Comunidades:
teoria da diversidade (I)
Curso Especialização em Gestão de Recursos Hídricos
Pinto-Coelho, R.M.
Departamento de Biologia Geral
Instituto de Ciências Biológicas – ICB
UFMG
http://www.icb.ufmg.br/~rmpc
Introdução
O estudo da biodiversidade é um capítulo básico na Ecologia de comunidades.
Refere-se ao estudo das relações quantitativas entre riqueza e abundância de
espécies dentro das comunidades. Wallace (1878) foi um dos primeiros a
reconhecer a importância da diversidade na caracterização das comunidades. Ele
verificou que, nos trópicos, a diversidade das comunidades é muito alta.
MacArthur & Wilson verificaram que ilhas longínquas e ou pequenas têm menos
espécies do que ilhas próximas e extensas. Como podemos explicar estas
tendências?
Como estão distribuídas as abundâncias de diferentes espécies em uma
comunidade? As informações básicas usadas são as seguintes:
-S: número total de espécies.
-N: número total de indivíduos.
-N1, N2, N3,..., Ni: números de indivíduos da cada espécie
Na ilustração ao lado (extraída de
Magurran, 1996, pág. 8), quando
comparados as áreas A e B, A área B
seria mais diversa porque possui três
espécies de mariposas enquanto A tem
apenas uma. Numa segunda situação,
não existe qualquer diferença entre o
número total de espécies entre as áreas
C e D. O sítio C possui quatro espécies
sendo que cada uma delas aparece com
três indivíduos. A área D também
possui quatro espécies sendo que uma
delas é particularmente abundante,
tendo nove indivíduos e as demais com
apenas uma ocorrência. Dessa forma,
embora as áreas C e D tenham a mesma
riqueza em espécies de mariposas, a
maior equitatividade observada em C
faz dessa área uma área mais diversa.
Embora o exemplo seja simples, ele
ilustra o tipo de quantificação que será
feita nos modelos a serem discutidos no
capítulo.
Diversidade é mais do que riqueza de espécies...
Riqueza e abundância relativa de espécies em uma comunidade
A medida mais simples é o número de espécies encontradas numa comunidade.
Devem ser excluídas as espécies acidentais, exóticas e eventuais imigrantes
ocasionais. Embora seja a maneira mais usual de se iniciar estudo da estrutura
de uma comunidade, tal critério tem a limitação básica de não levar em
consideração os padrões de abundância das espécies.
Tabela:
Abundâncias e
riqueza em
espécies em duas
comunidades
hipotéticas. As
uas comunidades
tem a mesma
riqueza mas as
abundâncais são
muito diferentes
entre si.
A comunidade II é intuitivamente mais diversa. O conceito central dessa
diferença é a noção de abundância relativa, pi, que é uma razão entre a
abundância de cada espécie (ni) e o número total da amostra (N). Lembrar,
no entanto, que tanto pi quanto N variam enormemente tanto com o
esforço amostral quanto com a metodologia de coletas. No exemplo acima
para a comunidade I temos na = 0,99 e nb= 0,01 enquanto na comunidade
II tais números são 0,50 e 0,50, respectivamente.
Diversidade tem escala !
- Diversidades local e regional
Suponha que os habitats encontrados nas regiões A e B possam suportar no máximo 10 espécies
(tabela abaixo). Na região A as 10 espécies são generalistas e podem habitar todos os cinco
habitats disponíveis. Na região B, as espécies são especialistas e só podem habitar num único
habitat. Por conseguinte, toda a região poderá conter 50 espécies já que em cada habitat uma
comunidade específica será encontrada.
O exemplo ilustra os dois tipos de diversidade: a diversidade alfa ou local e a diversidade beta
ou regional. As regiões A e B têm a mesma diversidade alfa, mas a região B tem uma diversidade
beta maior. A diversidade alfa depende da capacidade do habitat em suportar um certo número de
espécies o que é função do grau de competição entre as populações das diferentes espécies. A
diversidade regional depende do grau de substituição de umas espécies pelas outras em diferentes
habitats.
Tabela 1: Dados hipotéticos de
riqueza em espécies em duas
regiões com diferentes
comunidades. A regiões A e B
apresentam cada uma delas cinco
habitats, habitados por espécies
com diferentes níveis de
especialização (largura de nichos).
Os modelos de distribuições das abundâncias das espécies
Os diferentes modelos de curvas de espécie-abundância são consequências
das inúmeras tentativas de isolar padrões nesses de abundância das espécies
em uma comunidade. O objetivo central destes modelos é achar uma
distribuição de probabilidades com um pequeno número de parâmetros (1-3)
que variam de uma comunidade para outra e que possam satisfatoriamente
explicar e prever os padrões de diversidade existentes na natureza.
