Cílúl/ N? 1 UM JORNAL FEMINISTA MAR/92 Nós somos de vários matizes. Somos brancas, negras, vermelhas e roxas (às vezes, de raiva). Somos boas e más e procuramos conjugar isto num ser que ama e faz política com a mesma intensidade. Somos mães, donas de casa, operárias, artistas... somos mulheres. Acreditamos firmemente num mundo mais harmônico, onde o "ser humano" não seja representado apenas pelo sexo masculino, onde não existam discriminações e desigualdades. Num mundo onde não exploremos a natureza como se o planeta fosse inesgotável. Somos Feministas. Por isso resolvemos fazer um jornal. Não um jornal para alguém que, possivelmente, esteja apenas assistindo nossa vida e nossa luta. Um jornal para que aquela que mora lá na fronteira saiba da gente aqui. Queremos contar de nós, do nosso jeito. É que temos andado assim meio separadas. Às vezes brigamos entre nós. Sempre tem um marido, um namorado, uma luta urgente, um filho pra cuidar, o almoço pra fazer, a roupa pra lavar... a fábrica, o escritório, a roça. O mundo inventou coisas demais para nos separar, mas nós insistimos em ficar juntas, lutar juntas, chorar e rir, juntas. O jornal é pra isto! Começamos do jeito que deu. Vamos melhorar e contamos contigo. Mande notícias do lado de lá! 129 operárias foram mortas pelo patrão, que ateou fogo a fábrica. Em 1910, no Congresso Internacional de Mulheres e Copenhague, o 8 DE MARÇO se tornou o DIA INTERNACIONAL DA MULHER. N 1l O QUOTAS: AÇÃO POSITIVA PARA SUPERAR AS DESIGUALDADES A fixação de quotas mínimas de participação das mulheres nas direções sindicais e partidárias é uma discussão extremamente atual no movimento feminista. Não há como negar que o movimento operário e as esquerdas, deliberadamente ou não, reproduzem, nas suas instâncias, a política discriminatória estabelecida pela classe dominante. Mesmo que defendam um PROGRAMA FEMINISTA, secundarizam, na prática, a participação das mulheres e, não raras vezes, menosprezam suas reivindicações específicas. As companheiras que participam do movimento sindical, por exemplo, acabam tendo que adaptar-se ao que, foi convencionado, é um "mundo masculino". Para serem acolhidas, abrem mão de preciosos valores femininos e, ao contrário do que pretendem, fragilizam-se. Terminam vítimas das mais sutis e, freqüentemente, das mais escandalosas formas de discriminação. Na verdade, a garantia de participação mínima das mulheres nas instâncias, seja dos sindicatos, da Central ou do partido, não significa, automaticamente, romper com o "perfil masculino" destes movimentos. Mas é, indubitavelmente, uma ação positiva no sentido de fazê-lo. DOSANDO OS INGREDIENTES Sobre a necessidade de consolidarmos esta AÇÃO POSITIVA, a companheira Lígia Mendonça, militante feminista de Curitiba, afir- mava, durante o I ENCONTRO REGIONAL DE BANCÁRIOS SOBRE FEMINISMO, realizado, no ano passado, em Novo Hamburgo: "Há décadas as mulheres lutam por igualdade em casa e na sociedade. Muito já conquistamos, embora em situação de desvantagem em relação aos homens: somos parte expressiva do mercado de trabalho, quebramos preconceitos, ampliamos nossos espaços. Travamos uma luta diária e incansável". No entanto — diz ela —, "no mundo inteiro, o movimento feminista coloca-se outros questionamentos: basta ser igual aos homens? O mundo masculino pode garantir, além de igualdade, felicidade? Devemos abrir mão de nossa feminilidade para competir com Experiências Sindicais ITÁLIA ' O último Congresso da CGiL aprovou quota mínima de participação de mulheres em SOft (nas direções) e 25% (nas secretarias). Além disso, nos estatutos da CGIL foi aprovada uma norma anti-discriminatóría, prevendo a presença de, pelo menos, 40% de homens ou m ulheres nas diversas instâncias (Comissões de Trabalhadores, Comissões de Negociação. delegações para Congresso, Cursos de Formação, etc). Esta proposta visa transformar a política de quotas em igualdade de participação de acordo com a representação nas bases. BRASIL • OIV CONCVTdefiniu em seu Estatuto: "aprofundar a discussão sobre as quotas de participação das mulheres nas instâncias de direção e representação da CUT. a exemplo de experiências de centrais sindicais de outros países". Em