UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
CURSO PEDAGOGIA | EDUCAÇÃO INFANTIL
JEAN SILVA ALVES
COM O CORPO TAMBÉM SE APRENDE: A ABORDAGEM DA
PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
DE CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS
Salvador
2010
JEAN SILVA ALVES
COM O CORPO TAMBÉM SE APRENDE: A ABORDAGEM DA
PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
DE CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS
Monografia submetida à aprovação corpo docente
da Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
Departamento de Educação, Campus I, como
requisito para a conclusão do curso de Pedagogia,
Habilitação em Educação Infantil
Orientador: Prof.ª Teresinha Z. Q. Oliveira
Salvador
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaboração: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras– CRB: 5/536
Alves, Jean Silva
Com o corpo também se aprende : a abordagem da psicomotricidade na educação
escolar de crianças de 0 a 6 anos. /Jean Silva Alves . Salvador, 2010.
50f.
Orientadora: Profª. Terezinha Zélia Queiroz Oliveira.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado da Bahia
Departamento de Educação, Campus I. 2010.
Inclui referências
1. Capacidade motora em crianças. 2. Psicomotricidade. 3 .Maturação I. Oliveira,
Terezinha Zélia Queiroz. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação.
III. Titulo.
CDD: 152.38
JEAN SILVA ALVES
COM O CORPO TAMBÉM SE APRENDE: A ABORDAGEM DA
PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
DE CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS
Monografia submetida à aprovação corpo docente
da Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
Departamento de Educação, Campus I, como
requisito para a conclusão do curso de Pedagogia,
Habilitação em Educação Infantil
Aprovada em: 11/03/ 2010
Banca Examinadora:
____________________________________
Profª Teresinha Z. Q. Oliveira - Orientadora
Universidade do Estado da Bahia
____________________________________
Profª Adelaide Badaró
Universidade do Estado da Bahia
____________________________________
Profª Ana Lúcia Oliveira
Universidade do Estado da Bahia
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Jesus, sem o qual todo o esforço empregado teria sido inútil. Aos meus pais e
irmão, pela paciência e dedicação incondicional. Aos meus colegas e professores, que
considero, igualmente, autores deste trabalho, pois contribuíram com suas experiências e
solicitude. À minha orientadora que manifestou grande paciência e atenção para comigo.
Há um menino
Há um moleque
morando sempre em meu coração
toda vez que o adulto balança
ele vem pra me dar a mão
Milton Nascimento e Fernando Brant
RESUMO
Este trabalho estuda a abordagem da psicomotricidade na educação escolar de crianças
de 0 a 6 anos, onde se evidencia a aprendizagem pelo e com o corpo que é o meio pelo qual
o indivíduo sustenta e acessa o universo circundante. O tema é pertinente, pois intui respaldar
as ações e propostas pedagógicas estabelecidas na escola a partir de uma perspectiva que
valoriza a formação integral da criança, enquanto indivíduo dotado de uma personalidade
estruturada sob os aspectos corporais, cognitivos, afetivos, emocionais, culturais, sociais. Não
existe um interesse neste trabalho em supervalorizar a atuação do corpo na aprendizagem,
mas antes conferir a este uma participação mais ativa no processo educativo. Entende-se que
se a educação infantil não se efetivar desta maneira, todo o processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança entre 0 a 6 anos de idade pode comprometer-se seriamente. Utilizase da pesquisa bibliográfica e da proposta metodológica qualitativa para interpretar e
sistematizar os dados.
Palavras-chave: psicomotricidade, aprendizagem, desenvolvimento, corpo, pensamento,
ação.
ABSTRACT
This paper studies the approach of psychomotor education in school children aged 0 to 6
years, which is evidenced by the learning and the body is the means by which the individual
claims and enter the surrounding universe. The theme is relevant because intuits endorse the
actions and proposals set out in the school teaching from a perspective that values the
development of children, while an individual with a personality structured under the bodily
aspects, cognitive, affective, emotional, cultural, social. There is an interest in this work
overestimate the role of the body in learning, but give this a more active participation in the
educational process. It is understood that primary education does not become effective this
way, the whole process of development and learning of children from 0 to 6 years of age can
commit itself seriously. Use is made of literature and the methodological quality to interpret
and systematize the data.
Keywords: psychomotor, learning, development, body, thought, action.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................9
2 A PSICOMOTRICIDADE................................................................................................12
2.1 PROCESSO HISTÓRICO..................................................................................................12
2.2 CONCEITO.......................................................................................................................15
2.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS..........................................................................................16
2.3.1 As contribuições Henri Wallon........................................................................................17
2.3.2 As contribuições Jean Piaget............................................................................................19
2.3.3 As contribuições Julian de Ajuriaguerra..........................................................................21
2.3.4 As contribuições Lev Semenovich Vygotsky..................................................................22
3 DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E APRENDIZAGEM...................................24
3.1 DESENVOLVIMENTO INFANTIL DE 0 A 6 ANOS DE IDADE..................................25
3.2 AQUISIÇÃO DA APRENDIZAGEM...............................................................................32
3.3 ASPECTOS PSICOMOTORES.........................................................................................34
3.3.1 Tônus................................................................................................................................35
3.3.2 Equilíbrio.........................................................................................................................35
3.3.3 Controle respiratório........................................................................................................36
3.3.4 Estruturação e orientação espacial...................................................................................36
3.3.5 Estruturação e orientação temporal..................................................................................36
3.3.6 Lateralidade......................................................................................................................37
3.3.7 Esquema corporal.............................................................................................................37
3.3.8 Imagem corporal..............................................................................................................38
4 EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA COM CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS...39
4.1 A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA: COM O CORPO TAMBÉM SE APRENDE............43
4.2 DESENVOLVENDO PROPOSTAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM...........................46
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................53
REFERÊNCIAS......................................................................................................................55
9
1 INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a criança nunca teve tanta relevância, como quanto neste século.
Nas sociedades ocidentais é visível a crescente preocupação com o atendimento das
necessidades fundamentais para o pleno desenvolvimento de sua saúde mental, emocional,
física e social. Estão cientes de que para garantir uma estrutura socioeconômica estável
precisam investir na sua educação desde a primeira infância. Entretanto sabe-se que a
educação ofertada, particularmente, aqui no Brasil, carece de uma estrutura de qualidade –
espaço físico, corpo de funcionários e docentes, e, principalmente, de uma organização do
ensino-aprendizagem plenamente eficaz, que prepare a criança para corresponder
satisfatoriamente às exigências da vida individual e social.
Embora se compreenda que a educação necessite de uma profunda reestruturação
nas práticas de ensino-aprendizagem estabelecidas nas redes escolares, percebe-se que
existem muitas dificuldades em abandonar modelos de ensino que há bastante tempo têm
permanecido como referencial para a instrução de crianças. Modelos estes que insistem em
priorizar apenas o desenvolvimento das estruturas de pensamento, da cognição. E que
separam as atividades que envolvem raciocínio daquelas que compreendem o social, a cultura,
o afetivo, o corpo visualizando o indivíduo de forma fragmentada. Todavia, é pertinente
ponderar que a abordagem da cultura e do social tem nos últimos anos penetrado com força
nos sistemas educativos, e tem transformado paulatinamente esta realidade. Mas, somente
educar priorizando apenas a cultura, o social e o raciocínio não é suficiente para garantir uma
educação que privilegie uma formação plena em favor da criança. Morin (2000) afirma que o
indivíduo “é um ser a um só tempo plenamente biológico e plenamente cultural, que traz em
si a unidualidade originária”. Semelhantemente, Wallon (apud FONSECA, 2008) expressa
que não é possível separar o indivíduo e o meio ambiente, o seu desenvolvimento
psicobiológico não pode ser visto de forma fragmentada. Por isso, para respaldar o ensino
escolar, é essencial considerar todos os aspectos da estrutura pessoal da criança, inclusive, o
biológico que tanto é desprezado, do contrário, o que se terá é uma educação deficiente que
não responde bem as necessidades básicas da criança em formação e que, muitas vezes é fator
agravante para os problemas encontrados na sua personalidade e comportamento escolar,
como: indisposição para permanecer na escola, com dificuldades de aprendizagem, não
consegue se expressar bem, efetuar uma leitura tranqüila sem tropeçar nas palavras,
inquietação, desatenção, agressividade, desmotivação.
10
Para
desenvolver
práticas
de
ensino-aprendizagem
que
corresponda
satisfatoriamente, não somente as exigências da vida em sociedade, como também, o
desenvolvimento individual da criança é necessário trazer para o meio ambiente da escola
concepções de educação que também abriguem a responsabilidade corporal e suas
ramificações na aprendizagem e na formação da personalidade, neste caso, tem-se a
abordagem psicomotricista que intenciona se concentrar no desenvolvimento psicomotor, na
motricidade (biológico) associada aos aspectos psíquicos. Todavia, compreender as minúcias
dessa concepção, as possibilidades de aplicação da psicomotricidade no processo de
aprendizagem, mais especificamente, na educação escolar de crianças na faixa etária de 0 a 6
anos – essa faixa etária foi selecionada pelo fato de configurar o período em que o
desenvolvimento psicomotor é bastante sensível e crucial para a formação do indivíduo – é o
objetivo fundamental deste trabalho que também intui aprofundar os estudos e ampliar os
conhecimentos na área da psicomotricidade e educação. Assim buscou-se, também, neste
trabalho, enfatizar a necessidade de uma educação escolar que favoreça plenamente o
desenvolvimento da criança, evidenciar as possibilidades de um ensino dentro desta
abordagem e explicar como os aspectos psicomotores inferem na aquisição e maturação da
aprendizagem.
Para isso, optou-se pela pesquisa bibliográfica que implica no estudo sistemático e
metódico de toda a bibliografia tornada pública em relação ao tema de estudo, como revistas,
livros, pesquisas, monografias, teses, publicações avulsas (LAKATOS; MARCONI, 2005). É
importante ponderar que a adoção por este tipo de pesquisa não se concentrou em repetir
abordagens e temas já estudados nas referências selecionadas, mas sim, trazer novos enfoques
e proposições teóricas passíveis de aplicação e transformação da realidade da educação
escolar. E adotou-se como proposta metodológica a abordagem qualitativa, onde os dados
coletados são predominantemente descritivos; as citações são constantemente utilizadas para
sustentar uma afirmação ou estabelecer um ponto de vista; a análise das referências tende a
seguir um processo indutivo (LÜDKE; ANDRÉ, 2003).
Este processo culminou em três capítulos, que abordam desde a concepção
histórica da psicomotricidade até as proposições que instigam a abordagem de práticas de
ensino/aprendizagem imersas na abordagem psicomotricista.
No segundo capítulo, a intenção é situar os questionamentos e as afirmações
apresentadas no decorrer do trabalho, por isso, são expostas as concepções correntes para a
psicomotricidade, assim como, o processo sócio-histórico, as teorias e os teóricos – Wallon,
Piaget, Ajuriaguerra e Vygotsky – que fundamentaram essas concepções. Já no terceiro
11
capítulo, são descritos os aspectos principais do desenvolvimento infantil até os 6 anos de
idade; há um destaque para a definição dos aspectos psicomotores e sua relação com a
aprendizagem.
No quarto capítulo, concentrou-se em definir a „Educação Psicomotora‟, destacar
as possibilidades de ensino/aprendizagem na escola utilizando essa abordagem com crianças
de 0 a 6 anos e sugestionar algumas propostas de trabalho extraídas das referências coletadas.
Por fim, reservou-se às considerações finais, destacar as reflexões obtidas durante o processo
desta pesquisa e apresentar algumas sugestões que assegurem que a criança na educação
infantil receba o atendimento necessário dentro da abordagem aqui defendida.
12
2 A PSICOMOTRICIDADE
Fica muito mais fácil compreender a psicomotricidade quando se traça um
percurso analítico de sua construção histórica, os conceitos e teóricos que brotaram desse
processo e que hoje subsidia qualquer prática que envolve a abordagem psicomotricista.
2.1 PROCESSO HISTÓRICO
Pode-se considerar que a psicomotricidade surgiu na França e dela se propagou,
preferencialmente, para os países mediterrâneos e latino-americanos. Todavia não é possível
compreender plenamente o processo histórico que concebeu e caracterizou a psicomotricidade
sem atentar para a evolução histórica do pensamento acerca do corpo, ou seja, o entendimento
da estrutura corporal durante todo o processo civilizatório da humanidade.
De início é considerável destacar também, que a história da psicomotricidade
vincula-se às civilizações antigas, à filosofia, à antropologia, às etnias, à psicofisiologia, a
medicina e por fim à educação.
Segundo Fonseca (1995), desde a civilização grega, contemplando a Idade Média,
até a atualidade a concepção do corpo passou por várias transformações. Sofreu com a
negligência de vários teóricos e grandes pensadores da história da humanidade, sendo, de
certa forma, fragmentado e considerado como um „objeto‟ dissociado da estrutura racional do
homem, do “sujeito conhecedor”.
Ferreira (2000), expõe que o corpo tem seus primeiros escritos originários no
período helênico, período em que Platão apresenta a cisão entre o corpo e a alma, onde o
corpo é apenas um local transitório para alojar a alma que é eterna. Já Aristóteles, entende o
homem como sendo um corpo certa quantidade de matéria moldada em uma forma que é a
alma. Na filosofia romana, a história do conceito psicomotricidade resume-se em uma
máxima: “uma mente sã em corpo são”.
Na Idade Média aparece o asceticismo cristão que enfatiza que a alma é absoluta e
o corpo é um obstáculo. Nesse mesmo período aparece Renê Descartes afirmando a teoria da
dualidade corpo-alma que visualiza o corpo como uma simples mecânica movida pelo espírito
(FERREIRA, 2000).
13
A partir do século XIX o corpo passa a ser investigado por neurologistas com
intuito de compreender as estruturas cerebrais e nomear as áreas do córtex cerebral segundo
as funções desempenhadas por cada uma delas, e por psiquiatras desejosos por esclarecer
fatores patológicos.
Mediante a algumas descobertas da neurofisiologia, se evidencia que existe
disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado ou sem que a lesão seja claramente
localizada. São evidenciados distúrbios da atividade gestual, da atividade práxica, que o
“esquema anátomo-clínico”, que estabelecia para cada sintoma sua correspondente lesão
focal, já não podia explicar.
