Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Tecnologia e Ciências
Instituto de Física
Andrea Mantuano Coelho da Silva
Avaliação da concentração de Cl, K e Ca na urina, hemolinfa e
túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus usando a técnica de
fluorescência de raios X por reflexão total por radiação síncrotron
(SR-TXRF)
Rio de Janeiro
2012
Andrea Mantuano Coelho da Silva
Avaliação da concentração de Cl, K e Ca na urina, hemolinfa e túbulos de
Malpighi de Rhodnius prolixus usando a técnica de fluorescência de raios X
por reflexão total por radiação síncrotron (SR-TXRF)
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-graduação em Física, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Orientadora:
Coorientadora:
Prof.ª Dra. Regina Cély Barroso
Prof.ª Dra. Patricia Azambuja
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CTC/D
S586
Silva, Andréa Mantuano Coelho da.
Avaliação da concentração de CI, K e Ca na urina,
hemolinfa e túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus usando
a técnica de fluorescência de raios X por reflexão total por
radiação síncroton (SR-TXRF) / Andréa Mantuano Coelho da
Silva. – 2012.
82 f.: il. color.
Orientadora : Regina Cely Rodrigues Barroso.
Coorientadora : Patrícia Azambuja.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Física Armando Dias Tavares.
1.Fluorescência de raio X -Teses. 2. Espectroscopia de
fluorescência -Teses. 3. Radiação sincroton -Tese. 4. Física
médica - Teses I. Barroso, Regina Cely Rodrigues. II. Azambuja,
Patrícia. III. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
de Física Armando Dias Tavares. IV. Título.
CDU 535.37
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que citada a fonte.
________________________________________________
Assinatura
____________________
Data
Andrea Mantuano Coelho da Silva
Avaliação da concentração de Cl, K e Ca na urina, hemolinfa e túbulos de
Malpighi de Rhodnius prolixus usando a técnica de fluorescência de raios X
por reflexão total por radiação síncrotron (SR-TXRF)
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-graduação em Física, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Aprovada em 5 de setembro de 2012.
Orientadora:
Coorientadora:
Prof.ª Dra. Regina Cély Barroso
Instituto de Física - UERJ
Prof.ª Dra. Patricia Azambuja
Fundação Oswaldo Cruz
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Nilson Antunes de Oliveira
Instituto de Física - UERJ
Prof. Dr. Pedro Jorge von Ranke Perlingeiro
Instituto de Física - UERJ
Dr. Carlos Alberto Perez
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
Prof.ª Dra. Simone Coutinho Cardoso
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
Dedico ao meu avô Salvatore Mantuano que sempre, enquanto esteve entre nós, foi
o mais orgulhoso e amoroso avô do mundo!!! Te amo onde quer que você esteja!
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço a Deus por me mostrar que os caminhos mais
árduos são pelos quais mais aprendemos e crescemos.
Agradeço a essa família perfeita que Deus me deu, minha irmã, minha
segunda mãe, foi importantíssima assim como meus pais por toda a paciência e
muita, mas muita ajuda em todas as madrugadas sem dormir e almoços sem
comer (não é mãe?)!
O meu amor Alexandre sempre fundamental na minha vida e principalmente
nos meus finais de semana, para relaxar, para curtir, e para me divertir e me fazer
bem! O amor cura qualquer cansaço!
Aos meus amigos, que juntos nos divertimos, mas também precisamos
algumas vezes perder um ou mais finais de semana para escrever um artigo,
estudar para um concurso... Coisas da vida que só amigos de verdade entendem
não é Felipe Leão e Camilla Lopes?!
Agradeço a Professora Doutora, e mãe postiça, Regina Cely por toda a
disposição de fazer dar certo, de acreditar em mim e correr atrás junto comigo
dessa conquista. Obrigada por sua amizade e carinho de sempre desde a
iniciação científica! Claro que... Quando crescer quero ser igual a você!
Aos amigos do grupo de trabalho do Laboratório de Física Aplicada às
Ciências Biomédicas e Ambientais, Lab_FisMed, porque todos, sem exceção, me
ajudaram em alguma (ou muitas) etapas do meu trabalho. Em especial à Arissa
Pickler, que colocou muitas horas e até dias, à minha disposição! Uma aluna (e
principalmente ajudante, e como ela diz: escrava rsrs) exemplar que tem um futuro
maravilhoso com certeza!
Aos professores Patricia Azambuja da FIOCRUZ, Marcelo S. Gonzalez da
UFF, e as alunas Marcela Figueiredo e Bianca Henriques, obrigada pelas
amostras cedidas, pela mão de obra, pela amizade e confiança ao ceder livre
acesso ao Laboratório de Bioquímica de insetos. À professora Simone Cardoso do
Instituto de Física da UFRJ pela amizade e principalmente pelo trabalho feito
conosco durante tanto tempo (inclusive às noites sem dormir no LNLS). À todos
pela dedicação e empenho para a realização deste trabalho.
Ao laboratório Nacional de Luz Síncrotron, LNLS, Projetos XRF-10959 e
XRF-11776, pela oportunidade e disponibilidade de trabalharmos com seus
equipamentos de alta tecnologia e assim obtermos os melhores resultados
possíveis para este trabalho. Estou realmente grata ao Dr. Carlos Alberto Perez
pela atenção incessante e suporte nas medidas de fluorescência durante todo o
experimento.
Não poderia deixar de agradecer ao secretário do Programa de Pós
graduação do Instituto de Física: Rogerio Teixeira! Esse homem sabe tudo,
resolve tudo...É uma loucura! Obrigada Rogerio, você também faz parte disso!
Agradeço as agências Brasileiras PAPES-FIOCRUZ, IOC-FIOCRUZ,
PDTIS-FIOCRUZ, CNPq, FAPERJ e CAPES pelo apoio financeiro.
"Seja a mudança que você quer ver no mundo"
Dalai Lama
RESUMO
SILVA, Andrea Mantuano Coelho da. Avaliação da concentração de Cl, K e Ca na
urina, hemolinfa e túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus usando a técnica de
fluorescência de raios X por reflexão total por radiação síncrotron (SR-TXRF). 2012.
82 f. Dissertação (Mestrado em Física) - Instituto de Física, Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Neste trabalho utilizou-se a técnica fluorescência de raios X usando radiação
síncrotron (SR-TXRF) para estudar, quantitativamente, o transporte de cloro,
potássio e cálcio na hemolinfa, urina e túbulos de Malpighi (TM) em ninfas de quinto
estágio do Rhodnius prolixus (R. prolixus), considerando a excreção destes
elementos em diferentes dias após o repasto sanguíneo. R. prolixus é um dos
principais vetores do Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas. R.
prolixus fornece um sistema modelo particularmente útil porque seus TMs tanto
secretam quanto reabsorvem íons a taxas elevadas. Os TMs filtram a hemolinfa e
secretam um líquido que é muitas vezes comparado com a urina primária em
vertebrados. Os resultados obtidos mostram que a concentração de potássio na
urina é substancialmente maior do que na hemolinfa. A concentração de cloro na
hemolinfa é menor do que na urina, mas a diferença não é tão marcada como no
caso do potássio. No caso do Rhodnius é razoável interpretar a elevada
concentração de potássio na urina como adaptativo para o problema de excreção
imediato do inseto. A concentração de cálcio nos TMs é substancialmente maior em
comparação com os valores encontrados na hemolinfa e urina. Este resultado
mostra que o cálcio é retido no corpo do R. prolixus e pouco eliminado. Os
resultados obtidos estão coerentes com a literatura. Avaliou-se também o efeito no
transporte de Cl, K e Ca após um repasto de sangue de coelho contaminado com
HgCl2 de modo a avaliar o efeito da presença deste metal tóxico no balanço iônico
nos fluidos de excreção urina e hemolinfa e também pelo principal órgão de
transporte, os túbulos de Malpighi. As excreções de Cl e K pela urina são afetadas
pela ingestão. Este resultado é esperado levando-se em consideração a ingestão de
excesso de Cl através do HgCl2. O transporte de Cl, K e Ca na hemolinfa do
Rhodnius prolixus não é afetada pela ingestão de HgCl2. Nos túbulos de Malpighi,
as altas concentrações de Ca obtidas foram comparáveis àquelas encontradas nos
insetos controle. Pode-se concluir que SR-TXRF é um método muito promissor para
análises diretas, rápidas e confiáveis para a quantificação simultânea de elementos
envolvidos na regulação do transporte e em todo o sistema excretor de insetos.
Além disso, o estudo do transporte e a excreção de elementos no inseto Rhodnius
prolixus abrem oportunidade para a maior compreensão de efeitos da poluição em
espécies de invertebrados.
Palavras-chave: Rhodnius prolixus. Túbulos de Malpighi. Excreção. Fluorescência de
raios X por reflexão total. Luz Síncrotron.