conjunto com a direção nacional da CUT, a COMISSÃO NACIONAL SOBRE A QUESTÃO DA MULHER TRABALHADORA deve estabelecer um CALENDÁRIO de discussão e debates nas instâncias da Central, com o objetivo de aprofundar este tema. Experiências Partidárias FRANÇA ' Partido Socialista francês aplica um critério de quotas que deítne percemagem mínima de mulheres nas listas eleitorais e nas instâncias de direção, desde 1973. ALEMANHA * Partido Social Democrata aprovou, em 1988, a implantação de uma política paulatina para chegar à quota mínima de pa rticipação equivalente a 40%. para mulheres e homens (q uando forem minoria), nas listas para eleições parlamen tares, cargos de direção e dele- MEXICO * O Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) também introduziu quota mínima de participação das mulheres em suas direções. BRASIL* O Partido dos Trabalhadores aprovou, no seu I Congresso Nacional (1991)', a implantação de quota mínima obrigatória de 30% de mulheres na composição das direções partidárias. eles? Parece que não. Há que se dosar estes ingredientes. Há que se resgatar elementos de equilíbrio entre o mundo masculino e o mundo feminino. Há, enfim, que se construir um mundo novo, com um novo homem e uma nova mulher". RURAIS EM BRASÍLIA No próximo dia 9, as companheiras de Movimento Rural irão a Brasília exigir do Congresso Nacional a derrubada do veto presidencial ao artigo da Constituição que garante salárkwnatemidade às trabalhadoras rurais. Está sendo marcada, também, uma audiência com o Ministro da Saúde, para tratar da 9? CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE. No DIA INTERNACIONAL DA MULHER, 8 de março, as companheiras rurais realizarão assembléias municipais para tratar das suas questões específicas e eleger as delegadas à 2? ASSEMBLÉIA ESTADUAL DO MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS, marcado para os dias 7, 8 e 9 de abril, em Passo Fundo. MULHERES DIRIGENTES DISCUTEM SUA SITUAÇÃO Ao debaterem a situação de quem, além de mulher, é sindicalista, companheiras metalúrgicas de Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Passo Fundo e Caxias experimentaram, nos dias 15 e 16 de feveiro, um exercício diferente. As conclusões sâo, no mínimo, interessantes. Constataram, por exemplo, que, nos últimos anos, com a priorização dos aspectos econômicos das Campanhas Salariais, houve um retrocesso no que se refere às reivindicações específicas das mulheres; que as fábricas e os sindicatos são ambientes eminentemente masculinos e que não há, por parte das direções, investimento no sentido de romper com este perfil, abrindo espaço à intervenção das mulheres; que, nas fábricas, além da discriminação salarial, das "cantadas" dos chefes e do trabalho insalubre, existe controle sobre o corpo e a saúde das companheiras. Simultaneamente à definição de um plano de lutas específico para o trabalho com mulheres na categoria, foi ratificada a necessidade das sindicahstas sistematizarem novas discussões, unificarem propostas e redobrarem sua capacidade de responder, em conjunto, às adversidades. O ENCONTRO DE MULHERES EM DIREÇÕES DE SINDICATOS METALÚRGICOS foi realizado em Caxias e promovido pelo DEPARTAMENTO DOS METALÚRGICOS DA CUT. LEIS MUNICIPAIS PUNEM ATOS DE DISCRIMINAÇÃO "Uma lei iníqua" (malévola, perversa, extremamente injusta, segundo o Aurélio) foi a qualificação encontrada pelos empresários de Novo Hamburgo para o projeto de lei que adota o princípio da igualdade entre homens e mulheres e prevê sanções aos estabelecimentos comerciais e industriais que pratiquem atos de violência e discriminação contra a mulher. Noutros municípios, onde projetos sobre o mesmo tema foram apresentados, também houve fortes reações por parte da burguesia. Apesar das baixarias, em Porto Alegre, Novo Hamburgo e São Leopoldo a proposta transformou-se em lei. Em Santo Cristo, as companheiras estão tentando reverter a decisão do Presidente da Câmara, que declarou rejeitado o projeto sem ter havido nenhum voto contrário. MÍSTICA FEMININA 196 mulheres, militantes de pastorais, participaram, no mês passado, do ENCONTRO DE MÍSTICA FEMININA DA PASTORAL POPULAR. Segundo Ana Isabel de Moraes Alfonsin, uma das