Assim, o início dos estudos relacionados à psicomotricidade eram direcionados
para as pessoas com deficiências, com problemas de conduta e neurológicos. A princípio o
enfoque era todo voltado para corpos debilitados, sem controle, fora dos padrões de
normalidade aceitos pela sociedade. Daí o vínculo da psicomotricidade com as áreas da
medicina, da psicologia, da neurologia e da psiquiatria.
É, aproximadamente, em 1900, que Wernick utiliza pela primeira vez o termo
composto psicomotricidade, todavia, foi Dupré, entre 1900-1910, que estabeleceu e utilizou o
termo psicomotricidade relacionado à psique e ao movimento. Ele foi considerado pai da
Psicomotricidade, pois vinha discutindo a diferença radical entre a motricidade e seu aspecto
negativo, a relaxação (FERREIRA, 2000).
Os autores que tiveram maior influência sobre a teoria do desenvolvimento
psicomotor foram Wallon, Piaget, e Ajuriaguerra. É bom destacar que dentre os três Wallon,
foi o que mais contribuiu com o campo da psicomotricidade, podendo ser considerado como o
verdadeiro patriarca dessa área de estudo científico.
Em 1925, ao publicar “L‟ Enfant Turbulent” (A criança turbulenta) e, em 1934,
“Les Origines du Caractèr Chez l‟Enfant” (Origens do pensamento na criança), Wallon inicia
uma das obras mais relevantes no campo do desenvolvimento da criança (FONSECA, 1995).
Ele foi médico, psicólogo e pedagogo; tornou-se professor de psicologia na Sorbonne e no
Colégio de França, onde desenvolveu efetivamente as primeiras pesquisas sobre o papel da
ontogênese do psiquismo – transformações e evoluções da estrutura psíquica desde a sua
origem até a sua completude. Também impulsionou as primeiras propostas de estudo da
reeducação psicomotora, de onde distinguiu-se Guilmain, que em 1935, publica uma obra de
grande impacto: Fonctions Psychomotrices et Troubles du Comportament. A sua concepção
de testes, os tipos de ação reeducativas e as primeiras orientações metodológicas sobre a
14
reeducação psicomotora nascem de um efeito estimulador da grande obra de Wallon
(FONSECA, 1995).
O papel da função tônica, sobre a qual repousam as atitudes e os alicerces da vida
mental, e da emoção, como meio de ação sobre e pelo outro nos progressos da atividade de
relação, são encarados, de acordo com Wallon, como processos básicos da intervenção
psicomotora (FONSECA, 1995).
Wallon entende que o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do
psiquismo. Esta percepção sobre a dimensão do movimento e do corpo da criança permite que
ele apresente uma concepção original da evolução mental. Em 1929, defende que o
desenvolvimento psicológico da criança é o resultado da oposição e substituição de atividades
que precedem umas às outras. Na estrutura da sua obra, se empenhou por demonstrar a ação
recíproca entre funções mentais e funções motoras, tentando argumentar que a vida mental
não procede de relações unívocas ou de determinismos mecanicistas, mas, sim, ao
determinismo dialético de ambas as funções (FONSECA, 1995).
O trabalho de Wallon continuou durante décadas a influenciar a investigação
sobre crianças instáveis, impulsivas, emotivas, obsessivas, apáticas, delinquentes, etc. A
influência da sua obra expandiu-se a vários campos de formação, como a psiquiatria, a
psicologia e a pedagogia. Correntes de pensamento da medicina, da pedagogia e da educação
física são igualmente influenciadas pelo pensamento inédito de Wallon, sendo o principal
responsável pelo nascimento do movimento de reeducação psicomotora, conduzido, anos
mais tarde, pelas mãos de Ajuriaguerra e Soubiran.
A psicomotricidade, relacionada à inteligência, a afetividade e a sociabilidade
avançou significativamente sob as contribuições dos estudos clínicos acerca da síndrome
psicomotora, descrita na maior parte na obra de Ajuriaguerra. São elas: infantilismo motor,
assinergia, extrapiramidal inferior, extrapiramidal médio, extrapiramidal superior, cerebeloso,
hipertonia, automatismo emotivo-motor e de insuficiência frontal.
Segundo Fonseca (1995), Ajuriaguerra desenvolveu intensa atividade científica,
prosseguindo e continuando a obra de Wallon. Ao publicar trabalhos sobre o tônus e ao
desenvolver métodos de relaxamento, além de se tornar um notável psiquiatra infantil de fama
mundial, Ajuriaguerra vai consolidando os princípios e as bases da psicomotricidade.
Na área educacional, Le Boulch, com a psicocinética, e Ramain, com a educação
das atitudes, difundem as obras de Wallon e Ajuriaguerra. No campo terapêutico Soubiran e
Mazo desenvolvem pesquisas em muitos domínios lançados por estes pioneiros.
15
Todavia, Wallon é, sem dúvida alguma, o „destaque‟ da psicomotricidade, onde
não se pode – nem deve – desprezar, obviamente, a importância e função dos trabalhos de
Piaget, Freud e de Ajuriaguerra.
A psicomotricidade, à luz de Wallon e de Ajuriaguerra, concebe os determinantes
biológicos e culturais do desenvolvimento da criança como dialéticos e não como
redutíveis uns aos outros. Daí a sua importância para elaborar uma teoria psicológica
que estabeleça relações entre o comportamento e o desenvolvimento da criança e a
maturação do seu sistema nervoso, pois só nessa medida se podem construir
estratégias educativas, terapêuticas e reabilitativas adequadas às suas necessidades
específicas. (FONSECA, 1995)
No Congresso Brasileiro de Terapia Psicomotora em 1982, é formulada uma
definição objetiva sobre a psicomotricidade, que afirmava que a psicomotricidade é uma
ciência focada em estudar o homem através do seu corpo em movimento, nas relações com o
seu mundo interno e externo.
Assim, o conceito de psicomotricidade recebe uma expressão significativa, uma
vez que esclarece à solidariedade profunda e original entre a atividade psíquica e a atividade
motora. O movimento é equacionado como parte integrante do comportamento. A
psicomotricidade é hoje concebida como a integração superior da motricidade, produto de
uma relação inteligível entre a criança e o meio, e instrumento privilegiado através do qual a
consciência se forma e materializa-se.
Todavia, ainda com poucas referências nas obras de autores americanos e
europeus, surgem os estudos dos autores soviéticos, dentre eles, Vygotsky que oferece uma
contribuição singular à psicomotricidade, e, por isso mesmo, recebe um destaque na
abordagem teórica deste trabalho. Cabe aos autores soviéticos a introdução na psicologia do
conceito de que a origem de todo o movimento e de toda a ação voluntária não se faz dentro
do organismo, mas sim, a partir da história social do homem.
Diante dessas novas contribuições, a psicomotricidade, segue um processo de
reconceitualização, não só pela “invasão” de fatores antropológicos, filogenéticos,
ontogenéticos, paralingüísticos, como essencialmente cibernéticos e psiconeurológicos.
2.2 CONCEITO
Como foi abordado inicialmente neste capítulo, a área de conhecimento da
psicomotricidade recebeu influências de áreas distintas, tais como: a da psicologia, da
neurologia, da psiquiatria, da psicanálise e das correntes educacionais baseadas no
16
desenvolvimento do processo de aprendizagem da criança. Equivocadamente alguns
estudiosos pensavam que a psicomotricidade fazia parte da Educação Física, como sendo uma
nova técnica. Entretanto, é uma área de conhecimento que possui fundamentos que interagem
na educação escolar. Todavia, não se resume apenas ao ambiente escolar. A sua aplicação é
muito mais abrangente e determinante para o crescimento e desenvolvimento do sujeito.
Atualmente, considera-se que a psicomotricidade infere sobre três áreas de
atuação: a reeducação psicomotora, a terapia psicomotora e a educação psicomotora que é o
que mais interessa a este trabalho.
Segundo Fonseca (2008), a psicomotricidade pode ser definida como campo
transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e sistêmicas
entre o psiquismo e a motricidade – mente e corpo. Ele destaca também que:
O psiquismo, nessa perspectiva, é entendido como sendo constituído pelo conjunto
do funcionamento mental, ou seja, integra as sensações, as percepções, as imagens,
as emoções, os afetos, os fantasmas, os medos, as projeções, as aspirações, as
representações, as simbolizações, as idéias, as construções mentais, etc., assim como
a antecede as aquisições evolutivas ulteriores. (FONSECA, 2008, p. 9)
Já Ferreira (2000), acrescenta que a psicomotricidade é o estudo do homem
através de seu desenvolvimento na relação com os meios interno e externo, e, por isso, tem
amplas possibilidades de desenvolver o indivíduo com consciência crítica de si e do mundo.
Reunindo estas duas definições, fica evidente que a psicomotricidade, por si só,
assume uma personalidade educativa que pode ser especialmente concebida, desenhada e
implementada para satisfazer as necessidades desenvolvimentais únicas de indivíduos normais
e excepcionais, tendo em vista a realização máxima possível do seu potencial humano total.
(FONSECA, 2008). Assim, a aplicação da psicomotricidade no contexto da sala de aula
permitirá o aluno a desenvolver habilidades e competências de forma mais proveitosa
possível.
2.3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
É certo que existem outros autores com contribuições teóricas importantes para a
psicomotricidade, todavia, esse trabalho se limita a referenciar apenas quatro, que tiveram
participações essenciais nos estudos sobre aprendizagem, desenvolvimento infantil e
psicomotor: Wallon, Jean Piaget, Ajurriaguerra e Vygotsky. Com suas proposições teóricas
17
eles oferecem subsídios para compreender a psicomotricidade na educação escolar de crianças
de 0 a 6 anos, são sem sombras de dúvidas, elementos chaves para o processo.
2.3.1 As contribuições de Henri Wallon
Wallon (apud FONSECA, 2008) explica que enquanto não adquire a linguagem, a
motricidade é o meio pelo qual afirma sua existência, é o instrumento preferencial e
prioritário para atender às suas necessidades básicas e as manifestações dos seus estados
emocionais e relacionais.
A motricidade torna-se, assim, simultaneamente e seqüencialmente, a primeira
estrutura de relação e de co-relação com o meio, com os outros prioritariamente, e
com os objetos posteriormente, a partir das quais se edificará o psiquismo, e é, em
síntese, a primeira forma de expressão emocional e de comportamento. (FONSECA,
2008, p. 15)
A motricidade tem um destaque na teoria waloniana desde o nascimento, e mesmo
ao longo do desenvolvimento no ventre materno, ela é uma das mais ricas formas de interação
com o ambiente externo, e é na sua essência um instrumento privilegiado de comunicação da
vida psíquica.
Segundo Fonseca (2008), Wallon apresenta a motricidade em termos evolutivos,
sob três formas essenciais: deslocamentos passivos ou exógenos, deslocamentos ativos ou
autógenos e deslocamentos práxicos.
Na primeira forma, deslocamentos passivos ou exógenos, o bebê interage com o
meio ambiente a partir da motricidade, das ações das pessoas mais experientes que o rodeiam,
em particular, a sua própria mãe. Ele não pode assegurar uma motricidade que possibilite
atuar no mundo que o cerca de forma autônoma. “Como respostas ou reações a forças
exteriores, como a gravidade, ou a reações fisiológicas interiores (fome, dor), o recém
nascido, devido à sua imperícia, é objeto de deslocamentos passivos e exógenos introduzidos
pelos outros” (FONSECA, 2008, p. 16).
O bebê manifesta aqui uma dependência social absoluta, pois carece de uma
vigilância constante por parte do adulto que o acompanha, sem o qual sua sobrevivência fica
comprometida. Para expressar suas necessidades o bebê adapta suas respostas motoras, ações,
conforme a conveniência de seus anseios, a fim de satisfazê-los: ele pode se comunicar com o
adulto que o cerca a partir de movimentos que expressem desconforto, irritabilidade,
18
impotência, por exemplo. Mas por si mesmo não consegue produzir ações adequadas que o
conforte (FONSECA, 2008).
Wallon (apud FONSECA, 2008) acredita que na segunda forma, deslocamentos
ativos ou autógenos aparecerão comportamentos que fará com que a criança desenvolva ações
mais autônomas como repostas e como reações do próprio corpo ao mundo que o cerca.
Segundo ele é no processo de aprendizagem de competências e subcompetências de equilíbrio
e locomoção, e de preensão – que implica no ato de agarrar, segurar ou apanhar –, que o
sistema nervoso amadurece. Assim, de uma motricidade incoerente e inconsistente, porque
gestualmente ainda pouco integrada e controlada em termos sensoriais e perceptivos, emerge
uma motricidade cada vez mais coerente e fluente.
Finalmente na terceira forma, deslocamentos práxicos, também denominada de
deslocamentos dos segmentos corporais, se apresentam as verdadeiras atitudes gestuais e
mímicas de interação que consolidam as aquisições dos primeiros hábitos sociais e que
possibilitam as funções construtivas e criadoras das coordenações e das aprendizagens
psicomotoras (FONSECA, 2008).
Por fim, surgem os deslocamentos práxicos, ditos também deslocamentos dos
segmentos corporais, com base em um diálogo entre si e o meio, cada vez mais diferenciado e
com respostas de corpo inteiro, integrando já verdadeiras atitudes gestuais e mímicas de
interação que concretizam as aquisições dos primeiros hábitos sociais e que permitem as
funções construtivas e criadoras das coordenações e das aprendizagens psicomotoras
(FONSECA, 2008).
A integração sensorial agora se concentra na exploração, na descoberta e no
conhecimento do mundo exterior, e não no mundo interior do eu corporal, centra-se nos
telerreceptores visuais e auditivos, embora de forma ainda incipiente, permitindo que os
deslocamentos locomotores do corpo no espaço e os deslocamentos preensores da mão com
os objetos proporcionem à criança uma nova concepção de si mesma e da realidade.
(FONSECA, 2008).
Wallon (apud FONSECA, 2008) compreende o movimento não como um puro
deslocamento no espaço, e muito menos como uma adição pura e simples de contrações
musculares, mas, para ele o movimento tem um significado de relação e de interação afetiva
como o meio circundante, pois é a expressão material concreta e corporal de uma dialética
subjetivo-afetiva que projeta a criança no contexto da sociogênese.
A motricidade, fundamentada na ótica de Wallon compreende dois aspectos
componentes do comportamento: a previsão e a execução. Esta perspectiva oferece uma
19
significação psicológica a conduta, decorrente disso o movimento irá se revelar como a
expressão do desenvolvimento total da criança, logo, nos gestos e movimentos da criança,
está sempre expresso e projetado o seu desenvolvimento. O movimento ou a motricidade são,
pois, nesta perspectiva, uma inteligência concreta (FONSECA, 2008).
