UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
AMBIGUIDADE LEXICAL
A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS
FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA
JOÃO PESSOA
ABRIL DE 2013
FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA
AMBIGUIDADE LEXICAL
A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS
Trabalho apresentado ao Curso de
Licenciatura em Letras da Universidade
Federal da Paraíba como requisito para
obtenção do grau de Licenciado em Letras,
habilitação em Língua Portuguesa.
Prof. Dr. Magdiel Medeiros Aragão Neto, orientador
JOÃO PESSOA
ABRIL DE 2013
2
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Paiva, Fernanda do Nascimento.
Ambiguidade lexical: a variação de sentido em propagandas. /
Fernanda do Nascimento Paiva. - João Pessoa, 2013.
60f.:il
Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da
Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientadora: Prof.º Dr.º Magdiel Medeiros Aragão Neto
1. Semântica. 2. Ambiguidade. 3. Homonímia. 4. Polissemia. 5.
Propaganda. I. Título.
BSE-CCHLA
CDU 81’3
3
FERNANDA DO NASCIMENTO PAIVA
AMBIGUIDADE LEXICAL
A VARIAÇÃO DE SENTIDO EM PROPAGANDAS
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da
Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em
Língua Portuguesa.
Data de aprovação: ____/____/____
Banca examinadora
Prof. Dr. Magdiel Medeiros Aragão Neto, DLCV, UFPB
orientador
Profª. Drª. Maria Leonor Maia Santos, DLCV, UFPB
examinadora
Profª. Drª. Morgana Fabiola Cambrussi, DLCV, UFFS
examinadora
Profª. Drª. Mônica Mano Trindade, DLCV, UFPB
suplente
4
Agradecimentos
Agradeço a Deus por ter enviado ao mundo o seu Filho unigênito, para que hoje eu
estivesse concluindo mais uma etapa de minha vida. Suas palavras de amor e consolo me
deram a certeza de que eu nunca estaria só, posto que Ele, no Evangelho de São Mateus,
capítulo 28, versículo 20, diz: “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação
dos séculos”;
Ao meu irmão, Leandro do Nascimento Paiva, pelo seu amor dedicado a mim, sobretudo,
durante a elaboração desse trabalho de conclusão de curso;
À todos os meus amigos que contribuíram, em seu modo particular de ser, para a realização
desse trabalho, em especial, Victor Hugo Paiva Simões, pela amizade dedicada ao longo de
anos, Luan Borges da Luz, pelo entusiasmo e confiança, Roberta Karla Alves do
Nascimento, pelo companheirismo fraterno, revelado através da palavra e ação amiga,
tanto nos dias de desânimo quanto nos dias de alegria, e Ana Caroline Gonçalves, pela
fortaleza do sorriso e abraço nos momentos mais difíceis;
Ao meu amigo Elioenai Macena de Araújo, pela agradável convivência ao longo de mais
de uma década, em especial, por ter proporcionado vários momentos divertidos durante a
graduação, tornando a gargalhada a nossa maior companheira;
Ao Profº. Drº. Magdiel Medeiros de Aragão Neto, pela atenção, paciência e confiança
prestadas durante o período de orientação monográfica, bem como pelos risos carregados
de sentido ao longo desse trabalho.
5
Dedico
Aos meus pais, Fernando Cavalcanti Paiva e Aldenôra do
Nascimento Paiva, por terem me ensinado a amar e a sorrir para as
adversidades da vida. Obrigada pelo carinho e pelo sacrifício diário
por amor a mim.
6
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade
7
RESUMO
O presente trabalho versa sobre as relações que as palavras estabelecem umas com as
outras, mais especificamente, dedica-se ao estudo da ambiguidade, ocasionada pela
associação de uma palavra ou grupo de palavras a mais de um significado; e ao estudo da
vagueza. Tal fenômeno da literatura semântica, a ambiguidade, é gerado por fenômenos da
língua, como a polissemia e a homonímia. Propomo-nos, contudo, analisar a
indeterminação semântica que ocorre quando mais de um sentido incide somente sobre o
item lexical. O principal objetivo é desfazer o (pré)conceito de que a comunicação
linguística não deve se apresentar ambígua seja qual for a situação, posto que a
ambiguidade provoca falta de clareza daquilo que se desejou textualizar. Na tentativa de
argumentar contra essa falsa concepção, apresentamos o discurso persuasivo que
caracteriza a propaganda comercial, cuja finalidade é levar o leitor à ação pela palavra.
Para tanto, no primeiro capítulo, intitulado A diversidade do significado, tratamos da
diversidade do significado de itens lexicais gerados pelos fenômenos da ambiguidade:
homonímia e polissemia. Além disso, traçamos uma linha divisória entre a ambiguidade e a
vagueza. No segundo capítulo, Análise dos anúncios publicitários, preocupamo-nos em
analisar a linguagem e a finalidade da propaganda. Para isso, analisamos seis anúncios
publicitários ambíguos. Eles foram igualmente divididos a partir de três critérios dispostos
em sequência: os que desfazem a ambiguidade por meio de expressões linguísticas; os que
desfazem a mensagem ambígua através de imagens fotográficas; e os que não a desfaz,
deixando que o leitor selecione o sentido, sem prejudicar, contudo, a mensagem.
Palavras-chave: Homonímia. Polissemia. Ambiguidade. Vagueza. Propaganda.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ p. 10
1. A DIVERSIDADE DO SIGNIFICADO ................................................................. p. 13
1.1 O papel do contexto na determinação de sentidos .............................................. p. 14
1.2 Homonímia e Polissemia: pluralidade de significado ......................................... p. 18
1.3 Ambiguidade x Vagueza ......................................................................................... p. 25
1.4 A propaganda e sua produção de sentidos na mídia ........................................... p. 33
2. ANÁLISE DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS .................................................. p. 37
2.1 Análise do texto 1 .................................................................................................... p. 38
2.2 Análise do texto 2 .................................................................................................... p. 41
2.3 Análise do texto 3 .................................................................................................... p. 44
2.4 Análise do texto 4 .................................................................................................... p. 46
2.5 Análise do texto 5 .................................................................................................... p. 50
2.6 Análise do texto 6 .................................................................................................... p. 52
2.7 Breve discussão sobre as análises .......................................................................... p. 54
CONCLUSÃO .............................................................................................................. p. 57
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... p. 60
9
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo principal de desmistificar o (pré)conceito de que
a ambiguidade e a vagueza devem ser banidas da comunicação linguística, haja vista o seu
caráter indeterminado para o sentido. Ademais, tem a finalidade de analisar os efeitos
gerados pela ocorrência da ambiguidade e vagueza em textos propagandísticos, utilizando
como corpus seis anúncios publicitários, circulados em revistas e outdoors. O tipo de
ambiguidade que procuramos examinar nesses textos é a lexical, cuja variação de sentido
incide somente sobre o item lexical, isto é, casos em que o que torna a sentença ambígua é
a palavra. É sob esse recorte da Semântica Lexical que estudaremos os efeitos de sentido
gerados pelos itens lexicais polissêmicos, homônimos e vagos de uma frase em divulgação
publicitária. Além disso, tentaremos estabelecer a diferença problemática entre
ambiguidade e outro tipo de indeterminação semântica, a vagueza.
A maioria das palavras de uma língua apresenta algum tipo de variação de sentido.
A monossemia não tem preponderância na língua, já que fazemos uso constante de
palavras semanticamente mais complexas, seja pelo motivo destas apresentar mais de um
sentido, seja por terem suas formas ortográfica e/ou foneticamente idênticas a outra(s), ou
ainda porque sua indeterminação semântica as classifica como vagas (ARAGÃO NETO,
2012).
Estudar o significado das palavras implica, necessariamente, analisar as relações
que elas estabelecem com outras, dentro da própria estruturação do sistema lexical, posto
que “as palavras são definidas umas em relação às outras” (PIETROFORTE; LOPES,
2003, p. 125). No fenômeno da ambiguidade lexical, essas relações se dão por homonímia
e polissemia.
A homonímia, segundo Cançado (2005), ocorre quando os sentidos da palavra
ambígua não são relacionados, como no item lexical „manga‟, que pode designar uma
fruta, uma parte do vestuário, terceira pessoa do presente do indicativo do verbo „mangar‟
etc. Neste exemplo, as formas são idênticas, mas suas origens são distintas, apresentando
sentidos não relacionados entre si. Em contrapartida, temos a polissemia que, ainda
segundo Cançado (2005), ocorre quando os possíveis sentidos da palavra ambígua têm
alguma relação entre si, como no item lexical „pé‟, que pode designar pé de cadeira, pé de
10
mesa, pé de fruta, pé de página etc. Neste exemplo polissêmico, observa-se que se usou a
mesma palavra com sentidos também diferentes, mas relacionados entre si, pois, o sentido
de pé, como sendo a base, é recuperado em todos os outros sentidos atribuídos ao item
lexical „pé‟.
Esses dois fenômenos, a homonímia e a polissemia, são casos de indeterminação
semântica, pois ambos ocorrem quando um item lexical apresenta mais de um sentido.
Porém, há outro fenômeno que também apresenta indeterminação semântica, a vagueza,
pois há a falta de precisão da propriedade denotada por itens lexicais. Às vezes, esses três
casos se confundem entre si, não sendo fácil distinguir um tipo de outro. De uma forma
geral, podemos definir a vagueza como um fenômeno que “ocorre quando o uso de uma
palavra gera casos duvidosos de aplicação a certos seres ou situações” (MOURA, 2001, p.
113). Exemplificando, temos a palavra „bom‟, que denota uma propriedade que não se
pode medir precisamente, pois não existe um conjunto de propriedades X que caracterizem
algo ou alguém como bom.
É dentro desse escopo da variação do significado, que usaremos os seis anúncios
publicitários, visando verificar e analisar os efeitos que o uso de palavras ambíguas
provoca na propaganda. Isto porque, numa visão tradicional sobre a ambiguidade, esta se
apresenta, segundo Ferreira (2000, p. 75), como “um problema a resolver”.
Esta é, portanto, um tipo de pesquisa básica, que objetiva entender e explicar a
ocorrência do fenômeno da ambiguidade na propaganda, em especial, a que tem fins
comerciais, pois são estas que visam criar uma receptividade junto ao público. Ela abrange,
segundo Vestergaard (1994), uma publicidade de prestígio ou institucional, atrelada ao
objetivo primário de instituir um nome ou imagem no mercado, a partir do anúncio de
produtos e serviços. Por conseguinte, a presente pesquisa tem valia porque apresenta uma
linguagem, a publicitária, que, segundo Sandmann (2001), ao contrário do pensamento
tradicional, também alcança a sua função persuasiva quanto mais for ambígua, o que
veremos nas propagandas analisadas.
O método que utilizamos para a realização dessa pesquisa é de fonte bibliográfica,
uma vez que baseamos nossos estudos apenas no aparato de leituras realizadas sobre a
ambiguidade, a linguagem que singulariza as construções de anúncios publicitários, bem
como na seleção e exame de algumas propagandas que veiculam produtos e serviços à
11
venda. Por conseguinte, assumimos um paradigma fenomenológico, com a tarefa de
apreciar os significados que a linguagem ambígua assume enquanto recurso atrativo eficaz
no processo de levar alguém a um comportamento consumista.
Metodologicamente, este trabalho está dividido em dois capítulos, um destinado à
exposição das abordagens utilizadas para a sua fomentação, e o outro à apresentação e
análise do corpus.
No primeiro capítulo, trataremos sobre os princípios que levam uma palavra a
admitir diversidade de significado, que vai desde a arbitrariedade do signo linguístico até
as redes de associações das palavras que se ligam com outros termos, seja através da
relação de sentidos que mantém entre si, dos aspectos de relação formal, ou ambos
concomitantes, ou seja, forma e sentido associados. À vista disso, é que discutiremos a
ocorrência dos casos de polissemia e homonímia, enquanto fenômenos geradores de
ambiguidade lexical. Ademais, tentaremos traçar uma linha divisória entre a ambiguidade,
gerada pelo léxico, e outro tipo de indeterminação semântica de uma palavra, a vagueza,
gerada pelo contexto linguístico.
No segundo capítulo, analisaremos o gênero propaganda, de modo a abordar sua
linguagem e seu propósito comunicativo enquanto texto que prima pela persuasão do leitor.
Como base, analisaremos seis propagandas a fim de destacar os recursos linguísticos
utilizados na construção de seus anúncios, bem como os efeitos gerados pela sua
criatividade expressiva.
Dessa maneira, adotamos como fundamentação teórica essencial no estudo da
ambiguidade lexical e da propaganda, as contribuições de Kempon (1977), em Teoria da
Semântica; Lyons (1981), em Língua (gem) e Linguística: uma introdução; Moura (2001),
em Determinação de sentidos lexicais no contexto; Aragão Neto (2012), em Variação de
significado; Sandmann (2001), em A linguagem da propaganda; e Vestergaard (1994), em
A linguagem da propaganda.
12
1. A DIVERSIDADE DO SIGNIFICADO
Todo falante em várias situações de interação já experimentou a difícil missão de
ter que atribuir significado a uma palavra, e não são poucas as vezes que tentamos fixá-lo e
ele simplesmente nos escapa. Quem nunca passou pela situação de querer dizer algo, e as
palavras culminarem por dizer outra coisa? A ambiguidade, em especial a gerada por itens
lexicais, já vem sendo debatida há mais de dois mil anos por inúmeros filósofos da
linguagem.
No estudo sobre o significado lexical, isto é, o significado das palavras, Lyons
(1981, p. 109) “enuncia que toda língua dispõe de um vocabulário, ou léxico”, que serve de
complemento à gramática, uma vez que o vocabulário não apenas enumera os lexemas de
uma língua como estabelece uma associação do lexema com as informações
imprescindíveis aos preceitos gramaticais. Essas informações são do tipo sintático e
morfológico, como podemos observar num verbo qualquer, se este é transitivo ou
intransitivo, e podemos conhecer ainda a indicação do seu radical, para que a partir dele
sejam selecionadas e construídas as suas formas. Ullmann (1961), ao falar sobre a rede de
associações das palavras que se ligam com outros termos, afirma que algumas delas estão
baseadas ora nas ligações entre os sentidos, ora apenas em seus aspectos formais, ora de
modo simultâneo pela forma e pelo significado.