organizadoras, "o encontro é um momento de reflexão, do ponto de vista da mulher pobre, sobre como se expressa a opressão no capitalismo e na sociedade machistas e como dar a volta por cima". "A mística — explicou ela — é a força que as mulheres têm e que vem de Deus, iluminando nossa caminhada''. Disse, ainda, que o objetivo do encontro (esta foi a quinta edição) "é animar as mulheres a encontrarem o caminho da sua libertação''. ...SE ME DEIXAM FALAR. fruto da sociedade machista, e convencê-los de que, a exemplo deles, lutamos contra a exploração; 4?) Enfrentar os patrões, que admitem, até, serem questionados por sindicalistas homens, mas jamais por uma mulher, o que, muitas vezes, é reforçado por nossos companheiros; 5?) Enfrentar o mais terrível de todos os desafios: o sindicalista-homem. O sindicalista-homem que: — luta contra a exploração, mas não mede esforços quando se trata de explorar a potencialidade das mulheres no Sindicato; — luta por um sindicato de massa (de homens) e nada faz para garantir a participação das mulheres nas direções sindicais; — luta por igualdade, mas tem uma relação desigual com as sindicalistas-mulheres e não reconhece que se temos diferenças é porque não tivemos as mesmas oportunidades ou condições iguais na sociedade; — o sindicalista-homem que diz lutar por uma nova sociedade, mas que é incapaz de construir, com sua companheira, uma nova relação em casa. Nesta trajetória, vamos aos tropeços, agüentando, resistindo, às vezes esmorecendo, mas sempre lutando para construir uma nova relação. Muitas vezes, acabamos nos brutalizando, perdendo a nossa feminilidade, a nossa cumplicidade com as demais mulheres, para conseguir sobreviver. Uma mulher vítima de violência tem inúmeras razões para denunciar o agressor e outras tantas para não fazê-lo. Por que denunciar, todas sabemos. Mas, por que não? Primeiro, porque as delegacias de mulheres (nem falamos das demais), embora sendo uma antiga reivindicação do movimento feminista, não dispõem de estrutura (material e humana) para propor alternativas às vítimas, que não seja o retomo ao lar; segundo, por causa dos filhos; terceiro, por instabilidade financeira e assim por diante. Talvez a ordem de preocupações mude de mulher para mulher, mas a verdade é que, em todos os casos, são bastante concretas e intímidadoras. Foi a partir destas constatações, levantadas pelo movimento de mulheres, que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou e a Administração Popular está executando o PROGRAMA DE AI^ BERGUES PARA MULHERES VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA. VIOLÊNCIA NUM PUNO GLOBAL "O que ocorre, normalmente—comenta Vânia Araújo Machado, assessora técnica da FESCFUNDAÇÃO EDUCAÇÃO SOCIAL E COMUNITÁRIA —, é que as delegacias, mesmo recebendo as denúncias de maus-tratos, não têm como dar assistência às vítimas. Nos albergues, queremos trabalhar com a questão da violência num plano mais global. Lá, as mulheres e seus filhos terão atendimento psicológico, jurídico, participarão de oficinas e desenvolverão trabalhos profissionalizantes. Tudo isto com o objetivo de reintegrá-las à sociedade, ajudá-las a reformular suas vidas e a resgatar sua dignidade". EMERGENCIAL E PROVISÓRIO A princípio, o PROGRAMA prevê dois tipos de atendimento: ALBERGUE EMERGENCIAL - terá vaga para 14 mulheres e filhos (no máximo, três) até 12 anos de idade,xom permanência de 10 dias. "A triagem — segundo Márcia Camargo, coordenadora do PROGRAMA - será feita pelo HPS, pelas d legadas de mulheres e outros setores organizados, :omo a Coordenadoria das Promotorias Comunitárias". ALBERGUE PROVISÓRIO ou CASAABRIGO — receberá 10 mulheres (e filhos), a título experimental, mas dispõe de 25 vagas. "Depois de três meses, que é o tempo de permanência no abrigo, vamos preencher todas as vagas disponíveis", explica Márcia Camargo. Vânia informa, ainda, que "no abrigo ficarão as mulheres que correm risco de vida ou que estejam dispostas a romper com suas relações. A administração e coordenação das tarefas serão responsabilidade das próprias albergadas, num regime de autogestão", finaliza. CONTATOS * Maria Eunice Dias Wolf Nós, mulheres sindicalistas, entre tantas outras