2.3.2 As contribuições de Jean Piaget
Jean Piaget é dos mais aclamados pensadores do conhecimento contemporâneo.
Influenciou todos os campos da psicologia e da pedagogia, não só pela vastidão do seu
trabalho, mas também pela fundamentação interdisciplinar que o caracteriza. Foi zoólogo,
filósofo, lógico e epistemólogo, constantemente interessado pela natureza, tornou-se um dos
psicólogos genético mais conhecido e distinto da atualidade.
Piaget nunca formulou uma teoria da aprendizagem, porém a sua contribuição
para o desenvolvimento cognitivo da criança é uma obra surpreendente, tanto em termos
quantitativos, quanto qualitativos. O seu trabalho está centrado “no desenvolvimento
intelectual, e seu principal objetivo é procurar descrever e explicar como é produzida a
passagem do bebê recém-nascido para o conhecimento abstrato e altamente organizado que
encontramos no adulto” (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 27).
A sua proposta de desenvolvimento seqüencial, de estágios precedentes e estágios
subseqüentes, fundamenta a construção de escalas evolutivas que podem orientara a avaliação
longitudinal e o ensino de aptidões cognitivas a crianças que anunciam várias condições de
dificuldades. Por isso, investigadores, observadores, avaliadores, clínicos, professores e
outros profissionais interessados em trabalhar com crianças, não podem deixar de aplicar estes
conceitos todos os dias na sua prática profissional, dada a sua importância e utilidade
psicopedagógica.
Para Piaget a inteligência humana se consolida na adaptação do homem ao mundo
exterior. Realmente, em sua teoria a meta é sempre adaptação, conseguir dar uma resposta
adequada aos problemas que o indivíduo vai encontrando a cada momento:
...seja, quando o bebê quiser fazer tocar as campainhas que penduram sobre sua
cama; quando o menino de quatro anos tem de decidir se prefere seis bolinhas de
gudes colocadas em fila bem separada entre si ou sete bolinhas colocadas bem
embaixo, só que umas grudadas nas outras; quando a menina de sete anos tem de
indicar somente com suas comprovações em que lugar de uma fileira de palitos de
tamanho crescente deve colocar outro palito; quando o menino de 12 anos tem de
responder a perguntas sobre o maior ou o menor volume de água deslocado por uma
bola de ferro e outra de plástico ambas do mesmo tamanho; ou quando, por fim, a
20
menina de 15 anos se vê obrigada a explicar por que um transatlântico flutua
enquanto uma pedrinha afunda. Em todos esses casos, na medida em que lhe falta a
resposta que permite resolver o problema, o organismo se encontra em um estado de
desequilíbrio em relação ao meio; o processo de encontrar novas respostas procura
restaurar o equilíbrio e melhorar, assim, a adaptação às exigências ou demandas do
ambiente. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 28).
A inteligência para Piaget nasce a partir da experiência do indivíduo. Segundo ele,
é por meio da experiência como „ação‟, e, portanto, como „motricidade‟, que o indivíduo
simultaneamente integra e incorpora o mundo a sua volta e o vai transformando (FONSECA,
2008).
No primeiro momento, opera-se a assimilação do mundo exterior, ou seja,
interpreta-se o meio circundante – objetos, situações, eventos, seres vivos etc. – em termos do
que mentalmente o indivíduo pode dispor para lidar com tais informações. E no segundo
momento, a acomodação ao mundo exterior, ajusta-se o conhecimento em resposta às
características especiais de uma dada situação ou objeto.
Assim, pode se considerar, de forma mais sucinta, sobre a teoria de Piaget:
A inteligência é a resultante lógica da experiência motora integrada e interiorizada,
isto é, assimilada. É uma criação de adaptações que visam estabelecer um equilíbrio
progressivo entre a criança e o mundo exterior, não a sua mera incrementação
quantitativa. A adaptação não tem um caráter passivo e fixo, ela é dinâmica e
plástica, dado que se constava face a situações novas, inéditas e imprevisíveis. À
inteligência caberá multiplicar a criação e a organização de adaptações a um mundo
exterior em mudança. (FONSECA, 2008, p. 84)
Piaget destaca a importância da motricidade na formação da imagem mental. A
inteligência é uma ação interiorizada e organizada.
A imagem (aspecto figurativo do pensamento) apoia-se e emerge da ação. A imagem
mental, portanto advém de uma imagem interiorizada do objeto ou do real. Tal
imagem só é adquirida e assimilada quando passa pela experiência e pela ação. Ou
seja, a criança só pode ter uma imagem ou de uma noção de um objeto se esse objeto
passar pela sua experiência, pela sua ação, isto é, pelas suas mãos. Do objeto real ao
objeto mental, na lógica piagetiana, a motricidade integrada encarrega-se de
produzir uma imagem e uma (re) presença coerente das suas ações e interações
sujeito-objeto. Em termos simples, diria que a criança conhece o objeto depois de têlo agido e manipulado. Há, portanto na proposta de Piaget (1956, 1960, 1975a,
1976), um sentido dinâmico da ação e da imagem. Uma é a conseqüência da outra.
(FONSECA, 2008, p. 80)
Para a educação escolar esse pensamento obriga uma reinterpretação da
importância da motricidade e do jogo em qualquer tipo de aprendizagem da criança, seja ela
não-verbal ou não-simbólica, verbal ou simbólica. Sem a participação do corpo na
aprendizagem a criança encontrará mais dificuldades para efetivar uma aprendizagem ou o
domínio de uma habilidade.
21
2.3.3 As contribuições de Julian de Ajuriaguerra
Julian de Ajuriaguerra foi médico de origem basca, formado na França e radicado
durante muito tempo na Suíça, é mundialmente reconhecido pelos seus trabalhos no âmbito da
neurofisiologia, da neuropatologia e, fundamentalmente, no campo que interessa mais à teoria
da psicomotricidade, ou seja, o da neuropsiquiatria infantil. Ele é essencial para compreender
a gênese do corpo na formação integral das crianças.
Para Ajuriaguerra evolução da criança é sinônimo de conscientização e de
conhecimento mais profundo do seu corpo, ou seja, do seu eu total. Segundo ele é com o
corpo que a criança elabora todas as suas experiências vitais e organiza sua personalidade
única, total e evolutiva (FONSECA, 2008).
De acordo com Fonseca (2008), sua obra representa um grito alarmante contra a
perspectiva mecanicista que se propõe a ver o corpo como “um conjunto de ossos e
articulações „empilhados‟ de baixo para cima em um esqueleto de vísceras e de músculos
revestido e envolvido por pele e pelos”, e que tem sustentado a alienação do corpo no
trabalho, no esporte, na arte e essencialmente na educação. Ele coloca o corpo numa dimensão
antropológica e ontológica de grande amplitude: “a criança é o seu corpo”.
A escola impõe a criança, desde cedo, que se empenhe em atividades que exigem
coordenação da motricidade, todavia, segundo Ajuriaguerra, para o movimento ser
coordenado, adaptado e ajustado à situação que o motiva deverá ser e estar, antes de tudo,
bem equilibrado. A coordenação de movimento é o somatório integrado de equilíbrios que se
desencadeiam automaticamente nos vários segmentos do corpo (FONSECA, 2008). Assim, se
uma criança tem problemas no controle do equilíbrio de seu corpo fica limitada ou impedida
de realizar movimentos coordenados e, por isso, poderá apresentar dificuldades nas
aprendizagens escolares.
Somente com a experiência de suas vivências – história motora – a criança poderá
agir com maior facilidade e eficiência diante das exigências que as diversas situações
escolares lhe propõe.
No corpo há o registro de toda a história do homem, do jovem e da criança. Esse
registro não é feito de forma intencional, mas a partir de momentos vivenciais e
convivenciais, emocionalmente significativos, recordações que são essencialmente sensorial e
motora e que corresponde, em suma, à reconstrução no espaço e no tempo da sua imagem
corporal. Assim:
22
A expressão “a criança é o seu corpo” é o resultado e a resultante da sua evolução no
mundo, isto é, da sua própria história. O corpo apresenta-se, assim, como um álbum
existencial no qual se pode sempre recordar o caminho percorrido e as respectivas
passagens e transformações desde a dependência infantil até a independência do
adulto. (...) O nosso corpo não é, portanto um somatório de órgãos justapostos, mas,
sim, uma autoposse indivisível da nossa existência concreta. Isto é, a autodescoberta
não é mais do que um sentir-se e sentir corporalmente o espaço e o tempo. O corpo é
a expressão dinâmica e intencional do nosso eu. (...) Não é a sua mão que manipula
um objeto, mas é ela, a criança inteira e completa, que, como ser total em unidade,
se projeta e nele se prolonga. Só pelo corpo e com o corpo ela pode explorar os
objetos e, como tal, vivê-los e integrá-los, isto é, torná-los existentes e representados
mentalmente nela própria. (FONSECA, 2008, p. 123-124)
A criança só pode atuar bem neste mundo se possuir uma imagem corporal
perfeitamente integrada e conscientizada. A imagem corporal é o resumo e a síntese de toda a
experiência corporal no mundo. Ajuriaguerra expõe que é pela imagem corporal que a criança
vai conseguindo realizar movimentos cada vez mais ajustados e criativos, pelos quais fica
preparada para descobrir o mundo que a circunda. Se esta imagem não estiver bem alicerçada
ficará difícil realizar desde tarefas mais simples até as que possuem maior complexidade
(FONSECA, 2008).
2.3.4 As contribuições de Lev Semenovich Vygotsky
Vygotsky viveu apenas 39 anos, tendo morrido em consequência da tuberculose,
doença que o acompanhou por 14 anos. Apesar disso, sua produção intelectual, foi
extraordinária, pois chegou a elaborar mais de 200 estudos sobre as mais diversas matérias
não só sobre psicologia, mas também sobre a pedagogia, onde criou uma orientação modelar.
Cursou direito, literatura, história, filosofia e, mais tarde, psicologia e medicina.
Para Vygotsky (apud FONSECA, 2008) a psicomotricidade humana só pode ser
desenvolvida plenamente em um contexto social e cultural. O desenvolvimento psicomotor da
criança está intimamente relacionado com o contexto sócio-histórico; é isso que o torna
tipicamente humano. Ao inserir-se no seu contexto social e cultural, a criança o faz de forma
dinâmica e dialética, através de rupturas e desequilíbrios provocados por contínuas
reorganizações que ocorrem dentro do seu ser total e completo.
A aprendizagem cultural e a sua internalização vão dotando o bebê de produtos
culturais criados pelos seus semelhantes mais maduros. Os atributos psicomotores
únicos da espécie não são devidos unicamente à sua herança biológica, mas também
à variedade dos processos ontogenéticos históricos, que são postos em marcha pela
mediatização. (FONSECA, 2008, p. 387)
23
A interação com os adultos mais experientes permitirá à criança apropriar-se das
aquisições motoras, emocionais e cognitivas que se manifestaram ao longo de anos de
experiência. Da postura bípede à praxia fina, da fala à escrita, todas as conquistas
psicomotoras, sem exceção, decorrem de um contexto social e são aprendidas por meio da
mediação cultural.
A criança não só depende dos adultos em termos de sobrevivência biológica, como
de sujeitos mais experientes para ascender à sobrevivência cultural, sendo
preponderante o papel da primeira nos anos iniciais, mas crucial o papel da segunda
nos anos seguintes. (...) É, pois, a permanente relação com os adultos
(mediatizadores) que permite a evolução da criança em todas as suas vertentes, na
medida em que os adultos procuram incorporar a sua cultura nas crianças atribuindo
significados às condutas e aos objetos culturais que se formaram ao longo da
história. (FONSECA, 2008, p. 388)
Assim, na perspectiva, de Vygotsky o desenvolvimento da psicomotricidade da
criança é sempre mediado pelo outro, pelas pessoas experientes e responsáveis que a rodeiam,
geralmente, os pais, o professor amigos mais velhos e familiares próximos, que indicam,
enfocam, delimitam, expandem, relacionam e atribuem significados à experiência sensóriomotora de adaptação à realidade.
24
3 DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E APRENDIZAGEM
Considera-se neste capítulo descrever as características gerais das crianças
pequenas – de 0 a 6 anos de idade –, inclui-se aqui o desenvolvimento físico, cognitivo,
emocional e social, e o desenvolvimento da linguagem e dos valores.
Apesar desse tema ser mais – naturalmente – abordado na área de psicologia do
desenvolvimento do que em educação, há um entendimento neste trabalho de que para
„aprender‟, de fato, a atuação da psicomotricidade na escola é necessário conhecer os
processos que fundamentam este campo de estudo. Além do mais, desde a sua origem, o
campo do desenvolvimento infantil tem estabelecido uma relação estreita com a educação
para a primeira infância, ainda que, nem sempre receba a devida atenção pelos profissionais e
especialistas da área.
Ao visualizar a psicomotricidade no contexto escolar fica claro que o professor
precisa dominar todos os aspectos que diz respeito ao desenvolvimento da criança.
Os conceitos e teorias do desenvolvimento infantil se preocupam em observar e
interpretar o crescimento e comportamento das crianças, apontando os elementos na sua
constituição genética e nas condições do ambiente circundante que influenciam a sua
formação e personalidade, e também, como estes elementos se relacionam. Ao acessar essas
teorias o professor terá a oportunidade de organizar e interpretar os dados que recolhe dos
fenômenos observados em sua própria prática, e em seguida implicar uma nova significação
às suas atitudes para com as crianças. Esses conceitos e teorias devem sempre respaldar a
prática do profissional de educação.
Após estudar o desenvolvimento infantil, mas especificamente, o que se refere ao
desenvolvimento psicomotor e a aprendizagem, o professor terá que admitir que é um
equívoco acreditar que à criança que se achega à escola é inexperiente no processo de
aquisição de conhecimentos; pelo contrário, desde a sua gestação a aprendizagem é assunto
corrente em seu cotidiano – a criança é uma especialista em aprendizagem, na verdade, todo
indivíduo possui essa virtude. Como afirmava o filósofo inglês, John Dewey (1973), viver,
em si mesmo, é um processo de aprendizagem.
25
3.1 DESENVOLVIMENTO INFANTIL DE 0 A 6 ANOS DE IDADE
Acerca do desenvolvimento infantil na perspectiva psicomotora, é essencial fazer
algumas considerações sobre:
 O desenvolvimento cognitivo: influencia o pensamento, os sentimentos e o
comportamento das crianças.
