R. Periodontia - Março 2010 - Volume 20 - Número 01
PROCEDIMENTOS PLÁSTICOS PERIODONTAIS EM
PACIENTE COM SORRISO GENGIVAL – RELATO DE CASO
Periodontal plastic procedures in patients with gummy smile - Case Report
Caio Vieira Pires¹, Carla Gonçalves Lemos Gomes de Souza², Sílvio Augusto Fernandes Menezes³
RESUMO
O sorriso gengival é, sem dúvida, uma das principais
queixas de pacientes que procuram o consultório
odontológico já que tal situação acaba por influenciar sua
vida pessoal, social e profissional. O sucesso da terapia está
diretamente relacionado ao correto diagnóstico, a um plano de tratamento adequado e ao conhecimento técnico
do profissional. Dessa forma, este artigo é um relato de
caso clínico de tratamento de sorriso gengival que, por meio
de cirurgia plástica periodontal associado ao peeling
gengival, visou, após controle pós-operatório de 2 meses,
o sucesso do tratamento da paciente.
UNITERMOS: Estética dentária; sorriso; Periodontia. R
Periodontia 2010; 20:48-53.
1
Especializando em Periodontia pelo Centro de Pós Graduação da São Leopoldo Mandic/Campinas-SP
2
Especializanda em Prótese Dentária pelo Centro de Pós Graduação da São Leopoldo Mandic/Campinas-SP
3
Mestre e Professor da disciplina de Periodontia do Curso de Odontologia do Centro Universitário do Estado
do Pará – CESUPA
Recebimento: 08/12/09 - Correção: 27/01/10 - Aceite: 25/02/10
INTRODUÇÃO
Muito embora procedimentos na área de saúde
não sejam norteados pela estética, e sim pelo princípio de promoção de saúde, a mesma tornou-se um
objetivo a ser alcançado por muitos pacientes que
procuram o consultório odontológico. Entretanto,
para alcançarmos essas metas, a opinião do paciente deve ser respeitada, visto que os conceitos de
beleza variam de indivíduo para indivíduo, principalmente, entre dentistas e pacientes, isto é, profissionais e leigos. A classe odontológica, que busca resultados estéticos, muitas vezes se torna extremamente crítica e exigente, o que acaba destoando dos
objetivos do paciente na busca por atendimento.
Dentre as áreas da Odontologia, a Periodontia
desempenha papel fundamental na construção da
estética facial, que tem como um dos seus “atores
principais” o sorriso. Para que este se apresente agradável faz-se mister uma harmonia entre lábios, dentes e gengiva (Garber, 2000 & Saba-Chujfi et al, 2007).
A literatura odontológica mostra alguns pontos
a serem observados para podermos classificar o tipo
de sorriso do paciente. A linha que os lábios formam
quando uma pessoa sorri pode ser classificada como
baixa, onde se expõe cerca de 75% ou menos da
altura da coroa clínica dos dentes ântero-superiores;
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Foto 1 - Sorriso da paciente no dia que procurou atendimento.
Foto 2 - Aspecto intra-oral inicial.
média, na qual pode ser observado o dente no seu todo ou,
ao menos, 75% de sua coroa clínica, juntamente com as
papilas interdentais; e alta quando a altura cérvico-incisal
dos dentes é vista por completo, e a quantidade de tecido
gengival mostrada alcança valores maiores que 3 milímetros,
classificando, assim, o sorriso como sorriso gengival (Garber,
2000 & Oliveira).
O contorno gengival também é um aspecto de extrema
importância no que diz respeito a um sorriso harmonioso. O
contorno acompanha a conformação do colo dos dentes e
do tecido ósseo subjacente, preenchendo as ameias cervicais,
bem como o zênite da margem gengival, que é a porção
mais apical da margem gengival, onde, na bateria anterior,
se encontra levemente mais para a distal em relação ao eixo
axial dos dentes, em função de se posicionarem mesialmente
a linha média e inter-incisiva (Fowler, 1999).
É válido, do mesmo modo, considerar a relação comprimento/largura dental. Para um sorriso agradável, os dentes
devem obedecer a uma diminuição de tamanho em proporção geométrica, à medida que avançam para distal, o que
ficou conhecido como Proporção Áurea. Em termos, cada
dente deveria mostrar aproximadamente 60% do tamanho
do elemento imediatamente anterior a ele (Fowler, 1999).
As etiologias mais frequentes relacionadas ao sorriso
gengival são: crescimento gengival, erupção passiva alterada, hiperatividade labial, crescimento vertical em excesso,
extrusão dento-alveolar e lábio superior curto, que podem
atuar de maneira isolada ou associada. O papel do
periodontista é intervir nos casos diagnosticados de crescimento gengival e erupção passiva alterada. Caso haja presença de hiperatividade labial é necessária a atuação de uma
equipe multidisciplinar composta pelo periodontista,
dermatologista e cirurgião plástico (Saba-Chujfi et al, 2007,
Rivero & Silva 2006, Santos & Rego 2007).