ABSTRACT
In this work, we investigated changes in the concentrations of Cl, K and Ca, in
5th instar Rhodnius prolixus using total reflection X-ray fluorescence with synchrotron
radiation (SR-TXRF). The elements were quantified using urine, hemolymph and
Malpighian tubules samples collected on different days after a blood meal. Rhodnius
prolixus is one of the most important vectors of the Trypanosoma cruzi, causative
agent of Chagas? disease. R. prolixus provides a particularly useful model system
because its MTs both secrete and reabsorb ions at high rates. The TMs filter
hemolymph and secrete a liquid that is often compared with the primary urine in
vertebrates. The experimental results showed that the concentration of potassium in
the urine is substantially greater than in the hemolymph. The concentration of
chlorine in the hemolymph is generally less than in the urine, but the difference is not
so marked as in the case of potassium. In the case of Rhodnius, it is reasonable to
interpret the high concentration of potassium in the urine as adaptive to the animals?
immediate excretory problem. The concentration of calcium in the TMs is
substantially greater than in both the hemolymph and the urine. This result shows
that that calcium is retained in the body and not eliminated. These results are in
accordance with the literature. We also investigated whether dietary mercury
contamination may influence the transport of Cl, K and Ca by the hemolymph, urine
and Malpighian tubules of R. prolixus fed on blood containing HgCl2. The results
suggested that dietary Hg contamination may influence the Cl and K contents during
excretion of the urine. It was expected considering the large amounts of chlorine
ingested by Rhodnius prolixus in its meals of blood containing HgCl2. Statistical
analysis showed no significant variation in all elements contents for hemolymph
samples. The main conclusion which can be drawn from the results is that in all the
insects studied calcium is deposited in Malpighian tubules. These observations point
out that the analytical approach of the SR-TXRF method can be efficiently used to
measure elements involved in the transport regulation into insect Malpighian tubules
and also provides useful data concerning the biological effects of pollution on
invertebrate species.
Keywords: Rhodnius prolixus. Malpighian tubules. Excretion. Total Reflection X-Ray
Fluorescence. Synchrotron radiation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Esquema para o efeito fotoelétrico
22
Figura 2 - Energia de ligação ou corte de absorção dos elétrons dos níveis K, L e
M em função do número atômico (Z)
23
Figura 3 - Esquema para o efeito fotoelétrico para as transições entre as
camadas K e L
23
Figura 4 - Exemplo de espectro de raios X característico para uma amostra de
águas pluviais por SR-TXRF
24
Figura 5 - Rendimento da fluorescência das camadas K, L e M em função do
número atômico (Z)
26
Figura 6 - Representação da refração e reflexão de um feixe de radiação
incidindo em um material com um ângulo theta1 e refletido com um
ângulo theta1r
29
Figura 7 - Representação esquemática do fenômeno de refração e reflexão
29
Figura 8 - Esquema de arranjo experimental para TXRF
30
Figura 9 - Rhodnius prolixus (5° estágio)
36
Figura 10 Esquema do ciclo biológico do parasita Trypanosoma cruzi com o
inseto vetor . O inseto alimentado com sangue infectado com a forma
tripomastigota os quais se transformam em epimastigotas e alguns
spheromastigotes no estômago (A). No intestino, epimastigotas
multiplicadas (B) população de parasitas crescendo. No reto,
epimastigotas se transformam em tripomastigotas metacíclicas (C) os
quais são eliminados com as fezes e a urina
36
Figura 11
Mecanismo global de excreção dos insetos
-
39
Figura 12
Túbulos de Malpighi de Drosophila
-
40
Figura 13
Mecanismo de absorção de túbulo de Malpighi e secreção
-
41
Figura 14
A formação de urina primária e secundária no sistema excretor
-
42
Figura 15 Micrografias eletrônicas de cortes longitudinais através do túbulo de
Malpighi de Rhodnius prolixus com esferas de cálcio
44
Figura 16 Diferentes funções em diferentes insetos que o túbulo de Malpighi
pode assumir
44
Figura 17 Adaptador artificial de alimentação para o Rhodnius prolixus
Figura 18
Suportes para coleta de urina no 1º e no 2º dia após alimentação
-
46
47
Figura 19 Eppendorf acoplado para coleta de urina 1 e 2 dias após a
alimentação
48
Figura 20 Coleta de hemolinfa através de um capilar 2 e 5 dias após a
alimentação
48
Figura 21 Fixação do inseto no microscópio para dissecação e coleta das
amostras de túbulo de Malpighi
49
Figura 22 Foto da linha D09B-XRF do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
(LNLS)
52
Figura 23 Espectro característico típico obtido para uma amostra de túbulo de
Malpighi
53
Figura 24
Curva de sensibilidade elementar para série K
-
54
Figura 25 Curva obtida para o limite de detecção para as amostras de túbulo de
Malpighi de Rhodnius prolixus
55
Figura 26 Curva obtida para o limite de detecção para as amostras de hemolinfa
de Rhodnius prolixus
56
Figura 27 Curva obtida para o limite de detecção para as amostras de urinade
Rhodnius prolixus
56
Figura 28 Gráfico das concentrações para as amostras de urina e túbulos de
Malpighi de Rhodnius prolixus 1 dia após o repasto sanguíneo
59
Figura 29 Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa, urina e
túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus 2 dias após o repasto
sanguíneo
59
Figura 30 Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa e túbulos
de Malpighi de Rhodnius prolixus 5 dias após o repasto sanguíneo
61
Figura 31 Gráfico das concentrações para as amostras de urina e túbulos de
Malpighi de Rhodnius prolixus 1 dia após o repasto sanguíneo
64
Figura 32 Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa, urina e
túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus 2 dias após o repasto
sanguíneo
64
Figura 33 Gráfico das concentrações para as amostras de túbulos de Malpighi
de Rhodnius prolixus 1, 2 e 5 dias após o repasto sanguíneo para os
insetos de controle e tratados
Figura 34 Gráfico das concentrações para as amostras de túbulos de Malpighi
66
-
de Rhodnius prolixus 1, 2 e 5 dias após o repasto sanguíneo para os
insetos de controle e tratados
67
Figura 35 Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa de
Rhodnius prolixus 2 e 5 dias após o repasto sanguíneo para os insetos
de controle e tratados
68
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Concentrações para Solução Padrão
51
Tabela 2 - Comparação das concentrações elementares (mg/mL) para amostras
de túbulos de Malpighi, urina e hemolinfa coletadas em diferentes
dias após a alimentação
58
Tabela 3 - Comparação das concentrações elementares (mg/mL) para amostras
de túbulos de Malpighi, urina e hemolinfa coletadas em diferentes
dias após a alimentação com HgCl2
63
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
14
1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
19
1.1
Espectroscopia por fluorescência de raios X
19
1.1.1
1.2.1
Fluorescência de raios X por reflexão total utilizando luz síncrotron
(SR-TXRF)
27
Análise quantitativa por TXRF
33
Limite de detecção (LD)
35
Triatomíneos de importância médica
36
Rhodnius prolixus e o sistema excretor
37
2
METODOLOGIA
46
2.1
Preparação de amostras
2.1.1
2.1.2
2.1.3
2.2
Alimentação dos insetos
Coleta de urina, hemolinfa e túbulo de Malpighi
Procedimento de preparação de amostra para análise de SR-TXRF
Preparo de amostras padrão
46
46
47
49
2.3
Instrumentação e medidas
51
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
53
3.1
Análise por TXRF
3.1.1
3.1.2
3.2
Curva de Sensibilidade
Limite de detecção
Análise dos resultados
53
54
55
3.2.1
3.2.2
4
Avaliação de amostras controle
Avaliação de amostras tratadas com HgCl2
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
1.1.2
1.1.3
1.2
51
57
57
62
70
73
14
INTRODUÇÃO
O uso de métodos analíticos mais rápidos e precisos para análise de fluidos
biológicos pode e vem proporcionando uma melhor compreensão da excreção do
inseto Rhodnius prolixus e vem sendo estudado de várias formas por muitos autores
ao longo dos anos (JONES, 1962,1965; BENNUN ; GOMEZ, 1997; HED 1977;
VERHOEF, 1985; GIAIMIS et al., 1992; MANTUANO, 2012a, 2012b; GOMES et al.,
2002). O uso potencial das técnicas de espectrometria de raios X usando radiação
síncrotron vem fornecer novas soluções para problemas do tipo excreção e
comportamento hormonal, elementar e imune de insetos.
A Fluorescência de raios X (XRF) foi efetivamente introduzida como técnica
de análise elementar na década de 50, quando os primeiros equipamentos de XRF
tornaram-se disponíveis comercialmente. Estes equipamentos utilizavam um sistema
de Fluorescência de raios X por dispersão de comprimento de onda (WDXRF).
Nestes sistemas, os raios X característicos são selecionados, por um cristal difrator,
de acordo com seus comprimentos de onda obedecendo a Lei de Bragg da difração
(LACHANCE ; CLAISSE, 1995).