Todavia, costumamos pensar que lexemas são apenas palavras, mas não é bem
assim, há também os lexemas sintagmáticos, cuja forma é um sintagma, que no sentido
tradicional do inglês chamamos „phrase‟. Os termos encadeados estabelecem entre si
relações baseadas no caráter linear da língua, tornando impossível o pronunciamento de
mais de uma palavra simultaneamente, por isso a cadeia da fala é alinhada com um termo
após o outro (SAUSSURE, 2012). É essa a combinação que pode ser chamada de
sintagma, constituída impreterivelmente de duas ou mais unidades que se sucedem.
Passou-se, portanto, a considerar as combinações de itens lexicais em sintagmas e
sentenças, com o intuito de definir as relações entre vocábulos e outros fenômenos da
Semântica Lexical.
A combinação que nos interessa aqui é a linguística ou interna, pois é nela que há a
relação entre dois ou mais lexemas, sendo estabelecida pela identidade de certos semas ou
13
pelo menos correspondentes semanticamente1.
De acordo com Pietroforte e Lopes (2003, p. 111), “as palavras são definidas umas
em relação às outras”. Esse é o motivo pelo qual as palavras estabelecem diversos tipos de
relações entre si, dentro da própria estruturação do sistema lexical. É por isso que as teorias
semânticas, embasadas em diferentes conceitos acerca do significado, deparam-se com
fenômenos da língua que indeterminam o sentido de algumas palavras (TRINDADE,
2006), gerando casos de ambiguidade ou vagueza.
Assim sendo, na sessão subsequente, discutiremos a importância do contexto para o
estabelecimento do significado, pois, segundo Cançado (2005, p. 57), “geralmente é mais
fácil definir uma palavra se esta é dada no contexto de uma sentença”, entendendo aqui
contexto como o “conjunto de informações compartilhadas relevantes num dado momento
da conversação”, conforme define Moura (2000, p. 89).
1.1. O papel do contexto na determinação de sentidos
Em inúmeras situações interativas do dia a dia nos perguntamos „o que significa a
palavra tal?‟, ou ainda „será que fulano entendeu o sentido do que eu quis dizer?‟ Muitos
linguistas, para sublinhar a importância do contexto nos diversos usos que fazemos das
palavras e sua operação combinatória, argumentaram que “se as palavras não tivessem
significado para lá dos contextos seria impossível compilar um dicionário” (ULLMANN,
1964, p. 103).
Já foram realizados vários testes para verificar a influência do contexto no
significado das palavras, e essas pesquisas afirmaram que, embora elas possuam um núcleo
relativamente estável, se colocadas dentro de certas situações, podem sofrer modificações
pelo contexto. A responsabilidade do contexto seria a de “suprimir algumas potencialidades
de significado das palavras, tornando-as menos imprecisas ao definir os possíveis
elementos que se acrescentam ao sentido básico do lexema” (MARQUES, 2001, p. 62).
1
Além da combinação linguística, há a “combinação extralinguística ou externa: outras relações que dizem
respeito tanto ao significado como ao uso de palavras em frases, textos, em determinadas situações”
(REHFELDT, 1980, p. 72).
14
De acordo com Cançado (2005, p. 57), “é mais fácil definir uma palavra se esta é
dada pelo contexto de uma sentença”, uma vez que os efeitos contextuais podem orientar o
significado das palavras para distintos caminhos. Se, por acaso, um faltante da língua
portuguesa indaga outro sobre o sentido do verbo „quebrar‟, haverá uma grande
possibilidade de ele responder que é o ato de algo se reduzir em pedaços. Todavia, se ao
invés de perguntar o significado de uma palavra de modo isolado, o falante coloca esse
mesmo verbo em sentenças, o resultado não será tão básico assim. Vejamos os exemplos
dados por Cançado (2005, p. 58):
1. A) Paulo quebrou o vaso com um martelo.
B) Paulo quebrou o vaso com o empurrão que levou.
C) Paulo quebrou sua promessa.
D) Paulo quebrou a cabeça no acidente.
E) Paulo quebrou a cabeça com aquele problema.
F) Paulo quebrou a cara.
G) Paulo quebrou a empresa.
Nesses exemplos citados, podemos observar que em (1A) e (1B) há uma
proximidade de sentidos, podendo ser entendidos como partir ou estilhaçar, a diferença
estaria nas funções semânticas dos sujeitos, pois no primeiro exemplo (a) o agente da ação
é Paulo; e em (B) Paulo é apenas a causa. Já em (C), o sentido nos remete à percepção de
que o sentido pode equivaler a descumprir. No próximo exemplo (D), há novamente uma
mudança de sentido no verbo quebrar, adquirindo agora o sentido de machucar. Em (F), o
sentido é de decepcionar. E, por fim, em (G), o verbo quebrar assume o sentido de falir.
Já que a multiplicidade de significados do lexema „quebrar‟ é resultado da
multiplicidade de sentido que se pode atribuir a ele, as variadas interpretações que aqui
foram elencadas a partir dos sintagmas analisados decorrem da multiplicidade de leituras
que são possíveis de atribuir ao lexema „quebrar‟.
Segundo Marques (2001, p. 112), a ambiguidade pode ser definida nos seguintes
termos: “uma forma linguística A é semanticamente ambígua, se o conjunto de leituras ou
interpretações que se atribui a A é igual ou superior a dois. Nesse caso, o grau de
15
ambiguidade de A é o número de leituras que A apresenta”. Esse é um fenômeno inerente
às línguas naturais. Melhor dizendo, ainda não se tem notícia de que exista uma língua
natural que não apresente ambiguidades. Isto é plausível de afirmar tendo em vista que em
todas as línguas circulam inúmeros textos, sejam eles orais ou escritos, que engendram
múltiplas interpretações e que variam em leituras pouco, muito ou completamente
discrepantes das almejadas.
De acordo com os exemplos elaborados em torno do verbo „quebrar‟, a sua
ocorrência nas sentenças (1A), 1(D), 1(E), 1(F) e 1(G), o apresenta como termo ambíguo,
pois em cada uma das ocorrências há um sentido diferente, à exceção 1(A) e 1(B) que
compartilham do mesmo sentido de partir ou estilhaçar. Vale destacar que se o verbo
„quebrar‟ gerasse casos duvidosos de aplicação a certos seres ou situações, ele seria vago.
Sendo assim, os adjetivos são casos duvidosos de aplicação, pois não há, segundo Trindade
(2006, p. 19), um limite preciso de sua aplicabilidade. Isto pode ser evidenciado quando
classificamos alguém como sendo alto, baixo, inteligente ou bom, pois estas são palavras
relativas dependentes de um contexto, ou seja, uma pessoa que tem 1m80 de altura é alta se
comparada às pessoas de mesma idade, mas, se comparada a um jogador de basquete, ela é
baixa.
De acordo com Chierchia (2003 apud TRINDADE, 2006), adjetivos do tipo já
citado aqui (alto, baixo, inteligente ou bom) são sempre usados com referência implícita ou
explícita a uma classe de comparação, como pudemos ver no exemplo sobre uma pessoa
com 1m80 de altura. Essa é, portanto, uma das categorias que Chierchia (2003 apud
TRINDADE) aponta na divisão que traça entre os adjetivos. A outra categoria, cuja
classificação é vaga, tem função de predicado, como no termo „moreno‟, que denota o
conjunto MORENO. Neste exemplo dado por Trindade (2006), não há um critério X que
classifique um indivíduo como moreno, se a cor de seus cabelos se encontra numa faixa
intermediária, conforme aponta Chierchia (2003 apud TRINDADE, 2006, p. 20).
Esses casos de variação de sentido, como o do verbo „quebrar‟ e dos adjetivos, são
questionados pelos semanticistas em termos de ambiguidade e vagueza. Retomaremos essa
discussão na sessão 1.3, quando discutiremos as proporções do problema de distingui-las.
Prosseguindo sobre a ambiguidade, observada nas ocorrências de „quebrar, as
teorias linguísticas contemporâneas, segundo Ferreira (2000), consideram a ambiguidade
16
uma propriedade intrínseca e fundamental das línguas naturais. Numa visão gerativa, essa
noção consiste num problema que precisa ser resolvido, e existe para ser desfeito. De
acordo com essa ótica, a regra que prevalece é a da disjunção, ou isto ou aquilo, alertando
que a língua não permite que se digam duas coisas ao mesmo tempo. Portanto, a
desambiguação teria um efeito coercitivo.
Gréssillon (apud, FERREIRA, 2000, p. 57) aponta dois mitos que circulam nas
reflexões sobre a língua: o mito da univocidade absoluta, que defende a transparência da
linguagem; e o mito da plurivocidade absoluta, que resguarda um sentido definido à
palavra.
A gramática escolar, “responsável por guardar a língua”, investe na grande missão
de assegurar a compreensão. Para garantir o bom funcionamento de suas prescrições, a
gramática normativa tenta fechar qualquer espaço que possibilite incertezas ou equívocos,
pois, segundo Haroche:
[...] a gramática é uma instituição social, destinada a refletir e assegurar a
coesão de uma formação social, e, ainda, a permitir a reprodução através
do aparelho escolar da estrutura existente na sociedade, ou seja, as relações
de produção. (1975, p. 229, apud, FERREIRA, 2000, p. 66).
Na citação acima, o ideal de clareza das ideias reflete a visão que se faz de uma
sociedade, ou seja, a convivência harmoniosa entre um conjunto de interlocutores ideais é
sustentada pela língua, agindo como fator crucial para a estabilidade e conservação das
relações sociais.
Do ponto de vista puramente linguístico, há três formas principais de ambiguidade:
a fonética, que resulta da estrutura fonética do sintagma; a sintática, causada por fatores
sintáticos; e a lexical, que se deve a fatores lexicais (ULLMANN, 1964). Neste trabalho,
discutiremos apenas a ambiguidade no tocante ao léxico, uma vez que o intento é estudar a
possíveis interpretações que incide somente sobre o item lexical2. Sendo assim,
examinaremos na próxima sessão os fenômenos ambíguos da polissemia e da homonímia
na relação que as palavras mantém entre si.
2
Neste trabalho, tomo item lexical, palavras e expressões como sinônimos.
17
1.2. Homonímia e Polissemia: pluralizando o significado
Michel Bréal (1992) foi um dos pioneiros no estudo sobre o fenômeno da
polissemia. Ele utilizou esse termo para se referir à multiplicidade de significados que uma
palavra pode comportar ao ser empregada nas mais diversas situações. Lyons (1981, p.
111) vai mais longe e acrescenta a informação de que a principal consideração para que
uma palavra seja polissêmica é “haver relação entre significados”3, como no lexema „pé‟,
que pode se referir ao pé de cadeira, pé de mesa, pé de fruta, pé de animal, dando a idéia de
uma base inferior que sustenta o peso.
Dentro da literatura semântica há vários tipos de ambiguidade: a lexical, a sintática,
a semântica, de escopo. Todavia, fixaremo-nos na ambiguidade lexical, que pode ser
gerada por dois fenômenos, a polissemia, que ocorre quando os possíveis sentidos da
palavra ambígua têm alguma relação entre si; e a homonímia, que ocorre quando os
sentidos da palavra ambígua não são relacionados.
Segundo Moura (2001), há dois tipos de polissemia: a literal e a metafórica. Para
exemplificar, temos a palavra „abafar‟, que tanto pode significar „tirar o ar, oxigênio‟
(sentido literal) quanto ocultar, encobrir, esconder (sentido metafórico), como podemos
observar na sentença „A menina abafou o boato‟, ou seja, escondeu o boato. Contudo, uma
mesma palavra também pode admitir esses dois tipos de polissemia (literal e metafórico): a
palavra „artista‟, no sentido literal, pode significar tanto ator de televisão, quanto cantor, ou
ainda artista plástico, entre muitos outros; e no sentido metafórico, pode estar qualificando
uma pessoa como ardilosa, esperta. Vejamos o seguinte exemplo: „Roberta é uma artista‟,
isto é, pode-se estar afirmando que ela é uma artista porque atua, canta, pinta, ou porque é
ardilosa, astuta.
A polissemia difere da homonímia, outro fenômeno que gera ambiguidade lexical.
A homonímia se define pela identidade formal entre pelo menos dois signos distintos que
não têm seus sentidos relacionados entre si. Exemplificando, temos a palavra „banco‟, que
pode se referir à instituição financeira ou a um lugar de assento, e não há nenhuma relação
3
A visão de que apenas na polissemia os possíveis sentidos atribuídos a uma palavra são relacionados entre si,
vem de uma posição tradicionalmente assumida pela literatura semântica, mais especificamente pela lexicologia.
É esse o caráter distintivo entre a polissemia e a homonímia, haja vista que ambas lidam com variados sentidos
para uma mesma palavra fonológica.
18
entre esses possíveis sentidos. Recorrendo às palavras de Pustejovsky & Boguraev (1996,
p. 02 apud MOURA, 2001, p. 112), homonímia é “a situação na qual um item lexical é
associado com ao menos dois sentidos diferentes e sem relação entre si”.
Lyons (1981) aponta que há dois tipos de homonímia: a absoluta e a parcial. A
homonímia absoluta ou perfeita é aquela em que duas ou mais palavras são,
simultaneamente, homófonas homógrafas. Vejamos o seguinte exemplo: o item lexical
„verão‟ tem as formas fonológica e ortográfica idênticas, apresentando sentidos diferentes e
não relacionados, isto é, „verão‟ pode ser entendido como a conjugação do verbo „ver‟ em
3ª pessoa do plural do futuro do indicativo, ou substantivo que denomina uma estação do
ano. Em contrapartida, temos a homonímia parcial, que dá a possibilidade de existir
homófonos não homógrafos, e vice versa, como podemos perceber nos itens „censo/senso‟,
em que há coincidência apenas na forma fonológica, assumindo os sentidos de conjunto de
dados estatísticos e juízo, respectivamente; e „colher‟, em que há coincidência apenas na
forma ortográfica, e se apresenta tanto como talher formado de um cabo e uma parte
côncava quanto como um verbo no infinitivo.