O crescimento gengival, alteração que envolve apenas
tecidos moles, dá-se em direção coronal e em áreas papilares,
onde acaba por cobrir boa parte da coroa dental, resultando
em sua menor exposição. Apresentando saúde gengival e
gengiva inserida em torno de 1 a 2 mm, o procedimento
terapêutico de eleição considerado é remoção de excessos e
remodelação dos tecidos gengivais através das técnicas de
cirurgias plásticas periodontais, gengivoplastia e/ou
gengivectomia (Saba-Chujfi et al, 2007, Miskinyar, 1983 &
Gusmão et al, 2006).
Quando o profissional se depara com sorriso gengival
que tem como causa a erupção passiva alterada, a técnica
associa a confecção de colarinhos de tecido mole através de
incisões em bisel inverso com a elevação de um retalho total
seguido de osteotomia, com a finalidade de devolver as distâncias biológicas e a harmonia na proporção altura/largura
de coroa, preservando sempre o osso interproximal, para
evitar o aparecimento de black spaces, logo o presente artigo visa mostrar, através de um relato de caso, o tratamento
de sorriso gengival através de uma técnica de cirurgia plástica periodontal (Saba-Chujfi et al, 2007, Oliveira et al, 2008,
Araújo et al, 2007 & Gargiulo et al, 196).
RELATO DE CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 20 anos, deu entrada na Clínica Odontológica do Centro Universitário do Estado do Pará
- CESUPA, relatando insatisfação com a aparência do seu
sorriso que exibia uma faixa de tecido gengival excessiva,
dentes curtos, além de um ligeiro escurecimento da mucosa
marginal (Figuras 1 e 2).
Para fins de diagnóstico foi realizado um exame clínico
que consistia em uma sondagem periodontal convencional
com o intuito de localizar a junção cemento-esmalte (JCE)
(Figura 3). Em seguida a paciente foi anestesiada e foi realizada uma nova sondagem, desta vez, até o nível ósseo (Figura 4). Esse procedimento foi feito em toda a bateria anterior superior. Em todos esses dentes, a distância da JCE até
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o nível ósseo foi inferior a 2 mm (média de 1 mm). Essa medida é inferior aos 2-3 milímetros propostos por Gargiulo et
al. (1961) necessários à acomodação das estruturas que compõem as distâncias biológicas. De posse desses números,
associado ao levantamento radiográfico, foi diagnosticado,
como causa principal do sorriso gengival, a erupção passiva
alterada do tipo I-B. A técnica de escolha foi aumento de
coroa clínica através de gengivectomia e osteotomia/
osteoplastia.
A anamnese constatou que a paciente não era portadora de alterações sistêmicas e também não era tabagista.
Foram solicitados exames laboratoriais nos quais não se constataram alterações que impossibilitassem o procedimento
cirúrgico.
Em um ambiente estéril, foi realizado a assepsia externa
dos terços inferior e médio da face com solução de iodopovidine. Em seguida, a anestesia foi realizada por meio do
bloqueio dos nervos infra-orbitário bilateral. O próximo passo foi remover a ligeira pigmentação através do procedimento de dermo-abrasão gengival, também chamado de peeling
gengival com o gengivótomo de Kirkland, com raspagens
na mucosa ceratinizada, removendo a camada basal de
epitélio onde se encontram o melanócitos responsáveis por
essa pigmentação.
A fim de potencializar e diminuir o tempo cirúrgico foi
confeccionado um guia de silicone em um laboratório. Para
a confecção deste guia foi realizada cirurgia no modelo de
gesso obtido a partir de uma moldagem, com alginato, realizada na consulta pré-operatória com os dentes já aumentados em cerca de 2 mm no sentido ápico-cervical. Sobre
este modelo “operado” foi confeccionado o guia de silicone.
O guia, desinfectado, foi colocado em posição, após a
anestesia com Mepivacaína 2% com Epinefrina 1:100.000
DFL (Figura 5). Em seguida, incisões em bisel inverso foram
realizadas, contornando a margem cer vical do guia de
silicone, criando um colarinho de tecido mole (Figuras 6 e 7).
O guia foi removido, e incisões intra-sulculares foram confeccionadas a fim de liberar este colarinho que foi removido
com curetas de Goldman-Fox número 2.
Um retalho de espessura total foi confeccionado, com o
descolador de Molt, expondo tecido ósseo e, assim, pôde
ser observada a crista óssea posicionando-se cerca de 1 mm
da JCE (Figura 8). A osteotomia e a osteoplastia foram realizadas com cinzéis Ochsenbein e Microchsenbein. Durante
a osteotomia, para o restabelecimento do espaço biológico,
teve-se a preocupação com a formação das zênites das
margens gengivais de cada elemento envolvido na cirurgia
(Figura 9).
Com as distâncias biológicas restabelecidas, o retalho
Foto 3 - Localização da JCE por meio de sondagem.
Foto 4 - Sondagem até o nível ósseo.
Foto 5 - Guia cirúrgico de silicone em posição.
Foto 6 - Confecção das incisões margeando o guia cirúrgico.
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Foto 7 - Colarinho pronto após a confecção das incisões intra-sulculares.
Foto 9 - Osteotomia/osteoplastia realizada devolvendo espaço para a conformação das
distâncias biológicas.
