhecimento,
superando-se por incorporação os elementos já levantados
acerca da visão moderna, na direção da visão pós­
moderna de ciência;
• a reorganização do tempo e das ações discentes e
docentes de forma alternativa, tratando e considerando
as individualidades;
• a discussão e o aprofundamento vertical, junto com o
horizontal;
• o estudo das conexões, as relações , a construção de leis
e princípios, que se tornam a tônica do processo,
mantendo um ritmo de trabalho processual e indo além
da sala de aula;
• a prática ou leitura da realidade , para configurar a dúvida
intelectual em relação aos quadros teóricos das várias
disciplinas, num posicionamento inter ou transdisciplinar;
• o encarar processualmente os fracassos e erros na
flexibilização curricular.
Nesse processo, é importante estar atendo aos desafios que,
como docentes e educadores, nós enfrentaremos:
• o número de alunos em classe , o que dificulta (mas não
impede!) um trabalho de atendimento a grupos e ações
diferenciadas;
• o trabalhar com o novo, o que gera a insegurança, a
resistência de professores, principalmente os mais
tradicionais;
• a necessidade da profissionalização continuada') para o
fortalecimento do coletivo docente em processo contínuo;
• o conhecimento da prática social e profissional, tomando­
a como ponto de partida e de chegada do trabalho é algo
inovador e distanciado de muitas ações docentes;
A respeito da complexidade sugerimos a leitura de Edgar Morin , em especial
Morin (1994 ) e Morin (2000c) .
Temos chamado de Profissi onalização Continuada as ações instituições que
vê m sendo construídas de diferentes formas, visando possibilitar aos
profissionais universitários, oriundos de formações específicas em diferentes
áreas, profissionallzarem-se na docê ncia. É histórico na configura.ç ão do
docente universitário haver "dormido profissional de uma área específica e
acordado professor", como se a docência não fosse uma profissão a ser
apreendida, com quadro teórico prático próprio e específico a ser apropriado.
130
Da proposta à ação
• a superação de processos de passividade intelectual
docente e discente , pela predominância de trabalhos
reprodutivistas;
• a exigência de muitas qualidades, entre as quais a
humildade.
Será necessário descobrir coletivamente saídas para as
situações, enfrentar e adaptar-se a novos desafios .
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
131
Estes elementos são o foco da organização do trabalho
docente, no início do ano ou semestre, quando os professores
estruturam, a partir das deliberações coletivas do Projeto Político
Pedagógico do Curso, os Programas de Aprendizagem.
Plano de ensino e programa de aprendizagem
Pedagógico de Curso, da legislação em vigor incluindo as diretrizes
curriculares, que pontuam:
Durante muito tempo estivemos organizando nossas ações
anuais ou semestrais a partir dos Planos de Ensino. Eles tinham
como centro do pensar docente o ato de ensinar, e portanto a
ação docente ficava como foco do plano.
• a adoção de uma visão de conhecimento como algo
histórico, datado e, assim, provisório, relativo e em
construção;
• as ações de observação, análise, composição e
recomposição de informações, argumentos, dúvidas,
idéias;
• a valorização da curiosidade, do questionamento exigente,
das incertezas a serem efetivadas com os alunos;
Atualmente, as propostas didáticas ressaltam a importância
da construção de um processo de parceria em sala de aula,
deslocando-se o foco da ação docente e do ensino para a
aprendizagem, destinando ao aluno o espaço do aprendiz. Da
pergunta que se fazia nos Planos de Ensino (qual a melhor forma
de ensinar este conteúdo?), passamos a questionar: qual a melhor
forma de fazer o aluno apreender este conteúdo, seja ele cognitivo,
procedimental ou atitudinal?
O currículo globalizante se constrói a partir de um Projeto
• o enfoque interdisciplinar ou transdisciplinar, propondo
relações e atribuindo significados aos objetivos
acadêmicos;
• a construção e a seleção de estratégias diversificadas como
ferramentas da aceleração do pensamento construtivo e
autônomo do aluno.
Uma proposta globalizante revela o compromisso social, o
interesse em possibilitar profissionais graduados para atuarem de
modo mais democrático e solidário, adotando conteúdos
curriculares associados a valores, com clareza das habilidades e
dos procedimentos deles decorrentes, numa prática e reflexão
sistemática das ações efetivadas . Reorienta os processos de ensino
e de aprendizagem com a adoção de procedimentos que buscam
superar Os limites das disciplinas, através de estratégias que
recorrem a investigações, ao estudo de temas, resolução de
problemas e a projetos integrativos.