Não obstante, a distinção entre polissemia e homonímia é difícil de ser aplicada
com coerência e segurança, haja vista que “enquanto a identidade entre as formas é uma
questão de sim ou não, a relação entre os significados é um problema de mais ou menos”
(LYONS, 1981, p. 111). Chegou-se a postular, dentro de alguns tratamentos modernos da
semântica, um caso de polissemia em todas as situações, mas isso não satisfaria a uma
questão teórica.
Weinreich (apud ARAGÃO NETO, 2012), contudo, define a homonímia ou
ambiguidade contrastiva, como aquela que ocorre quando um item lexical representa dois
sentidos diferentes e não têm relações entre si; e define a polissemia ou ambiguidade
complementar como aquela que ocorre quando um item lexical admite sentidos que são
manifestações do significado básico de uma palavra. Para ele, a polissemia pode se
apresentar de dois tipos: quando o item lexical permanece dentro da mesma categoria
lexical, ou quando há mudança de categoria.
Aragão Neto (2012) salienta que muitos pesquisadores complementam o critério
semântico com o morfossintático através das classes morfossintáticas/morfológicas. Por
meio desse critério, uma classe é um “local” onde são reunidos os itens do mesmo tipo, as
19
línguas subordinam-se bem à formação de classe de palavras, e as palavras se encontram
necessariamente em uma classe ou outra, porém, não em duas simultaneamente. Portanto,
um item lexical polissêmico pertence somente a uma classe, pois, não pode estar em duas
ou mais ao mesmo tempo. Vale destacar que algumas abordagens concebem a classificação
gramatical/morfológica como critério definidor para a distinção entre homonímia e
polissemia. Isto pode ser verificado, segundo Aragão Neto (2012), no tratamento que a
gramática tradicional dá, por exemplo, à palavra „cozido‟, classificada-a como um caso de
homonímia que apresenta duas palavras não relacionadas entre si e pertencentes a classes
diferentes: cozido¹ (verbo no particípio) e cozido² (substantivo).
Em contrapartida, ocorre diferente no caso da homonímia, uma vez que, por se
tratar de mais de uma palavra que tem a mesma forma e sentidos não relacionados entre si,
ela pode não estar apenas na mesma classe, ou em classes diferentes. Recorrendo a Aragão
Neto (2012) para exemplificar, temos a palavra „manga‟, que compreende várias palavras
diferentes, visto que seus sentidos não apresentam nenhuma relação entre si: manga¹ (parte
de vestimenta), manga² (fruto da mangueira), manga³ (cercado feito em curral ou à beira de
rios para direcionar o gado) e manga 4(terceira pessoa do singular do presente do indicativo
do verbo „mangar‟). Desse modo, essas quatro palavras homônimas podem ser
classificadas em apenas duas classes: numa, a dos substantivos, manga¹, manga² e manga³;
e na outra, a dos verbos, manga 4 .
Todavia, não me parece que a ideia de considerar as classes de palavras como
critério de diferença entre polissemia e homonímia seja um bom método para promover
essa distinção. Esse critério é falho pelo motivo de que nem sempre as classes são
delimitadas pelas línguas. Isto pode ser facilmente comprovado se tomarmos como
exemplo a palavra „velho‟, que ora pode aparecer como adjetivo, ora como substantivo.
Diante do fato de que há significados relacionados entre si, mas que transitam por classes
diferentes, nos valeremos da noção de polissemia transcategorial, de James Pustejovsky
(1995 apud ARAGÃO NETO, 2003), que engloba palavras que se apresentam em classes
distintas e têm seus significados relacionados; e da noção de função desempenhada pelas
palavras, dispostas, por exemplo, em Camara Junior (1970 apud ARAGÃO NETO, 2003).
A distinção entre polissemia e homonímia advém, segundo Aragão Neto (2003) de
20
uma técnica elementar da semântica lexical4, chamada Sense Enumeration Léxicon (SEL).
Ela surgiu na tentativa de servir para a diferenciação entre esses dois tipos de ambiguidade,
a complementar e a contrastiva. O benefício que a SEL traz é o de apresentar cada item
lexical com uma entrada lexical diferente, como vimos no caso de „banco‟.
As contribuições da SEL para a promoção dessa diferença não são eficientes no
trato com itens lexicais, cujos sentidos se realizam nas diversas formas sintáticas e no uso
criativo das palavras, isto é, nos sentidos que são gerados no contexto. Daí decorre a
dificuldade delas expressarem a natureza do conhecimento acerca do léxico e da
polissemia.
Existem, segundo Aragão Neto (2003), quatro problemas que surgem do uso
criativo das palavras, de acordo com os postulados da Sense Enumeration Léxicon. O
primeiro é ocasionado a partir da iniciativa da SEL em atribuir ao uso um número
“ilimitado” de significados em novos contextos, elencando os sentidos para que possam ser
consultados sempre que for preciso determinar o significado de um item lexical. Todavia,
essa lista não seria conveniente, pois sempre que um novo sentido fosse encontrado para
esse item, ela deveria ser atualizada. Um segundo problema reside no fato de que não é
tarefa simples atribuir o significado correto de uma palavra dentro de certo contexto. Um
terceiro problema diz respeito aos conhecimentos que se tem do léxico, isto é, ele não é
capaz de expressar de forma adequada a relação entre os diferentes sentidos que a
polissemia lógica assume. No quarto e último problema, se visto por uma questão
econômica, constata-se que não é viável fazer uma categorização dos sentidos, ou seja,
separar as diferentes ocorrências de um item lexical polissemicamente regular,
considerando-as como sentidos distintos. Ademais, também não é econômico enumerar
estruturas alternativas que teriam significações pseudo-distintas.
A tradição linguística de que os significados das palavras são obtidos por meio de
técnicas de enumeração do significado é superada com a Teoria do Léxico Gerativo (LG),
desenvolvida por James Pustejovsky (1995 apud ARAGÃO NETO, 2003). Essa teoria é
um modelo de processamento de língua natural, que tem a finalidade de explicar
semanticamente os itens lexicais, estejam eles em condição isolada ou contextual. Ela é
coerente com o objetivo da Semântica Lexical, que é classificar, antecipadamente, em
4
“A semântica lexical (SL), também dita semântica de palavras, estuda a denotacão das palavras de uma língua,
ou seja, o que e como elas denotam” (ARAGÃO NETO, 2012).
21
classes, os itens lexicais de uma língua, em suas expressões sintática e semântica. Por
conseguinte, pode-se compreender que o LG é viável e bem mais econômico do que as
técnicas de listagem do significado.
No que diz respeito à expressividade de itens lexicais, Pustejovsky (1995 apud
ARAGÃO NETO, 2003) classifica as línguas naturais como sendo fracamente
polimórficas, ou seja, seus itens lexicais são semanticamente ativos e as realizações
semânticas que operam mudanças de tipo do item lexical são operadas a partir de coerções.
Desse modo, é possível que haja uma organização sistemática acerca das informações
lexicais dentro do LG, haja vista que seu objetivo é empregar uma descrição de língua que
seja expressiva e flexível a ponto de compreender a natureza gerativa da criatividade de
itens lexicais e extensão de sentidos. Diante do exposto, torna-se claro que o léxico
gerativo se encarrega de analisar os itens lexicais na sua relação a certo estado, embora se
diferenciem em termos de categorias ou classes de acordo com a sua funcionalidade. Como
estamos observando, são muitas as tentativas que postulam o surgimento de um novo
sentido dado a uma palavra, bem como são muitos os critérios de diferenciação entre os
tipos de indeterminação semântica.
As palavras polissêmicas, se vistas sob a ótica da abordagem diacrônica, que se
vale da história do signo, o critério etimológico, defendido pelos lexicógrafos, seria o mais
adequado para promover o seu distanciamento para com a homonímia. Porém, segundo
Lyons (1981), a dimensão histórica torna a questão ainda mais complicada, pois, de acordo
também com Aragão (2012), seus significados podem ter divergido a tal ponto de não mais
apresentar nenhuma relação de transparência entre si, como podemos observar nos diversos
sentidos da palavra „fazer‟: “construir”, “arrumar”, comportar-se”, “percorrer”, “fingir”,
“proferir”, “celebrar” etc. Já as palavras homônimas, sob a perspectiva diacrônica, se vale
de formas idênticas que apresentam vocábulos de origens diferentes, como a palavra
„manga‟, já citada.
Contudo, a abordagem diacrônica perdeu sua força a partir de Saussure, com o
surgimento das idéias estruturalistas acerca do signo. E mais do que isso, perdeu sua
centralidade como critério único para a distinção entre polissemia e homonímia, uma vez
que as relações semânticas e etimológicas que algum dia existiu podem não existir mais. E
mesmo que unamos a abordagem diacrônica e sincrônica, ainda é arriscado estabelecer
nitidamente a distinção entre polissemia e homonímia, pois, as línguas não são estáticas.
22
Sendo assim, Moura (2001) sugere dois critérios que servem de linhas divisórias
entre os casos de indeterminação semântica (polissemia, homonímia e vagueza), são eles: a
obrigatoriedade de determinação no contexto, para separar a homonímia e a polissemia; e
a lexicalização, para separar a polissemia e a vagueza.
De acordo com Moura (2001), a distinção entre polissemia e homonímia pode ser
realizada com mais efeito através do critério de obrigatoriedade de determinação no
contexto. Esse critério defende que, na homonímia, um dos sentidos possíveis associado ao
item lexical é selecionado dentro de um contexto, e na polissemia, mais de um sentido é
gerado no contexto. Melhor explicando, não há compatibilidade entre um sentido de base
indeterminado e os diferentes sentidos do termo homônimo, logo, quanto mais distantes
entre si, mais os sentidos de uma palavra são incompatíveis entre si. Isto pode ser
observado na aplicação dos testes de identidade e zeugma, sugeridos por Moura (2001).
No teste de identidade, o uso da expressão „fazer isso também‟, no caso de sentidos
incompatíveis, torna obrigatória a identidade de sentidos que ela liga. Exemplificando,
temos na sentença „João encontrou um corretor, e Paulo fez isso também‟, dada por Moura
(2001), uma identidade do provável sentido de „corretor‟ nas suas duas ocorrências, ou
seja, ou João e Paulo encontraram um corretor/agente de imóveis, ou ambos encontraram
um corretor de texto, por exemplo. O que não é admissível é, num mesmo contexto, João
encontrar um corretor de imóveis e Paulo um corretor de texto. Assim sendo, é percebível
que apenas um sentido é escolhido no contexto, em oposição ao outro, logo, a homonímia
do substantivo „corretor‟ interdita uma leitura cruzada. De modo diferente das palavras
homônimas acontece com as palavras polissêmicas e as palavras vagas. Observemos os
exemplos dados por Moura (2001, p. 114): “„João gostou do livro, e o Paulo também‟ e
„Maria é uma boa aluna, e Pedro também‟”.
No primeiro, „João gostou do livro, e Paulo também‟, temos o substantivo „livro‟,
que é polissêmico em no mínimo dois sentidos: pode ser um objeto físico (composto de
folhas, capas etc) e/ou o conteúdo que esse objeto físico carrega. Neste exemplo, o item
lexical „livro‟ não requer a existência de uma identidade de sentidos, sendo perfeitamente
aceitável que haja uma leitura cruzada, pois, João pode ter gostado do conteúdo do livro e
Paulo ter gostado das artes gráficas do mesmo. No segundo exemplo apresentado, „Maria é
uma boa aluna, e Pedro também‟, temos a palavra vaga „boa‟, que pode ter mais de uma
interpretação diferente nas suas duas ocorrências, por exemplo: Maria pode ser uma boa
23
aluna porque é inteligente, e Pedro pode ser um bom aluno porque é comportado. Logo, o
item lexical „livro‟ também permite uma leitura cruzada.
O outro teste associado ao critério de obrigatoriedade de determinação no contexto
é o da zeugma, em que apenas um sentido é acessado, impedindo a ligação de sentidos
diferentes pela elipse do verbo (zeugma) no caso das palavras homônimas. Vejamos um
exemplo: „João montou um cavalo, e Maria a peça de Shakespeare‟. Em virtude do
contexto, apenas um sentido é ativado, pois é o contexto que exige a determinação de
apenas um sentido, em oposição ao outro. Logo, de acordo com Moura (2001, p. 115),
“não é possível coordenar por zeugma os sentidos de montar 5 um cavalo (cavalgar) e
montar uma peça (encenar)”, a não ser em alguns tipos de discurso, como o homorístico. À
vista disso, o verbo „montar‟ é um caso de homonímia, ao contrário do que afirmam os
dicionários, julgando ser este verbo um caso de polissemia.
Os dicionários-padrão traçam a fronteira entre a homonímia e a polissemia por
meio do critério etimológico. Lyons (1981) cita como exemplo as palavras „meal¹‟,
significando “repasto”, e „meal²‟, significando “farinha de trigo”, os quais são tratados
pelos dicionários como lexemas diferentes, uma vez que do ponto de vista histórico
derivam de lexemas que não eram homônimos no inglês antigo. Lyons (1981) argumenta
que, embora esse critério seja defendido pelos lexicógrafos, torna-se irrelevante na
perspectiva sincrônica, pois esta considera necessário estudar o significado atual de uma
palavra, em vez de estudar a sua história.
Por conseguinte, quando falamos em homonímia, estamos falando que os sentidos
de uma palavra são inteiramente incompatíveis, ao contrário da polissemia, cuja
incompatibilidade pode ser maior ou menor. Em síntese, a incompatibilidade entre os
sentidos de uma palavra homônima está associada ao fato de que um desses sentidos é
obrigatoriamente lançado no contexto, em oposição aos outros sentidos (Moura, 2001).
O critério de distinção aqui abordado condiz a uma linha divisória no fenômeno da
indeterminação: “a obrigatoriedade de determinação no contexto, que separa de um lado a
homonímia, e de outro a polissemia e a vagueza” (MOURA, 2001, p. 116).
Na próxima sessão, tentaremos traçar uma linha divisória entre ambiguidade e
vagueza, ou seja, entre o sentido lexical gerado pelo léxico e o sentido lexical gerado pelo
24
contexto, respectivamente.