 O desenvolvimento da linguagem: As crianças desenvolvem suas habilidades
de pensamento e raciocínio à medida que adquirem a linguagem, pois é ela que
permite que convertam as informações que recebe em abstrações para que possam
organizá-las em conceitos ou esquemas e armazená-las para uso posterior em uma
variedade de situações.
 O desenvolvimento emocional: da criança tem impacto sobre outras áreas
evolutivas. O desenvolvimento emocional das crianças pequenas é influenciado
pelo seu ambiente. “Elas são aquilo que podem fazer sentir, entender, imaginar,
perceber e escolher” (WHITESELL; HARTER, 1989 apud SPODEK;
SARACHO, 1998, p. 80).
 O desenvolvimento social: é o mecanismo pelo qual as crianças aprendem
como se espera que elas se comportem. Desde o nascimento, espera-se que elas
sigam um conjunto de padrões que refletem os valores da família e de sua
sociedade. Os pais transmitem sua cultura, religião gênero e suas origens étnicas e
educacionais a seus filhos, e as crianças reproduzem os padrões de
comportamento adulto e adaptam as expectativas sociais à sua própria
personalidade. Este processo, chamado de socialização, requer que as crianças
aprendam os comportamentos apropriados para uma série de situações.
Assim, de forma mais geral, o desenvolvimento pode ser definido como mudanças
que ocorrem ao longo do tempo de maneira ordenada e relativamente duradoura e afetam as
estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as formas de
interação social e muitos outros comportamentos (FERREIRA, 2000, p. 45).
De início, o crescimento do cérebro merece destaque, pois nele se encontra o
suporte físico de todos os processos psíquicos. No desenvolvimento intrauterino o cérebro
cresce mais rapidamente do que o resto dos órgãos – com exceção dos olhos:
26
Ao nascer, o cérebro humano tem 25% de seu peso adulto, enquanto o resto do
corpo pesa apenas 5% de seu peso adulto; aos três e quatro anos, o cérebro tem 80%
de seu peso adulto, enquanto o conjunto do corpo tem apenas 20% de seu peso
adulto; aos seis anos, o peso do cérebro tem 90% de seu valor adulto, enquanto o
peso do resto do corpo ainda tem um longo caminho a percorrer. Dentro do cérebro
a parte que mais se desenvolve nos humanos é o córtex cerebral, que corresponderá
a cerca de 85% do peso total do cérebro, o que mostra sua extrema importância
(COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 61).
A fim de estabelecer uma boa compreensão sobre o impressionante e vertiginoso
processo de crescimento cerebral, é suficiente informar que durante a etapa fetal “são
produzidos no cérebro em torno de 250 mil neurônios por minuto, de forma que no momento
do nascimento o cérebro guarda entre 100 e 200 bilhões de neurônios, cada um dos quais pode
ter em torno de 3 mil conexões com outras células” (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009,
p. 62).
O cérebro é, então, um sistema muito complexo em que trilhões de vias de
transmissão se encarregam de pôr em ordem nossa percepção do mundo, nossa ação sobre ele,
nossos processos psicológicos.
Segundo Coll, Marchesi e Palácios (2009) a vida de um neurônio tem três
momentos distintos. O de sua produção no tubo neural, que ocorre numa vertiginosa
velocidade; a maior parte se forma antes do nascimento. O de sua migração para a região do
cérebro em que finalmente cada neurônio irá se estabelecer – aparentemente a viagem é
controlada por processos neuroquímicos e mecânicos que indicam a cada neurônio para onde
deve ir e que caminho deve seguir. E os processos de diferenciação e conexão com outros
neurônios, que ocorrem mais notavelmente após o nascimento e diz respeito à formação de
sinapses, dendritos e axônio associativos, assim como ao progressivo recobrimento dos
neurônios por mielina, uma camada gordurosa que recobre as fibras nervosas e aumenta sua
eficácia na transmissão de informação. Esses processos de diferenciação implicam em mais
duas etapas: maturação e especialização das células nervosas. A maturação no interior do
cérebro, em termos de dendritos e sinapses, não ocorre ao mesmo tempo em todas as áreas do
cérebro, cada parte segue uma cronologia diferente. O que fica evidente nesta etapa é que na
ausência de estimulação que transforme os neurônios em úteis e de ativação de suas conexões,
muitos neurônios presentes no momento do nascimento e muitas das sinapses produzidas, até
então, se perdem.
A segunda etapa refere-se à especialização das células nervosas. Os neurônios não
parecem estar especializados desde a sua formação, isso possibilita a existência de um traço
característico do cérebro humano: sua plasticidade. Muitos neurônios começam a se
27
especializar próximo da época em que é mais provável que ocorra um certo tipo de
estimulação; se essa estimulação ocorre, os neurônios se especializam.
Isso é o que acontece, por exemplo, com os neurônios encarregados da visão:
inicialmente não-especializados, o fato de estarem no lugar adequado, no momento
adequado e recebendo a estimulação adequada irá transformá-los em células
nervosas, especializadas na visão. Mas se a região do cérebro na qual normalmente
estão os neurônios que costumam especializar-se como visuais estivesse danificada,
então, outros neurônios de outras partes do cérebro poderiam desenvolver essa
especialização, coisa que seria muito mais difícil ou impossível se os neurônios já
nascessem especializados. Fala-se de períodos sensíveis no interior do cérebro para
se referir a essas etapas em que ocorre a especialização dos neurônios em função da
experiência, especialização que, como já estamos acostumados a ver, acontece em
cada região do cérebro numa cronologia diferente. Passado o período sensível que
corresponde a cada região, e uma vez assegurada sua especialização a “reconversão”
posterior de outros neurônios para se encarregar das funções afetadas se torna mais
problemática, se não impossível (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 62).
Se a especialização dos neurônios é, como conseqüência, um processo que
depende da experiência, o mesmo se pode dizer sobre a utilização das conexões entre alguns
neurônios, que dependerá, em grande parte, da estimulação e das circunstâncias que
promovem aprendizagem. O certo é que quanto mais ativo for o cérebro, mais estimulação
adequada receber e mais oportunidades de aprendizagem lhe forem oferecidas, mais aumenta
a funcionalidade de sua complexa arquitetura.
Assim, a psicomotricidade relaciona-se às implicações psicológicas do
movimento e da atividade corporal na relação entre o organismo e o meio em que ele se
desenvolve. O universo da psicomotricidade é, então, o das relações psiquismo-movimento e
da atividade corporal na relação entre o organismo e o meio em que ele se desenvolve. Na
psicomotricidade, existem alguns componentes maturativos, relacionados com a maturação
cerebral descrita brevemente nos parágrafos anteriores, e alguns componentes relacionais, que
estão ligados ao fato de que, por meio de seu movimento e de suas ações, a criança entra em
contato com pessoas e objetos com os quais se relaciona de maneira construtiva (FONSECA,
2008).
A psicomotricidade é, ao mesmo tempo, o meio pelo qual se adquire e exprime o
conhecimento que já se tem. Na psicomotricidade o psiquismo e movimento estão
essencialmente interligados, e estabelecem uma relação de implicações e de expressões
mútuas.
O objetivo do desenvolvimento psicomotor é o controle pleno do corpo. Esse
desenvolvimento envolve um componente externo, a ação, e um componente interno, a
representação.
28
Nos dois primeiros anos os movimentos da criança de algumas poucas semanas
são essencialmente incontrolados, não-coordenados e funcionam como sacudidas que afetam
tanto os braços como as pernas. A criança recém-nascida não controla seu corpo: sua cabeça
cai para os lados quando não está segura ou apoiada, é incapaz de se manter sentada.
No final da primeira infância, a criança apresenta um quadro visivelmente
diferente: seus movimentos são voluntários e coordenados, controla a posição do seu corpo e
dos segmentos corporais mais importantes – pernas, braço, tronco – é capaz de andar e de
correr.
A partir dos dois anos o aspecto mais relevante ao desenvolvimento está ligado à
extensão e ao refinamento do controle sobre o corpo e seus movimentos. É uma etapa de
grande importância para o desenvolvimento psicomotor, pois acontecem notáveis
transformações, tanto no âmbito da ação, quanto no da representação.
Embora uma parte importante do crescimento do cérebro ocorra na etapa pré-natal
e depois nos dois primeiros anos de vida nas idades posteriores continuam ocorrendo
mudanças no cérebro, algumas das quais têm importantes repercussões para a
psicomotricidade e para outras funções psicológicas (COLL; MARCHESI; PALACIOS,
2009).
As mudanças fundamentais que ocorrem após os dois anos estão relacionados ao
progresso em duas frentes aparentemente contraditórias entre si: a independência que está
relacionada com a capacidade – a partir dos sete ou oito anos de idade – para controlar
separadamente cada segmento motor, permitindo assim, por exemplo, efetuar movimentos
difíceis com uma parte do corpo sem necessariamente precisar mover a outra – como uma das
mãos ou um dos pés; e a coordenação que supõe um processo aparentemente oposto, pois a
criança passa a encadear e associar atividades motoras que outrora eram independentes, desta
maneira, formando movimentos compostos muito mais complexos do que os originais, que se
automatiza, permitindo sua execução sem que a criança tenha de gastar nela recursos de
atenção – correr com a bola entre os pés enquanto faz sinal para o jogador ao lado passar à sua
frente, é um dos exemplos do que esta habilidade permite.
As experiências motoras da criança são decisivas na elaboração progressiva de
estruturas que aos poucos dão origem ao raciocínio avançado ou ao pensamento do adulto.
Assim, o que se tem são fases do desenvolvimento, onde em cada uma delas a criança
consegue uma determinada organização mental que lhe permite interagir com o ambiente.
Pode-se dizer que, “em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação vital.
Sua essência reside no fato de nela o pensamento poder manifestar-se. A pobreza de seu
29
campo de exploração irá retardar e limitar a capacidade perceptiva do indivíduo.”
(FERREIRA, 2000, p. 45)
Wallon (apud FONSECA, 2008) acredita que o processo de desenvolvimento
psicológico infantil não é encarado como algo linear, rígido, fixado entre imutáveis limites
temporais. É uma construção que se dá ao longo do tempo, suscetível as variáveis da vida
cujo resultado final é a personalidade do sujeito, marcada por fenômenos peculiares, e que só
pode ser compreendida a partir de uma minuciosa e abrangente busca. Não se pode tentar
entender a criança fora do meio em que se opera seu „eu‟. Para este autor o processo de
maturação da criança ocorre numa dialética de desenvolvimento que compreende inúmeros
fatores, dentre eles, os aspectos psicomotores, onde ele estabelece alguns estágios: impulsivo,
tônico-emocional, sensório-motor, projetivo, categorial, personalístico, da puberdade e da
adolescência.
No impulsivo que é o estágio onde se encontra o recém-nascido, os movimentos
são simples descargas de energia muscular, a ação já possui uma carga afetiva, a atividade do
bebê está totalmente monopolizada pelas suas necessidades vegetativas primárias
(necessidades de sobrevivência). O corpo é o único recurso pelo qual o bebê pode se
expressar é de onde procede “todos os processos de comunicação não verbal, uma complexa
linguagem corporal infra-estrutural, de onde mais tarde vão emergir os gestos simbólicos e,
depois, as palavras” (FONSECA, 2008, p. 22).
No estágio tônico emocional – dos 6 aos 12 meses – A partir da imperícia e da
inaptidão da fase anterior, a consciência esboça as suas primeiras aquisições que anunciam o
surgimento do movimento significativo, que tem um fim uma utilidade. Ao perceber que pode
comunicar-se pelo seu corpo, a criança utiliza o seu corpo total e os seus gestos como
realizações mentais. Aqui ela evolui da postura deitada à postura sentada, por causa disso, a
conquista do espaço começa a ser uma aventura atraente para a criança, aventura esta, que irá
provocar o surgimento de multifacetadas mudanças de comportamento. A fase impulsiva vai
sendo deixada para trás em favor da fase tônico-emocional mais direcionada para o
envolvimento cultural. As emoções se instalam como linguagem, com características nãoverbais e não-simbólicas. Os adultos são a fonte principal da afetividade são eles que dão
significados as ações das crianças, que, por sua vez, adquirem perícia em afetividade. Elas
afetam a atividade dos outros que a rodeiam – exclusivamente o adulto próximo a fim de que
satisfaça as suas necessidades (FONSECA, 2008).
No estágio sensório-motor – dos 12 aos 24 meses – as relações da criança com o
seu ambiente multiplicam-se e aumenta, portanto a maturidade na organização das suas
30
sensações, ações e emoções, do estádio anterior impulsivo e dependente do outro, passa a
novos encadeamentos de causa e feito, provocando no outro novas disposições para satisfazer
suas necessidades. O subjetivo já pode dominar o afetivo. A expressão da psicomotricidade
começa, então, a ter mais sentido e significado. Antes do surgimento da linguagem oral, uma
linguagem corporal complexa está já em pleno desenvolvimento e dá suporte àquela.
Mediante a manipulação constante dos objetos a criança vai tornando a sua motricidade cada
vez mais organizada. As possibilidades explorativas deste estádio são enriquecidas com a
novidade da marcha bípede e assimétrica – o andar. Este pode ser considerado como um
período de individualização progressiva da criança, quando uma consciência corporal se
destaca, o “eu do não-eu” (FONSECA, 2008).
No estádio projetivo – dos 2 aos 3 anos – a ação não é apenas uma pura estrutura
de execução ou de expressão, mas uma fonte de estímulos para a atividade mental. A criança
só conhece os objetos a partir do momento em que age sobre eles corporalmente, tátil e
cinestesicamente. Além da marcha bípede e da linguagem, a imitação, o simulacro e as
reações em eco surgem, neste período, como processos fundamentais do desenvolvimento
psicomotor da criança. Todos induzem a atos que relacionam a motricidade com a
representação, a ação com a imaginação. Ao imitar os modelos sociais, a criança, incubandoos corporalmente e construindo imagens mentais contextualizadas, recria-os e modifica-os,
através de interiorizações, de elaborações e de exteriorizações sensório motoras (FONSECA,
2008).