Uma importante variante da XRF denomina-se Fluorescência de raios X por
reflexão total (TXRF) a qual vem sendo utilizada principalmente para identificação de
elementos traço (na faixa de µg mL-1) (BAUR et al, 2001; VARGA, 1999), através de
suas concentrações, em amostras líquidas (da ordem de µL) e amostras sólidas (na
ordem de µg) precedidas por digestão química (MISTRA et al.,2002; NASCIMENTO,
1999; STOSNACHA, 2009).
Técnicas instrumentais modernas, assim como espectrometria de emissão
óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES), espectrometria de massa
com plasma acoplado (ICP-MS); e espectrometria de absorção atômica (AAS); têm
sido utilizadas para a determinação de elementos traço de várias formas a partir da
quantificação feita com amostras na faixa de mg. Entre as técnicas analíticas
instrumentais, a TXRF é altamente atrativa porque ela permite a quantificação
multielementar e não destrutiva de elementos traço e ultra-traço em pequenos
volumes de amostra (5-10μL), seja em aplicações industriais, análise de
contaminação em meio ambiente, caracterização elementar de amostras biológicas,
entre outras (AIGINGER, 1991; PINTO et al, 2010; MEIRER et al, 2010;
WOBRAUSCHEK, 2007; VON BOHLEN, 2009; KLOCKENKÄMPER, 2006; BENNUN
15
; GOMEZ , 1996; BRADLEY et al, 2012; ESPINOZA-QUIÑONES et al, 2010;
ANTOSZ et al, 2012; GREAVES, 1996). Além disso, a TXRF não é afetada pelo
efeito matriz na amostra, é extremamente sensível, requer um tempo muito pequeno
de preparação de amostras, tornando a análise ainda mais simples, barata e de
maior facilidade de operação (TOLG ; KLOCKENKÄMPER, 1993).
Rhodnius prolixus (R. prolixus), é estritamente hematófago e pertence à
família Reduviidae, subfamília Triatominae ordem Hemíptera,e é um dos vetores de
mais relevante importância do hemoflagelado Trypanosoma cruzi (T. cruzi), agente
causador da doença de Chagas. A doença de Chagas, também chamada
Tripanossomíase Americana, é uma doença humana tropical, que é endêmica em
grandes áreas da América Central e América do sul. Entre as doenças parasitárias,
a doença de Chagas é classificada como uma das mais importantes da América
Latina em termos de impacto social e econômico, afetando cerca de 18 milhões de
pessoas, com cerca de 100 milhões de pessoas vivendo em zonas que são
consideradas de alto risco, e aproximadamente 300.000 novos casos que ocorrem
todos os anos com cerca de 21.000 mortes por ano (SCHOFIELD ; GALVÃO, 2009;
WHO, 2002; BARRETT, 2003; GARCIA et al, 2007). A maioria das espécies de
triatomíneos encontrados nesta região são vetores potenciais para T. cruzi.
As interações do T. cruzi com triatomíneos são complexas e mediadas por
numerosos parasitas. O parasita circula entre os seres humanos, mamíferos
domésticos e selvagens, e, insetos vetores. A infecção do inseto vetor pelo T. cruzi
começa com a ingestão de uma refeição infecciosa de sangue (CASTRO et al.,
2012; BARRETT, et al, 2003; MAYA, et al, 2007). Para a transmissão bem sucedida,
o parasita passa por diferentes estágios de transformação no intestino do inseto
vetor até que seja eliminado com as fezes e urina. O inseto vetor R. prolixus também
pode ser infectado e transmitir o protozoário Trypanosoma rangeli (T. rangeli), que
apesar de ser não-patogênica para humanos e animais, podem causar danos
fisiológicos para o inseto vetor. Ao contrário de T. cruzi, que se desenvolve
exclusivamente no intestino de seus hospedeiros invertebrados, T. rangeli
inicialmente se desenvolve no intestino e depois invade a hemolinfa do inseto vetor
(PAIM et al., 2012; GARCIA, 2006).
O ciclo de vida do R. prolixus consiste de três fases distintas de ovo, cinco
estágios de ninfa e o estágio adulto (macho ou fêmea), cujo desenvolvimento
depende de uma metamorfose incompleta. A cada estádio o exoesqueleto antigo é
16
substituído por um novo, para que a muda ou metamorfose ocorra (CARCAVALLO
et al, 1997) em um processo denominado muda ou ecdise (ANDERSON et al, 1973).
O inseto adulto necessita também de sangue para a reprodução, sendo que para o
R. prolixus um único repasto sanguíneo é suficiente para haver a ecdise ou
ovipostura (GARCIA et al., 1975) O desenvolvimento adequado está diretamente
relacionado à temperatura ideal (em média 27 a 30ºC). Alterações na temperatura
ambiental podem acarretar anormalidades morfológicas e até mesmo a morte do
inseto (AZAMBUJA et al., 1991a).
Recentemente, recursos genômicos para vetores invertebrados de patógenos
humanos aumentaram significativamente, e R. prolixus tem sido uma das principais
espécies estudadas entre os triatomíneos. T. cruzi, a fim de completar o seu
desenvolvimento no trato digestivo do R. prolixus precisa superar as reações imunes
e atividade da microbiota do intestino (CASTRO et al., 2012).
O R. prolixus remove a partir do seu hospedeiro mamífero um volume de
sangue suficiente para aumentar o seu próprio peso em cerca de dez vezes na fase
larval e de duas a três vezes na fase de insetos adultos. Neste estado intumescido,
o inseto é vulnerável a predação e deve eliminar o excesso de água e sal para
reduzir o seu próprio volume. Para reduzir o volume e concentrar a parte nutritiva da
refeição, e, além disso, evitar a diluição da sua hemolinfa, o inseto rapidamente
excreta em grande quantidade um fluido hiposmótico com grande quantidade de
Sódio (MADDRELL, 1963; 2009).
Uma vez que R. prolixus é capaz de ingerir uma grande quantidade de
sangue, é necessário um sistema excretor eficiente para evitar a perda de
componentes do sangue para a nutrição (MADDRELL, 2009). No R. prolixus, a
distensão abdominal intensa causada pela ingestão de sangue ativa receptores de
estiramento que induzem a liberação de hormônios diuréticos das massas gânglio
torácicas e estimula o transporte rápido de água e íons através da parede do
estômago para a hemolinfa e túbulos de Malpighi (TMs) (MADDRELL et al., 1991;
2004; MADDRELL ; OVERTON, 1990).
O sistema de TMs é um tipo de sistema excretor osmorregulatório encontrado
em alguns insetos. O sistema consiste de túbulos de ramificação que se estendem a
partir do canal alimentar que absorve solutos, água e os resíduos a partir da
hemolinfa circundante. A maior parte do metabolismo dos insetos é regulada tanto
pelos TMs quanto pelo intestino grosso. Os TMs filtram a hemolinfa e secretam um
17
líquido que é muitas vezes comparado com a urina primária em vertebrados. A
absorção de fluidos, íons e materiais residuais é denominada como urina primária e
é transportada para dentro do lúmen do túbulo (DOW, 2002; COAST et al., 2002).
Uma revisão abrangente do assunto pode ser encontrada em WIGGLESWORTH
(1931).
Um tema recorrente em estudos de TMs de insetos é a elevada taxa de
transporte de íons alcançado pelos túbulos durante a diurese. Alguns elementos
como Cl, K e Ca aparecem como importantes para o balanço de fluidos corpóreos,
fortalecimento e sistema imune na literatura (KRISTIANSEN et al, 1997; WHITE,
1999; BRAVO et al, 2007; KRACHLER ; IRGOLIC, 1999; CORNELIS et al, 1996,
1992; BÁRÁNY et al, 2005; KUMAR et al, 2002). O fluido secretado pelo TM superior
(distal) é uma mistura aproximadamente equimolar de NaCl (cloreto de sódio) e KCl
(cloreto de potássio) e é iso-osmótica com a hemolinfa do inseto, mas hiperosmótica
à refeição de sangue (COLLIER ; O’DONNELL, 1997). O sangue a partir do qual
mamíferos ou aviários se alimentam, geralmente, contém pelo menos 1,5 m mol L-1
(60 µg mL-1) de Cálcio (ALTMAN ; DITTMER, 1974). Alimentado, o R. prolixus
parece enfrentar um excesso de Cálcio consideravelmente maior do que a maioria
dos outros insetos e, de fato, do que a maioria dos outros animais (MADDRELL et
al., 1991).
A regulação do transporte dos TMs é um dos pontos fundamentais para a
homeostase do inseto e, certamente, é importante também para a transmissão do T.
cruzi (MARTINI et al., 2007). No entanto, os transportes elementares em alguns
invertebrados são ainda relativamente desconhecidos. Os elementos em questão,
em triatomíneos, ainda não foram previamente descritos como elementos traço
importantes para a diurese a partir da alimentação de sangue.