Menos maturo que o professor, o aluno necessita da
mediação deste no processo, mas é preciso que participe
ativamente; a aprendizagem é uma ação intencional, direcionada
e deliberada por parte do aluno, exigindo esforços conjuntos na
direção do domínio do conhecimento.
É nesse contexto, de parceria, de esforços conjuntos, de ações
docentes e discentes diferenciadas e deliberadas em sala de aula, no
efetivar de uma nova matriz curricular, que se propõe a construção
dos Programas de Aprendizagem, que apresentam pontos similares
e pontos distintos em relação aos antigos Planos de Ensino.
No currículo tradicional, em grade, os Planos de Ensino se
apresentavam como forma habitual de organização do trabalho
docente. Continham dados de identificação (turma, turno,
disciplina, número de alunos , carga horária , etc.), ementa,
objetivos (gerais e específicos), tópicos de conteúdos, metodologia,
132
Da proposLl à ação
avaliação e bibliografia. Eram feitos individualmente pelo docente
responsável pela disciplina, entregue à coordenação e, algumas
vezes, apresentado aOS alunos no início do ano ou semestre.
No currículo com matriz integrada, a parceria no domínio do
conhecimento e a articulação dos conhecimentos por eixos
possibilitam a busca dos elementos teóricos práticos necessários ao
foco, à questão ou à superação do problema, estudado pelos grupos
de trabalho, compostos por alunos e professores. Aqui, os Programas
de Aprendizagem ganham dimensão essencial, associando-se
conhecimentos de diferentes áreas em tomo de um tema, problema,
ações ou eixos comuns. Estes funcionam como elementos centrais,
em torno dos quais os conteúdos escolares, de forma propositalmente
integrada, descrevem um movimento circular.
Na matriz globalizante do curso de Medicina da UFSC, o
currículo já se organiza por fases e módulos que têm objetivos
definidos e explicitados na proposta. Esses objetivos, idealmente
falando, propõem o processo integrativo das áreas ou antigas
disciplinas curriculares. Para auxiliar na construção de quaisquer
processos integrativos, há alguns elementos que podem ser
auxiliares, tais como:
• definição do tema, foco, problema, objeto de estudo;
• determinação dos conhecimentos necessários, incluindo
as áreas que devem subsidiar e/ou complementar o objeto
pretendido;
• desenvolvimento de eixos integrativos para cada fase ou
módulo do curso, com tópicos, questões, elementos que
serão investigados;
• definição das ações e estudos na direção do foco;
• reunião de dados e conhecimentos atuais e novas
informações necessárias, integrando-os num todo
coerente e relevante;
• explicitação de um vocabulário comum e integrativo dos
campos/áreas de estudo, encaminhando os conflitos
existentes entre eles;
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
133
• efetivação da comunicação através de estratégias
integradoras;
• análise e avaliação das contribuições obtidas em sua
adequação, relevância e adaptatividade;
• ratificação ou rejeição de soluções e propostas obtidas;
• decisão sobre o processo de continuidade da tarefa,
através de síntese significativa acerca do objeto de estudo.
Estas são ações altamente desafiantes para os habitus
docentes até hoje instalados na Universidade, pois, enquanto
nos Planos de Ensino cada professor pensava e organizava sua
disciplina isoladamente, como responsabilidade individual e de
forma solitária, nos Programas de Aprendizagem é necessário
discutir coletivamente a ação docente . Isso exige a abertura para
a escuta do outro, do colega docente que atua no mesmo
semestre, ou no semestre anterior e/ou posterior. Exige também
a flexibilidade mental para construir e atuar no currículo, como
parte integrada de um quadro teórico-prático global, no qual
cada professor colabora num determinado momento do curso,
e cuja colaboração representa uma continuidade de algo já
iniciado e que terá continuidade, portanto, um processo coletivo
em construção.
Pensar o ensino neste contexto significa também pensá-lo
em relação a um aluno histórico e contextualizado, que deverá
assumir o rumo de sua autoconstrução profissional, assumindo­
se sujeito de seu processo de aprendiz. Este assumir-se não se
dará de forma mágica, mas como resultante da ação coletiva de
todos os professores junto aos alunos, ao longo de sua caminhada
no curso e na Universidade.