formas de opressão, somos obrigadas a enfrentar, no mínimo, CINCO DESAFIOS para continuarmos sindicalistas: 1?) Temos que convencer nosso marido ou companheiro, de quem a gente gosta e quer ficar junto, que o sindicato e o casamento não são incompatíveis e que não precisamos fazer opção entre um e outro; 2?) Enfrentar as esposas dos nossos companheiros sindicalistas, que nos vêem como rivais. Além de convivermos mais tempo com seus maridos, eles são incapazes (ou não têm interesse em fazê-lo) de conscientizá-las sobre a importância da sua luta; 3?) Enfrentar os peões, que também são ALBERGUES RARA AS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA Mas será que é assim que a gente busca o SOCIALISMO? Uma coisa nós temos certeza: não existirá SOCIALISMO sem FEMINISMO. Por isto, lutamos pelo direito de dizer "não"; pelo direito de sair à rua sem sermos importunadas; pelo direito de educar nossos filhos sem preconceitos machistas; pelo direito de rir, de chorar e gritar, sem sermos taxadas de vulgares ou vagabundas; pelo direito de estar nas direções dos sindicatos e sermos respeitadas como seres que também pensam e sabem fazer política. *(A companheira Eunice é tesoureira do Sindicato dos Metalúrgicos dé Canoas) As companheiras interessadas em conhecer mais de perto o PROGRAMA DE ALBERGUES podem fazer contato pelos fones (051) 226.8966 e 226.8954, na FESC. MULHERES EM AÇÃO é uma publicação do LUA NOVA — Núcleo de Ação Sindical e Feminista. Jornalista Responsável — Zaira Machado/Reg. Prof. 940147v. Equipe de Edição — Helena Bonumá, Isabel Freitas, Lurdes Rossoni, Suzana Pires. Colaboraram nesta edição: Anita Lucas de Oliveira, Jaqueline Balconi, Kátia Santorium, Luciana Coronel, Luiza Finken, Rosane da Silva, Roseli Kern. Fotocomposiçào e impressão — Editora Fotoletras. Tiragem — 3.000 exemplares. UM 8 DE MARÇO EM DEFESA DA VIDA Será que a nossa vida é melhor do que era a vida das nossas avós? Por um lado, é óbvio que o movimento de mulheres garantiu liberdades e oportunidades que não existiam há 30, 40 ou 50 anos atrás. Por outro, são estarrecedores os dados sobre violência contra a mulher, sobre o número de companheiras que morrem em conseqüência de abortos clandestinos, sobre esterilização em massa, condições de trabalho, etc, etc, etc Num país onde, a cada três minutos, morrem duas crianças menores de um ano de idade; onde 21,8% dos bebês (até cinco meses) são desnutridos, onde 40*70 da população passam fome; onde 90% dos partos nas maternidades são operações cesarianas; onde metade dos seus habitantes são desdentados; onde milhares de pessoas são vítimas, todos os anos, de malária, leptospirose, esquistossomose, febre amarela, lepra, tétano, dengue, cólera, n anis mo ... num' país com estas características, a luta das mulheres assume um papel determinante na própria luta de classes, na luta contra a exploração e a miséria. No meio de tantas adversidades, parece impossível vislumbrar uma saída, mas ela existe. Afinal, foi das adversidades que emergimos para um 8 DE MARÇO EM DEFESA DA VIDA. DESOE 87, MULHERES LUTAM MRA IMPLANTAR OPAiSM Desde 1987, o MOVIMENTO ESTADUAL DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS na Região das Missões, Alio Taquari e Serra discute e reivindica a implantação do PLANO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER PAISM. Com a política de municipalização da saúde, estas lutas assumiram um caráter mais localizado e, a partir da entrada de várias companheiras nas comissões municipais de saúde, obteve-se avanços significativos, exemplo disso é Santo Cristo. Segundo Noeli Schommer, há três anos o município já conta com o serviço de prevenção ao câncer. "Infelizmente, no entanto, a implantação do PAISM, via de regra, não saiu do papel. Os prefeitos, quando pressionados pelos movimentos que tratam da questão da mulher, tentam se eximir da responsabilidade, argumentando que não há repasse de verbas por parte do Governo Federal. Neste jogo de empurra-empurra, quem perde são milhões de trabalhadoras que, não tendo acesso ao caro e elitizado sistema privado de saúde, padecem diante da omissão e da negligência", comenta. Foi com o objetivo de agilizar a implantação do Plano