Foto 8 - Retalho total rebatido antes da osteotomia/osteoplastia.
Foto 10 - Pós-operatório imediato. Observar procedimento de dermoabrasão gengival realizado.
foi reposicionado, finalizando com a sutura em colchoeiro
vertical (Figura 10). O controle pós-operatório foi realizado
após 7, 30 e 60 dias, quando se pôde obser var o
restabelecimento da harmonia entre dentes, lábios e gengiva com características de saúde periodontal presentes (cor
rosa pálido, ameias preenchidas integralmente pelas papilas
e aspecto de “casca de laranja”), compatível com periodonto
sadio (Figuras 11 e 12).
e ao subgrupo B, visto que a crista alveolar encontrava-se
próxima a JCE (Oliveira et al, 2008 & Robbins, 2000).
Esta condição pode ser tratada através de técnicas mucogengivais, nas quais o que determina o tipo de incisão é a
quantidade de gengiva inserida, e o que determina a necessidade de abertura de retalho para remodelação óssea é a
distância entre a JCE e a crista óssea alveolar (COA) (Robbins,
2000).
No caso relatado, a técnica adotada foi a realização de
um bisel interno, com o objetivo de remover a faixa de tecido gengival queratinizado em excesso. Como a distância
existente entre a COA e a JCE era insuficiente para a criação
de um espaço que permitisse acomodação de inserção
conjuntiva, foi realizado um retalho de espessura total seguido de osteotomia, para a remodelação óssea, finalizando com a reposição do retalho e sua síntese (Oliveira et al,
2008 & Robbins, 2000).
Além disso, o procedimento de despigmentação gengival
realizado devolveu conforto à paciente, uma vez que o aspecto enegrecido da gengiva lhe desagradava. Esta situação agrava-se, principalmente, quando a pigmentação
melânica localiza-se na face vestibular gengival, sendo visível
DISCUSSÃO
No presente caso foi diagnosticada a presença de sorriso gengival causado por erupção passiva alterada, o que fez
com que o tecido ósseo se conservasse adjacente a JCE. Em
consequência disso, o tecido gengival não conseguiu adaptar-se fisiologicamente fazendo com que a gengiva marginal
recobrisse grande parte da coroa dentária, dando a impressão de esta ser mais curta e expondo uma faixa excessiva da
mesma ao sorrir (Saba-Chujfi & Santos-Pereira 2007).
Tal alteração enquadrou-se na classificação do tipo I, já
que a margem gengival posicionava-se sobre a coroa
anatômica do dente, com uma faixa larga de gengiva inserida,
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Foto 11 - Controle pós-operatório de 2 meses.
Foto 12 - Sorriso final.
durante a fala e o sorriso (Silva et al, 2007). Entretanto, este
procedimento não é definitivo, visto que literatura
odontológica relata um período de 7 anos para completa repigmentação, o que foi explicado à paciente nas consultas
pré-operatórias, a qual concordou, mesmo assim, em realizálo.
Os tratamentos para o sorriso gengival, realizados em
Odontologia, baseiam-se em correções cirúrgicas, na maioria das vezes, invasivas, enquanto que outros meios aplicados fora da área de atuação do cirurgião-dentista também
são levados em consideração e podem mudar a rotina na
Clínica Odontológica (BOTOX® e Acupuntura). São procedimentos não tão complexos, porém vantajosos, ou seja, há
uma gama de opções de tratamento para a correção desta
característica do sorriso, sendo extremamente benéfica a
multidisciplinaridade no tratamento (Pascotto & Moreira,
2005).
É de fundamental importância que a terapia periodontal
básica seja realizada no paciente, previamente à cirurgia de
correção do sorriso gengival, para que consigamos um
melhor resultado (Fowler, 1999). Podemos obser var que
o período pós-operatório de 2 meses pode ser descrito
como um tempo satisfatório para visualização dos resultados finais.
A opinião do paciente nunca deve ser descartada e sempre deve ser levada em consideração tanto no que se refere
ao conceito que ele tem em relação ao seu sorriso quanto
às suas expectativas frente ao resultado do tratamento, muito
embora hajam preceitos a serem seguidos no momento da
transformação de um sorriso. Esses fatores, aliados à
integração com as demais disciplinas, são traduzidos em resultados satisfatórios no final do tratamento (Lopes et al, 2000
& Araújo et al, 2007)
CONCLUSÃO
O correto diagnóstico da causa e a adequada seleção
da técnica cirúrgica para a correção do sorriso gengival são
de fundamental importância para o sucesso do tratamento.
ABSTRACT
The gummy smile is currently the most frequently reason
for patients to look after the dental office, and it is because
this situation causes problems in patient’s relations, such as
personal, social and professional life. The gummy smile’s
treatment is based on the correct diagnosis, an appropriate
plan treatment and professional technical knowledge. This
article presents an option for treating the gummy smile that,
by using periodontal plastic surgery technique associated with
gingival peeling, aimed, after a two months postoperative
control, the successful treatment of the patient.
UNITERMS: Esthetics, dental; smiling; periodontics.
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