1.1. Ambiguidade x Vagueza
Para compreendermos as proporções do problema de estabelecer a distinção entre
ambiguidade e vagueza, examinaremos as diferentes facetas apresentadas por essas duas
noções. De modo geral, podemos distanciá-las dizendo que, na vagueza, o contexto pode
selecionar informações que não estão especificadas no sentido; e na ambiguidade, o
contexto especificará qual o sentido a ser selecionado (CANÇADO, 2005). Essa distinção
é mais [uma fronteira da língua] que apresenta dificuldades de demarcação. Todavia, não
se deve cair no descuido de generalizar a ambiguidade e a vagueza, ou seja, tratar uma pela
outra. É nesse espaço brando que alguns teóricos, em forma de tentativas, apontam a
distinção entre ambiguidade e vagueza.
Muitos testes são propostos para distinguir essas duas noções, Kempson (1977)
assume quatro tipos principais de vagueza relacionados mutuamente, são eles: a vaguidade
referencial¹, a indeterminação do significado², a falta de especificação no significado de
um item³ e a disjunção na especificação do significado de um item 4 .
No primeiro teste, temos o item lexical que, embora possua um significado bastante
claro, gera dificuldade em decidir se o item pode ou não ser empregado a certos objetos.
Melhor explicando, a sua vagueza é referencial, visto que não temos uma medida
específica para o atributo que um item lexical vago exprime, logo, a verdade ou a falsidade
desse atributo pode sofrer variação de acordo com o ponto de vista que está servindo como
referência. Vejamos um exemplo:
1. Reynaldo Gianecchini é bonito.
Não há nenhum critério X que classifique uma pessoa como sendo bonita. No
entanto, há várias opiniões acerca do que seja alguém que tenha essa característica,
podendo variar entre mais ou menos bonito. Isto vale também para palavras como gordo,
5
Segundo o Aurélio (2001), „montar‟ significa 1. Cavalgar. 2. Encenar.
25
velho, fácil, alto. Percebemos, então, duas propriedades da vagueza: a escalaridade6, uma
vez que há uma escala que classifica alguém como bonito, variando, como dissemos, entre
mais ou menos; e a comparação, pois alguém pode estar mais bonito do que a última vez
que foi visto, ou mais bonito do que outra pessoa. Recorrendo a Cançado (2005, p. 60),
torno a ratificar que esse fenômeno de natureza semântica se associa a palavras que “fazem
referência apenas de maneira aproximada, deixando para o contexto a função de
acrescentar informações não detalhadas nas expressões vagas”.
No segundo tipo de vagueza, apresentado por Kempson (1977), temos a
indeterminação do significado de um item ou sintagma. Isto pode ser observado em
sentenças cuja construção tem a preposição de, vejamos um exemplo: „O livro de Sílvia‟.
Neste exemplo, a indeterminação está em saber se essa sentença foi usada para dizer que o
livro foi escrito por Sílvia e/ou que o livro pertence a Sílvia. Esse é um dos exemplos mais
evidentes desse tipo de vagueza.
Contudo, sob a ótica de Cançado (2005), esse tipo de sentença apresenta claramente
duas (ou mais) interpretações, tendo o contexto a função apenas de especificar qual dos
sentidos está sendo utilizado. Em outras palavras, esse é o tipo de sentença ambígua, que
difere de uma sentença vaga, uma vez que exemplos desta última não apresentam duas (ou
mais) interpretações, apenas não são especificadas, como é o caso do tipo de exemplo dado
por Kempson (1977). O que ocorre é que as preposições são itens lexicais denominados
“leves”, podendo admitir vários sentidos que só serão acolhidos a partir da composição
com o seu complemento e, algumas vezes, em composição com o verbo. A interpretação da
preposição de7, em oposição ao que afirma Kempson (1977, p. 127), não é “tangível e
indeterminada”, visto que determinados sentidos são associados a elas e elencados no
léxico. Assumo, pois, aqui, a concordância de que “sentenças envolvendo preposições que
levam a duas ou mais interpretações são, na realidade, exemplos de ambiguidade lexical”
(CANÇADO, 2005, p. 66).
Prosseguindo com o estudo de Kempson (1977) sobre a vagueza, esta também pode
se mostrar na ausência de especificação no significado de um item lexical, dando-lhe uma
configuração muito geral, embora, a priori, o significado do item lexical seja bastante
6
A essa propriedade, Cançado (2005, p. 60) classifica de fenômeno gradual, uma vez que há palavras que são
bem mais vagas (grande) do que outras (verde).
7
Exemplos dados por Cançado (2005, p. 65): Origem (Veio de São Paulo), qualidade (o burro do Paulo, casa de
pedra), ao modo (veio de cavalo), ao agente (o quadro da Maria) e à posse (casa da Maria).
26
claro. Ullmann (1964) também compartilha dessa visão, dizendo que uma das principais
fontes da imprecisão é o caráter genérico dos itens lexicais, os quais designam classes de
coisas. Um exemplo disso são os itens criança, adulto, pessoa, que nada especificam
quanto ao sexo, idade, raça. Além desses, temos a palavra planta que é bem mais geral que
árvore, haja vista ser esta um tipo de planta segundo o seu tamanho. O mesmo acontece
com os verbos „fazer‟ e „ir‟, que abarcam uma considerável variedade de ações.
Exemplificando, temos:
2. Carol foi a São Paulo.
Esta sentença cobre distintas ações, que, não sendo especificada a natureza de
nenhuma delas, podemos pensar que tenha ido de carro, avião ou ônibus. Além disso, sabese que Carol foi a São Paulo, mas não se sabe nem sequer o lugar específico de onde ela
partiu, logo, o verbo „ir‟ é vago quanto à especificação do lugar de origem. Isto tudo
porque o verbo ir possui apenas o significado de movimento em direção a. Já a sentença „A
empresa já fez os papéis‟ pode ser usada por um falante para indicar que a empresa já
elaborou, por exemplo, o contrato a ser firmado com outra empresa, ou ainda que já
fabricou os papéis, pois a natureza dessa ação não é especificada.
Esse teste de vagueza também se insere no aparato que Lakoff (apud FERREIRA,
2000, p. 72) montou para tornar preciso os limites entre a ambiguidade e a vagueza.
Ullmann (1964) diz que esse processo de generalização serve de conduto para termos um
meio de comunicação social que seja suficientemente maleável para lidarmos com as
nossas vastas experiências.
Um tipo que se distingue bastante do caso de especificação é a disjunção de
diferentes interpretações no significado de um item lexical. O exemplo central é com o
operador lógico ou: „Os candidatos à vaga devem ter curso superior completo ou alguma
experiência no exercício do professorado‟. Temos que nessa sentença o ou colabora para a
sentença como um todo, sendo uma de suas partes verdadeira ou ambas verdadeiras
simultaneamente. Ou seja, os candidatos devem ter curso superior completo, mas nenhuma
experiência no ensino, ou ter experiência como professor, mas não ter um curso superior
completo; ou ainda ter curso superior completo e ter experiência como professor. Se por
acaso o operador lógico ou excluísse a possibilidade de ambas serem verdadeiras, tornando
apenas uma verdadeira, teríamos um caso de ambiguidade. Vejamos:
27
3. João assobia ou chupa cana.
Esse é um claro exemplo de que a língua não admite que se façam duas coisas
simultaneamente, ou é isto ou é aquilo. Novamente aqui, há uma discordância entre
Cançado (2005) e Kempson (1977), uma vez que aquela considera a sentença em questão
como sendo um caso de ambiguidade lexical, argumentando que o contexto está
selecionando o sentido. Na sentença „Os candidatos à vaga devem ter curso superior
completo ou alguma experiência no exercício do professorado‟, temos uma leitura
exclusiva e/ou inclusiva, isto é, ou você se adequa a um dos critérios para ocupação da
vaga como professor, ou você pode atender, simultaneamente, aos dois critérios de seleção.
Vale salientar que, de acordo com Cançado (2005), a escolha do sentido selecionado pelo
contexto é uma característica típica de ambiguidade. Assumo, portanto, o posicionamento
de Cançado (2005) de que existem dois sentidos diferentes, e que um deles será escolhido,
a depender da entonação dada à sentença.
Para separarmos com mais nitidez os casos de vagueza e ambiguidade, utilizaremos
um teste proposto também por Kempson (1977), visando estabelecer essa diferença não
apenas nos casos mais claros, mas, sobretudo, dos que geram mais dificuldade no momento
de decidir que fenômeno está em análise. Esse teste consiste no uso da palavra também,
usada como uma forma reduzida da sentença, que tem o propósito de evitar a repetição da
sentença anterior.
Tomemos a seguinte sentença dada por Cançado (2005, p. 58): “„Carlos adora
sorvete; e a Maria também‟”. Essas duas sentenças são compreensíveis, e isto se deve ao
fato de que há uma convenção que estabelece a identidade de significado dos dois
sintagmas verbais em questão, ou seja, a partir da palavra „também‟ a segunda sentença é
inferida de acordo com a primeira. Em outras palavras, se a sentença que antecede a
segunda possuir mais de uma interpretação, esta assimilará as mesmas interpretações da
anterior. Vejamos este outro exemplo:
4. Paulo esteve no banco; e Ana também.
A ambiguidade aqui surge da interpretação do lexema banco, que pode tanto estar
relacionado à instituição financeira, quanto a um assento. Note que o sentido atribuído à
primeira sentença é obrigatoriamente assumido pela segunda sentença. Se, portanto,
entendermos que a palavra banco refere-se à instituição financeira, as duas sentenças terão
28
que se referir à instituição financeira. Logo, é inviável que a primeira sentença refira-se à
instituição financeira e a segunda, ao assento; ou vice-versa.
Um comportamento diferente dos acima descritos é o uso da palavra também em
sentenças que só têm a falta de especificação dos termos. Exemplificando, temos: „Paulo
beijou Ana; e Pedro também‟. Nesse caso, segundo Cançado (2005), também não assume a
mesma identidade de significado da sentença anterior, pois há uma falta de especificação
do local beijado. É perfeitamente possível entender que quando a sentença tem um caráter
vago, a interpretação da sentença reduzida não se restringe à interpretação da primeira,
que, como podemos supor, Paulo pode ter dado um beijo na bochecha de Ana, enquanto
que Pedro a beijou na boca. A ressalva que Cançado (2005) faz a esse teste é que nem
sempre será possível aplicá-lo, pois nem sempre é possível encontrar as duas interpretações
da ambiguidade numa mesma sentença, como no caso do verbo quebrar, que assumiu
diversos sentidos: estilhaçar, descumprir, machucar, refletir, decepcionar e falir. Todavia,
este é um teste que bem separa essas duas noções.
Outro tipo de vagueza é aquele em que “cada uma das possíveis interpretações de
uma ambiguidade estará associada a uma rede de sentidos específica” (CANÇADO, 2005,
p. 59). Isto pode ser observado nas ocorrências do verbo quebrar, utilizado anteriormente,
que admite vários sentidos, como por exemplo, (A) estilhaçar e (B) descumprir. Ao
primeiro sentido podemos associar várias palavras que façam parte do seu campo
semântico, entre elas, vaso, uma vez que esta apresenta a característica semântica de ser
estilhaçável, logo, podemos tê-la como uma palavra que pertence ao mesmo campo
semântico de quebrar (A). Sendo assim, nas sentenças construídas com quebrar e vaso,
pode haver a substituição de quebrar por qualquer outro verbo que tenha o mesmo sentido
de quebrar (A). Vejamos uma estranheza nos seguintes exemplos:
5. (A) Pedro quebrou o vaso.
(B) Pedro estilhaçou o vaso.
(C) *Pedro descumpriu o vaso.
6. (A) Pedro quebrou a promessa.
(B) Pedro descumpriu a promessa.
29
(C) *Pedro estilhaçou a promessa8.
Note que esse teste de sentido nos explica a ambiguidade que ocorre em exemplos
já citados do tipo: „Paulo quebrou o vaso com um martelo‟, „Paulo quebrou o vaso com o
empurrão que levou‟ e „Paulo quebrou a cabeça no acidente‟. Agora, vemos mais
claramente que uma única palavra pode cobrir várias outras por ser possuidora de
características semelhantes que as associam a um mesmo campo semântico. Logo, o seu
uso em diferentes contextos pode resultar em ambiguidades que, nos casos vistos, incidem
sobre o item lexical quebrar.
Há, em especial, além desses critérios de distinção entre ambiguidade e vagueza, o
critério de distinção entre polissemia e vagueza, que é o da lexicalização (MOURA, 2001).
A linha divisória entre polissemia e vagueza pode ser demarcada a partir da ideia de que os
sentidos de itens lexicais advêm do léxico ou do contexto. Quando o sentido de um item
lexical é selecionado e este se encontra acessível no léxico, podemos dizer que esse sentido
é lexicalizado; quando o sentido de um item lexical é gerado no contexto, o sentido não é
lexicalizado, logo, não ocorre lexicalização. Em outras palavras, na polissemia e também
na homonímia, os sentidos são lexicalizados, enquanto que na vagueza, os sentidos
procedem do contexto. Para exemplificar, tomemos a sentença:
7. Mariana é uma boa aluna.
Note que não há nada no léxico que nos permita determinar qual o sentido de “boa
aluna” ou de “aluno alto”, visto que denotam propriedades que não temos como medir
precisamente. Ou seja, uma pessoa é qualificada como boa aluna porque é comportada,
porque tira boas notas ou porque é esforçada? E mais, qual a altura certa para uma pessoa
ser considerada alta? Assim sendo, os seus sentidos devem ser acessados numa ocorrência
específica, ou seja, os seus sentidos devem ser buscados num determinado contexto e não
no léxico.
Com efeito, para sair do nível de indefinição da sentença, podemos fazer
precisificações da sentença „Mariana é uma boa aluna‟. Isto porque a indeterminação
semântica, exemplificada no termo „boa‟, é suscetível à ocorrência de precisificações, que,
segundo Pinkal (1995 apud TRINDADE, 2006, p. 22), consiste numa função que
8
Há divergência quanto à estranheza do verbo „estilhaçar‟ nessa sentença. Para uns, essa palavra soa natural,
para outros, não.
30
transforma sentenças indefinidas em definidas. Desta forma, vejamos as seguintes
precisificações da sentença (7):
8. (A) Mariana é uma boa aula quanto à assiduidade.
(B) Mariana é uma boa aluna em relação às suas notas.
A sentença (8) é uma precisificação de (7), na medida em que exclui certas
interpretações que (7) autorizava, ou seja, a precisificação já seleciona o sentido desejado e
elimina os outros possíveis sentidos. No caso dessa sentença, o que é relevante para definir
um adjetivo como „boa‟ é a precisificação que só se faz pelo contexto, pois, segundo
Trindade (2006, p. 23), “o léxico não é suficientemente informativo para a interpretação”.