que, no ano passado, as companheiras do MOVIMENTO SOSAGRICULTURA entregaram ao Governador do Estado uma pauta de reivindicações específicas sobre a saúde da mulher. Recentemente, a Comissão de Mulheres do Sindicato dos Sapateiros de Ivoti realizou um seminário, a fim de obter uma radiografia da categoria e articular lutas a nível municipal. pecialmente nas questões ligadas à reprodução", explica. ' Através de uma pesquisa observamos que as mulheres rurais não fazem exames de prevenção e que as razões vão desde a falta de informação até o funcionamento precário dos postos de saúde e o fato de, nos hospitais, elas serem tratadas como se não tivessem aparelho reprodutivo". A partir destas constatações — continua Marlene —, "fomos às prefeituras, mas vimos que dificilmente havia destinação orçamentária para este fim. Entregamos, então, uma pauta de reivindicações ao Governador, que nos encaminhou à Secretaria da Saúde e, daí, à Divisão da Mulher". Os primeiros resultados destas tratativas começam a surgir. "Neste mês de março, vamos fazer o primeiro treinamento de agentes de saúde da mulher. O MOVIMENTO entra com o material humano, assessorado pela Secretaria. São mais ou menos 30 companheiras que, depois, farão um trabalho de orientação nas comunidades", diz. A preocupação do MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS não se restringe, entretanto, à "informação". Segundo Marlene, "estamos fazendo um levantamento de quantos postos de saúde existem no Estado, quantos funcionam e quantos não funcionam. A Secretaria, por sua vez, assumiu o compromisso de tomar providências. Assim, aquelas comunidades onde não existem postos ou estão desativados serão atendidas por unidades móveis". Embora dando "um voto de confiança ao Secretário", Marlene faz questão de frisar que "as mulheres rurais continuam mobilizadas, já que esta é a única forma de pressionar o Governo a assumir suas responsabilidades". I0LANDA: "NÃO HÁ VONTADE POLÍTICA" Segundo IOLANDA MENTA GIASSON, de Lajeado, assessora do MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS e militante do MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS URBANAS, "a implantação do PAISM é uma necessidade e corresponde às aspirações das mulheres na área de saúde". Infelizmente, diz ela, "apesar de ser um direito constitucional, nada acontece. Como qualquer outra política pública, o PAISM não sai do papel". Enquanto o Governo Collor sucateia o sistema de saúde e de seguridade pública, "nos postos de atendimento, as mulheres têm que disputar fichas de consulta, que não passam de três ou quatro na maioria dos municípios", denuncia lolanda. "A situação é grave demais". A implantação do PAISM é, na sua opinião, "um ponto fundamental do movimento de mulheres, hoje, e só será conquistada com muita luta e muita garra". Embora sendo um programa oficial, "ele nasceu da mobilização das mulheres em todo o país e se ainda não foi posto em prática é porque não há, por parte das autoridades, vontade política de executá-lo", finaliza. iRLENEiWDASCiOSEÉ TEMAS POLÊMICOS, WEMlMIWTir MAS TUDO A VER COM A SAÚDE DA MULHER MARLENE PASQUALI, da Região do Alto Uruguai, integra a COORDENAÇÃO ESTADUAL DO MOVIMENTO DE MULHERES TRABALHADORAS RURAIS e participa, desde o Governo Samey, da luta. pela implantação do PAISM e pela municipalização da sáude. "O Plano prevê repasses de verbas federais aos municípios para o atendimento básico à saúde da mulher, es- Embora o PAISM dê ênfase à gravidez, à prevenção do câncer e ao planejamento familiar, questões essenciais no que se refere à saúde da mulher, há outros aspectos que não podem ser ignorados. Temas como o "aborto" e a "Aids" ainda são considera- dos "tabus" pela sociedade e tratados com hipocrisia pelas autoridades sanitárias. TRÊS HOMENS PARA CADA MULHER CONTAMINADA , Uma pesquisa divulgada recentemente pela Escola Nacional de Saúde Pública mostra que a proporção de mulheres contaminadas pela Aids diminuiu de 10 homens por mulher, em 84, para cinco homens por uma, em 89, e há indícios de que, hoje, existam apenas três homens para cada mulher doente. Segundo a pesquisa, 45% das mulheres contraíram o vírus através de transfusões de sangue e 30% em relações sexuais, sendo que a maior parte das doentes é jovem. As donas de casa representam 34% do total, asempregadas domésticas 14,4% e as prostitutas apenas 6,7%. 