Quando um ecologista considera o número de espécies numa pequena área
com uniformidade de habitat, o grau de especialização em relação aos
recursos dentro deste habitat é importante. Quando ele considera o número de
espécies numa região maior, o grau de especialização em respeito ao habitat
deve ser adicionalmente considerado (ver tabela acima).
Distribuições estatísticas
Uma característica encontrada em várias comunidades é a existência de
poucas espécies com elevadas abundâncias e muitas espécies com diminutas
abundâncias. Neste sentido, alguns modelos estatísticos foram propostos para
estudar a comunidade a partir das relações abundância de indivíduos por
espécies. Os modelos dados a seguir são os mais citados.
1) Série Logarítimica (Fisher, Cobert & Williams, 1943):
A série logarítmica de Fisher é um modelo que tem sido aplicado com sucesso
em comunidades relativamente simples, governadas por um único recurso.
Ela é definida pelo gráfico e pela equação a seguir:
A figura acima ilustra três comunidades com alfas variando entre 1.5 e 8.5. Observe
que o número final de espécies é dependente do valor de alfa. O parâmetro X não é
afetado pelo esforço amostral. O parâmetro alfa também não é afetado pelo esforço
amostral e é propriedade intrínseca da comunidade sendo proporcional a S. Na
realidade, o parâmetro alfa pode ser tratado como um índice de diversidade.
Se S e N são conhecidos, pode-se então solucionar um sistema de equações para
alfa e X. O parâmetro deste modelo é o alfa que pode ser obtido pela solução das
equações abaixo para alfa e X:
onde:
S: número de espécies por amostra
N: número de indivíduos por amostra
alfa: índice de diversidade
X: incógnita.
O número de espécies com r indivíduos é dado pela fórmula
onde:
nr: número de espécies com r indivíduos
O modelo de Fisher não funcionou para todas as comunidades por ele testadas. Com
esta distribuição, é possível estimar S*, ou seja, o número real de espécies da
comunidade.
2) Distribuição log-normal (Preston, 1948):
Preston sugeriu expressar o eixo das abscissas (onde estão as abundâncias específicas)
numa escala geométrica. Quando esta conversão é feita, a abundância relativa leva a
forma de "sino", típica da distribuição normal. Pelo fato do eixo dos x ser expresso
em escala logarítmica (por convenção na base 2, mas outras bases numéricas podem
igualmente serem usadas), a distribuição passa a ser chamada log-normal. Esta
distribuição pode ser definida pela fórmula:
onde:
yR: número de espécies que ocorrem na r-ésima oitava
yo: número de espécies da classe modal (pico do sino)
a: constante de dispersão a = sqrt (2.s²)
oitava : R = log2 N/No
e = 2.71828
As oitavas nada mais são do que a expressão geométrica das abundâncias dos indivíduos (dados
logaritimizados):
R = 0 log2 (N/N)
R = 1 log2 (2N/N)
R = 2 log2 (4N/N)
R = 3 log2 (8N/N)
R = 4 log2 (16N/N)
A oitava Rn refere-se à oitava da classe modal, isto é aquela classe onde ocorre o maior número de
espécies. O modelo log-normal de Preston explica um grande número de comunidades. O esforço amostral
normalmente "força" a curva para a direita, mas não altera a sua forma. Desde que nós não podemos
capturar toda a comunidade, haverá sempre uma parte da curva (espécies raras) que não é representada pela
curva. Em consequência, a curva resultante é uma curva truncada assim como a log-série. Preston (1962)
demonstrou que as curvas log-normal para a maioria das comunidades biológicas, têm uma configuração
especial que ele chamou de distribuição canônica, ou seja, os parâmetros a e yo são interrelacionados
(curva canônica). Isto significa que em se sabendo o número de espécies da comunidade pode se especificar
todos os outros parâmetros da curva. De posse do parâmetro a, a diversidade pode ser prevista apenas
sabendo o número total de espécies se a comunidade se enquadrar no modelo log-normal canônico.
A figura 2 ilustra o
modelo log-normal
de Preston para três
comunidades
hipotéticas. A altura
do pico do sino
depende
fundamentalmente
de So, ou seja o
número de espécies
da classe modal
(Pinto-Coelho,
2000).
A curva log-normal permite estimar o total de espécies, incluindo as espécies ainda não
coletadas.
onde:
Rn: oitava onde ocorre o número total de indivíduos é máximo
Rmax: oitava onde a espécies mais abundante se situa.