O objetivo geral deste trabalho é investigar as mudanças elementares
observadas na urina, hemolinfa e túbulos de Malpighi de R. prolixus comparados
quando alimentados com sangue, e com sangue misturado a cloreto de mercúrio
utilizando a abordagem analítica da técnica SR-TXRF. Neste trabalho, as análises
por SR-TXRF foram realizadas na linha de luz de Fluorescência de Raios X (D09BXRF) do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (Projetos XRF-10959 e XRF11776). Este estudo pode ser dividido em dois objetivos específicos:
1.
avaliação das possíveis variações nas concentrações elementares de Cl, K e
Ca observadas na urina, hemolinfa e túbulos de Malpighi de R. prolixus após o
18
repasto com sangue de coelho (MANTUANO et al., 2012a) em função do tempo pósalimentação; e
2.
avaliação das variações nas concentrações elementares de Cl, K e Ca
observadas na urina e hemolinfa de R. prolixus alimentadas com sangue misturado
a cloreto de mercúrio (HgCl2) simulando o processo de contaminação (MANTUANO
et al., 2012b). Este metal tóxico apesar de ainda muito presente na poluição de
solos, água e alimentos, é muito estudado quando administrados a outros animais, e
através
de
outras
técnicas
analíticas,
principalmente
em
vertebrados
(MONTSERRAT et al, 2007; MARÍA et al, 2007; WILHELM ; BLOOM, 2000;
COUNTER ; BUCHANANB, 2004; POWELL, 1983; YANNAI ; SACHS, 1978) porém,
pouco explorado para o R. prolixus.
O método SR-TXRF, tal como aplicado no presente trabalho, provou ser
bastante simples e rápido. Geralmente, em estudos de larga escala, o número de
amostras investigadas pode ser da ordem das centenas, e as vantagens da técnica
TXRF são realmente predominantes. Este método permite que uma pequena
quantidade de amostra coletada na ordem de µL possa ser utilizada. Nossos
resultados apontam que o método SR-TXRF pode ser utilizado de forma eficiente
para estudar a regulação do transporte de Cl, K e Ca em fluidos de insetos R.
prolixus (amostras obtidas na ordem µL) saudáveis ou contaminados com Mercúrio.
Uma descrição geral do uso e as vantagens do SR-TXRF foram apresentadas por
STRELI et al (2008). A SR-TXRF não consome a amostra como ocorre em outras
técnicas.
No próximo capítulo, serão discutidos sucintamente alguns conceitos físicos
importantes para o bom entendimento deste trabalho e uma breve descrição do
inseto R. prolixus e seu sistema excretor. No capítulo 2 será apresentada a
metodologia utilizada para obtenção das concentrações elementares para urina,
hemolinfa e túbulo de Malpighi e a preparação das amostras. Serão descritas
também as características da instrumentação utilizada. Os resultados obtidos são
apresentados e discutidos no capítulo 3. As conclusões estão no capítulo 4.
19
1
1.1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Espectroscopia por fluorescência de raios X
Por volta de 1890 muitos cientistas estavam pesquisando a natureza dos
raios catódicos emitidos por um tubo de vidro evacuado, chamado tubo de Crookes,
com dois eletrodos metálicos aos quais se aplicava uma diferença de potencial.
Philipp Lenard modificou os tubos de Crookes colocando uma janela de alumínio, e
colocando um anteparo fluorescente verificou que até uma distância de 8 cm ele
detectava luminescência devida aos raios catódicos.
Wilhelm Conrad Rontgen, professor de física da universidade de Wurzburg,
na Alemanha, decidiu repetir o experimento embrulhando o tubo com um papel preto
e ligando e desligando o tubo percebeu que a luminescência aparecia e desaparecia
respectivamente. Percebeu então que os novos raios eram mais penetrantes que os
raios catódicos e não sofriam desvio com o campo magnético. Percebeu então que
esses raios tinham a capacidade de ultrapassar diferentes materiais com diversas
espessuras e até líquidos. Nomeiam-se desde então esses raios desconhecidos de
raios X. Após um ano da descoberta, mais de 1000 artigos tinham sido escritos por
cientistas do mundo todo e Rontgen foi agraciado com o primeiro Prêmio Nobel de
Física, em 1901 (OKUNO ; YOSHIMURA, 2010).
Com o passar dos anos, as técnicas para utilizar esses fenômenos para a
área da saúde, biológica, científica em geral se aprimorou bastante. Com o
surgimento, na década de 70, de detectores de alta capacidade a fluorescência de
raios X por dispersão de energia foi aperfeiçoada. Nesta técnica, os raios X
interagem com os detectores e produzem pulsos eletrônicos proporcionais às
energias dos raios X. Os detectores proporcionais a gás, os cintiladores sólidos de
NaI(Tl) e os semicondutores de Si(Li) e Ge(Li) são os mais usados (SIMABUCO,
1993). A escolha entre os detectores semicondutores de Si(Li) e Ge(Li) deve ser
feita em função da faixa de energia de interesse, sendo, normalmente, o primeiro
utilizado na faixa de 1 a 50keV, e o segundo acima de 30keV, por apresentar uma
maior eficiência de detecção (SIMABUCO, 1993). Dentre algumas formas de
trabalhar com XRF temos as técnicas de fluorescência por dispersão em energia
(ED-XRF) (NASCIMENTO et al, 1991, 1993; 1994), espectrômetros por dispersão
20
por comprimento de onda (WD-XRF), por reflexão total (TXRF), e a XRF com micro
feixe (μ-XRF).
A ED-XRF com relação às suas variantes:
•
Fluorescência de raios X por reflexão total (TXRF), possui vantagens como a
necessidade de quantidades diminutas de amostras (na faixa de µl), baixa radiação
de fundo (background) e limites de detecção menores comparados com a ED-XRF
convencional
(SIMABUCO;
MATSUMOTO,
2000;
WOBRAUSCHEK,
2007;
NASCIMENTO 1999a, 1999b; MATSUMOTO; SIMABUCO, 1999; PARREIRA et al,
1999);
•
Microfluorescência de raios X (µ-XRF), a única variação que fornece
informações sobre a distribuição elementar na amostra, também muito utilizada em
áreas como a biologia e a biomedicina (PEREZ et al, 2010; LEROUGEA et al, 2010).
•
Fluorescência de raios X por dispersão de comprimento de onda (WD-XRF),
dá preferência à amostras sólidas, com tamanhos geralmente na faixa de gramas,
não exige qualquer procedimento de dissolução das amostras, mas os limites de
detecção são muito mais elevados, na faixa de dezenas a centenas de µgg-1
(LABRECQUE, 2004; BERTIN, 1978).
Algumas diferenças fazem essas técnicas serem utilizadas para diferentes
trabalhos, diferentes tipos de amostras, e diferentes tratamentos, mas a diferença
básica entre elas é a geometria. Cada técnica tenta minimizar efeitos indesejados,
como efeito matriz, por exemplo, e otimizar as medidas.
A fluorescência de raios X (XRF) é uma técnica multielementar capaz de
fornecer informações qualitativas e quantitativas sobre a composição elementar dos
materiais sujeitos a radiação. A XRF age de forma não destrutiva, não exige
preparações prévias das amostras a serem utilizadas e possui tempo curto para
aquisição de dados. Esta técnica é empregada em amostras diversas como
biológicas, ambientais, geológicas, industriais, entre outras.
A XRF é baseada na medida das intensidades dos raios X característicos
emitidos pelos elementos químicos que compõem a amostra quando devidamente
excitada por uma fonte de raios X, seja por um tubo, fonte síncrotron, ou outras
fontes.
Quando um átomo de uma amostra é excitado, este tende a ejetar os elétrons
dos níveis interiores dos átomos e, como consequência disto, elétrons dos níveis
mais externos realizam um salto quântico para preencher a vacância. Cada
21
transição eletrônica constitui uma redução de energia para o elétron, e esta energia
é emitida na forma de um fóton de raios X, de energia característica bem definida
para cada elemento.
Esta excitação ocorre quando a amostra é irradiada com um feixe de fótons
de energia maior que a energia de ligação daquele elétron ligado ao átomo, alguns
elétrons tendem a ser ejetados deste átomo com a instabilidade causada. Este
elétron pode se tornar um elétron livre ou pode ser absorvido dentro do próprio
átomo. O átomo torna-se então ionizado. De forma instantânea inicia-se então o
processo de transição eletrônica de forma a preencher a vacância causada pelo
elétron ejetado. Esta energia proveniente do preenchimento da vacância é igual à
diferença de energia de ocupação das camadas, inicial e final, nas quais ocorre a
transição, e é diretamente proporcional ao quadrado do número atômico (Z) do
elemento excitado, como mostrado na equação (1) (SIMABUCO, 1993).
 1
1 
2
E  13,65Z  b   2  2 
n
ni 
 f
(1)
Onde:
E = energia dos raios X (eV);
ni, nf = número quântico principal do nível inicial e final do salto quântico;
Z = número atômico do elemento emissor dos raios X;
b = constante de Moseley, com valores iguais a 1 e 7,4 para as camadas K e
L, respectivamente.