10% DE ABORTOS DO MUNDO No que se refere ao aborto, os dados (oficiais) também são dramáticos. Estimativas da Organização Mundial da Saúde — OMS — dão conta de que, anualmente, quatro milhões de abortos são praticados no Brasil, o equivalente a 10% do total no mundo. A partir da análise do quadro clínico de pacientes femininas em período de fertilidade (14 a 40 anos), constatou-se que, destas, 400 mil mulheres morrem ou ficam com seqüelas irreversíveis, como tumores ou perda da fertilidade. "REAVALIAÇÃO DAS PRIORIDADES" "A criminalização do aborto, levando enormes contingentes femininos à prática clandestina, contribui com parcela importante na mortalidade materna", declarou o diretor do Conselho Federal de Medicina, Antônio Henrique Pedrosa Neto, à revista Súmula, publicação da Fundação Osvaldo Cruz. "Da mesma forma, a prática abusiva e às vezes criminosa de cesarianas tem contribuído enormemente para o aumento deste índice", afirmou. "A mortalidade materna em nosso país — acrescentou Pedrosa — deve submeter-se a uma urgente reavaliação das prioridades na- cionais, com medidas eficazes para a resolução dos grandes problemas sociais e econômicos do nosso povo". Os estudos feitos até agora evidenciam e reforçam a estreita relação existente entre o nível social e econômico da população e seu coeficiente de mortalidade. Há, por exemplo, uma clara predominância de mortalidade materna nas regiões Norte (14,7% dos óbitos de mulheres) e Nordeste (7,1%), contra 3,6% registrados nas regiões Sul e Sudeste. 44% DE MULHERES ESTERILIZADAS Dados da Coordenação de Saúde Materno-Infantil do Ministério da Saúde revelam que 44% das mulheres em idade fértil estão esterilizadas, no Brasil, através de ligaduras de trompas. De acordo com Neusa Heinzelmann, coordenadora adjunta do PAISM, em Porto Alegre, estas informações já foram confirmadas pelo instituto de pesquisas IBASE. No Rio Grande do Sul, 22,6% das mulheres encontram-se na mesma situação. Neusa comentou, ainda, que está para ser regulamentada, em Porto Alegre, uma lei de Planejamento Familiar, que dá acesso unK versai a todos os métodos anticoncepcionais, bem como às informações necessárias para que cada mulher faça a melhor opção. O atendimento será efetuado nos 10 postos de atendimento do município. Os dados são alarmantes e urge que o movimento feminista priorize esta questão. CRECHE: UM PROBLEMA DE MULHER O Governo, historicamente, tem fugido da responsabilidade de garantir assistência às crianças e aos idosos. Encara a maternidade, não como uma função social, mas como uma opção individual. Na nossa sociedade, a tarefa de cuidar dos filhos é da mãe, tanto que, nas raras empresas que concedem o auxílio-creche, este direito é negado aos homens. Muito mais freqüente é a discriminação à mulher no mercado de trabalho, seja pela opção de ter filhos, seja pela simples possibilidade de tê-los. Demissão de mulheres logo após o parto ou mesmo quando se casam são comuns, assim como a obrigatoriedade de exames que comprovem a não-gravidez ou a exigência absurda de atestado de esterilidade. Em casa, as mulheres vivem a extensão destes problemas, já que, geralmente, são elas que assumem o cuidado dos filhos e as tarefas domésticas. UM CONCEITO ESTABELECIDO Mas se é importante a consciência da discriminação/exploração, é evidente, também, que trata-se de uma lógica estabelecida e incentivada pela classe dominante. Cabe a homens e mulheres, pais e mães, trabalhadores e trabalhadoras, romper com tais conceitos. Igualmente, cabe ao Estado e às empresas a obrigação de oferecer condições para o desenvolvimento integral das crianças, no mínimo, durante o espaço de tempo em que seus pais estão trabalhando. LEI PRECISA SER REGULAMENTADA Definição sobre "a creche que queremos", realização de seminário sobre educação e encaminhamento de um abaixo-assinado pela regulamentação do art. 7? da Constituição, são propostas aprovadas pela COMISSÃO ESTADUAL SOBRE A QUESTÃO DA MULHER TRABALHADORA DA CUT, em debate realizado no último mês