A Terra e os relógios
(Expresso: 11-11-2006)
Na escola, ensina-se que a Terra efectua um
movimento de rotação sobre si própria e um movimento de
translação em torno do Sol. Diz-se que esses movimentos se
efectuam no sentido directo, isto é, contrário ao dos ponteiros
do relógio. Por vezes, apontam-se nomes mais sofisticados.
O sentido directo é o sinistrorsum e o indirecto ou retrógrado,
o dextrorsum, seguindo os advérbios latinos que significam,
respectivamente, «para a esquerda» e «para a direita». São
palavras que impressionam... Mas qual será o significado de
dizer que se roda «para a esquerda» ou «para a direita»? Se
olharmos os ponteiros de um relógio, por exemplo, eles movem-se «para a direita»
quando passam em cima, perto das doze horas, e «para a esquerda» quando passam em
baixo, perto das seis horas. No Renascimento, foram construídos relógios com ponteiros
a mover-se em sentido oposto. Nesses, a numeração das horas começava em baixo, e aí,
em baixo, os ponteiros também se deslocavam «da esquerda para a direita», que é o
sentido que associamos ao progresso. Na definição do sentido de rotação falta pois
explicar onde se observam a esquerda e a direita. Mas há algo ainda mais curioso:
apenas se pode falar do sentido de rotação dos ponteiros do relógio porque há uma face
virada para nós. Os ponteiros vistos por trás, rodam em «sentido contrário ao dos
ponteiros do relógio». Então e os planetas? Não tem qualquer sentido falar sobre o seu
sentido de rotação ou translação sem se definir um ponto de vista.
Por vezes, ensinam-nos mal. É sempre preciso acrescentar «para um observador
situado a norte», ou referência semelhante. Quando se escondem pressupostos, pode
ficar-se com a sensação de ter percebido, mas de facto não se percebeu.
uno Crato
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20061111 A Terra e os relógios