Vejamos um outro exemplo dado por Moura (2000, p. 82):
9. Antônio Ermírio comprou a Folha de São Paulo.
De acordo com Moura (2000, p. 78), “a interpretação dessa sentença não depende
do conhecimento que se tem dos fatos, mas da interpretação que damos às palavras do
locutor”. Dessa forma, pode-se interpretar que Antônio Ermírio comprou a empresa
jornalística Folha de São Paulo ou que Antônio Ermírio comprou o jornal do dia. Temos,
portanto, um caso de ambiguidade lexical, gerada pela polissemia da expressão „comprar a
Folha de São Paulo‟, visto que os seus possíveis sentidos estão relacionados entre si,
admitindo como sentido base a ideia de que ambos os sentidos tratam sobre um “pedaço de
papel de determinado formato”, definição de „folha‟ apresentada pelo Aurélio (2001).
Utilizando a precisificação, podemos desfazer a ambiguidade ao fornecer um
contexto mais informativo, acrescentando a sentença abaixo:
10. A Folha da quinta-feira, 18 de maio.
Moura (2001) explica a desambiguação da sentença (9) argumentando que a
sentença (10), por ser uma precisificação de (9), exclui certas interpretações que (9)
autorizava. Acrescenta ainda que, nesse caso, não foi preciso recorrer a uma inferência
pragmática, pois ela foi desfeita segundo a resolução de ambiguidade semânticodiscursiva, isto é, a dinâmica do discurso se encarregou de eliminar a ambiguidade.
Com efeito, de acordo com Trindade (2006, p. 23), “um item lexical corresponde a
um conjunto de sentidos (precisificações) que podem advir diretamente do léxico (nos
31
casos de polissemia) ou do contexto (nos casos de vagueza)”. Ao contrário do que ocorre
na polissemia e na vagueza, na homonímia não é aceitável a indeterminação do sentido, de
modo que exige do locutor uma definição sobre o sentido a que se refere. Vejamos o
seguinte exemplo dado por Trindade (2006):
11. João foi ao banco.
O termo „banco‟ possui dois sentidos, o de assento e o de instituição financeira.
Nesse caso, a precisificação deve ser feita, pois a sentença assinala apenas um sentido,
bloqueando todos os outros. Consequentemente, admitir-se-á o sentido que o locutor
assume para „banco‟:
12. (A) João foi ao banco retirar dinheiro.
13. (B) João foi ao banco da praça para descansar.
Nestes exemplos, dados por Trindade (2006), vemos que a precisificação foi
realizada de acordo com o sentido a que o locutor se refere, na primeira assume o sentido
de instituição financeira, e no segundo, de assento.
Postas as teorizações aqui discutidas sobre a distinção entre os casos de
determinação semântica, em particular o da polissemia e vagueza nesta sessão, mas
também os da polissemia e homonímia, defendo o contexto e o léxico, respectivamente,
como os critérios de determinação do sentido lexical, haja vista sua relevância teórica.
Com efeito, a ambiguidade e a vagueza são reflexos de um jogo com e sobre a
língua, onde os sujeitos se inscrevem na dimensão aberta da linguagem. É eficaz tornar
presente que o sentido independe do falante, pois ele nada pode trocar num signo que foi
estabelecido em determinado grupo linguístico, assim como o sentido não pertence
exclusivamente à língua, pois, como defende Saussure (2012, p. 115), “o signo se permite
alterar porque ele continua”. Isto porque a língua não é capaz de se defender dos fatores
que tendem a deslocar a relação entre o significado e o significante, e essa é uma das
consequências da arbitrariedade do signo. É certo que o tempo altera todas as coisas, logo,
não existe razão para que a língua seja uma exceção a essa lei universal.
Em Português, os enunciados que apresentam multiplicidade de sentido costumam
ser empregados, em especial, na propaganda publicitária, como podemos observar no
exemplo dado por Ferreira (2000, p. 70), retirado de um jornal de São Paulo: “„Ligue-se! A
32
Economia está por um fio‟”. Nesta sentença, a ambiguidade está na expressão “ligue-se”,
que pode tanto atribuir um tom de chamada ao interlocutor para ficar ligado através do
aparelho, usando a linha telefônica a fim de realizar a ligação; quanto para ficar atento, em
estado de vigilância. Estamos, portanto, diante de uma visão biunívoca das idéias, que dá
lugar ao surpreendente universo ambíguo da linguagem.
Na próxima sessão, faremos um breve percurso acerca das características atinentes
à propaganda, destacando sua linguagem e sua finalidade na promoção de divulgar
produtos e serviços.
1.4. A propaganda e sua produção de sentidos na mídia
É comum sermos induzidos sempre a comprar produtos e a experimentar serviços,
ao assistir à televisão, ler uma revista ou um jornal, ou ainda quando somos surpreendidos
com uma desejável imagem9 de um produto visivelmente muito atrativo e que é consumido
pelo grupo social mais privilegiado. Na tentativa de vender seus produtos, os meios de
comunicação de massa utilizam várias formas persuasivas, sejam elas numa linguagem
verbal ou não, para suscitar no consumidor a vontade de comprar e dar preferência ao seu
produto em vitrine. Esta é a chamada propaganda comercial ao consumidor10, que não
apenas anunciam um produto a ser vendido, mas um nome no mercado.
O termo „propaganda‟ foi retirado do nome latino Congregation de propaganda
fide, que traduzido, temos Congregação da fé que deve ser propagada (VESTERGAARD,
1994). Muitas vezes ele é tido como sinônimo de „publicidade‟, porém, “em português,
publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para
propagação de ideias tanto para o sentido de publicidade” (SANDMANN, 2001, p. 10).
A propaganda, enquanto técnica de comunicação que tem a finalidade, segundo
Sant‟Anna (1996), de fornecer informações, desenvolver atitudes e promover benefícios na
9
A imagem a que me refiro nesse momento diz respeito à proposta tentadora de um produto oferecido pelo
mercado, sendo ela construída não apenas de um material fotográfico, mas linguístico. Por assim dizer, ao longo
do trabalho, em especial, na análise dos anúncios publicitários, tratarei a imagem enquanto representação visual
ou fotográfica de um produto ou serviço oferecido ao seu possível consumidor.
10
Expressão utilizada por Leech (1996, p. 25 apud VESTERGAARD, 1994, 01).
33
venda de produtos ou serviços, carrega uma mensagem publicitária, organizada em forma
de anúncio, que, de acordo com Cabral (1990, p. 59), “tem uma forma que o reveste,
dando-lhe a exterioridade visual”, seja ela escrita ou auditiva. Cabral (1990) aponta que o
conteúdo do anúncio não é apenas textual, ou seja, não se resume no que se lê ou ouve,
mas é todo o contexto que se aplica a ele: palavra, texto, imagem, som e cor. Por
conseguinte, conforme Sant‟Anna:
O anúncio é grande peça do imenso tabuleiro publicitário e o meio
publicitário por excelência para comunicar algo com o propósito de vender
serviços ou produtos, criar uma disposição, estimular um desejo de posse
ou para divulgar e tornar conhecido algo novo e interessar a massa ou um
de seus setores. (1996, p. 77).
O sociólogo Herbert Blumer, citado por Sant‟Anna (1996), identifica a massa como
os membros que podem vir de qualquer profissão e de todas as camadas sociais, o que
inclui posições sociais, vocações diferentes, variados níveis de cultura e de riqueza. Vê-se,
então, que o anúncio é um processo de comunicação cuidadosamente estudado, que
objetiva ser visto por pessoas, das quais só se tem acesso à classe econômica a que
pertence, idade e sexo.
A linguagem da propaganda enfrenta um grande desafio, que é o de convencer e
levar o leitor à ação através da palavra e da imagem, esta última tida enquanto
representação visual ou fotográfica. É o que destaca Sandmann (2001), ao afirmar que a
porfia maior consiste em prender a atenção do leitor. Para atender a essa exigência é que a
propaganda utiliza de uma linguagem criativa, fazendo o leitor parar, ler ou escutar, e às
vezes refletir sobre a mensagem que lhe é dirigida. A respeito disso, Vestergaard (1994, p.
07) destaca:
Não só a publicidade contribui para que os produtos pareçam esteticamente
o mais agradáveis possível como também o anúncio se converte numa
realização estética. [...] essa estetização da mensagem significa que os
anúncios podem ser analisados por meio de técnicas geralmente aplicadas
às artes verbais e visuais; na verdade, a propaganda representa um gênero
“subliterário”. (LEECH, 1969, p. 66).
34
A citação acima vem ratificar a grande influência que a estética tem sobre a decisão
do leitor em consumir ou não o produto oferecido. Entende-se aqui, por estética, de acordo
com Maranhão:
Uma aparência, sem a menor dúvida, mas não necessariamente de uma
aparência enganosa, pois para que a mesma tenha bom êxito, é preciso que
esteja bem articulada com o conteúdo, dentro dos princípios da adequação
entre forma e função, que tem caracterizado a estética industrial [...].
(1998, p. 13).
Aquele que produz a propaganda “não tem a capacidade de criar necessidades de
compra, mas retardar ou acelerar as tendências que já existem nas pessoas”
(VESTERGAARD, 1994, p. 09). Essa visão também é defendida por Cabral (1990, p. 09),
ao afirmar que “ela não cria necessidades: ela desperta as necessidades existentes”. Devido
aos aspectos criativos da propaganda, ou seja, àqueles que também são utilizados na
poesia, em especial, os aspectos semânticos, o autor concorda em dizer que a propaganda é
um gênero “subliterário”.
Comercialmente falando, de acordo com Sant‟Anna (1996), anunciar significa
promover vendas, e para vender, geralmente é preciso produzir uma idéia na mente da
massa. Essa implantação não se dá apenas no nível informativo, apresentando uma lista de
informações sobre o que está à venda, mas, através da motivação, que desperta na massa o
desejo de ela comprar o produto ou serviço oferecido no anúncio publicitário. Isto porque a
persuasão, inerente à propaganda comercial, tem o intuito de estimular o desejo daquele
que lê o anúncio, e criar a convicção de que o produto é de qualidade, mostrando que o
produto ou serviço oferecido é do seu interesse. Entende-se persuasão aqui, como a
linguagem que leva alguém a um comportamento (SANDMANN, 2001). Segundo Lund
(1947 apud Vestergaard, 1996), a tarefa do anunciante publicitário é chamar a atenção,
despertar o interesse, estimular o desejo, criar convicção e induzir à ação. São esses os
obstáculos que toda propaganda precisa ultrapassar para vender a sua mercadoria.
Contudo, de pouco valerá um anúncio publicitário se os veículos para divulgá-lo
não forem adequados ao propósito de expressão da sua mensagem. Conforme Sant‟Anna
35
(1996, p. 1994), veículo é “todo meio, forma ou recurso capaz de levar ao conhecimento
do grupo consumidor a mensagem publicitária. As palavras mídia (de médium – meio) ou
veículo, é que designam o elemento material que divulga a mensagem”.
Em geral, os veículos se dividem em revista, jornais, outdoor (cartazes painéis),
rádio, televisão, publicidade direta e mídia suplementar, que abarca o resto. Por
conseguinte, eles recebem a seguinte classificação: veículos visuais (para serem lidos ou
vistos: imprensa – jornais, revistas e periódicos especializados; outdoor – cartazes, painéis
e luminosos; publicidade direta – prospectos, folhetos, cartas, catálogos e congêneres; e
exibições – displays, vitrines e exposições); veículos auditivos (para serem ouvidos: rádio
e alto-faltantes); veículos audiovisuais (para serem ouvidos e vistos: televisão, cinema e
audiovisual – slides); e veículos funcionais (para desempenhar uma dada função: amostras,
brindes e concursos).
Pode-se dizer, segundo Sandmann (2001), que o texto escrito ou falado é apenas
parte de todo o conjunto que constroi a propaganda. Logo, o que distingue o seu texto
linguístico é objeto de análise do presente estudo.
Tendo em vista que o objeto básico da propaganda é provocar, por meio da
construção da mensagem, o estranhamento do leitor, levando-o a se interessar pelo texto e,
consequentemente, pelo o que é propagado, vários recursos são utilizados, entre eles, os
aspectos semânticos. De acordo com Sandmann (2001, p. 74), “se um texto técnico tem
como ideal a monossemia, ser monossêmico, o texto de propaganda dá-se muito bem ou
atinge muito bem sua finalidade, se contiver polissemia, se for polissêmico, se explorar a
homonímia ou se contiver ambiguidades”. Diante disso, é que apresentaremos no próximo
capítulo uma análise de seis anúncios publicitários que privilegiam a ambiguidade como
recurso criativo11 para atrair a atenção do leitor para a mensagem propagada, haja vista que
o objetivo desses anúncios é persuadir o leitor, levando-o à compra do produto ou serviço.
36
2. ANÁLISE DOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS
A criatividade da propaganda tem o seu intuito associado a um conjunto de aspectos
necessários para prender atenção do leitor. É pensando nesse objetivo que o anunciante
publicitário utiliza de meios criativos para surpreender seu consumidor. São vários os
aspectos que caracterizam a propaganda: fonéticos, morfológicos, sintáticos e semânticos.
Contudo, versaremos apenas aos ligados à semântica, observando a maneira própria pela
qual os anúncios publicitários se expressam através da linguagem. Se um texto técnico tem
como objetivo ser a todo instante claro, sem opacidades, o texto da propaganda também
alcança seu ideal se se mostrar ambíguo.
Em síntese, analisaremos os aspectos que caracterizam a linguagem da propaganda,
de modo a destacar os possíveis efeitos que causam no leitor, ao ler um anúncio
publicitário. A propósito, verificaremos como se dá a vagueza e a ambiguidade, gerada
pelos fenômenos da polissemia e da homonímia.
11
Para Sant‟Anna (1996, p. 148), “a criatividade dentro da propaganda não significa, assim, uma busca de
originalidade, mas a busca da solução de problemas objetivos. É muito importante considerar isso, para que não
se faça certas confusões, associando a criatividade com o inconvencional ou com o inusitado e vice-versa”.