Logo se espera uma energia bem definida para cada elemento (Z) por isso o
nome de energia característica. Este efeito de transição de camadas denomina-se
Efeito fotoelétrico, como ilustra a figura 1.
Para excitação da amostra normalmente empregam-se tubos de raios X, raios
X ou gama que são emitidos por fontes radioativas e, mais recentemente, radiação
Síncrotron.
22
Figura 1: Esquema para o efeito fotoelétrico.
De modo resumido, a análise por fluorescência de raios X consiste de três
fases:

Excitação dos elementos que constituem a amostra;

Dispersão dos raios X emitidos pela amostra;

Detecção dos raios X emitidos.
Por exemplo, para a emissão de energia nomeada Kα, quando o fóton emitido
adquire uma energia igual ou superior à energia de ligação do elétron da camada K
do material do alvo, este fóton pode interagir com o elétron dessa camada e ao
quebrar a barreira de potencial do elétron naquele nível de energia, retira-o do
orbital. O átomo fica então num estado chamado excitado, instável, e tende a se
estabilizar preenchendo a vacância causada com um elétron da camada L.
Como mencionado anteriormente, para que ocorra a transição entre dois
estados quânticos, é necessário que um elétron seja liberado do átomo. Para que
isso ocorra, a energia de excitação mínima deve ser igual ou superior a energia de
ligação do elétron daquele orbital. Essa energia de transição eletrônica é também
denominada energia de corte de absorção. Por exemplo, para um elétron do nível K
o corte de absorção será Ek. A figura 2 representa a energia de ligação (ou corte de
absorção) dos níveis K, L e M em função dos números atômicos (Z).
23
Figura 2: Energia de ligação ou corte de absorção dos elétrons dos níveis K, L e M em função do
número atômico (Z) (KANDEL ; SCHWARTZ, 1985).
Então a equação (1) pode também ser escrita como:
(2)
Este exemplo é ilustrado na figura 3.
Figura 3: Esquema para o efeito fotoelétrico para as transições entre as camadas K e L.
Na passagem do elétron da camada L para a camada K, a diferença de
energia ∆E é emitida como um quantum de radiação eletromagnética de energia Kα.
24
Tem-se então os picos discretos no espectro contínuo de raios X para cada energia
característica correspondente ao elemento atingido (SIMABUCO ; MATSUMOTO,
2000), como mostra a figura 4.
Ga*
5
10
Zn
4
10
Contagem/Canal
Ar
Ca
Fe
K
3
10
S
Cr
Ti
Cu
Mn
V
Ni
2
10
1
10
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
Energia (keV)
Figura 4: Exemplo de espectro de raios X característico para uma amostra de águas pluviais por SRTXRF (SIMABUCO ; MATSUMOTO, 2000).
A intensidade de qualquer linha espectral é proporcional ao número de
átomos emitindo fótons de energias atribuídas a esta linha. Porém vários fatores
devem ser levados em conta numa quantificação, como métodos de correção e
efeito matriz. O efeito matriz ocorre quando as intensidades da radiação emitida não
são lineares com as concentrações e surge a partir de interações de elementos da
amostra. Esse efeito é menor na TXRF devido à pouca espessura da amostra (filme
fino) à alta energia dos raios X normalmente utilizados na excitação (como em SRTXRF) e devido à geometria que envolve fonte, amostra e detector.
A fração da radiação incidente que leva à emissão de uma determinada linha
de raios X característicos é determinada pela probabilidade de excitação, que é o
produto de três outras probabilidades (LACHANCE ; CLAISSE, 1994)
PEi  Pnível  Plinha  Pfluorescência
(3)
Onde:
Pnível é a probabilidade de que a radiação incidente retire elétrons de um dado
nível quântico. Pode ser o nível K, L, M, N, etc.;
25
Plinha é a probabilidade que uma determinada energia seja emitida dentro de
sua série. Para um elétron retirado do nível K podemos ter as seguintes transições
do nível L: K-L2 e K-L3;
Pfluorescência é a probabilidade de ocorrer emissão de fluorescência de raios X
ao invés do processo Auger, a partir de uma transição realizada entre dois estados
quânticos.
A probabilidade de a radiação incidente retirar elétrons de um determinado
nível está fortemente ligada com a fração da radiação que é absorvida no mesmo
nível (LACHANCE; CLAISSE, 1994)
O rendimento de fluorescência ω é definido como a probabilidade para que o
fóton produzido seja liberado do átomo sem ser reabsorvido. Assim, ω pode ser
representado como:
ns
np
(4)
n p  ns  n A
(5)

Onde:
ns é o número de fótons produzidos como fluorescência de raios X;
np é o número de fótons que são produzidos devido às vacâncias nos níveis e
subniveis atômicos;
nA é o número de fótons que são reabsorvidos dentro do átomo.
O rendimento de fluorescência para a linha K é dado pelo número de eventos
de ionização da camada k que dão origem aos raios X (nK), para todas as linhas K,
dividido pelo total de eventos de ionização da camada k (NK) devido às transições
entre os estados quânticos. Assim, tem-se:
K 
n K L 3  nK  L 2  ...
Nk

nK
NK
(6)
É possível obter o rendimento de fluorescência ωL para as linhas L tendo três
diferentes valores: ωL1, ωL2, ωL3.
O rendimento de fluorescência pode ser definido como sendo o número de
raios X efetivamente emitidos em relação ao número de vacâncias produzidas em
uma dada camada, representado na figura 5.
26
Nota-se que há um baixo rendimento de fluorescência no nível K para
elementos leves (de número atômico abaixo de 20), no nível L até para os
elementos de número atômico 60 e no nível M para praticamente todos os
elementos (NASCIMENTO, 1999).
Figura 5: Rendimento da fluorescência das camadas K, L e M em função do número atômico (Z)
(KANDEL ; SCHWARTZ, 1985).
27
1.1.1 Fluorescência de raios X por reflexão total utilizando luz síncrotron (SR-TXRF)
YONEDA (1963) publicou o primeiro trabalho mostrando o fenômeno da
reflexão total dos raios X, e em YONEDA ;HORIUCHI (1971) utilizaram como
método analítico, classificando-o de microanálise. A análise por fluorescência de
raios X por reflexão total (TXRF) vem se desenvolvendo principalmente nos últimos
30 anos por ser uma poderosa ferramenta analítica com respeito à faixa de
elementos possíveis a serem detectados, simplicidade de quantificação e baixo
limite de detecção (SIMABUCO, 2000). Essas características tornam-se ainda mais
evidentes com o uso da luz síncrotron (SR-TXRF). A análise rápida, realizada em
poucos segundos, e a determinação simultânea dos elementos presentes na
amostra também são características importantes da técnica. TXRF é uma técnica
especialmente adequada para análise de elementos traço e ultratraços para análise
de amostras diversas. É vantajosa quando comparada a outras técnicas como
espectrometria de emissão óptica com plasma indutivamente acoplado (ICP-OES),
espectrometria de massa com plasma acoplado (ICP-MS), e espectrometria de
absorção
atômica
(AAS)
por
ser
multielementar
e
de
baixo
custo
(KLOCKEMKÄMPER et al, 2006).
Em algumas aplicações, o fato de ser não destrutiva é uma importante
característica a ser destacada, como em análise forense e outras investigações
como as que requerem poucas quantidades de amostra. Sendo uma técnica de
dispersão em energia (ED-XRF) em uma geometria de excitação em baixos ângulos,
excita-se a amostra com feixes incidindo abaixo do ângulo critico do fenômeno da
reflexão total, sendo perfeitamente adequada para estas investigações. Aplicações
típicas incluem a análise de SR-TXRF de água potável, água de rio, água da chuva,
água do mar, águas residuais, fluidos corporais, tecidos, pureza de produtos
químicos (ácidos, bases, solventes, etc), óleos e graxas, aerossóis, cinzas, solos,
forense e arte (objetos históricos), o estudo de camadas finas e perfis de
profundidade, elementos traço e assim por diante. As aplicações atingem também o
campo da medicina e amostras biológicas.
Com novas técnicas e ideias é possível a modificação de propriedades físicas
da radiação primária, ou seja, feixes monoenergéticos, linearmente polarizados, de
alta intensidade, ou um detector de alta resolução, alta capacidade de contagem,
área ou matrizes mais abrangentes de detectores, são novas perspectivas que se
28
abrem para a técnica dando espaço então a fluorescência de raios X por reflexão
total utilizando luz síncrotron (SR-TXRF) (STRELI, 2003; WOBRAUSCHEK, 2007;
VON BOHLEN, 2009; KLOCKENKÄMPER et al, 2006; TOLG, 1993).A fonte de
excitação ótima para TXRF pode ser então um anel de armazenamento síncrotron
(KLOCKEMKÄMPER et al, 2006, PÉREZ, 1999).