Ao recorrer ao simulacro, um pensamento apoiado em gestos, que consegue
substituir objetos e rechamá-los para novas situações sem tê-los de fato presentes, a
criança pode comunicar já com base em atos sem objetos reais. Gestos e
representações atingem, nesta fase, um pensamento ideomotor, uma narrativa e uma
ficção, um faz-de-conta que ilustra um desdobramento da realidade, pressupondo o
início definitivo da representação que rompe com o sincretismo anterior e abre
novas portas ao pensamento simbólico prospectivo. A seqüência do sinal ao símbolo
e deste, ao signo, é utilizada por Wallon para introduzir o simulacro, ou seja, uma
representação do objeto sem objeto, pura mímica, onde o significante é o próprio
gesto (FONSECA, 2008, p. 31).
O estádio personalístico – dos 3 aos 4 anos – está voltado para a pessoa, para o
enriquecimento do eu, e essencialmente, para a construção da personalidade, onde a
consciência corporal adquirida paulatinamente ao longo dos estádios anteriores e a aquisição
da linguagem se tornam os principais componentes integrados. Ao tomar consciência de si, a
criança acaba por se diferenciar do outro, e assume a constituição da sua personalidade. Um
eu corporal tende a um eu psíquico, um sujeito social autônomo e individualizado, pronto a
afirmar-se e a enfrentar problemas e também conflitos (FONSECA, 2008).
31
A motricidade deixa aqui de ser explicada por uma simples conduta motora
concreta, para ser imaginada e concebida por meio de processos e procedimentos
representacionais que têm suporte na imagem corporal pessoal. A motricidade passa,
então, a estar a serviço da representação mental permeada por relações sociais,
conquistas e conflitos, contradições e crises de afirmação, que aparecem e
reaparecem infindavelmente, apenas se modificam por várias nuances emocionais,
como vamos ver neste estádio e, de novo, talvez de forma mais exuberante, na
puberdade. (FONSECA, 2008, p. 33)
O Estádio categorial – dos 6 aos 11 anos - marca já uma separação mais nítida
entre o eu e o não-eu. O conhecimento se torna mais completo, classificativo e categorial.
Neste estádio, a criança torna-se mais atenta e mais autodisciplinada, mais inibida em termos
motores e mais concentrada em termos atencionais e sensoriais. Neste estádio, as práticas
sociais, os costumes, os hábitos e os processos culturais desencadeados pelos diferentes
grupos onde a criança se insere, familiares, escolares, lúdicos ou outros, vão lhe permitir
perceber melhor as diferentes relações que os vários agentes sociais possuem, ao mesmo
tempo que vão lhe assegurando a sua posição circunstancial em função dos seus interesses,
necessidades e obrigações. Neste período é possível nomear, agrupar, comparar, categorizar,
verificar dados de informação, como planificar, antecipar e executar condutas, com base em
procedimentos psicomotores mais integrados e elaborados (FONSECA, 2008).
O desenvolvimento pessoal e social atinge um equilíbrio afetivo específico, pois
prepara-se para uma metamorfose complexa, ou seja, a transição da personalidade
infantil, com as suas regressões próprias, para a personalidade pubertária. Em
contraste, o desenvolvimento psicomotor, por outro lado, ilustra um equilíbrio
postural que vai dar suporte a muitas praxias, cuja eficácia, melodia e automatização
coordenativa podem atingir níveis de aperfeiçoamento notáveis em muitas
expressões, quer na musica quer na arte ou nos jogos (Mounod, 1970; Nicolas,
2003). (FONSECA, 2008, p. 37)
E o último, o estádio da puberdade e da adolescência. A denominada crise da
puberdade marca a passagem da infância à adolescência, passagem visível em termos
somáticos e biológicos, na qual se operam mudanças evolutivas significativas, como em
termos psicológicos e sociais. A diferenciação, feminino-masculino, atravessa uma
turbulência considerável, na qual algumas partes da estrutura corporal poderão ter uma
significação exagerada e transcendente, desde o surgimento dos pêlos na zona pubiana e nas
axilas, ao surgimento dos seios e da primeira menstruação nas moças, da barba e da primeira
ejaculação nos rapazes. Ao se configurar uma nova fisionomia no corpo, a imagem psíquica
dele obtida constitui um dos fascinantes processos de desenvolvimento no ser humano.
Afetivamente, a imagem corporal pode passar por inesperados desequilíbrios interiores,
inexplicáveis fobias, sentimentos de vergonha e timidez, sonhos e fantasias impossíveis e
incompreendidas sensibilidades, que podem levar o jovem a sentir-se desvalorizado diante de
32
problemas de obesidade, de uso de óculos ou de aparelho dentário, de seios grandes ou
pequenos, de grande ou pequena estatura, entre outros. A relação com o outro e o prelúdio do
namoro são outros fatores que podem desencadear novas inquietações e questionamentos,
novos desejos de posse e de sacrifício, de renúncia e de aventura, ou seja, novas vivências
imaginárias, que tendem a uma vulnerabilidade no conhecimento de si próprio e dos outros,
vivências que produzem novas auroras de intimidade reflexiva, que acabam por ter reflexo
nas suas funções cognitivas e nos seu valores (FONSECA, 2008). Em síntese este período
configura uma profunda reorganização do esquema corporal da ou do jovem.
Apesar da abordagem temática deste trabalho está direcionada as fases que
estacionam entre o nascimento e os 6 anos de idade, é essencialmente importante considerar
as fases posteriores, pois, como o próprio Wallon destaca, o processo de desenvolvimento não
é rígido, e muito menos linear. É possível encontrar crianças com determinada idade, porém,
com característica do estágio posterior, assim como, com características do estágio
precedente. O profissional da educação carece de conhecer todos esses estágios para atuar
com segurança na formação de seus alunos.
3.2 AQUISIÇÃO DA APRENDIZAGEM
Um indivíduo aprenderá na mesma proporção que seu organismo, quanto mais seu
organismo crescer e se modificar no decorrer de sua vida, mais ele aprenderá.
De acordo com Ferreira (2000), a aprendizagem é o resultado da estimulação do
ambiente sobre o indivíduo, que se expressa diante de uma situação problema, sob a forma de
uma mudança de comportamento em função da experiência. A construção do conhecimento
não é algo adquirido de fora para dentro. Depende das ações sensório-motoras que,
coordenadas, ativam, organizam e estruturam o sistema nervoso do organismo humano. Ao
agir sobre o mundo a criança aprende a controlá-lo. E esse agir só pode ser concebido sobre
dois ângulos: por um lado, a de um corpo em movimento engajado em uma ação justificada
pela finalidade e, por outro, a de um corpo em relação com um ambiente capaz de influenciar
esse mesmo movimento.
Assim, o que se percebe é que a criança constrói a realidade a partir de suas
experiências com o meio ambiente, “de um modo idêntico ao que um pintor utiliza para pintar
um quadro a partir de suas impressões imediatas” (FERREIRA, 2000, p. 46). Aprendizagem e
vivência não podem ser concebidas separadamente. Quanto mais intensas e significantes
33
forem às vivências a afetividade nessas relações, maiores serão as adaptações e as aquisições
da criança em termos de aprendizagem e desenvolvimento.
Quanto à aquisição da inteligência. Piaget definiu estágios de desenvolvimento
das operações intelectuais, que aparecem em uma progressão bem definida de aquisições
intelectuais, e obedecem as seguintes características:
(1) a ordem de sucessão das aquisições é constante, dependendo da experiência
anterior e do meio; (2) as estruturas construídas em uma dada idade virão a ser
integradas nas estruturas da idade seguinte, sustentando que as estruturas cognitivas
de uma idade assentam sobre as estruturas anteriores; (3) um estádio corresponde a
uma estrutura de conjunto integrada, e não a uma sobreposição de estruturas. É aqui
que se baseia a noção de estrutura em Piaget. A estrutura não é mais do que uma
unidade entre esquemas interligados e interorganizados; (4) um estádio é uma
aquisição integrada quando refletir um determinado nível de preparação e de
organização; (5) a continuidade dos vários estados é uma resultante de processos de
formação ou de uma gênese e de formas de equilíbrio final (FONSECA, 2008, p.
89).
Ele categoriza as crianças de 0 a 6 anos no estágio sensório-motor e no estágio
pré-operatório.
No estágio sensório-motor – 0 a 2 anos – a inteligência se relaciona com a
resolução de problemas de ação. É um tipo de inteligência baseados na percepção e na ação
motora sobre ela. Já no estágio pré-operatório a inteligência já é simbólica linguagem aparece
e é enriquecida rapidamente, a imaginação se desenvolve. Os desafios que devem ser
enfrentados já não são sensório-motores, mas lógicos; as respostas apropriadas já não serão
físicas, mas raciocínios. Mas a falta de articulação entre esses raciocínios, a tendência ao
egocentrismo ou à centração – fixar-se em um traço d objeto ignorando outro, como quando
se vê a altura de um líquido em um corpo sem considerar sua largura –, fazem com que esses
raciocínios ainda careçam de lógica.
Vygotsky também apresenta uma contribuição interessante sobre a aprendizagem,
que neste trabalho há uma preferência por traduzi-la como complementar ao de Piaget. Ele
aborda a aprendizagem a partir de uma perspectiva social e visualiza o homem como um ser
que se forma em contato com a sociedade; e chega a citar: “na ausência do outro, o homem
não se constrói” (japud LEV..., 2008, p. 92). Assim, pode-se entender que a criança aprende a
partir das relações que ela estabelece com o meio e com os indivíduos com os quais
compartilha este espaço.
A criança só se forma e desenvolve por meio da aprendizagem, que segundo
Vygotsky, é sempre mediada por um adulto. Ele apresenta o conceito de interiorização para se
referir À reconstrução interna que o indivíduo faz de uma atividade externa, transitando por
34
um processo interpessoal a outro intrapessoal. Isto quer dizer que, todas as funções no
desenvolvimento da criança aparecem primeiro no nível social, e, depois, no nível individual;
primeiro entre pessoas e, depois, no interior da criança. A interiorização não implica numa
simples cópia da realidade; ela é uma reconstrução interna de uma operação externa.
O contato da criança com a realidade se efetiva por meio de agentes culturais que
mediatizam essa relação – atuam como mediadores externos ao resumir, valorizar e interpretar
a informação que transmitem. Por sua vez, a criança capta e interioriza a informação
interpretando-a e relacionando-a, usando diferentes estratégias cognitivas que atuam como
mediadores internos. Ferreira (2000) cita um exemplo apresentado por Vygotsky para explicar
esse processo:
...o caso de um bebê que pretende pegar sem sucesso um objeto que fica fora de seu
alcance. A criança estende a mão num gesto, no começo só motor, mas quando o
adulto – talvez a mãe – intervém, alcançando-lhe o tal objeto e inclusive dando-lhe
um nome, esse ato motor adquirirá futuramente uma significação social e se
transformará em um gesto que comunica uma intenção. A partir desse momento, a
criança orientará seu dedo indicador ou balbuciará uma palavra quando quiser um
objeto. Desta forma o meio externo e a interação com o adulto modelam a atividade
mental da criança (p. 25).
Assim, para Vygotsky, a aprendizagem se produz num processo onde a criança
adquire informações, conhecimentos, habilidades, competências, atitudes e valores a partir da
sua interação com indivíduos mais experientes do grupo social onde está inserida. É pela
aprendizagem que a criança desperta a emergência dos processos internos de
desenvolvimento.
3.3 ASPECTOS PSICOMOTORES
Desde os postulados teóricos apresentados no capítulo 3 até o presente capítulo, é
perceptível que a psicomotricidade tem um valor fundamental na formação das crianças
pequenas. De fato o desenvolvimento psicomotor tem uma relação profunda com a aquisição
da aprendizagem, assim como os processos que estão integrados a ele – aspectos
psicomotores – e que interferem criticamente na maturidade escolar.
35
3.3.1 Tônus
Parte do controle tônico é involuntário e está ligado à atividade intramuscular
espontânea e ao seu controle neurológico e outra parte dessa tonicidade é suscetível de
controle voluntário. As crianças vão aprendendo pela experiência que estabelecem com os
objetos com os quais se relacionam, a ajustar seu tônus muscular às exigências de cada
situação, de maneira que a tensão muscular utilizada para tentar mover sua cadeira não é a
mesma para levantar uma bola que acaba de cair de sua mão. Este ajuste é essencial, pois
além de garantir uma maior adequação da ação a seu objetivo, também tem um aspecto de
representação e de controle voluntário do próprio corpo.
Na medida em que afeta grandes grupos musculares, o tônus repercute no controle
postural e na maior ou menor extensibilidade das extremidades. O controle da
tonicidade muscular também é importante, porque, através de complexos
mecanismos neurológicos, o tônus se relaciona, por um lado com a manutenção da
atenção e, por outro lado, com o mundo das emoções e da personalidade. [...]
Aprender a controlar a tonicidade muscular é, portanto, facilitar a aprendizagem do
controle da atenção. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 132)
Segundo Ferreira (2000), o equilíbrio ou desequilíbrio do tônus muscular irão
definir a maneira de ser da criança, suas emoções, suas vivências psíquicas, além de participar
também, como elemento na comunicação verbal.
3.3.2 Equilíbrio
É condição de nosso movimento e de nossas ações. A capacidade de manter o
corpo em equilíbrio permite liberar para a „ação‟ partes da estrutura corporal que, de outra
maneira, estariam continuamente comprometidas na manutenção de uma postura estável.
Nossas autonomia funcional e independência motora dependem da manutenção de
um equilíbrio que, como ocorre com os diversos componentes psicomotores que
estamos considerando, está sob o controle de mecanismos neurológicos, mas sem
que isso implique impossibilidade de controle consciente. Se habitualmente não
somos conscientes de que esse controle existe, é porque o adquirimos cedo e sem
dificuldades. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 132)
Quanto mais o equilíbrio é falho, maior é o cansaço da criança, pois está o tempo
todo lutando contra a ausência de estabilidade corporal. A falta de equilíbrio pode encontrar
sua origem na falta de confiança que a criança possui em si mesma, sendo acompanhada de
perturbações da coordenação. “Crianças instáveis do ponto de vista psicomotor, que a todo
36
instante mudam de posição a fim de tentar estabilizar seu equilíbrio, acabam prejudicando sua
atenção” (FERREIRA, 2000, p. 51)
3.3.3 Controle respiratório
É uma importante função corporal sujeita a um controle automático por parte do
sistema nervoso, o que não significa que a respiração não possa também sujeitar-se a um
controle voluntário (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009). A respiração está relacionada
aos processos da atenção e das emoções.
O controle da respiração resulta em conhecer como se respira e controlar
conscientemente o ritmo e a profundidade da respiração. Uma respiração correta é capaz de
aliviar a tensão, eliminar sensações como o medo, a angústia e a dor.