Neste contexto, os Programas de Aprendizagem são
propostos como documentos em que se identificam, definem e
registram dados norteadores do processo, a saber:
• os sujeitos envolvidos, com suas características;
• os rumos, portanto os objetivos pretendidos para o tópico
em questão (sejõ ele um eixo, um problema ou até ações),
134
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
Da proposta à ação
para serem efetivados pelo docente e pelos discentes ­
referem-se à conhecimentos, que podem ser
predominantemente cognitivos, procedimentais ou
atitudinais;
• a relação desses conhecimentos com conteúdos
anteriores, concomitantes e posteriores;
• a justificativa da importância daquele conhecimento;
• a forma de abordagem que será proposta, diretamente
relacionada aos objetivos e objetos de estudo, ou seja, à
metodologia pretendida;
• definição, escolha, aplicação de estratégias de ensino e
aprendizagem;
• a forma de acompanhamento e registro do processo, ou
seja a avaliação;
• as referências bibliográficas básicas e complementares.
Na experiência da Medicina-UFSC, esses elementos
foram organizados num roteiro, a ser preenchido coletivamente
pelos docentes que atuam em cada módulo. E considerando o
atual modo de trabalho docente, propomos iniciar-se pelo estudo
do conteúdo, que é de domínio indiscutível de todos os docentes .
O trabalho a partir dos conteúdos em seus nexos determinantes
possibilita a revisão dos demais aspectos necessários à ação
docente .
Os conteúdos como ponto de partida ...
No preenchimento dos Programas de Aprendizagem o
enfoque dos conteúdos segue algumas pistas : sugerimos realizar
uma listagem de todos os tópicos de conteúdos da antiga disciplina,
mesmo sabendo que o rol existente é muito amplo. A partir desta
listagem , identificar quais os elementos essenciais e
complementares, para aquele momento do curso no qual o
conteúdo será trabalhado.
135
A partir dos elementos essenciais, é necessano orgaOlza­
los em seus aspectos cognitivos, procedimentais e atitudinais. 10 É
preciso, então, identificar, comparar, analisar, categorizar os
conhecimentos, visando a definir a necessária relação entre
conteúdos e forma de assimilação.
Os conteúdos conceituais contemplam os fatos , dados,
conceitos, fenômenos e princípios, referindo-se a um saber e saber
que, e englobando um conjunto de objetivos e símbolos com
características comuns. Referem-se ainda a mudanças que se
produzem num fato, leis, regras, relações de causa e efeito,
correlações e conexões, exigindo tanto resposta inequívoca quanto
processo de elaboração e construção processual e crescente. Há
módulos que são compostos por área de conhecimento
predominantemente conceitual.
Os conteúdos procedimentais incluem procedimentos,
técnicas, métodos, regras, destrezas, habilidades, estratégias,
ações coordenadas para um fim. Estas podem ser
p redominantemente motoras, reflexivas, perceptivas. Trata-se
de um saber como que , em sua aprendizagem, depende de
exercitação múltipla, realização, reflexão, aplicação. Aqui
também encontraremos módulos que são compostos por áreas
predominantemente procedimentais e estreitamente ligadas aos
conteúdos conceituais.
Os conteúdos atitudinais referem-se a valores, atitudes e
normas, contendo um saber para que e por que. Os valores referem­
se a princípios ou idéias éticas; as atitudes referem-se às tendências
ou predisposições, formas de agir; e as normas referem-se às regras,
padrões, formas pactuantes coletivas, que devem ser interiorizadas,
refletidas e pensadas. Ocorrem a partir de disposições intuitivas,
desde o automatismo até se comporem em atitudes fortemente
reflexivas . Com relação às normas, na conshução do profissional,
há um caminhar da aceitação para a conformidade, chegando-se
à interiorização. Em todos os módulos que o aluno vivenciar serão
10
Estamos nos utilizando da categorização de Zabala (2002).
136
Da proposta à ação
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
passados a ele, de forma intencional ou não, atitudes, valores ou
normas. Como se trata de formação profissional, é compromisso
passar-se estes elementos de forma clara, objetivando-se a
intencionalidade existente.
(conceituais, procedimentais, atitudinais, ou a integração entre
eles), e definir as ações docentes e discentes para estas metas .
Em relação às ações discentes e níveis de pensamento, temos
sugerido a análise das operações de pensamento exigidas e/ou
necessárias ao processo. II
Nesta proposta , busca-se, através da apreensão dos
conteúdos, o processo de construção do sujeito cidadão, pela
mobilização de suas estruturas cognitivas, nas redes de esquemas
de conhecimentos . Esses esquemas constituem as representações
que a pessoa possui , inicialmente como síncreses, a serem
revisados, modificados, adaptados, transformados, adquirindo
formas mais e mais complexas, em direção a sínteses
qualitativamente superiores, através da análise conjunta de
professores e estudantes, relacionando as capacidades cognitivas,
o equilíbrio pessoal, o processo de relação interpessoal e a inserção
social, propostos e vivenciados .