de janeiro. Além de defender a assistência gratuita aos filhos dos trabalhadores, as mulheres discutem o funcionamento das creches e préescolas, desde como são tratadas as crianças até os aspectos pedagógicos e psicológicos deste atendimento. O abaixo-assinado, por sua vez, tem a finalidade de pressionar o Congresso Nacional e o Ministério da Educação a regulamentar o inciso XXV, art. 7?, capítulo II, da Constituição, que trata dos Direitos Sociais. A exemplo de tantos outros artigos de interesse dos trabalhadores, o texto constitucional é genérico no que se refere às creches e não explicita sua aplicabilidade (quem são os responsáveis, quais as punições àqueles que descumprem a lei, etc). PRIORIDADES DO PAISM O que prevê o PLANO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE DA MÚLHER/PAISM: — Sexualidade e saúde dos adolescentes; — Acompanhamento pré-natal e à gravidez; — Assistência ao parto; — Programa de aleitamento, materno; — Prevenção do câncer de colo de útero e mama; — Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; — Planejamento familiar; — Métodos de controle de natalidade; — Assistência à menopausa. Recomendados/Livro Eles por eles "O namorado ciumento suporta melhor a doença da mulher amada do que a liberdade dela". Mareei Proust (Eseritor francês -1871-1922) Elas por eles "Os homens sempre querem ser o primeiro amor de uma mulher; as mulheres gostariam de ser o último caso de um homem". Oscar Wilde (Escritor irlandês -1854-1900) Elas por elas ' 'Quem sabe o que as mulheres poderão chegar a ser quando, finalmente, forem livres delas mesmas?" Betty Friedan (Escritora americana -1921-) AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA Um título atual para um tema atual: o amor na velhice, numa época difícil. Neste livro, que é tido por alguns como a autobiografia de GGM, o autor se detém no cotidiano, na rotina do casamento e conclui que sempre é tempo de amar. Não abandona, entretanto, o fantástico, as situações absurdas (pelo menos a primeira vista), a realidade exagerada, que é marca da sua literatura. Em "O Amor...", GGM narra os detalhes, as pequenas minúcias da vida em comum,4 os hábitos repetidos dia após dia, as desavenças e os desaforos quase inocentes de quem ama, os passos incertos da velhice. "Coisa bem diferente teria sido a vida para ambos — diz ele, nas primeiras páginas do livro — se tivessem sabido a tempo que é mais fácil contornar as grandes catástrofes matrimoniais do que as misérias minúsculas de cada dia. Mas se alguma coisa tinham aprendido juntos era que a sabedoria nos chega quando já não serve para nada". Um livro fascinante, com um fi- nal surpreendente, bem ao estilo de Gabriel Garcia Marques. BENDITA MULHER ENTRE OS FRUTOS mas para enfrentar os soldados que, acreditavam, o rei Luiz XVI estava mandando de Versalhes. O administrador não sabia o que fazer. A multidão arrombou os portões e se apoderou de 40 mil fuzis e 12 canhões. A pólvora estava na formidável fortaleza da Bastilha, transformada em depósito e prisão. Para lá correram todos, em busca de munição. Pois antes de anoitecer a fortaleza caiu e, com ela, veio abaixo todo o Antigo Regime, representado na figura do rei e em sua corte de aristocratas inúteis. A multidão que cercou a Bastilha era muito maior do que os 8.000 reunidos na madrugada, na Praça dos Inválidos. Mas, conforme cuidadoso recenseamento feito depois pela Assembléia Nacional, "os vencedores da Bastilha" foram não mais do que 800, registrados e cadastrados, com nome, endereço e profissão. Assim, pode-se saber, com segurança, que entre eles estavam alguns raros burgueses (três industriais, quatro comerciantes e um cervejeiro), muitos pequenos produtores independentes, artesãos, oficiais de corporação, militares em profusão. Um terço, pelo menos, era de assalariados da manufatura e da construção. O mais jovem tinha oito anos e UMA ÚNICA MULHER, LAVADEIRA, IMPEDIRIA, AO SER RECENSEADA, QUE A QUEDA DA BASTILHA ENTRASSE PARA A HISTÓRIA COMO UMA AVENTURA VIVIDA APENAS PELOS HOMENS. Na madrugada do dia 14 de julho de 1789, oito mil parisienses irados estavam reunidos na Esplanada dos Inválidos. Eles queriam ar- (Hobsbawm, J. Eric — "A Era das