3.3.4 Estruturação e orientação espacial
Está relacionada com a consciência das coordenadas nas quais nosso corpo se
move e nas quais transcorre nossa ação. Desde os planos espaciais mais básicos – para cima,
para baixo, para frente, para trás – até os mais difíceis de aprender – direita-esquerda – as
crianças têm de ir representando seu corpo no contexto do cenário espacial em que transcorre
sua vida, sendo capazes de organizar sua ação em função de parâmetros como perto-longe,
dentro-fora, curto-longo. Quando conseguem utilizar essas noções na ação, estão em
condições de iniciar sua aprendizagem de noções espaciais, o que significa que o espaço é
dominado antes no nível de ação do que de representação (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS,
2009).
3.3.5 Estruturação e orientação temporal
A criança situa sua ação e suas rotinas em alguns espaços de tempo – sono e
vigília; antes e depois; manhã, tarde e noite; ontem, hoje e amanhã; dias da semana e dias do
fim de semana – e é capaz de fazer isso em sua atividade muito antes de representar
simbolicamente essas noções. Apesar disso, as noções temporais são ainda mais difíceis de
dominar do que as espaciais, pois enquanto as relações espaciais são perceptivamente
evidentes, as relações temporais somente existem pelas conexões que se estabelecem
mentalmente entre elas, por isso o desenvolvimento dos conceitos temporais é mais tardio do
37
que o dos espaciais. Para facilitar seu reconhecimento é necessário fornecer os diferentes
elementos que entram no conceito de tempo: velocidade, duração, sucessão.
A criança com distúrbios nessa área não prevê suas atividades; “não termina todas
as atividades porque demorou ao realizar uma ou outra, não consegue associar o gesto à
palavra na leitura expressiva, não percebe o que dura, o que vai depressa, quando há uma
parada” (FERREIRA, 2000, p. 50).
3.3.6 Lateralidade
Desenvolver a lateralidade é essencial para qualquer indivíduo, pois permitirá que
faça uma relação correta entre as coisas e o mundo que circundante. A lateralidade se refere
ao espaço interno do indivíduo, capacitando-o a utilizar um lado do corpo com maior
desembaraço em relação ao outro. A noção de espaço – direita-esquerda – vai sendo
construída aos poucos, e parece formar-se a partir de registros prévios que moldaram o
esquema corporal.
3.3.7 Esquema corporal
O conceito de esquema corporal se refere à representação que o indivíduo tem do
seu corpo, dos diferentes segmentos corporais, de suas possibilidades de movimento e de
ação, assim como suas diversas limitações. Essa complexa representação vai sendo construída
lentamente como conseqüência das experiências realizadas com o corpo e das vivências que
se têm dele; graças a tal representação, cada indivíduo conhece seu corpo e é capaz de ajustar
em cada momento sua ação motora aos seus propósitos.
Imagine-se nessas diversas situações: um amigo diz que você tem uma mancha bem
debaixo do queixo; estando sentado, o lápis vai entre seus pés, e, sem mover a
cadeira, procura alcançá-lo, guiando-se pelo som que o lápis produz ao cair ou pela
visão que teve da posição do lápis antes de se abaixar; o despertador toca
estridentemente de manhã cedo e você precisa desligá-lo urgentemente; você quer
jogar um papel dentro de uma lixeira que está a uma certa distância e tem de decidir
no ato se vai se aproximar da lixeira ou se cai atirá-lo do lugar em que está. Nessas
situações, e em outras muito semelhantes que poderíamos utilizar como exemplos,
são produzidos comportamentos rápidos e não meditados em resposta às demandas
da situação: levar a mão exatamente debaixo do queixo, flexionar o tronco e dirigir a
mão ao lugar em que o lápis está (enquanto se mantém fixo no interlocutor), levar
diretamente o dedo indicador ao interruptor do despertador, aproximar-se um pouco
da lixeira e jogar o papel dentro dela. Como é evidente, estamos nos aproveitando
continuamente de ter uma representação bem articulada de nosso corpo e de suas
relações com o ambiente. Se não fosse assim, a realização de nossa atividade motora
38
iria se ver continuamente entorpecida, e estaríamos sempre envolvidos em erros
motores. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2009, p. 135)
Para possuir uma representação do esquema corporal é necessário atravessar um
longo processo de tentativas e de erros, de ajustes progressivo da ação do corpo aos estímulos
do meio e aos propósitos da ação. O esquema corporal é uma construção progressiva em que
novos elementos vão sendo acrescentados como conseqüência da maturação e das
aprendizagens que vão sendo realizadas.
3.3.8 Imagem Corporal
É a correspondência psíquica de como a criança imagina que é. Possui um
conceito distinto de esquema corporal que aponta o que a criança tem em nível de estrutura
corpórea; a imagem corporal me aponta como o indivíduo é, o que nem sempre corresponde a
realidade. Na imagem corporal da criança estão envolvidas questões imaginárias ligadas ao
seu aspecto psíquico e emocional, que brotaram a partir de vivências afetivas em
relacionamentos sociais conflitivos e de grande significância.
39
4 EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA ESCOLA COM CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS
Desde os primórdios da humanidade o processo educativo sempre fez parte do
convívio e das relações pessoais. Isso porque a raça humana é totalmente dependente da
aprendizagem e da vida em sociedade para assegurar sua sobrevivência e perpetuação. “Cada
geração assimila a herança cultural dos antepassados e estabelece projetos de mudança”
(ARANHA, 2006, p. 19).
A princípio os conhecimentos, padrões de comportamentos, regras, conquistas
sociais eram compartilhados sem nenhuma preocupação específica com o meio ou com a
forma de transmissão. Esse procedimento, que pode ser compreendido como a educação
primitiva, pode ser encontrado até os dias de hoje nas comunidades tribais, que são
predominantemente míticas e de tradição oral.
Na antiguidade grega a educação estava preocupada na formação integral – corpo
e espírito –, embora, de fato, a maior parte dos esforços se concentrava ora para o preparo
militar ou esportivo, ora para o debate intelectual, conforme a época ou o lugar. Entretanto o
ascetismo da Igreja cristã primitiva transformou o corpo em obstáculo para a vida espiritual.
No período medieval a educação era impregnada pela visão teocêntrica, a de Deus
como fundamento de toda a ação pedagógica e finalidade da formação do cristão. A
transmissão de conhecimento e dos valores da sociedade não eram garantidos à criança em
formação. Elas se educavam à medida que conviviam com outros adultos ou jovens, que
necessariamente não precisavam pertencer a
família – que no período não tinha qualquer
obrigação para com a educação da criança.
Na realidade a criança na sociedade medieval – européia – não era tão bem
cuidada como no presente século. Enquanto, ainda, não podia se manter sozinha era certo que
recebesse alguma atenção, mas logo obtivesse um pouco de desenvoltura, imediatamente era
inserida no espaço social dos adultos, e, juntamente, com eles compartilhavam das mesmas
atividades. Desta forma, ela se convertia em um “homem jovem” sem experienciar as etapas
da juventude, que hoje são tão bem definidas (ARIÈS, 1981). Somente a partir do fim do
século XVII, principiou uma alteração na forma de enxergar a criança, e isso, devido ao
surgimento da escola que passou a ser a principal fonte de aprendizagem, e também, ao
sentimento que a valorização da educação inspirou nas famílias, que a partir daí passaram a
dar maior respaldo a criança, tanto no que ela dependia para desenvolver-se nos estudos,
quanto afetivamente. Entretanto, a forma pela qual se compreende a infância na atualidade, é
40
de responsabilidade do movimento dos reformadores moralistas católicos e da ascensão da
burguesia como classe social dominante neste mesmo período (FERREIRA, 2000).
Foi somente nos tempos modernos que se estabeleceram escolas especializadas na
educação e cuidados para crianças pequenas. Inicialmente, não era feita nenhuma
diferenciação entre a educação das crianças pequenas e das mais velhas, e somente a partir do
séc. XIX que elas foram separadas e que começaram a ser desenvolvidos métodos
pedagógicos específicos para cada idade.
O clássico de Jean-Jacques Rousseau, Emílio (1762), escrito um século antes,
discutia o valor da educação para a primeira infância. Rousseau acreditava que a educação
devia começar a partir do nascimento e continuar até os 25 anos. Ele enfatizou a necessidade
de estimular o desenvolvimento natural da criança ao invés de usar a instrução para socializála e prepará-la para a vida. Rousseau viu a percepção dos sentidos como a base do
conhecimento humano (SPODEK; SARACHO, 1998).
Assim, surge na metade do século XIX o jardim de infância que foi uma entidade
singular desenvolvida na Alemanha, idealizada por Friedrick Froebel, que abrigava em seu
currículo atividades que envolviam materiais manipuláveis, expressão artística e o exercício
de canções e jogos criados especialmente por Froebel.
Também há o movimento das escolas maternais que se desenvolveu num contexto
diferente em relação ao do jardim de infância. A partir de suas experiências em clínicas de
saúde para crianças pobres da Inglaterra, Rachel e Margaret Macmillan conceberam os
maternais como forma de prevenção das doenças infantis, tanto físicas como mentais, de alta
incidência nas classes populares. A filosofia básica da educação no maternal era a
maternagem, conforme destaca Spodeck e Saracho (1998):
A maternagem significava lidar com a totalidade da criança – com os aspectos
sociais, físicos, intelectuais e emocionais do ser humano. As responsabilidades da
escola maternal original incluíam dar banho nas crianças, vesti-las com roupas
limpas, alimentá-las, fazer com que descansassem e tomassem muito ar fresco –
tudo isto enquanto as educavam. Os maternais originais eram prédios térreos, com
grandes portas envidraçadas dando para jardins e amplos espaços para brincadeiras,
durante as quais as crianças podiam transitar livremente de dentro para fora e viceversa. (p. 48)
O programa educacional desenvolvido por elas possuía um caráter, visivelmente,
social, mais preocupado em ensinar as crianças sobre os fenômenos observáveis do que os
simbólicos, já que as suas fundadoras tinham sido mais influenciadas por Edward Seguin do
que por Froebel. Seguin, um educador francês, tinha desenvolvido muitas atividades para
41
melhorar a educação sensorial de crianças retardadas. Sua influência pode ser sentida nos
programas atuais para crianças com deficiências, bem como no método de Montessori.
Para crianças de três e quatro anos, o programa de escola maternal incluía o
aprendizado das habilidades envolvidas no cuidado com o próprio corpo (lavar-se,
amarrar os sapatos, e assim por diante). Cuidar de plantas e animais e limpar a
escola também eram importantes. Além disso, buscava-se desenvolver os sentidos
por meio de atividades específicas com música e ritmo, linguagem, cores e formas.
Margaret Macmillan recomendava as atividades que induzissem à leitura e à escrita,
bem como à aritmética e às ciências, enquanto Grace Owen, outra pioneira das
escolas maternais, opunha-se à introdução destas matérias no currículo. As
atividades de brinquedo livre foram incluídas no programa, junto com oportunidades
de expressão artística e trabalhos com água, areia, além de outros materiais nãoestruturados. (SPODEK; SARACHO, 1998, p. 49)
No mesmo período em que a escola maternal se desenvolveu na Inglaterra era
criada na Itália a „Casa dei Bambini‟ (Casa das Crianças) pela Dra Maria Montessori, que
tentava afastar-se da educação italiana tradicional, assim como as Macmillan tinham
rejeitados o formalismo das escolas primárias britânicas. Em síntese, a população alvo e os
métodos essenciais da escola montessoriana e do maternal eram os mesmos: ambos
trabalhavam com os filhos dos pobres, davam ênfase a educação sensorial e foram
influenciados pelo trabalho de Edward Seguin, um educador francês que tinha desenvolvido
muitas atividades para melhorar a educação sensorial de crianças retardadas. A escola
maternal britânica, entretanto, tinha uma concepção mais abrangente e assumia a
responsabilidade por aspectos do desenvolvimento das crianças e do trabalho com os pais que
foram essencialmente ignorados pelo sistema italiano. “A inexistência de um dogma
específico também permitia que os educadores dos maternais desenvolvessem seus programas
com maior flexibilidade, utilizando conhecimentos recém-adquiridos e respondendo a novas
situações sociais” (SPODEK; SARACHO, 1998, p. 51)
Por fim, temos as creches ou centros de cuidados diurnos não foram originalmente
idealizados para atender necessidades educacionais. A primeira creche foi criada em Paris em
1844 para ajudar as mães trabalhadoras, combater a mortalidade infantil e ensinar hábitos de
higiene.
As creches são um produto da Revolução Industrial, antes da qual as mulheres
trabalhavam, mesmo remuneradamente, numa casa – sua ou de outra pessoa – onde
podiam ter seus filhos por perto. Quando o sistema fabril foi estabelecido e as
fábricas começaram a contratar um grande número de mulheres e crianças, os
pequenos que ficavam separados das mães durante o longo dia de trabalho
precisavam ser cuidados. As creches preenchiam esta necessidade para a classe
trabalhadora, pois as classes média e alta tinham empregadas para cuidar de seus
filhos (SPODEK; SARACHO, 1998, p. 53).
42
Hoje a educação infantil busca fundamentar-se nas teorias que exigem da criança
a maior responsabilidade na construção do próprio conhecimento – especialmente aqui no
Brasil que se encontra num contexto onde os pressupostos teóricos de Piaget e Vygotsky têm
grande influência. As escolas infantis na atualidade se beneficiam desse percurso histórico da
educação para crianças pequenas e adotam, conforme a conveniência, vários métodos e
princípios que permearam esta categoria de instrução. É possível encontrar escolas
preocupadas apenas com a instrução e outras apenas com o cuidado, assim como, existem as
que conseguem passear por ambos os eixos.
É importante considerar que a escola infantil tem uma característica peculiar em
relação a outros espaços de instrução e formação; a avaliação, a disciplina e a participação em
atividades pedagógicas específicas fazem a escola um espaço privilegiado de aprendizagem.
(FERREIRA, 2000, 26)
O próprio Vygotsky (FERREIRA, 2000) considerou a escola como promotora de
desenvolvimento na medida em que esta cria situações específicas que permitem o trabalho
conjunto entre sujeitos que possuem habilidades diferentes e onde os instrumentos de
mediação ocupam um papel fundamental. O discurso escolar, os tipos de atividades escolares
e as trocas específicas que acontecem nesse ambiente pedagógico permitem que o sujeito
desenvolva sua consciência, vontade e intencionalidade.