Além da organização destes aspectos (cognit ivo,
procedimental e atitudinal) em redes relacionais, é preciso
organizá. los em níveis de abordagem do processo: introdutório,
fundamentos e aprofundamentos. Verificamos que o docente, por
se sentir responsável pela formação do futuro médico, já deseja
iniciar o trabalho no nível que domina: aprofundamentos . Mas é
preciso fazer um caminho com o pensamento e no pensamento
do aluno, da síncrese, como uma visão inicial e ainda não
elaborada, em direção a sínteses mais e mais e mais complexas,
no sentido do tecidas junto.
Neste caminhar, é desafiante integrar nos diferentes módulos
os dados captados na realidade com os elementos teóricos propostos.
Aí se inserem os eixos integrativos, que possibilitarão definir os níveis
(introdução, fundamentos e aprofundamentos) e a melhor forma de
apropriação dos nexos pretendidos, em cada momento curricular,
num crescente de complexidade , isto é, de tessitura.
A partir desta análise do rol de conteúdos é que se propõe
definir os elementos essenciais e determinantes da ação docente:
inicialmente, procurar definir cada vez melhor os objetivos
pretendidos . Estes devem traduzir as metas dos conteúdos
137
A partir do estudo e definição dos objetivos, e tendo os
conteúdos analisados, definidos e categorizados, é que ficará mais
fácil definir também as ações docentes e discentes no processo
de ensinagem. 12 A proposta é que se efetive a metodologia
dialética, considerando os momentos de mobilização para o
conteúdo, construção do conteúdo e elaboração da síntese do
conteúdo. 13
A definição de formas de acompanhamento é também
derivada de tudo que foi proposto. É preciso constantemente
diferenciar o verificar e o avaliar na ação docente , e pontuar que
a proposta já estabelece pelo menos dois momentos de avaliação:
o pontual, em que a verificação de cada área fica a cargo do
docente, e a global, em que a definição dos processos tem sido
construída coletivamente . O regimento determinará elementos
sobre a tomada de posição da questão do acompanhamento ou
avaliação do processo de ensino e de aprendizagem.
Considerações complementares
Construir processos curriculares integrativos é um desafio
hoje proposto aos docentes universitários que vem exigindo uma
série de modificações dos saberes teóricos e práticos da docência
e da organização institucional.
A respeito das operações de pensamento e ações docentes e discentes ver
Anastasiou e Pessate (2005) .
12 Processo de ensinagem : processo de ensino do qual resulte necessariamente
a aprendizagem. A este respeito ver Anastasiou (1998) e Anastasiou e Pessate
(2005).
13 A respeito da metodologia dialética, ver Vasconcelos (1996 ) e Wachowicz
(1989) .
11 138
Da proposta à ação
A construção coletiva do Projeto Político Pedagógico
institucional e dos cursos tem sido um espaço e uma ação
desaflante e por isto mesmo facilitadora do crescimento dos
grupos de trabalho, além de se constituir em documento no qual
estes desafios e mudanças vêm sendo registrados . 14
Pontuamos a necessidade contínua do diálogo como forma
essencial dessas novas construções, pessoais, profissionais e
institucionais; sendo este um caminho construído processualmente,
inclui avanços e retrocessos, exigindo retomadas constantes .
A experiência coletiva de re-organização de um currículo
grade em construção integrativa, de disciplinas e áreas, exige de
todos e de cada um o que têm de melhor de si e só se efetiva
como esforço coletivo, o que sem dúvida envolve um aspecto
procedimental e atitudinal, além do cognitivo, de todos os
participantes. E isto não se faz a revelia do aspecto afetivo da
constituição grupal, devendo, todos, estarem atentos a isto. A
existência de um sujeito mediador entre os participantes é
essencial nesta constituição. 15
Currículo integrado do curso de Medicina da UFSC
139
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ANASTASIOU, L. G. C.: PIMENTA, S.G. Docência na educação
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14
15
Sobre caminhos já construídos com docentes universitários, vide Anastasiou
(2000). Vide também Anastasiou (2001) e Anastasiou e Pimenta (2002).
Pontuamos a importância da participação do Dr. Luiz Carlos Osório,
psiquiatra especializado no trabalho com grupos de vivência, como parte da
equipe pedagógica, cuja mediação foi fundamental no processo vivenciado
(20034) . A este respeito vide Osório (2003) .
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do Curso
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