37
2.1. Análise do texto 1
12
O anúncio em foco é uma propaganda que apresenta ao mercado um produto da
linha Nhá Benta13, a qual segue na parceria com a marca de chocolates Kopenhagen 14. O
elemento visual utilizado como recurso para a valorização do produto, junto ao seu
possível consumidor, é a imagem de duas pessoas, em especial, dois galãs brasileiros:
Edson Celulari (à esquerda) e Fábio Assunção (à direita).
12
http://www.google.com.br/imgres?q=propaganda+ambigua&um=1&hl=ptBR&tbo=d&noj=1&tbm=isch&tbnid
=wo0TUxiuuShxWM:&imgrefurl=http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html%3Faula%3D3608
6&docid=_JK8nuHHDFmskM&imgurl=http://4.bp.blogspot.com/
13
A indústria Nhá Benta de Alimentos é responsável pelo sucesso da marca, introduzindo anualmente no
mercado brasileiro 80 mil sacas de café para consumo e tem a capacidade de produzir 200 mil sacas/ano. Está
localizada em São Bernardo do Campo, a 60 quilômetros do Porto de Santos, São Paulo
(http://www.nhabenta.com.br/portugues/industria.htm. Acesso em: 11 mar. 2013).
14
Insere-se no segmento de chocolates finos, fazendo parte do Grupo CRM e estando presente em praticamente
todo o território nacional, somando 300 lojas. A marca oferece hoje mais de 300 itens em linha, alguns deles top
ofmind nos seus segmentos como Nhá Benta, Língua de Gato, Lajotinha, Chumbinho e Cherry Brandy. Além
disso, possui uma linha institucional que personaliza produtos para datas comemorativas como Páscoa e Natal
(http://www.kopenhagen.com.br/site/a-kopenhagen/. Acesso em: 11 mar. 2013).
38
Essas duas figuras artísticas simbolizam, ao lado do produto Nhá Benta, um “apelo
aos valores sociais” (VESTERGAARD, 1994, p. 05), haja vista que, sendo eles homens
famosos, o produto anunciado ganha maior credibilidade, tornando a propaganda mais
persuasiva para o leitor. Isto porque o princípio que governa toda e qualquer propaganda de
valor comercial consiste na influência sobre a massa para que a mesma adquira o produto.
O anúncio, portanto, se converte numa valorização estética do produto, sendo este último
semantizado (VESTERGAARD, 1994, p. 05), ou seja, ele deixa de ser apenas um produto
e passa a imprimir o tipo de pessoa que o seu consumidor é ou gostaria de ser perante a
sociedade capitalista em que vive.
Observemos o enunciado verbal construído para a amostragem do produto: “Você
nunca viu tanta delícia junto. Ei, estamos falando da Nhá Benta”. Agora nos fixemos
somente na primeira oração: “Você nunca viu tanta delicia junto”. Considerando as
percepções anteriormente delineadas a respeito do recurso visual (a imagem) oferecido no
anúncio, podemos encontrar uma duplicidade de sentido15, pois se faz um apelo sexual
para a promoção de um dos dois sentidos gerados pelo item lexical „delícia‟, reconhecendo
aos galãs a qualidade de ser atraente e sedutor. Encontram-se, portanto, dois sentidos que
incidem sobre o item lexical „delícia‟, os quais estão relacionados entre si: o primeiro está
associado ao produto da Nhá Benta, com o chocolate Kopenhagen, conferindo ao produto
final a garantia de ser saboroso, pois a palavra „delícia‟ quando usada para atribuir um
valor qualificativo a uma comida, significa que esta tem um gosto bom, causando a
sensação de deleite ao degustá-la; o segundo sentido consiste em associarmos a palavra
„delícia‟ aos galãs, uma vez que essa palavra quando usada para qualificar pessoas,
percorre ao entendimento da estética, com provável finalidade sexual, significando dizer,
neste caso específico, que os homens no anúncio são belos e atraentes, causando também a
sensação de deleite segundo os valores de beleza de que entende a sociedade.
Podemos observar no anúncio, um tipo de indeterminação semântica, a vagueza,
que decorre da falta de precisão da propriedade denotada pelo item lexical „delícia‟,
aplicado aos galãs Edson Celulari e Fábio Assunção, uma vez que não há nenhuma
propriedade X, precisa ou mensurável, que os classifiquem como delícia. Para Kempson
(1977), esse tipo de vagueza é chamada de referencial, em virtude de o termo vago estar
suscetível a admitir variados sentidos a partir do ponto de vista que está servindo de
39
referência. Desse modo, o termo „delícia‟, usado no anúncio, tem a propriedade da
escalaridade, mas não há nenhum critério que caracterize uma coisa como sendo deliciosa,
pois ela pode ser deliciosa para uma pessoa, mas não ser para outra; e também tem a
propriedade da comparação, visto que uma coisa pode estar mais deliciosa do que da
última vez que foi saboreada. Portanto, podemos assumir que é função do contexto
acrescentar informações que não foram detalhadas no item „delícia‟.
Até agora analisamos a primeira parte do todo utilizado como expressão linguística
para anunciar o produto à venda. Nesse momento, fixaremos nossa atenção na segunda
oração da propaganda: “Ei, estamos falando da nova Nhá Benta.”. Com essa frase, a
propaganda que, a priori, mostrava-se ambígua, submetendo o leitor à duplicidade de
sentido, agora é desfeita. Perguntemo-nos, então: por que o anunciante da propaganda
criou uma situação ambígua, para depois desfazê-la?
Segundo Vestergaard (1996), a finalidade da propaganda é vender o produto,
porém, para alcançar o almejado, o publicitário necessita vencer certos obstáculos. Sendo
assim, o anunciante da propaganda em análise aqui, para conseguir que o seu anúncio fosse
notado, utilizou a imagem de dois galãs famosos, de modo a persuadir o leitor de que o
produto em propaganda é tão atraente e “delicioso” quanto os galãs.
Se para um texto técnico o ideal é usar uma linguagem que não apresente
indeterminação semântica de item lexical, o mesmo não vale para o texto propagandístico,
pois seu objetivo também pode ser alcançado se apresentar indeterminação no sentido de
uma palavra, como no caso de „delícia‟, que, como vimos, é um exemplo de vagueza e
polissemia.
15
Quando falamos em duplicidade de sentido, estamos falando de um sentido apoiado no apelo sexual. Em
contraposição à multiplicidade de sentido, entendida aqui como sentidos variados para um mesmo item lexical.
40
2.2. Análise do texto 2
16
A propaganda em análise, cujo veículo de transmissão de sua mensagem
publicitária está ao ar livre, oferece os serviços de assistência funeral pelo SINAF 17. Essa
publicidade ao ar livre é conhecida como Outdoor Advertising, e está fixada em forma de
painel numa via pública. Ao contrário dos veículos que vão até à residência do consumidor,
como é o caso do jornal e da revista, o outdoor é percebido de passagem, nas ruas, mais ou
menos casualmente, tornando-se constante e, por isso, mas não só, é fixado na mente pela
repetição. O seu tamanho e suas cores vivas impressionam o seu leitor, colocando em
evidência, segundo Sant‟Anna (1996), o nome da coisa anunciada, ou seja, um serviço de
assistência funeral. Em tais condições, essa é uma publicidade tipicamente destinada às
massas e está exposta aos olhos de todas as pessoas.
16http://www.google.com.br/imgres?q=propaganda+ambigua&um=1&hl=ptBR&tbo=d&noj=1&tbm=isch&tbni
d=rb0ZrPJoqbruwM:&imgrefurl=http://webfoliobru.blogspot.com/2010/05/propagandaambigua.html&docid=eP
HvXdPQBB9BYM&imgurl
17
O SINAF – Sistema Nacional de Assistência à Família, é uma companhia de seguros de vida
(http://www.sinaf.com.br/v1/. Acesso em 12 mar. 2013).
41
A propaganda aqui apresentada constitui uma forma pública de comunicação verbal
e não verbal, que compete para o surgimento de duas possíveis interpretações para um
mesmo item lexical, „coroa‟. Se, no outdoor, considerarmos apenas a expressão linguística
„Como arrumar uma coroa‟, certamente atribuiríamos pelo menos quatro sentidos a ela: 1)
revestimento para dentes danificados, que circula o dente; 2) adorno de cabeça como
símbolo de poder, que tem formato de círculo; 3) gíria para designar uma pessoa idosa,
geralmente essa é a faixa etária de quem usa uma coroa como símbolo de poder (rainha, rei
etc.); ou ainda poderia ser 4) uma coroa de flores, que também tem formato circular.
Temos, portanto, um caso de ambiguidade gerada pelo caráter polissêmico do item lexical
„coroa‟, pois os possíveis sentidos incidem somente sobre „coroa‟ e estão relacionados
entre si.
Pelo contexto do anúncio, ou seja, a imagem do idoso e a expressão linguística
„como arrumar uma coroa‟, o sentido é direcionado pelo anunciante. Desse modo, ao
lermos essa expressão linguística e visualizarmos a imagem localizada ao seu lado,
rapidamente o sentido se restringirá, articulando o item lexical „coroa‟ ao sentido de
„pessoa idosa‟. Além disso, um recurso aplicado à imagem do senhor para direcionar o
sentido de que „coroa‟ se associa a uma mulher, geralmente velha, mas não
necessariamente, é o sorriso dado pelo senhor. Isto porque o sorriso no outdoor mostra um
senhor contente que com o anúncio arrumaria uma mulher. O estranho seria colocar no
outdoor a imagem de um senhor sorridente porque arrumará uma coroa de flores para
colocar no velório.
Apesar de a imagem ter contribuído para restringir o sentido da frase „Como
arrumar uma coroa‟ admitindo ser „coroa‟ uma mulher, ainda não se chegou ao sentido
pretendido pelo anunciante da propaganda. A interpretação coerente surge quando o leitor
vê as seguintes informações associadas à imagem (fotográfica) e à expressão „como
arrumar uma coroa‟: “Assistência funeral”, “SINAF”, e número para contato. Com essas
informações, o item lexical „coroa‟ admite o sentido de „coroa de flores‟, aquela que serve
para ornamentar o velório. Por que, então, o anunciante sugere uma interpretação anterior
àquela pretendida? Tendo em vista que o outdoor é um veículo que circula em vias
públicas, a propaganda utiliza do humor para textualizar o objetivo pretendido, isto é,
vender o serviço. Para isso, o anunciante faz uso da expressão coloquial „coroa‟, admitindo
um grau de informalidade ao se dirigir ao leitor. Segundo Sandmann (2001, p. 48), a
42
variação linguística é um “recurso para atrair o leitor e ganhar a sua simpatia”, logo,
podemos concluir que o anúncio surpreende o leitor através do uso da gíria „coroa‟.
Diante disso, podemos dizer que a ambiguidade nesse caso é gerada pelo fenômeno
da polissemia, pois os possíveis sentidos gerados no anúncio incidem somente sobre o item
lexical „coroa‟, admitindo dois sentidos relacionados entre si: „pessoa idosa‟ e „coroa de
flores‟.
Além da ocorrência da ambiguidade lexical gerada pela polissemia do item „coroa‟,
a qual foi desfeita no próprio texto, há a ocorrência do mesmo tipo de ambiguidade, agora
gerada pela palavra, também polissêmica, „arrumar‟. Analisando os possíveis sentidos
atribuídos ao verbo „arrumar‟, podemos dizer que esse termo pode estar associado aos
sentidos de conseguir e encontrar. Sendo assim, a palavra „arrumar‟ compreende pelo
menos dois sentidos relacionados entre si, visto que eles convergem para o sentido de
obter, nessa propaganda, uma coroa de flores.
Embora haja duas ambiguidades lexicais geradas pelo fenômeno da polissemia, a
finalidade da propaganda, isto é, a divulgação do serviço de assistência funeral, não foi
comprometida, visto que o sentido de „coroa‟ e „arrumar‟ foi desambiguado através do critério
da precisificação. Esse critério foi utilizado por Moura (2001) para transformar, segundo
Pinkal (1995 apud TRINDADE, 2006, p. 22), “sentenças indefinidas em definidas”. Sendo
assim, a sentença „como arrumar uma coroa‟ é desambiguada porque a sentença „assistência
funeral‟ é uma precisificação da sentença „como arrumar uma coroa‟, pois exclui quase todas
as interpretações que esta última autorizava.
43
2.3. Análise do texto 3
18
O anúncio em destaque é uma propaganda do protetor solar da linha Sundown19,
cujo cliente potencial pode ser tanto homem quanto mulher. Por ser esse um produto de
saúde e beleza, o anúncio publicitário toca no estatuto da estética, haja vista que desde
sempre a sociedade esteve profundamente preocupada em elevar a sua aparência. Logo, o
belo, ressaltado na propaganda, vem despertar a emoção do leitor para a compra do
produto à venda. Isto porque a juventude e a beleza são valores aceitos por todas as classes
sociais, porém, a classe financeiramente dominante é a que tem acesso. Por conseguinte, a
propaganda reflete, até certo ponto, os valores em que acredita a sociedade. Essa leitura
pode ser feita ao observar a combinação do recurso visual com o linguístico, que dão o
direcionamento acerca do conteúdo e propósito veiculados no anúncio.
De início, fixemos nossa atenção na expressão linguística “Neste Pan, garanta pelo
menos um Bronze”. Considerando que o leitor tenha informações do que é o Pan20,
18
http://www.google.com.br/imgres?q=propaganda+criativa&hl=ptBR&tbo=d&biw=1366&bih=667&tbm=isch
&tbnid=F5asZMdWkUPs5M:&imgrefurl=http://renananchieta.blogspot.com/2012/02/propagandascriativas.html&docid=qwS_F7JeCgitRM&imgurl
19
Marca de produtos destinados a proteger a pele contra os raios solares (http://www.sundown.com.br/. Acesso
em: 13 mar. 2013)
20
Os Jogos Pan-americanos são um evento multiesportivo, que envolve atletas de países da América Central, do
Sul e do Norte. Eles surgiram como tentativa de reafirmar os ideais olímpicos de solidariedade e fraternidade
entre os povos da América Central, do Sul e do Norte. Organizado pela ODEPA – Organização Desportiva Panamericana –, teve sua primeira edição em 1951, na cidade argentina de Buenos Aires
(http://www.brasilescola.com/educacao-fisica/jogos-panamericanos.htm. Acesso em: 13 mar. 2013).