A técnica SR-TXRF permite a análise de elementos presentes na amostra em
baixas concentrações, na faixa de parte por milhão (ppm ou mg.mL -1) (MOREIRA et
al , 2006).
A base física da SR-TXRF é o fato de que a parte real do coeficiente de
refração n é menor que a unidade, n é representado por:
Onde os parâmetros  e  são o decréscimo do índice de refração e o índice
de absorção, respectivamente.  está relacionado com o coeficiente de atenuação
de massa µ definido por:
A mudança de fase e atenuação associados à distância de propagação x são
dadas respectivamente por:
e
Onde
–
é a intensidade incidente, é a intensidade final e
o comprimento de
onda. Com isso nota-se que a mudança de fase e a absorção do feixe de raios X, ao
atravessar um objeto, depende de ambos,  e  do objeto que está sendo
atravessado pelo feixe.
O índice de refração do vácuo (e para aplicações práticas, do ar)
, é um
pequeno número positivo entre 10-5 e 10-6 para materiais sólidos de interesse prático
e radiação eletromagnética na região de energia dos raios X.
pode ser derivado
da teoria clássica da dispersão (AIGINGER, 1991):
Onde Z é o número atômico do elemento,
material,
é a densidade (g/cm3) do
o comprimento de onda dos raios X (cm) e
elemento (g.mol-1).
é a massa atômica do
29
Como sugere a figura 6, a lei de refração normalmente usada leva à fórmula
para o ângulo crítico como (AIGINGER, 1991):
Figura 6: Representação da refração e reflexão de um feixe de radiação incidindo em um material
com um ângulo Ө1 e refletido com um ângulo Ө1r.
Logo, a teoria de SR-TXRF é baseada no fenômeno óptico de reflexão total
como sugere o nome. A excitação da amostra é efetuada pela incidência do feixe de
luz síncrotron por um ângulo de miliradianos. Esse ângulo está abaixo do ângulo
crítico do material refletor (figura 7) quando ocorre o fenômeno de reflexão total
(KLOCKEMKÄMPER et al, 1996) e o feixe primário colimado é totalmente refletido.
Figura 7: Representação esquemática do fenômeno de refração e reflexão (AIGINGER, 1991).
30
Essa geometria é alcançada pelo ajuste da amostra com uma inclinação em
torno de 1mrad (0,06°) para o feixe primário (figura 8).
Figura 8: Esquema de arranjo experimental para TXRF.
O feixe é refletido a partir da superfície plana polida do refletor, saindo com
um ângulo igual ao do feixe incidente e possui quase a mesma intensidade do feixe
primário (intensidade totalmente refletida) exceto para uma pequena porção que é
refratada e penetra o meio refletor. Essa onda infinitesimal perde intensidade
exponencialmente uma vez que penetra mais profundamente no meio. Quanto
menor a densidade do material refletor, menor a penetração da radiação no meio e
mais refletido é então o feixe primário.
O resultado efetivo para um experimento realizado com SR-TXRF é uma
geometria de reflexão total que permite a drástica redução do espalhamento da
radiação de fundo (background) no espectro obtido.
A radiação síncrotron é produzida em um único acelerador, e é uma única
fonte que produz faixas de energia do infravermelho aos raios X. A energia utilizada
na SR-TXRF abrange uma faixa de 4 keV – 25 keV. É permitida também a utilização
de uma polarização linear (preferencial) no plano da órbita. O tamanho da fonte
utilizada é pequeno e é determinado por um feixe de elétrons. Na SR-TXRF utiliza-
31
se larguras a meia altura na ordem de milímetros (FWHMx = 0.73 mm ; FWHMy=0.17
mm).
Quanto à amostra depositada no refletor, geralmente estão em pequenas
quantidades (líquidas), 1-100 μL, pipetadas no centro do refletor para posterior
análise. Como resultado do processo de secagem, onde parte do líquido das
amostras seca e evapora, o resíduo é distribuído irregularmente no refletor, com
uma área de poucos milímetros de diâmetro formando uma amostra extremamente
fina.
A TXRF oferece as seguintes vantagens:
 Necessidade de pouca quantidade de amostra a ser coletada e mensurada
(ambas na ordem de µL);
 Não destruição da amostra (relevante importância principalmente nas áreas
médica e biológica);
 Se o ângulo ajustado da radiação primária está abaixo do ângulo crítico,
quase 100% dos fótons incidentes são totalmente refletidos, então a radiação
penetra pouco no refletor e a contribuição da radiação de fundo para o
espalhamento no substrato é drasticamente reduzida;
 Para a geometria, é possível posicionar o detector perto da superfície
refletora, onde no centro está localizada a amostra. Isso resulta em um
grande ângulo sólido para a detecção dos sinais de fluorescência;
 O efeito matriz que afeta na intensidade da radiação emitida de uma forma
não linear e surge a partir de interações de elementos da amostra, é menor
na TXRF devido à espessura fina da amostra e então a pouca penetração no
material refletor.
Devido ao efeito matriz, outras técnicas já comparadas com a SR-TXRF
necessitam da preparação de uma amostra muito similar às amostras de interesse
que devem ser analisadas com o mesmo conjunto de amostras padrão.
Consequentemente a quantificação elementar para outras técnicas torna-se muito
mais problemática quando comparadas com a SR-TXRF a qual necessita apenas da
adição de um elemento químico (monoelemento) em uma concentração conhecida
na amostra padrão. Isto caracteriza um padrão interno para todos os outros
elementos presentes na amostra (WOBRAUSCHEK, 2007). A relação entre
intensidade e concentração na SR-TXRF apresenta-se linear para o elemento
32
considerado. O padrão interno torna-se então referência para a calibração do
espectrômetro, estabiliza a curva de relação entre intensidade e concentração
deixando a curva referente ao padrão interno para possível determinação da
sensibilidade para cada elemento presente na amostra (curva de sensibilidade),
permitindo ainda, a partir de sua concentração previamente conhecida, determinar a
concentração dos elementos desconhecidos e suas intensidades em relação à
intensidade do padrão interno (esta relação será apresentada no item 1.1.2 pela
equação (18)).
33
1.1.2 Análise quantitativa por TXRF
Na técnica de TXRF, uma alíquota de 1 a 100µL de amostra líquida, in natura
ou digerida, é pipetada em um suporte e posta a evaporar. Forma-se uma amostra
circular, um filme fino, com uma massa entre 10pg e 10µg, e aproximadamente 5mm
de diâmetro pronta para ser analisada (MOREIRA et al, 2006).
Não ocorre nenhum efeito de absorção nem se faz necessário nenhum
aprimoramento como ocorre nas técnicas de ED-XRF e WD-XRF logo, não se faz
necessário corrigir o efeito matriz devido a pouca espessura da amostra. Então, a
análise quantitativa é descrita por:
Onde
elemento ;
= intensidade dos raios X característicos (cps) da linha K ou L do
= concentração (ppm ou µg·mL-1) do elemento ; e
= sensibilidade
-1
elementar do sistema para o elemento (cps/ppm ou cps mL µg ).
Como em TXRF a amostra é usualmente ultrafina, e os efeitos de matriz são
desprezados, essa técnica permite a determinação simultânea da sensibilidade para
vários elementos usando uma solução padrão multielementar, contendo elementos
com baixas concentrações (na faixa de ppm) e energias de raios X característicos
não muito próximas evitando assim a ocorrência de sobreposição de picos.
Para realizar a análise quantitativa, um padrão interno é adicionado para a
amostra corrigir a instabilidade do sistema como oscilações no gerador de raios X,
emissão dos raios X pelo anodo, detecção dos raios X; e erros operacionais tais
como o posicionamento não homogêneo das amostras. Isso tem sido feito com
elementos como Ge e Ga para amostras de água e Co e Y para outros tipos de
amostra.
Através da equação (12) podemos estabelecer a relação entre a intensidade
do elemento e o padrão interno (Ga):
Fazendo:
34
e
Tem-se:
Onde
= intensidade relativa,
= intensidade do elemento na amostra;
concentração do elemento na amostra,
amostra;
= intensidade do padrão interno (Ga) na
= sensibilidade do sistema para o elemento ;
detector para o padrão interno (Ga); e
=
= sensibilidade do
= sensibilidade relativa do sistema para o
elemento .
Portanto, através da equação (14), obtêm-se as sensibilidades relativas
(adimensionais) para o elemento . A concentração do elemento de interesse é,
então, calculada usando a equação:
Onde
é a concentração do elemento de interesse
(ppm ou mg·mL-1);
é
a concentração do padrão interno (ppm ou mg·mL-1);
é a sensibilidade relativa
(em relação ao elemento usado como padrão interno);
é a intensidade do raio X
característico (cps); e
é a intensidade do padrão interno (cps).