O valor do diálogo na sala de aula, a necessidade do trabalho em grupo e o papel
fundamental do jogo na infância têm uma importância fundamental para a formação das
crianças pequenas. Resta aos educadores aprofundar as diversas contribuições teóricas – em
vez de confrontá-las como às vezes se faz – e norteados por eles trabalhar com o objetivo de:
[...] Promover uma interação educativa que permita a passagem do interpsicológico
para o intrapsicológico, trabalhando na zona de construção do conhecimento.
Organizar práticas pedagógicas que favoreçam a consciência reflexiva e levem os
alunos à formação de conceitos. Exercer a função de ensino com profissionalismo e
responsabilidade, sem esquecer o papel político cultural que a escola tem
(FERREIRA, 2000, p. 31).
Esse processo tende a ser mais efetivo se considerar, também as práticas
educativas que impele a criança pequena a uma experiência ativa de “confrontação com o
meio” (LE BOULCH, 1992): a Educação Psicomotora.
43
4.1 A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA: COM O CORPO TAMBÉM SE APRENDE
Muitos profissionais que cuidam da infância insistem constantemente na
importância do período da educação infantil no desenvolvimento da inteligência e da
personalidade da criança. É a idade das primeiras conquistas e aquisições, as quais
possibilitarão ao “bebê” sair pouco a pouco da aura maternal para adquirir relativa
independência de pensamento e ação.
Todavia, a criança pequena que ingressa na escola elementar acha-se,
repentinamente, numa situação nova à qual terá de adaptar-se rapidamente. É possível que
encontre várias dificuldades para reconsiderar hábitos e atitudes que, até então, eram
irrestritas no ambiente familiar. Particularmente, se confrontará com vários questionamentos
acerca da sua própria capacidade, já que deve submeter-se às aprendizagens e ser bem
sucedida de acordo com um ritmo que, na maioria dos casos não leva em conta suas
possibilidades reais. Esta exigência de desempenho é acompanhada pelas excessivas
comparações feitas de uma criança a outra e este ambiente competitivo passará, rapidamente,
a ter para ela uma significação afetiva, e até mesmo moral, na medida em que as noções de
bons e maus alunos se desprenderão naturalmente do êxito ou do fracasso. A situação da
criança torna-se ainda mais difícil pela exigência dos pais que se sentem pessoalmente
envolvidos, e até traídos, quando seus filhos não chegam ao nível das outras crianças. (LE
BOULCH, 1988, p. 28)
A escolarização lhe exige, às vezes, condutas contraditórias: a imobilidade
corporal associada à atividade mental, a atenção restrita numa única tarefa, indiferença ao que
ocorre a seu redor. A morbidez e a multiplicidade das atitudes solicitadas à criança em seu
ingresso na escola infantil podem, portanto, explicar suas dificuldades em efetuar as
assimilações ou ajustamentos necessários.
Muitas vezes o desinteresse pela matéria escolar pode ser de origem afetiva e
corresponder assim a problemas de organização da personalidade. Mas a falta de motivação,
fonte de desatenção, também pode estar relacionado ao modo de apresentação da matéria
escolar, que incita a criança a excessiva passividade.
Por esta razão, é aceitável que o fracasso escolar, a impossibilidade de efetuar
certas aprendizagens ou, mais simplesmente, a dificuldade de acompanhar o ritmo da aula
possam acrescentar-se às dificuldades pessoais da criança e mesmo acarretar problemas
afetivos numa criança que, até então, se desenvolvia normalmente.
44
Deste modo, também, É certo encontrar situações em que as razões pelas quais a
criança – que outrora investia muitos esforços e entusiasmo – desliga-se pouco a pouco do
trabalho escolar, são de ordem pedagógica: pouco espaço para as atividades práticas,
demasiada importância conferida aos resultados imediatos, a utilização metódica do
desempenho e da competição, preferência excessiva por trabalhar habilidades por
condicionamento. A pedagogia da educação psicomotora surge como a antítese à pedagogia
que fundamenta suas ações nessas práticas.
A escola maternal, concebida inicialmente como uma creche e que viu seu caráter
educativo desprender-se, com o decorrer dos anos, desempenha um papel determinante na
preparação da criança no ingresso na escola primária.
Este papel é tanto mais eficaz quando o objetivo essencial confiado a esta escola é
respeitado: prioridade para o desenvolvimento geral da criança. Inversamente, quando às
vezes, sob a pressa dos pais, a professora da classe dos maiores da escola maternal transforma
sua aula em mini-curso preparatório, é o pior serviço que ela pode prestar às crianças.
Durante o período escolar, seria possível, apoiando-se nas atividades de expressão
espontânea realizadas em grupo, despistar entraves com a inibição, a insegurança, as
dificuldades de comunicação, os atrasos de linguagem. A exploração das situações
lúdicas e do trabalho voltado para a imagem do corpo num clima de segurança
criado pela educadora, deveria permitir às crianças, vítimas de carências afetivas ou,
ao contrário, superprotegidas, a recuperação de uma parte de seu atraso no plano
funcional, e, abordar o curso preparatório em melhores condições. (LE BOULCH,
1988, p. 29)
A criança desenvolve-se e matura-se no contato com o mundo circundante,
vivenciando e experimentando as relações que estabelece por intermédio do seu próprio
corpo, que a princípio, até a aquisição da linguagem oral, é o seu único meio de comunicação.
“Todas as suas inaugurações são corporais e estão intimamente ligadas à emoção e ao prazer”
(FERREIRA, 2000, p. 53).
Deste modo, atentar para a criança numa perspectiva biológica se faz tão
fundamental quanto todas e quaisquer outras perspectivas educacionais. A criança que não é
cuidada corporalmente está destinada a não sobrevivência.
A escola tem a possibilidade de utilizar o corpo como fonte primária para a
construção do conhecimento abstrato, entretanto, o sistema educacional insiste em dissociar
corpo-mente, em fragmentar a criança em cognitivo, afetivo, motor psíquico. Não considera
que quando a criança desempenha movimentos intencionais, ela está coordenando todos estes
domínios citados.
45
A prática da educação psicomotora está voltada para as crianças até,
aproximadamente, sete anos – período que determina uma etapa fundamental do
desenvolvimento infantil, no qual a criança tem necessidade de agir para pensar –,
beneficiando sua maturação psíquica por meio da motricidade, sua ação e seu brincar, que são
a base do desenvolvimento do pensamento. Segundo Ferreira (2000) o eixo norteador dessa
intervenção é a ação espontânea da criança, na qual, lhe é possibilitado agir com liberdade,
fazer sua escolha, ela é o sujeito do processo, num itinerário que privilegia à sua maturação
psicológica por meio de jogos e de brincadeiras levando a criança a transpor, paulatinamente,
os limites “do prazer do agir ao prazer do pensar”. A exploração da motricidade de forma
espontânea vai permitir à criança desenvolver de maneira harmoniosa a integração entre o
biológico e o psíquico.
O professor nessa concepção deve se interessar não somente pelo ato motor, mas
também, pelas transformações tônicas, sensoriais e emocionais que existem em suas ações
pelo processo de transformação interior da criança. Para esse profissional esta prática
assumirá um lugar de conhecimento e troca sobre a criança, seu desenvolvimento e suas
possibilidades pedagógicas.
A abordagem da psicomotricidade na educação de crianças de 0 a 6 anos tem uma
filosofia de cuidado e respeito à pessoa, entendendo que cuidar é mais que um ato; é uma
atitude e, portanto, abrange mais que um momento de atenção. “É respeitar, aceitar e receber
com sensibilidade a expressividade da criança em sua forma, conteúdo e sentido, sem
julgamento ou preconceito” (FERREIRA, 2000, p.89). Para que a educação psicomotora
possa ter seu lugar de atuação dentro da escola, é fundamental que a criança seja olhada em
sua totalidade e que lhe seja oferecido um espaço de confiança e liberdade de expressão.
É importante destacar que a finalidade da educação psicomotora não é a aquisição
de habilidades gestuais. “Não se trata de aprender certo número de „conhecimentos‟ julgados
indispensáveis por nós, mas de desenvolver potencialidades que a criança utilizará pela
continuidade em múltiplas áreas” (LAPIERRE, 1989, p. 7). O trabalho psicomotor, nessa
perspectiva, resulta numa melhor aptidão para a aprendizagem.
Assim, em síntese, a educação psicomotora intui melhorar e oportunizar o sujeito
ao movimento, conscientizando-o do seu próprio corpo; da consciência do esquema corporal;
domínio do equilíbrio; construção e controle das coordenações global e parcial; organização
da estruturas espaço-temporal; melhoria das possibilidades de adaptação ao mundo esterno;
estruturação das percepções. Ela se insere no ambiente escolar com o intuito de penetrar no
processo criativo de construção e expressão do movimento, do conhecimento da
46
personalidade do educando, respeitando as suas particularidades. “Os benefícios serão
notados ao longo da vida desse sujeito, pois será um ser bem resolvido em suas questões
internas, podendo se libertar para as questões externas” (CARVALHO, 1993; MELLO, 1989
apud, FERREIRA, 2000, p. 57).
4.2 DESENVOLVENDO PROPOSTAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM
A educação psicomotora sugestiona desenvolver as habilidades escolares em
crianças de 0 a 6 anos a partir de atividades que envolve jogos e brincadeiras.
Wallon compreende que o jogo pode ser considerado como a principal atividade
da criança desde que se mantenha espontâneo, livre e não se transforme em meio para fins
pedagógicos. O jogo não é uma atividade que não exige esforço, pelo contrário, muitos jogos
requerem uma grande quantidade de energia, muitas vezes bem maiores do que aquelas
necessárias para uma atividade laboral obrigatória. Também não é um meio de utilização da
energia excedente, não empregada no trabalho, é bastante comum encontrarmos grupos de
trabalhadores jogando bola após um cansativo dia de trabalho.
No jogo infantil, a cada idade da infância, a criança põe em exercício as funções
adquiridas e, portanto, por meio do jogo, pode-se acompanhar a evolução de suas funções
sensório-motoras, tais como destreza, precisão, rapidez, funções de classificação intelectual,
funções de articulação da memória verbal e de enumeração e, ainda, funções de sociabilidade
nos jogos coletivos podem ser observadas quando postas em prática pelas crianças em seus
jogos e brincadeiras (FERREIRA, 2000).
O jogo para a criança assume formas diversas, dentre elas: os jogos de
imaginação e os jogos simbólicos que têm um valor de expressão; os jogos funcionais, que
permitem à criança despender sua “necessidade de movimento” e que podem, no plano
psicomotor, desempenhar o papel dos exercícios de coordenação global; os jogos com regras,
que necessitam a aceitação ou mesmo a criação de um código para poderem ser praticados
coletivamente e que, por isso mesmo, desempenha um importante papel na socialização.
Segundo Spodek e Saracho (1998), a teoria da busca de estimulação sugere que os
seres humanos normais precisam estar continuamente envolvidos em atividades de
processamento de informações, ou seja, que o seu estado normal é ativo. A ausência de
estímulos no ambiente leva a um desconforto que faz com que eles aumentem a quantidade de
informações perceptivas disponíveis, seja buscando estimulação adicional externamente, seja
47
criando-a internamente, como por meio de devaneios. O excesso de estimulação leva os
indivíduos a prestarem menos atenção em seu ambiente. A brincadeira é vista como um
veículo pelo qual as crianças podem procurar e mediar a quantidade de estímulos internos e
externos à disposição, e criar um equilíbrio ideal.
As brincadeiras das crianças como um esforço para organizar suas experiências,
enquanto utilizam suas capacidades cognitivas e motoras. As crianças demonstram interesse,
atenção e alegria ao se familiarizarem e dominarem os materiais. Singer vê a brincadeira
infantil como um veículo para explorar, alcançar competência e desenvolver a criatividade.
(apud SPODEK; SARACHO, 1998, p. 213)
Se soubermos observar as crianças, seguir-lhes a dinâmica de pensamento – no lugar
de impor-lhes o nosso – um grupo de crianças de 3 anos é capaz de „trabalhar‟ assim
durante mais de uma hora, sem se aborrecer com uma alegria, um dinamismo e uma
coesão notáveis. (LAPIERRE, 1989, p. 7)
Mediante as brincadeiras das crianças os professores terão a possibilidade de
observar seus alunos enquanto brincam para determinar o nível em que se encontram em
vários ambientes, e depois poder intervir nas brincadeiras modificando o ambiente,
adicionando materiais, propondo questões para as crianças que estão brincando ou mesmo
participar momentaneamente do jogo para fazê-lo progredir.
No ato de brincar, é possível encontrar o que há de mais sério na vida de um
sujeito. Crianças, adolescentes, adultos ou a chamada terceira idade, sem saber que sabem,
entregam por meio da expressão de suas brincadeiras seus segredos mais íntimos àqueles que,
se podem ouvir além de palavras, além de ações, além de movimentos corporais.
A brincadeira e o jogo educativo têm como objetivo primário a aprendizagem.
Eles devem ser divertidos para as crianças, pois se não proporcionar satisfação pessoal, a
atividade deixa de ser lúdica. As brincadeiras e os jogos educativos, entretanto, servem a um
propósito pedagógico, ao mesmo tempo em que se mantém sua função de satisfação pessoal
ao dramatizarem o papel que escolheram, ao interagirem com pessoas em outros papéis e ao
usarem vários objetos de forma inovadora. Seu valor educativo é que também ajudam as
crianças a explorarem e entenderem as dimensões dos papéis e os padrões de interação entre
eles, estimulando o seu entendimento futuro do mundo social e ajudando-as a construírem um
autoconceito realista.
A brincadeira educativa pode assumir muitas formas. O papel chave dos
professores nela é modificar a brincadeira natural espontânea das crianças para que ela
adquira um valor pedagógico, ao mesmo tempo em que mantêm suas qualidades lúdicas. Os
48
professores também criam brincadeiras educativas menos espontâneas, que são avaliadas não
somente de acordo com o grau de envolvimento das crianças, mas também com sua eficácia
em atingir as metas educativas. (SPODEK; SARACHO, 1998, p. 215)
As brincadeiras e jogos motores envolvem ações musculares amplas, como correr,
saltar ou andar de triciclo que ajudam as crianças a desenvolverem suas habilidades motoras
ou a aprenderem a usá-las em situações novas. Geralmente requerem muito mais espaço do
que. Muitas das brincadeiras ao ar livre das crianças em turmas de primeira infância se
encaixam nesta categoria.