Revoluções", Editora Paz e Terra, 1986). {O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA, de Gabriel Garcia Marquez, Editora Record, 429 págs.) Conhecendo». A nossa História SUBVERSÃO NO PARAÍSO Criada do sangue-menstruação e da saliva-desejo, Lilith (a esquecida primeira mulher de Adão) é o arquétipo do erotismo e dos desejos mais primitivos. Ao contrário de Eva, que foi expulsa do Éden, Lilith se revoltou e foi embora. Enquanto a primeira optou apenas por desobedecer a ordem de não provar o fruto da árvore proibida, a segunda questionou a superioridade de Adão e exigiu igualdade. Eva cedeu à tentação, é certo, mas por seu servilismo a Adão, dificilmente escaparia ao escárnio de Lilith. Na versão hebraica, Lilith foi criada com pó negro e escrementos, constituindo-se num ser essencialmente instintivo e realizador da natureza animal, portanto, contrário ao divino, ao sagrado. 4 Lilith era inconformada com a desigualdade. Quando fazia amor com Adão, indagava: "Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo? Eu também fui feita do pó e, por isto, soü tua igual". Percebendo que Adão não atenderia a seus apelos, praguejou contra Deus, fez acusações ao marido e se foi. É o momento em que o sol se despede e a noite começa a descer seu manto de escuridão sobre a terra. Adão sente a dor do abandono, procura por Lilith, mas não a encontra. Irredutível e inconformada, ela desafiou o homem, profanou o nome do Pai e foi viver com as criaturas das trevas, deixando para trás a monotonia do paraíso. A partir daí, Lilith assume plenamente sua natu- reza de demônio feminino, cuja sexualidade diabólica se volta contra todos os homens, mas que é símbolo, também, de rebeldia e insubmissão. O mito evoluiu sob várias formas, atendendo as necessidades de cada época e não se pode afirmar que as bruxas/demônios tenham sido banidas deste mundo. A Lua Negra- Lilith ressurge no espírito dos movimentos reivindicatórios da mulher, fruto do despertar da sua consciência, criando novas bases para a associação homem-mulher, onde a supremacia masculina cede espaço para o equilíbrio consciente. (Texto subsidiado em artigo de Romeo Graziano Filho, "LILITH: A Face Oculta de Eva"). OPINIÃO: Helena Bonumá Temos marcado cada vez mais nossa presença na cena social, temos nos organizado e lutado contra as diversas faces que assume nossa opressão. Construímos uma identidade de mulheres e de movimento. Afirmamos nossos interesses comuns e definimos nossos direitos ao corpo, à sexualidade livre, ao trabalho, à saúde, à não-violência, enfim, à igualdade. Passamos por todo um processo de autoconhecimento como gênero subordinado, como marginalizadas das esferas públicas e de poder, como excluídas em nossos interesses específicos na história da sociedade. Neste processo, enriquecemos a concepção de política, superando a visão que só percebe a contradição de classe e omite a de gênero, sem compreender a ligação estreita que há entre o público e o privado, o trabalho assalariado e o doméstico, o coletivo e o individual, o cotidiano e a história. Questionamos a visão tradicional de ação política, queremos a transformação de todas as formas desiguais de relação de poder onde quer que se expressem, família, trabalho, sindicato, partido, etc... Resgatamos o cotidiano como espaço da vida e da política. Construímos novas formas e novos espaços de ação coletiva, de luta e mobilização. Aos poucos nos constituímos enquanto sujeito-político. Tivemos diversas conquistas. Mas temos que admitir que não há mudanças estruturais significativas do papel da mulher na sociedade, na família e no trabalho doméstico. As mudanças são na forma de comportamento e nos direitos formais de cidadania. São importantes mas não alteram significativamente nossa condição de subordinação. Ainda enfrentamos um cotidiano de desigualdades e opressão, ainda temos muito que superar. Certamente, isto passa por nossa afirmação como mulheres e por, partindo da diversidade que nos caracteriza, gestarmos a unidade necessária a um movimento amplo e massivo, que potencialize a ação que já temos desenvolvido. Helena é militante Feminista. Secretária Estadual de Formação do Partido dos Trabalhadores.