Como existe uma correlação entre as sensibilidades elementares e os
números atômicos dos elementos, é possível estimar a sensibilidade para um
elemento detectado na amostra e não contido no padrão interno, baseado na
sensibilidade elementar dos elementos da solução padrão, e, consequentemente,
para estimar a concentração do elemento na amostra (MOREIRA et al, 2005).
Desta forma, a curva de sensibilidade experimental será a relação entre as
sensibilidades relativas
e o número atômico Z de cada elemento.
35
1.1.3
Limite de detecção (LD)
O limite de detecção, LD, (cps) para cada elemento
relacionado com a intensidade do background (
é diretamente
), de acordo com a equação
(LADISICH et al, 1993):
Desde que seja conhecido:
(20)
Substituindo na equação (17):
Onde t é o tempo de medida, em segundos.
Os limites de detecção para a técnica TXRF são menores que para a técnica
convencional ED-XRF principalmente devido a baixa intensidade de radiação do
background abaixo dos picos característicos; o fluxo da radiação primária utilizada
para excitar a amostra é mais efetivo; e pela proximidade entre a amostra e o
detector.
Para os elementos de número atômico abaixo de 13 (Al), o limite de detecção
é afetado pelo valor baixo do rendimento de fluorescência e coeficiente fotoelétrico,
absorção dos raios X na amostra pela janela de Be (do detector), e devido ao ar
atmosférico (entre a amostra e o detector).
36
1.2
Triatomíneos de importância médica
Pertencentes à subfamília Triatominae, R. prolixus (figura 9), Triatoma
infestans e Panstrogylus megistus são os principais insetos vetores do Trypanosoma
cruzi no Continente Americano (FISTEIN ; CHOWDHURY, 1969).
Figura 9: Rhodnius prolixus (5° estágio).
O Trypanosoma cruzi, após intensa multiplicação no intestino médio do inseto
como epimastigotas, sofre transformação para tripomastigota metacíclico, o qual
pode ser transmitido para um novo hospedeiro vertebrado juntamente com as fezes
durante o repasto sanguíneo (figura 10) (GARCIA et al, 2007).
Figura 10: Esquema do ciclo biológico do parasita Trypanosoma cruzi com o inseto vetor Rhodnius
prolixus. O inseto alimentado com sangue infectado com a forma tripomastigota os quais se
transformam em epimastigotas e alguns spheromastigotes no estômago (A). No intestino,
epimastigotas multiplicadas (B) população de parasitas crescendo. No reto, epimastigotas se
transformam em tripomastigotas metacíclicas (C) os quais são eliminados com as fezes e a urina
(GARCIA et al, 2007).
37
Rhodnius prolixus é uma espécie amplamente estudada e vem ganhando
destaque na ciência ao longo dos anos por ser também vetor do Trypanossoma
rangeli (BARRETT et al, 2003; MAYA et al, 2007; MELLO et al, 1999; GOMES et al,
2003), este não considerado patogênico ao homem. Esta espécie tem sido usada
como modelo de estudo por vários motivos. Primeiramente, pela facilidade de
manipulação e criação em larga escala.
O hábito alimentar descontínuo dos
triatomíenos, de uma maneira geral, tem como vantagem, o fato de que uma única
alimentação sanguínea por estádio é capaz de deflagrar sincronicamente eventos
fisiológicos relacionados ao seu desenvolvimento, o que culmina com a muda
(ecdise) para o próximo estádio. Outra vantagem do uso do R. prolixus, é sua
disposição à alimentação pela utilização de um aparato artificial,
ao qual é
adicionado sangue desfibrinado, contendo anticoagulante. Este comportamento
permite, em curto período de tempo, o tratamento oral dos insetos com diferentes
drogas e microorganismos, inclusive tripanossomatídeos, pela simples adição ao
sangue alimentar. Seu ciclo de vida, no laboratório, necessita, em média, de 6
meses para completar de ovo a adulto (GARCIA et al, 2007), sendo que a
longevidade desta espécie favorece os experimentos em laboratório (GARCIA et al.,
1975; 1984). Outras características que tornam esta espécie interessante, é o fato
que 5º estádio, após o repasto, aumenta seu peso corporal em até 12 vezes
favorecendo a farta produção de urina, bem como a obtenção da hemolinfa, além da
facilidade de visualização dos órgãos durante a dissecção.
1.2.1 Rhodnius prolixus e o sistema excretor
Além do conhecimento de insetos sobre túbulos de Malpighi (TMs), visando
o transporte de íons como Na+, K+, Cl-, hormônios, ((PANNABECKER, 1995;
BRUGGE, 2002; MARTINI et al, 2007, DOW, 2008), algumas características
peculiares do R. prolixus tornam esta espécie interessante como modelo de
estudo mais abrangente sobre sistema excretor, tais como:

Perda de água extremamente rápida a partir do sangue ingerido (com o qual
são alimentados);

A taxa de movimento da água através do intestino é de alguma forma
corresponder à entrada nos túbulos de Malpighi. Do contrário, ocorreria uma
38
mudança drástica no equilíbrio osmótico na hemolinfa do inseto. Maddrell
estudou alguns dos túbulos de Malpighi de R. prolixus e fez algumas
medições (MADDRELL, 1963, 1990, 1991, 2004, 2009);

O sangue humano contém uma grande quantidade de cálcio o que contribui
para que R. prolixus o aloje sob a forma de cristais nos TMs (MANTUANO,
2012a; WIGGLESWORTH, 1962; 1931a);

É o inseto cuja distensão do abdômen devido ao sangue ingerido,
(monitorado por receptores de estiramento no abdômen) provoca a liberação
de serotonina dos nervos abdominais na hemocele;

A serotonina e o hormônio diurético atuam sinergicamente para regular a
produção de urina primária pelos TMs. Os TMs possuem funções importantes
de transporte e regulação de íons e substâncias fundamentais a
sobrevivência do inseto (MADDRELL, 1963, 1968, 1990, 1991, 2004, 2009;
MANTUANO, 2012a).
Como seria de se esperar dada a importância da osmorregulação em um
animal terrestre, os insetos desenvolveram um sistema excretor de sofisticação
considerável. Análoga para os rins de vertebrados, os TMs são os órgãos excretores
primários dos insetos, mas que operam de uma maneira diferente. Neste sentido, a
a sua filtração baseia-se na pressão hidrostática. Nos túbulos de insetos, a força
motriz para a excreção é o movimento de íons através do epitélio. Além da
passagem dos fluidos pela parede do reto, os TMs trazem uma parte adicional
importante na reabsorção já que regula o sal e o equilíbrio de água no inseto. A
excreção é um processo em duas etapas, com a maior parte dos fluidos que passam
pelo intestino grosso absorvidos e reabsorvidos pelos túbulos antes de passar para
fora do corpo (figura 11).
39
Figura 11: Mecanismo global de excreção dos insetos (KLOWDEN, 2007).
Seu nome é derivado de Marcelo Malpighi, o primeiro a fazer referência aos
TMs como "vasa varicose" em 1669 em seu trabalho com o bicho da seda. Malpighi
foi o médico do Papa e também um anatomista comparativo que usou o recéminventado microscópio para examinar também muitas outras estruturas biológicas.
Sua função como órgãos excretores não foi determinada até 1815. Hoje, a maior
parte do que se conhece sobre a função do TM é baseado em três insetos:
Rhodnius prolixus, Aedes aegypti, e Drosophila melanogaster (CATHERINE, 1986;
BEYENBACH et al, 1993; BEYENBACH ; MASIA, 2002; SANCHEZ ; O’DONNELL,
2006; CHAHINE ; O’DONNELL, 2009; DUBE et al, 2000).
Os túbulos são derivados a partir de duas populações de células que surgem
na junção do intestino médio e intestino posterior durante a embriogênese. Assim, o
TM do inseto é derivado de duas populações de células diferentes, como no rim de
mamíferos.
Estas
duas
populações
de
células,
identificadas
durante
o
desenvolvimento, por sua expressão de fatores de transcrição, dão origem a dois
principais tipos de células dos túbulos, as principais células da ectoderma e as
células estreladas de mesoderme em uma proporção de cerca de 5:1. As principais
células têm grandes concreções intracelulares de complexos metálicos e grandes
microvilosidades contendo numerosas mitocôndrias. Eles são ativos no transporte
de sódio, potássio e hidrogênio, bem como os fluidos. As células estreladas
controlam o fluxo de íons cloreto e carecem de ambas as concreções, Na e K.
Ambos os tipos de células podem ainda ser subdivididas em populações de células
distintas
que
podem
ser
(WIGGLESWORTH, 1962).
encontradas
em
diferentes
áreas
dos
túbulos
40
Os túbulos maduros podem se abrir diretamente para o intestino médio,
anteriormente para a válvula pilórica, ou diretamente para o intestino grosso, como
tubos longos que contêm um centro oco, ou lúmen, que está fechado na
extremidade distal (figura 12). As suas paredes consistem de uma única camada de
células poliplóides e são diferenciados pela estrutura e função em vários tipos de
células ao longo do comprimento do túbulo. Os quatro túbulos longos de Drosophila,
de aproximadamente 2-mm, estão ligados ao canal alimentar em pares por meio do
curto ureter (figura 12), e um dos pares ligados tem um segmento inicial alargado.