Para a maioria dos casos vale a relação a seguir:
Há muitas evidências de campo indicando que o modelo log-normal se aplica
em várias situações:
a)
b)
c)
d)
mariposas na Inglaterra.
algas fitoplantônicas no mar Mediterrâneo.
serpentes do Panamá.
pássaros de New York (USA).
O modelo log-normal tem algumas limitações. A primeira delas reside no
fato de que não há justificativas biológicas para a lei da curva log-normal.
Outro ponto importante liga-se ao fato de que a distribuição log-normal
(canônica) assume o estado de equilíbrio estável (stready state).
3) O modelo broken-stick de MacArthur
Este modelo está baseado em interações competitivas entre as espécies de uma
comunidade. Os padrões até então conhecidos dependem em grande parte do tipo
de organismo coletado. O modelo de MacArthur baseia-se na organização
biológica da comunidade. A abundância de cada espécie é determinada pela
partição randômica dos recursos distribuídos ao longo de um contínuo de
diferentes tipos de recursos. Os recursos são considerados como se estivessem
distribuídos ao longo de um bastão (stick em inglês).
O esquema a seguir ilustra uma partição aleatória de um recurso (uma dimensão
ilustrada pelo segmento ou bastão horizontal) onde foram realizadas cinco
partições aleatórias, gerando segmentos ocupados por seis diferentes espécies.
Cada segmento corresponderia ao nicho explorado por cada espécie ao longo do
recurso (bastão) considerado.
Figura – Partição randômica do pool de espécies de acordo com a disponibilidade de
recursos usados pelas espécies de uma comunidade, segundo o modelo do broken stick.
Observar que o modelo exige necessariamente que a comunidade esteja saturada em
espécies, ou seja, que todos os nichos estejam ocupados (Pinto-Coelho, 2000).
O comprimento dos seguimentos é proporcional à abundância relativa das
espécies. Se os segmentos são arranjados proporcionalmente numa escala
logarítmica decrescente, então a distribuição dos segmentos será
aproximadamente linear.
O modelo broken stick pode ser descrito pela seguinte fórmula:
onde:
Na/N : número de indivíduos da espécie a
S: número total de espécies
a: a-ésima espécie
Figura – Distribuição das
abundâncias relativas das
espécies de três comunidades
hipotéticas segundo o modelo
broken-stick (Pinto-Coelho,
2000). A figura ilustra o
modelo de MacArthur para
três comunidades hipotéticas.
Observe que o número de
espécies de cada comunidade
é um parâmetro deste modelo
e não uma consequência
deste como nos modelos da
série logarítmica e lognormal. Observar que a
medida que cresce o número
de organismos a curva se
torna proporcionalmente
mais inclinada
Características biológicas do modelo broken stick:
-Os recursos estão distribuídos continuamente ao longo de uma única dimensão.
- Todos os recursos disponíveis são utilizados e não há sobreposição de recursos (em inglês resource overlap).
-O número de espécies é uma premissa do modelo e não uma consequência dele (como na distribuição lognormal).
- A comunidade deve estar em equilíbrio (steady state ) e deve ser saturada em espécies, ou seja, não deve
haver nichos ecológicos vagos.
- As abundâncias relativas são determinadas por partição ao acaso dos recursos entre as espécies.
-A competição interespecífica exclui o "niche overlap".
-O modelo de MacArthur foi testado com sucesso em comunidades caracterizadas por indivíduos de grande
tamanho, possuindo ciclo de vida longo (pássaros, gastrópodes, predadores, ofiuróides). Espécies de ciclo de
vida curto e de pequeno tamanho (artrópodes do solo, nematóides, fitoplâncton) não se enquandram nesta
distribuição.
MacArthur sugeriu que apenas as espécies que se encontram em equilíbrio estável poderiam se encaixar neste
modelo e as espécies oportunistas tais como muitas espécies de insetos e outros pequenos organismos não se
encontram em equilíbrio estável. Hoje sabemos que tais suposições são muitas vezes errôneas e que mesmo
em comunidades caracterizadas por pequenos organismos pode haver equilíbrio estável (ver, por exemplo, a
teoria da competição de Tilman mais adiante no curso).
Figura - Curvas hipotéticas dos principais modelos vistos acima. As curvas do
esquema à direita foram obtidas com dados de campo. Esquema modificado de
Magurran (1996), pag. 14. Os dados ilustrados nessa figura vêm de um estudo
clássico publicado por Whittaker (1970).
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teoria da diversidade - Ecologia e Gestão Ambiental