44
rapidamente articulará o lexema „bronze‟ a uma medalha que é entregue aos participantes
que ocupam pelo menos o terceiro lugar em competições atléticas. Esse sentido de „bronze‟
é reconhecido através do logotipo21 dos Jogos Pan-Americanos, cuja função é ficar
gravado, definitivamente na memória, por meio de estímulos visuais. Assim sendo,
rapidamente faz-se a associação do logotipo ao evento multiesportivo que caracteriza o
Pan-Americano. No entanto, se considerarmos também as ilustrações 22 ostentadas no
anúncio, ou seja, o protetor solar da linha Sundown, associado à imagem fotográfica de
uma praia, perceberemos outro sentido para a palavra „bronze‟. Ou seja, o item lexical
„bronze‟ admite um sentido diferente daquele que foi reconhecido por nós, como primeiro,
assumindo, portanto, o sentido de coloração adquirida com a exposição da pele ao sol. Esse
outro sentido surge quando levamos em conta a imagem da praia, ao fundo, e também a do
protetor solar, que se sobrepõe àquela. Vale destacar que não estamos apontando uma
sequência com que os sentidos aparecem na propaganda, mas, apenas mostrando os
possíveis sentidos dos itens lexicais ambíguos e vagos.
Portanto, a variação de sentido incide somente sobre o item lexical „bronze‟, que
admite, neste anúncio, dois sentidos que estão relacionados entre si: o primeiro,
concernente à medalha destinada ao competidor que terminou a prova em terceiro lugar; e
o segundo sentido, associado à pigmentação adquirida na pele após sua exposição ao sol.
Essas duas interpretações se relacionam à medida em que ambas subjazem ao sentido de
cor23. Isto posto, estamos diante de um caso de polissemia gerada pela ambiguidade do
lexema „bronze‟, uma vez que a cor bronze, adquirida após um banho de sol, apresenta o
teor da coloração que tem a medalha denominada „bronze‟, e vice-versa. Com isso, o
anúncio publicitário explicita o efeito do protetor solar, que dá à pele um tom bronzeado.
Além do item lexical „Bronze‟ mostrar-se ambíguo, ele também é vago, pois, no
sentido de coloração adquirida com a exposição da pele ao sol, pode-se dizer, por meio das
propriedades da comparação e escalaridade, que uma pessoa está mais bronzeada do que
outra, ou mais ou menos bronzeada do que da última vez em que se expôs ao sol.
21
“O logotipo é a figura que possibilita uma identificação simples e imediata de um produto ou coisa”
(SANT‟ANNA‟, 1996, p. 130).
22
A ilustração é aqui entendida, sobretudo, como “um estímulo sutil e forte, de ordem emotiva, que tende a
desencadear os desejos e os interesses, que são as molas da ação, e a estimular a imaginação” (SANT‟ANNA,
1996, p. 181).
45
Concluindo, para persuadir e levar o leitor a comprar o produto, o anunciante faz
uso de ambiguidade e vagueza, que longe de serem evocadas para confundir o leitor,
contribuem para enaltecer o produto à venda, pois, os dois sentidos atribuídos ao item
„bronze‟ ratificam os valores dominantes da sociedade: a estética e o prestígio social.
2.4. Análise do anúncio 4
Fonte: Revista Cláudia, 2009.
O presente anúncio é uma propaganda da Chevrolet24, que coloca à venda sua linha
23
Segundo oAurélio online, „cor‟ significa “impressão produzida no olho pela luz, segundo a sua própria
natureza ou a maneira pela qual se difunde nos objetos: as cores do arco-íris. / Aparência dos corpos segundo o
modo como refletem ou absorvem a luz.”
24
Concessionário de veículos automotores (http://www.chevrolet.com.br/. Acesso em: 13 mar. 2013).
46
de pneus. Essa publicidade, de imediato, traz informações acerca do seu cliente em
potencial, que são as mulheres. Podemos perceber essa orientação ao público feminino
através do uso da cor rosa e das figuras de flores aleatórias, que estão a ilustrar o anúncio,
dando-lhe delicadeza, suavidade e requinte.
Paralelo a essa atmosfera sexista do sexo feminino, é anexada na lateral do lado
direito da propaganda uma figura de duas rodas de um veículo automotor, que faz cena
com a imagem de algumas flores, as quais têm um formato de círculo e design 25 similar
aos raios das rodas do veículo. Percebemos que foi incorporado um novo elemento ao
domínio feminino: o veículo. Ocorre, pois, um indicativo pelo senso comum de que a
mulher desempenha hoje funções que antes eram apenas do homem, logo, “„a mulher de
hoje‟, tal como a retrata a publicidade, é bastante ativa” (VESTERGAARD, 1994, p. 83)
(aspas simples da autora).
As informações que simbolizam ser o anúncio destinado ao público feminino não se
esgotam no uso dos artifícios visuais, mas são elucidadas, sobretudo, pelas suas escolhas
lexicais. Observemos a seguinte expressão destacada no anúncio: „Quem diria que alguns
pneuzinhos novos iriam te deixar mais segura‟. Analisando a frase, podemos perceber que
a palavra „pneuzinhos‟ está empregada de forma ambígua, ou seja, ela apresenta pelo
menos duas possíveis interpretações. O primeiro sentido associa o item lexical
„pneuzinhos‟ às rodas de um veículo, e o segundo, às gorduras localizadas nos flancos.
Segundo o Aurélio (2001) sendo a palavra „pneu‟ uma forma abreviada de
„pneumático‟, seu significado é “1. Relativo ao ar. 2. Aro de borracha com que se revestem
rodas de veículos; pneu”, e os „pneuzinhos‟, nome comumente utilizado para indicar uma
parte do corpo que adquiriu gordura localizada, assumindo uma forma arredondada.
Temos, portanto, um caso de ambiguidade lexical gerada pelo fenômeno da
polissemia, posto que os dois sentidos gerados incorrem do lexema „pneuzinhos‟ e ambos
estão relacionados entre si. Essa relação se dá através do significado comum que atravessa
os dois sentidos colocados em cena, isto é, algo arredondado.
Contudo, o anunciante da propaganda não deixa o seu texto ambíguo, uma vez que
ele utiliza mais dois recursos que apontam para o sentido pretendido, são eles: a logomarca
da concessionária Chevrolet, a imagem fotográfica dos dois pneus e a expressão linguística
47
“Agora você já pode trocar os pneus nas concessionárias Chevrolet”. Portanto, o anúncio
publicitário não é um serviço oferecido à mulher, para que ela se sinta confortável com a
sua gordura localizada, mas se trata da venda de pneus.
Em conclusão, a ambiguidade não causou nenhum equívoco que comprometesse a
compreensão do leitor em relação à propaganda. Pelo contrário, o uso do lexema
„pneuzinhos‟ teve a função de chamar a atenção do seu público alvo: a mulher.
Podemos observar também a ocorrência de outros elementos que também causam
indeterminação de sentido, são eles: „novos‟, „deixar‟ e „segura‟, os quais contribuem para
o reconhecimento do sentido pretendido no anúncio publicitário em foco na presente
análise.
Na expressão „Quem diria que uns pneuzinhos novos iriam te deixar mais segura‟, o
item lexical „novo‟ faz referência a „pneuzinhos‟, que é uma palavra que apresenta, nessa
situação, pelo menos dois sentidos, os quais já foram vistos aqui: um, no sentido de pneu
de veículo, e outro, no sentido de gordura localizada nos flancos. Esse item polissêmico
vem acompanhado do adjetivo „novo‟, que é, segundo Aragão Neto (2012), uma palavra
que denota propriedades que não podemos medir precisamente, e de acordo com Trindade
(2006, p. 19), os adjetivos são palavras vagas, pois não há um limite preciso de sua
aplicabilidade. Desse modo, o item „novo‟ apresenta as propriedades da escalaridade, pois
o substantivo a que ele se refere, „pneuzinhos‟, pode ser mais novo para uma pessoa, mas
não para outra; e a propriedade da comparação, pois os pneuzinhos podem ser mais novos
do que outros, dando lugar, nesse caso, aos seminovos, ou novo apenas no carro, ainda que
nem seja seminovo. Assim, os seus sentidos devem ser acessados numa ocorrência
específica, ou seja, devem ser buscados num determinado contexto e não no léxico.
Em contraposição, „novo‟ também é ambíguo, pois apresenta pelo menos dois
sentidos para qualificar os „pneuzinhos‟ como sendo novos: um deles atribui a qualidade às
rodas de veículos de serem novas, mesmo que não haja propriedades que possa medir esse
item; e atribui a qualidade de novo à aquisição de gorduras localizadas na região dos
flancos.
Outro elemento que está semanticamente indeterminado neste anúncio é a palavra
„deixar‟, empregada no sentido de “tornar”. Assim sendo, estamos diante de um caso de
25
Entendemos aqui designer enquanto objeto estético do discurso da publicidade (SANT‟ANNA, 1988).
48
ambiguidade lexical, gerada pela homonímia, visto que os possíveis sentidos de „deixar‟
(largar, parar e renunciar) não se relacionam com o sentido de “tornar”: „quem diria que uns
pneuzinhos novos iriam te TORNAR mais segura‟.
Por fim, temos a palavra „segura‟, que torna evidente que o público em potencial
desse anúncio é a mulher, haja vista que „segura‟ é uma palavra feminina. Com efeito, esse
mesmo item admite dois prováveis sentidos que, embora não pertençam à mesma classe de
palavras, estão relacionados entre si: um deles se refere ao adjetivo „segura‟, que admite os
sentidos de algo ou alguém ser firme e determinado, e o outro se refere ao verbo „segurar‟,
nos sentidos de sustentar e apoiar. Os sentidos de „segura‟, na classe dos substantivos e
verbos, convergem para a relação com algo fixo. Estamos, portanto, diante de uma
ambiguidade do tipo lexical, gerada pela polissemia, pois a variação de sentido incide
somente sobre o item„segura‟ e seus sentidos têm relação entre si.
Por conseguinte, à medida que o anunciante utiliza dessa retórica, a ambiguidade e
a vagueza, aumenta a chance de levar o seu possível cliente à ação por meio da palavra,
pois, segundo Sandmann (2001. p. 74), a variação de sentido ocupa a atenção do leitor ao
“desafiá-lo a entender a mensagem”. Com isso, o anunciante o leva a refletir sobre os
benefícios e vantagens do produto ou serviço que está à venda, aumentando a convicção do
leitor de que precisa consumir o produto ou utilizar do serviço.
49
2.5. Análise do anúncio 5
Fonte: Fernanda Paiva, 2013.
O anúncio 05 é uma propaganda do Mangai26, reconhecido por meio do seu
logotipo27. O anunciante utiliza do outdoor como meio publicitário para divulgar o tipo de
comida oferecido pelo restaurante: a nordestina. Vale destacar que o outdoor é um recurso
disposto a tornar visível a propagação, em massa, de produtos, idéias ou serviços.
O texto que compõe o material linguístico da propaganda em foco é a expressão
“Nordestino com muito gosto”, a qual divide espaço com a logomarca. Considerando que o
leitor tem conhecimento sobre a especialidade do Mangai, será reconhecido na palavra
„gosto‟ mais de um sentido, tornando a propaganda ambígua. As duas interpretações
possíveis para esse item lexical são: „gosto‟ associado ao sabor da comida nordestina, uma
vez que o Mangai é um restaurante onde são preparadas e vendidas comidas próprias do
26
Restaurante cuja culinária é típica do Nordeste (http://www.mangai.com.br/site/o-mangai/historia/. Acesso
em: 14 mar. 2013).
50
Nordeste; e „gosto‟ associado ao orgulho/prazer que alguém ou alguma instituição sente de
ser nordestino.
Temos, portanto, um caso de ambiguidade lexical, pois a variação de sentido incide
sobre uma palavra: „gosto‟. O fenômeno que a fez emergir é chamado de polissemia, visto
que os sentidos gerados se relacionam ao convergir para um mesmo sentido de um mesmo
item lexical, ou seja, ambos os sentidos convergem para o sentido de apreciação.
Esse é um caso de indeterminação semântica que pode ser identificada pelo critério
da lexicalização, sugerido por Moura (2001). Esse critério é satisfatório porque os sentidos
gerados pelo lexema „gosto‟ não se originam do contexto, mas estão previamente
disponíveis no léxico. Por conseguinte, os sentidos são encontrados no dicionário porque
correspondem a uma cristalização do uso. Logo, este é um caso de ambiguidade gerada
pela polissemia do item lexical „gosto‟. Cabe salientar que o critério da lexicalização, ou
idiomatização de unidades lexicais (SANDMANN, 2001, p. 88), é um dos fatos da nossa
língua que estão presentes na linguagem da propaganda.
Todavia, „gosto‟ também é vago, pois é uma palavra que denota propriedades que
não temos como medir precisamente, pois não existe um conjunto de exatas propriedades
X que classifique uma comida como aquela que tem gosto. Para Kempson (1977), esse tipo
de vagueza é chamada de referencial, posto que o termo vago é solícito para admitir
sentidos a partir do ponto de vista que está servindo de referência. Por conseguinte, o item
lexical „gosto‟ apresenta a propriedade de escalaridade, visto que algo pode ter pouco gosto
ou até mesmo muito gosto, como no caso da propaganda em análise; e a propriedade de
comparação, uma vez que algo pode ter mais gosto do que o outro.
Além da ambiguidade na palavra „gosto‟, há o item „nordestino‟, que também é
ambíguo, pois apresenta dois sentidos. Retomemos a expressão linguística „Nordestino
com muito gosto‟. Nessa sentença, a palavra „nordestino‟ está associada aos sentidos de
que é considerado nordestino aquele que nasce no Nordeste, ou é considerado nordestino
aquele que sente identidade cultural com a região. Temos, portanto, um caso de
ambiguidade lexical, pois, além da variação de sentidos que incide sobre o item „Nordeste‟,
seus sentidos estão relacionados entre si.
27
Tem a função de “ficar gravado, definitivamente, na memória, por meio de estímulos visuais [...]. O logotipo,
signo, sinal, símbolo ou marca são nomes usados indistintamente para designar a essência de uma empresa, seja
ela pública ou particular”. (SANT‟ANNA, 1996, p. 130).