O conteúdo dos jogos e brincadeiras ao ar livre depende das condições do clima,
do espaço e de outras considerações. Em algumas áreas da escola, além da sala de aula, existe
a possibilidade de explorações livres e de um uso amplo de materiais, porque. Os professores
devem variar as brincadeiras ao ar livre de acordo com as possibilidades criadas pelas
condições locais.
O espaço ao ar livre – tanto as áreas de superfície macia, quanto as de superfície
dura – devem estar à disposição e ser facilmente acessíveis para as turmas. O solo
abaixo de qualquer equipamento de escalada deve permitir que as crianças pulem ou
caiam sem se machucar, sendo cobertos com areia, espigas de milho ou cascalho
miúdo. Algumas áreas também devem ser pavimentadas, para permitir o uso de
brinquedos com rodas. Os professores devem dispor de armários ao ar livre para os
equipamentos, mas eles também podem trazer materiais da sala de aula para fora. As
brincadeiras e os equipamentos ao ar livre devem permitir oportunidades para
escalar, correr, saltar, usar peças grandes de equipamento e cavar. A preocupação
recente com as pracinhas para crianças pequenas levou à criação de equipamentos
mais complexos para estimular as atividades físicas criativas e a interação social na
brincadeira ao ar livre. Alguns deles podem ser instalados permanentemente, e
requerem pouca manutenção. bolas e cordas de pular para serem usadas em jogos
[...] (SPODEK; SARACHO, 1998, p. 219).
Todavia não se pode desconsiderar que muitas das brincadeiras oferecidas às
crianças ao ar livre, podem acontecer em espaços fechados também, sofrendo algumas
modificações para se adaptarem ao espaço disponível. Em algumas escolas, uma sala de
atividades está a disposição para brincadeiras vigorosas, mas, na maioria das situações, as
turmas têm que se limitar a suas próprias salas. Em ambos os casos, algumas brincadeiras
motoras podem acontecer em espaços fechados.
Embora brincadeiras extremamente satisfatórias possam surgir espontaneamente
em quase qualquer sala de aula, a preparação adequada aumenta grandemente as chances de
ocorrer uma brincadeira produtiva, que desenvolva com eficiência as funções motoras. Os
professores devem conhecer os temas de brincadeiras que interessam às crianças e que têm o
potencial de oferecer experiências pedagógicas vantajosas.
49
Os professores devem avaliar o potencial pedagógico das brincadeiras e buscar os
recursos para ajudar as crianças a obterem informações sobre tópicos relacionados a elas.
Devem também, refletir sobre as estratégias que vão usar para estimular a brincadeira e os
objetivos que querem atingir, no caso, o desenvolvimento das habilidades psicomotoras.
Ferreira (2000) sugestiona propostas de atividades psicomotoras educativas a
partir da Teoria das Inteligências Múltiplas elaborada por Gardner e que propõe uma nova
compreensão das competências humanas – a pluridimensionalidade da inteligência. Ele
apresenta as oito inteligências (corporal-cinestésica, pessoais, espacial, musical, lingüística,
naturalista e lógico-matemática) reconhecidas por Gardner, articuladas com a Educação
Psicomotora.
A inteligência corporal-cinestésica, segundo Ferreira (2000) permite às pessoas
usarem o seu corpo, total ou parcialmente, de formas altamente diferenciadas e hábeis para
propósitos que visam: o domínio dos movimentos a capacidade de manusear objetos, a
expressividade. Pode ser articulada com a psicomotricidade por meio por meio da construção
de um programa de trabalhos que abordem a:

Dimensão cognitiva: esquema corporal – conhecimento do corpo, imagem
corporal, conceito corporal, expressividade e representação corporal.
Proposta de atividades: “as crianças devem fechar os olhos e o professor
irá tocar com as mãos, em algumas partes de seus corpos. A partir daí, elas
deverão identificar nomeando as partes do corpo tocadas” (p. 103)

Dimensão motora: coordenação motora geral, coordenação motora
específica,
coordenação
visomotora,
equilíbrio,
dissociação
dos
movimentos, relaxação, freio inibitório e a eficiência motora. Proposta de
atividade: “marchar, virar cambalhotas, dependurar-se, correr, saltar, etc
(p.104).
As inteligências pessoais, diz respeito às capacidades e habilidades para lidar com
sentimentos e emoções. Podem ser intrapessoal que viabiliza o desenvolvimento do
autoconhecimento, e possibilita administrar as próprias emoções, e interpessoal que refere-se
a capacidade de interagir e influenciar habilmente o grupo:

Dimensão cognitiva: imagem corporal, esquema corporal, organização de
expressão e expressividade. Proposta de atividades: “pode-se solicitar às
crianças para explorarem com ajuda da modelagem e do desenho variadas
50
formas de expressão e sentimentos, como a tristeza e raiva” (Ferreira,
2000, p. 106), assim como, a percepção que possuem de si mesmas.

Dimensão motora: coordenação motora ampla, relaxação. Proposta de
atividades: “é solicitado às crianças que ora se movimentem como se
fossem um boneco duro e ora como se fosse, um boneco mole. Assim, ora
o corpo fica duro e as articulações não devem dobrar, mantendo os
músculos tencionados e ora as articulações se dobram, amolecendo o
corpo e tirando a tensão muscular” (Ferreira, 2000, p. 107).
A inteligência espacial se define como a capacidade para a representação mental
dos objetos físicos; reconhecer a identidade de um objeto quando ele é visto em diferentes
ângulos, é pensar em termos tridimensionais. Os fundamentos do desenvolvimento da
inteligência espacial estão relacionados com o movimento motor:

Dimensão cognitiva e corporal: esquema corporal, conceito corporal,
estruturação espacial: por meio da orientação, percepção e organização
espacial; coordenação dinâmica global, equilíbrio, dissociação de
movimentos e eficiência motora. Proposta de atividades: “criar um
ambiente que propicie a experimentação de diferentes possibilidades de
movimentação e deslocamento no espaço utilizando diferentes habilidades
e capacidades motoras, na medida em que a criança desenvolve as
atividades pode-se verbalizando ou questionando quais são as partes do
corpo que estai envolvidas na atividade” (Ferreira, 2000, p. 109).
A inteligência musical implica na capacidade para perceber e reproduzir ritmos,
simbolizar, produzir sons, estabelecer relações harmônicas. O ponto de encontro entre a
psicomotricidade e a inteligência musical envolve conceitos de espaço, tempo, simultaneidade
e ritmo:

Dimensão cognitiva: percepção sensorial, percepção temporal e figura e
fundo auditiva. Proposta de atividades: “identificar a voz de um colega, ou
por objetos reproduzir sons, mantendo os olhos vendados” (Ferreira, 2000,
p. 112).

Dimensão motora: coordenação dinâmica global, coordenação motora
específica e dissociação de movimentos. Proposta de atividades: “dançar,
51
movimentando-se de acordo com o ritmo proposto. Dançar ao som da
música” (Ferreira, 2000, p. 113).
A inteligência lingüística diz respeito à inteligência da palavra. É a capacidade de
utilizar a linguagem para expressar e entender pensamentos, sentimentos, valores, idéias.
Considerando que a fala é um ato motor organizado envolve outras funções motoras é
possível estabelecer propostas que considerem a:

Dimensão cognitiva e motora: compreensão de conceitos, a construção da
língua, a percepção, a relação e a estruturação no espaço; coordenação
dinâmica global, exercícios fonoarticulatórios e exercícios respiratórios.
Proposta de atividades: “As crianças podem descrever as atividades que
vivenciaram durante a aula. „Quem lembra das brincadeiras que fizemos
na aula? Qual foi a primeira atividade? O que foi legal nessa atividade?‟”
(p. 114).
A inteligência naturalística está voltada para o conhecimento que os indivíduos
adquirem na relação com o meio ambiente.

Dimensão cognitiva e motora: percepção sensorial, percepção temporal, a
orientação e a organização espacial, a percepção visual, auditiva e tátil, a
capacidade de agrupar, classificação; coordenação dinâmica global
coordenação motora específica, o equilíbrio estático e dinâmico, a
coordenação visomotora. Proposta de atividades: “pode-se realizar
passeios exploratórios em ambientes naturais com o objetivo de trabalhar
questões específicas de conteúdo científico.” (Ferreira, 2000, p. 115).
A inteligência lógico-matemática relaciona-se com o mundo dos objetos, pois é
pela análise das situações objetos e símbolos, da ordenação, da reordenação e da avaliação de
sua quantidade que a criança desenvolve essa capacidade. A inteligência matemática se
desenvolve pelas ações motoras do pensamento. Na elaboração de propostas educativas podese considerar os seguintes aspectos:

Dimensão cognitiva e motora: desenvolver a capacidade de reconhecer
quantidade, de agrupar, classificar, seriar e estabelecer relações de causa e
efeito; coordenação dinâmica global coordenação motora específica, o
equilíbrio estático e dinâmico, a coordenação visomotora. Proposta de
atividades: “os jogos espontâneos que levam as crianças selecionar
52
objetos, como, por exemplo: num primeiro momento, permitir as crianças
explorarem diferentes materiais, tais como bolas, cordas, caixas,
bambolês, sucata, pneus, entre outros. Depois o professor sugere que as
crianças separem aqueles objetos que podem ser quicados no chão”
(Ferreira, 2000, p. 116).
Observa-se que as proposta de atividades psicomotoras apresentadas por Ferreira,
assumem quase sempre um caráter de jogo e brincadeira. Se o professor integrar as atividades
psicomotoras na abordagem dos conteúdos, se constatará que será uma aula mais eficiente do
que se realizasse uma palestra para crianças pequenas. A proposta não é eliminar a abordagem
de conteúdos das salas de aulas infantis, mas trabalhá-los numa perspectiva que explore as
potencialidades e as individualidades das crianças.
53
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscou-se compreender os pontos determinantes para a „ação‟ da
abordagem psicomotricista na educação escolar de crianças de 0 a 6 anos. Percebeu-se que a
psicomotricidade na escola busca atender às necessidades de experiências corporais na
aprendizagem nesses primeiros anos de vida que são de fundamental importância para a
composição do seu „eu‟ do ser desejante, do ser atuante, do ser consciente de si e do outro,
enfim para a formação do cidadão.
Teóricos como Wallon, Piaget, Ajuriaguerra e Vygotsky fundamentaram boa parte
das propostas discriminadas no corpo do trabalho. Entretanto, é pertinente destacar que o
conteúdo de seus pensamentos acerca da psicomotricidade e educação é muito mais extenso, e
possui algumas particularidades que aqui não foram apresentadas, ora porque não foi
oportuno para proposta deste trabalho, ora porque o espaço temporal para a elaboração de
uma monografia não permite discorrer sobre todos os aspectos teóricos destes pensamentos.
Por isso recomenda-se a qualquer um que tenha acesso a este trabalho que se incline a
observar com maior afinco as demais contribuições destes, e de outros autores que aqui não
foram citados, mas que, de igual forma, atentam para as questões que envolve a
psicomotricidade na escola.
A partir dos pressupostos teóricos abordados buscou-se defender uma concepção
de educação que compreende e nutre as exigências básicas da criança na faixa etária de 0 a 6
anos, e também que oferece a possibilidade aos pequenos de vivenciar experiências
significativas para o seu processo de aprendizagem.
Assim, principiou-se por discorrer acerca da educação psicomotora na escola
infantil, que se dispõe a assumir a responsabilidade de conduzir a criança em experiências
intensas e ativas de aprendizagem. O jogo e o brincar têm um papel fundamental para esta
proposta educativa: “a criança tem que jogar para se desenvolver, e é a escolha livre que
provoca o prazer na realização da ação” (CARNEIRO; DODGE, 2007, p. 113).
Esta linha ensino, educação psicomotora, trouxe duas novidades para o espaço da
sala de aula. A primeira delas refere-se a atuação do profissional docente.. Ela exige que o
professor se aproprie de todo o conhecimento pertinente ao desenvolvimento infantil e a
educação escolar – aspectos cognitivos, motores, físico, emocionais, afetivo, sociais,
neurológicos. O impulsiona a resignificar a sua prática pedagógica e seu papel em sala de
aula; ele é instigado a assumir uma posição mais observadora e reflexiva, a manter uma
interação de afeto e cuidado constante com a criança em formação. Para a perspectiva da
54
psicomotricidade não é concebível professores que não estabelecem boas relações com seus
alunos.
A segunda novidade diz respeito à criança que não consegue se ajustar bem as
expectativas escolares por possuir peculiaridades em seu comportamento advindas de uma
personalidade psicomotora mal elaborada, tornando-se efetivamente deficientes – embora não
possuam qualquer problema físico. Na perspectiva da educação psicomotora essa criança
passa a ser orientada num ativo trabalho de reajustamento psicomotor sem necessariamente
abandonar o ambiente da escola e a relação com as outras crianças; e evita ser incluída como
mais uma no quadro estatístico de evasão e insucesso escolar.
Oportunamente a educação psicomotora possibilita a construção de um itinerário
de propostas de ensino sem necessariamente abandonar a abordagem de conteúdos mais
formais na educação das crianças pequenas. Os conteúdos aqui ganham um dinamismo à
medida que vão sendo integrados com as atividades que desenvolve habilidades motoras e
capacidades cognitivas.
A educação psicomotora não se propõe a estabelecer uma proposta de ensinoaprendizagem que supervaloriza o corpo, pelo contrário, veio convidar os demais campos de
estudos sobre a infância e a educação a interagirem fluentemente na formação da criança.
Infelizmente a preocupação com o desenvolvimento psicomotor ainda não ganhou
a devida força nas escolas de educação infantil que continuam a privilegiar um ensino
eminentemente conteudista, e a desprezar a importância do corpo na aprendizagem. É visível
o crescimento de escolas que assumem a máxima de preparar as crianças desde a primeira
infância para obterem êxito no vestibular, ao invés, de atentar para as aquisições essenciais
para a sua saúde física e psíquica. Esquecem que o corpo é a única forma do homem ser e
existir na dimensão social.
55
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ed. São Paulo: Moderna, 2006. 384 p.
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Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya / Revisor: Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo:
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56
REVISTA NOVA ESCOLA: Grandes Pensadores. Lev Vygotsky: O teórico do ensino
como processo social. São Paulo: Abril, n. 19, jul. 2008. 92-94 p. Edição especial.
SPODECK, Bernard; SARACHO, Olivia. Ensinando crianças de três a oito anos. Tradutor:
Claúdia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: ArtMed, 1998. 432 p.
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