51
Adotando o critério de lexicalização, proposto por Moura (2001), podemos tornar
evidente que se trata de um caso de polissemia, haja vista que os sentidos selecionados
para o termo „nordeste‟ se encontram no léxico, logo, seus sentidos são lexicalizados.
Todavia, o termo „nordestino‟ também pode se apresentar vago, se visto não no sentido de
que alguém nasceu no Nordeste, pois ou se nasce no Nordeste ou não se nasce no
Nordeste, mas sim por apresentar identidade com a cultura nordestina, ao assimilar
particularidades como o dialeto e/ou algum costume. Isto porque neste segundo sentido
não se sabe até que ponto se pode considerar uma pessoa nordestina.
Após essa análise, a propaganda 05 deixa em aberto a interpretação do conteúdo
semântico do anúncio em divulgação no outdoor: se é a comida do restaurante que tem
muito gosto e/ou se é o restaurante que tem orgulho/prazer de ser nordestino. No entanto, a
ocorrência das palavras polissêmicas e vagas, „gosto‟ e „nordestino‟, não prejudicou o
propósito do anúncio, que é divulgar o Restaurante Mangai.
2.6. Análise do anúncio 6
28
A propaganda 06 apresenta um desodorante da marca AXE, cuja fragrância e
composição são destinados ao público masculino, que é o cliente em potencial desse
segmento de desodorantes. Um dos indícios de que esse anúncio publicitário se dirige ao
público masculino jovem/adolescente representado pela imagem de um rapaz que
28
http://www.google.com.br/imgres?q=Ambiguidade&um=1&hl=ptBR&tbo=d&noj=1&tbm=isch&tbnid=Umcu
RbaUTXSGwM:&imgrefurl=http://tiagoxpressao.blogspot.com/2011/05/linguagemambiguidade.html&docid=y9
63lgMXBhh4RM&imgurl
52
apresenta não apenas o produto, mas o seu corpo, ao usar o desodorante. Esse é um critério
que tem como objetivo primário a venda do produto, porém, para alcançar seu propósito, o
anunciante utiliza da criatividade imagética, através do rapaz, para tornar o anúncio
atrativo, afinal, a compra do produto é resultado de um jogo persuasivo com o leitor.
Observemos agora a expressão linguística usada pelo anunciante: „O aerosol que
cabe no seu bolso‟. Na sentença “O aerosol que cabe no seu bolso” há a ocorrência da
ambiguidade lexical gerada pelo fenômeno da polissemia, uma vez que o item lexical
„bolso‟ produz duas possíveis interpretações cujos sentidos estão relacionados entre si: o
primeiro está associado ao pequeno saco preso a uma peça de roupa (calças, short etc.); e o
segundo, tem seu sentido associado ao valor monetário do produto à venda. Assim sendo,
há uma relação semântica entre dinheiro e bolso uma vez que no dia a dia comumente se
guarda(va) o dinheiro (de uso imetidato) no bolso. Esses dois sentidos possíveis para a
palavra „bolso‟ se revelam um no sentido literal e outro no sentido metonímico. Ao
primeiro corresponde dizer que „bolso‟ significa o saco preso a uma peça de roupa, que
serve para guardar alguma coisa; e ao segundo, há a metonímia continente pelo conteúdo.
Agora, fixemos nossa atenção na expressão „AXE compact‟, que corresponde à
primeira expressão linguística situada no lado direito do anúncio. Ela nos fornece a
informação de que o desodorante ‘AXE’ é compact, ou seja, comprimido, reduzido no
volume. Isto ativa o sentido de que o desodorante „Axe compact‟ cabe até mesmo no saco
preso a uma peça de roupa, o bolso, haja vista que a embalagem de até 89 ml pode até ser
carregada no bolso. Com efeito, o sentido de que „bolso‟ se associa ao valor monetário do
produto à venda advém do sentido de que tem um preço acessível aos consumidores de
spray, até mesmo pelo tamanho, pois uma vez que o produto é menor, supostamente ele
custa menos, o que corresponde dizer que „bolso‟ está associado ao valor monetário do
desodorante, ou seja, por ser ele de baixo preço, torna-se mais acessível, pois há uma
economia de dinheiro ao comprá-lo. Assim, o sentido de „caber no bolso‟ é usado na
propaganda, pois a imagem de que o produto é prático e barato constitui uma razão para
que o consumidor prefira a sua marca à dos concorrentes.
De acordo com o critério de lexicalização, sugerido por Moura (2001), podemos
ratificar que „bolso‟ é polissêmico, pois os sentidos gerados para esse item lexical estão
previamente disponíveis no léxico.
53
Em síntese, o sentido a ser selecionado para a polissemia da palavra „bolso‟ na
sentença „O Aerosol que cabe no seu bolso‟ ficará a critério do leitor, pois o termo não é
desambiguado, ou seja, o anunciante apresenta a ambiguidade na divulgação do produto,
mas não a elimina, deixando que seus clientes selecionem o sentido. No entanto, a escolha
pelo leitor de um ou outro sentido não prejudica a venda do produto, pois o desodorante
pode custar pouco em termos de dinheiro, por isso cabe no bolso do possível consumidor,
ou pode ser de tamanho pequeno, o que também é possível, até porque o próprio anúncio o
apresenta como „Axe compact‟, ou ainda ambos podem valer para o termo „bolso‟,
constituindo num produto de baixo custo e de tamanho pequeno.
2.7. Breve discussão sobre as análises
Sant‟Anna (1996) explica que a publicidade usa todos os meios possíveis para
causar maior efeito sobre a massa e levá-la a comprar a coisa anunciada. Isso é feito por
meio da construção e exposição de uma ideia publicitária concisa, que objetiva atrair a
atenção, despertar o interesse, criar a convicção, provocar uma resposta e fixar na memória
do seu leitor o produto ou serviço anunciado.
O que podemos perceber nas seis propagandas analisadas é que tanto a
ambiguidade quanto a vagueza são utilizadas como recursos para atrair a atenção do leitor
para a mensagem anunciada, haja vista sua maneira econômica e, contraditoriamente,
precisa de expressar a publicidade anunciada, visto que o anunciante não é obrigado a fazer
determinadas escolhas. Assim, o leitor do anúncio é responsável em atribuir sentidos a
itens lexicais ambíguos e vagos, sintagmaticamente disponíveis em expressões linguísticas
que, associadas às imagens fotográficas, geram e às vezes desfazem a indeterminação de
sentidos.
Contudo, os itens lexicais de maior relevância para os seis anúncios publicitários
analisados são aqueles cuja indeterminação de sentido é gerada pela ambiguidade lexical
dos itens classificados como polissêmicos. Isto porque entre todos os anúncios aqui
examinados há apenas um item considerado homônimo, e este, juntamente com os itens
vagos, não corresponde ao mais relevante para a seleção do sentido pretendido das
54
propagandas analisadas. Por conseguinte, no primeiro anúncio, o item mais relevante é
„delícia‟; no segundo é „coroa‟; no terceiro é „Bronze‟; no quarto é „pneuzinhos‟; no quinto
é „gosto‟; e no sexto é „bolso‟. Essa identificação foi possível de ser feita levando em
consideração o sentido almejado pelos anúncios, sendo estes itens citados os fundamentais.
O objetivo do anunciante é produzir bons anúncios, cuja eficiência é comprovada
ao apresentar o produto ou serviço, ter credibilidade e atender, geralmente, mas não
necessariamente, às necessidades básicas da massa, pois a motivação que leva um
indivíduo a consumir algo, também decorre do desejo que um anúncio gera através de sua
mensagem, sem que haja no leitor a necessidade do consumo. Todavia, Sant‟Anna (1996)
afirma que de pouco valerá um anúncio publicitário se o veículo escolhido para divulgá-lo
não for adequado para atingir o público que tem, por exemplo, condição financeira para
comprar a coisa anunciada. É preciso encontrar, segundo Sant‟Anna (1996, p. 194), “um
meio, uma forma ou recurso capaz de levar ao conhecimento do grupo consumidor a
mensagem publicitária”. Nesse sentido, os veículos publicitários utilizados nas
propagandas analisadas foram os visuais, que são o outdoor e a revista.
Em síntese, a ambiguidade e a vagueza, ao contrário da visão tradicional de que são
desvios da língua, apresentam-se, em termos de comunicação publicitária, como
propriedades linguísticas muito úteis, pois dão flexibilidade e riqueza à linguagem. Com
efeito, os fenômenos semânticos da ambiguidade lexical, gerada pela polissemia e
homonímia, e a vagueza, gerada pelo caráter impreciso das propriedades que algumas
palavras denotam, provocam reflexões que conduzem, geralmente, à ação de comprar, ou
seja, à obtenção do produto ou serviço divulgado. No caso específico das propagandas
analisadas, a variação de sentido é, não só aceita, como utilizada para criar bons textos com
poucas palavras, tornando a leitura do anúncio rápida e incisiva.
55
56
CONCLUSÃO
Neste trabalho, propomos a apresentar uma análise da ocorrência de dois tipos de
indeterminação semântica: a ambiguidade lexical, gerada pelos fenômenos da polissemia e
homonímia, e a vagueza, gerada pelo caráter impreciso das propriedades que algumas
palavras denotam. Para isso, analisamos seis textos propagandísticos que dão margem às
variadas possibilidades de sentido sobre um mesmo item lexical, sem comprometer o
propósito da comunicação comercial dos anúncios publicitários, que é incutir uma ideia na
mente da massa, criar o desejo pela coisa anunciada e levar a massa ao ato da compra.
Após o estudo e análise desses anúncios publicitários, pudemos chegar à conclusão
de que a ocorrência de ambiguidade na propaganda não é reflexo de uma má construção
textual e muito menos é uma falha na comunicação linguística. Pelo contrário, recorre-se à
ambiguidade para auxiliar no processo de persuasão e convencimento de que a coisa
anunciada beneficia e traz vantagens para o seu consumidor, visto que essa linguagem
criativa faz o leitor parar, ler, e às vezes refletir sobre a mensagem que lhe é dirigida.
Sendo assim, as propagandas analisadas utilizam de uma linguagem ambígua para chegar à
sua porfia maior, que é prender a atenção do leitor, com a finalidade de levá-lo à compra do
produto ou serviço.
Nas propagandas analisadas, outro tipo de indeterminação semântica, a vagueza,
atende ao propósito da propaganda. De acordo com Sant‟Anna (1996), o anúncio
publicitário de maior efeito é aquele que apresenta a sua ideia de modo conciso; e a
vagueza
é,
segundo
Cançado
(2005,
p.
60),
uma
“maneira
econômica
e,
contraditoriamente, exata de nos expressarmos, sem que sejamos obrigados a determinadas
escolhas, às vezes, muito complicadas no uso da língua”. Por conseguinte, o emprego de
itens lexicais que geram falta de precisão não atrapalha o propósito da comunicação
publicitária, que é, como já dito, levar o leitor à compra do produto ou serviço. Portanto, a
posição defendida aqui e ressaltada por Moura (2001, p. 113) é a de que a vagueza e a
ambiguidade lexical dão “flexibilidade e riqueza à linguagem”, em especial, referimo-nos à
linguagem do anúncio publicitário, que é o nosso objeto de estudo.
Com a análise das propagandas, pudemos categorizá-las em três tipos, segundo a
ocorrência de ambiguidade: todos os seis anúncios publicitários fazem uso de construções
57
linguísticas com itens ambíguos, porém, no primeiro e segundo anúncio a ambiguidade é
desfeita por meio de expressões linguísticas; no terceiro e quarto, a ambiguidade,
contraditoriamente, não deixa o texto ambíguo, pois o anúncio usa de imagens fotográficas
que selecionam o sentido pretendido; e no quinto e sexto, a ambiguidade é deixada no ar, a
serviço, mas não necessariamente, do leitor, pois ele apenas selecionará um dos possíveis
sentidos já dispostos no anúncio, sendo todos eles correspondentes ao sentido pretendido
com a propaganda, o que não prejudica a mensagem publicitária.
Por meio dessa análise, pudemos observar que todas as expressões linguísticas
ambíguas e vagas, utilizadas nas propagandas – „Você nunca viu tanta delícia junto. Ei,
estamos falando na nova Nhá Benta‟ (texto 1), „Como arrumar uma coroa‟ (texto 2), „Neste
PAN, garanta pelo menos um Bronze‟ (texto 3), „Quem diria que uns pneuzinhos novos
iriam te deixar mais segura‟, (texto 4), „Nordestino com muito gosto‟ (texto 5) e „AXE
compact: o aerosol que cabe no seu bolso‟ (texto 6) – assumem o propósito comunicativo
de provocar no leitor uma ação linguística reflexiva que tende a levá-lo a consumir a coisa
anunciada.
Todavia, os itens lexicais polissêmicos são os mais relevantes para os anúncios
publicitários examinados, haja vista que a vagueza e a homonímia, embora encontradas nas
expressões linguísticas que compõem as seis propagandas selecionadas para a análise, não
são determinantes para a seleção do sentido que pretende cada um desses anúncios.
A indeterminação de sentido dos itens lexicais escolhidos para construir
linguisticamente as propagandas, traz consigo um sentido já existente, um sentido de base,
porém, quando sintagmatizados nesses textos publicitários, passamos a atribuir outros
sentidos para esses mesmos itens lexicais. Vemos, portanto, que os anúncios, aqui
analisados, embora façam uso da ambiguidade e vagueza, não têm o seu sentido
prejudicado, pois o contexto, construído por meio de expressões linguísticas e imagens
fotográficas do produto à venda, direciona o sentido pretendido.
Este trabalho é uma tentativa de desmistificar o (pré)conceito de que a ambiguidade
e a vagueza devem ser banidas da comunicação linguística, haja vista o seu caráter
indeterminado para o sentido. Temos consciência das limitações do presente estudo, sendo
necessário um maior aprofundamento sobre o assunto. Diante disso, não pretendemos
estabelecer uma única visão sobre a ocorrência da ambiguidade e vagueza nas
58
propagandas, mas mostrar, através da análise de anúncios publicitários, situações em que a
ambiguidade e a vagueza podem ser usadas como recursos linguísticos que atendam a um
propósito comunicativo.
59
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Ambiguidade Lexical - CCHLA - Universidade Federal da Paraíba