Figura 12: Túbulos de Malpighi de Drosophila (WESSING ; EICHELBERG, 1978).
Em insetos hematófagos, como o R. prolixus, o túbulo distal superior contém
células binucleadas com microvilosidades abundantes e concreções intracelulares
que são agregados de cálcio, magnésio e potássio, mas as células da parte inferior
do túbulo faltam os cristais e têm microvilosidades menores. A parte superior dos
túbulos secreta íons e solutos orgânicos para o lúmen, e as regiões inferiores do
túbulo fazem reabsorção (figura 13).
41
Figura 13: – Mecanismo de absorção de túbulo de Malpighi e secreção (BRADLEY, 1998).
Na hemocele, as células dos TMs expostas à hemolinfa, são cobertas por
uma membrana e uma rede
de invaginações da membrana plasmática
(WIGGLESWORTH, 1962, 1931b). A membrana celular que enfrenta o lúmen tubular
contém uma borda com microvilosidades abundantes que são ricas em retículo
endoplasmático e mitocôndrias. Essas microvilosidades aumentam a área de
superfície disponível para o transporte de sal e de água entre a célula e o lúmen do
túbulo. A região intermediária no interior da célula contém aparelho de Golgi, retículo
endoplasmático rugoso e numerosos vacúolos.
Os túbulos deitam livres na cavidade do corpo e estão rodeados por músculos
longitudinais que lhes permitem participar em movimentos de contorção que
aumentam o contato entre os túbulos e a hemolinfa. Em alguns insetos as
extremidades distais do túbulo são fisicamente associadas com o intestino grosso,
dispostos em um sistema criptonefridiano que aumenta a reabsorção de água a
partir do intestino grosso (segmento terminal dos túbulos que são diretamente
associados às paredes do reto).
Os TMs iniciam o processo de excreção. Sua captação de fluidos, íons, e
materiais residuais é denominada “urina primária” a qual é transportada para o
lúmen dos túbulos (figura 14). O número total de túbulos varia em diferentes
espécies de 2 ou mais do que 250. Esta urina primária viaja através do lúmen da
42
região distal para as regiões proximais do túbulo e depois para o canal alimentar
onde se mistura com os produtos finais de digestão do intestino.
Figura 14: A formação de urina primária e secundária no sistema excretor (MADDRELL, 1981).
Geralmente isosmótico com a hemolinfa, a maioria dos insetos contém uma
elevada concentração de K+ e concentrações mais baixas de Na+ do que estão
presentes na hemolinfa. Além dos produtos de excreção, tais como o ácido úrico, a
urina primária pode conter outros íons, açúcares e aminoácidos que são
reabsorvidos mais tarde no processo de excreção. A secreção rápida pelo segmento
principal em conjunto com a reabsorção que ocorre na parte inferior do túbulo e no
intestino posterior, permite que resíduos metabólicos sejam apurados a partir da
hemolinfa sem a perda significativa de água. De lá, a urina primária passa através
do intestino grosso e do reto, onde é modificada pela reabsorção contínua pelas
glândulas retais para produzir uma urina secundária que é expelida através do ânus.
Em comparação com os seres humanos, em que o processo de filtração trata o
volume extracelular em cerca de 12 vezes por dia, os TMs e o reto de um mosquito,
por exemplo, pode filtrar seu volume extracelular até 200 vezes por dia. (KLOWDEN,
2007)
As células dos túbulos de Malpighi de Rhodnius pode cada uma secretar um
volume de fluido equivalente ao volume de sua própria célula a cada 15 segundos.
Ideias sobre o mecanismo da formação da urina primária foram baseadas nas
técnicas experimentais desenvolvidas por RAMSAY (1953).
43
Há um transporte ativo dos íons de Na/K (ATPases) para a hemolinfa, e
canais iônicos permitem que íons de Cl sejam transportados passivamente. Embora
insetos fitófagos transportem principalmente K, insetos hematófagos como o
mosquito, transportam Na e Cl, e hematófagos hemípteros, como o R. prolixus,
transportam ambos, Cl, Na e K.
A V-ATPase é um transporte ativo chamado de “bomba de prótons”, ela
regula a concentração e dirige o movimento dos íons no organismo do inseto.
Substâncias de baixo peso molecular são removidas da hemolinfa se movendo
através das células dos túbulos por difusão passiva. Moléculas mais pesadas como
componentes tóxicos, são removidas da hemolinfa pelo transporte ativo. Ânions
orgânicos também são transportados pelas células dos túbulos, permitindo-lhes
dispor de inseticidas e outros componentes tóxicos indesejáveis.
Para a diurese do R. prolixus, há dois fatores que a regulam: um hormônio
peptídico diurético e a 5-hidroxitriptamina (5-HT), ambos atuam em sinergia para
estimular a secreção de fluidos pelos túbulos após a alimentação com sangue. A 5HT inibe a ATPase Na/K, e a inibição resultante do movimento de sódio na
hemolinfa em vez de se mover para o lúmen do túbulo. Hormônios diuréticos em R.
prolixus aumentam as taxas de secreção dos TMs em até 1000 vezes depois de
alimentados (RAYMOND, 1974,1979; LYNDEN, 1979).
Na figura 15, podemos ver algumas esferas de cálcio nos túbulos de Malpighi.
44
Figura 15: Micrografias eletrônicas de cortes longitudinais através do túbulo de Malpighi
de Rhodnius prolixus com esferas de cálcio (MADDREL, 1991).
Insetos diversos prevêem maravilhosos exemplos de como um tecido
particular ou órgão, que é usado para uma função específica, é modificado para
imprimir outra função. Seguem-se exemplos de como os TMs tornaram-se
modificados para desempenhar várias funções em diferentes insetos como mostra a
figura 16.
Figura 16: Diferentes funções em diferentes insetos que o túbulo de Malpighi pode assumir.
As principais características dos túbulos de Malpighi vem mostrar a
importância deste órgão para a excreção em muitos insetos com maior atenção
dada ao invertebrado R. prolixus. Muitos estudos mostram sua importância e muitos
45
trabalhos permeiam mais informações sobre a excreção de alguns insetos
(MADDREL, 1968; QUINLAN et al, 1997; BERRIDGE, 1969; PANNABECKER, 1995;
BRADLEY, 1983; GEOFFREY, 1997; O'DONNELL, 2000; MORGAN, 1985;
NICOLSON, 1993; WIGGLESWORTH, 1931a, 1931b, 1962).
46
2
2.1
METODOLOGIA
Preparação de amostras
2.1.1 Alimentação dos insetos
Foram coletadas larvas no quinto estágio de Rhodnius prolixus da colônia
mantida no Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos na Fundação Oswaldo
Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. Os insetos escolhidos estavam em jejum de 15 a 20
dias. Nesta etapa separou-se metade dos insetos para amostra de controle, os quais
foram alimentados apenas com sangue de coelho, e a outra metade para amostras
de insetos tratados, alimentados com sangue de coelho misturado a cloreto de
mercúrio na proporção de 1 µg de HgCl2 por mL de sangue.
A alimentação de ambos os grupos foi feita através de um adaptador artificial
de alimentação desenvolvido no laboratório e descrito por GARCIA et al (1984)
como mostra a figura 17.
Figura 17: Adaptador artificial de alimentação para o Rhodnius prolixus.
47
2.1.2 Coleta de urina, hemolinfa e túbulo de Malpighi
Os microtubos tipo Eppendorf® utilizados para as coletas das amostras foram
submetidos à lavagem para remoção dos agentes contaminantes. A lavagem foi
realizada com solução aquosa de HNO3 a 10% onde os frascos permaneceram
submersos por 24 horas e depois secos a temperatura ambiente.
As larvas de Rhodnius prolixus foram separadas para coleta em diferentes
dias após a alimentação para amostras de urina, hemolinfa e túbulo de Malpighi,
sendo um grupo de insetos utilizado para análise de urina (1° e 2° dias) e hemolinfa
(2° dia); outro grupo de insetos para análise somente de hemolinfa (5° dia) e um
terceiro grupo de insetos para análise dos túbulos de Malpighi (1°, 2° e 5° dias).
Na preparação das amostras inicialmente coletou-se a urina dos insetos no
primeiro e segundo dia após a alimentação de acordo com GARCIA et al (1984)
como mostra a figura 18.
Figura 18: Suportes para coleta de urina no 1º e no 2º dia após alimentação.
Cada inseto foi alocado em um Epperdorf com furo e acoplado dentro de um
segundo Eppendorf trocado a cada dia para a coleta da urina como mostra a figura
19 (GARCIA; AZAMBUJA, 1997).
48
Figura 19: Eppendorf acoplado para coleta de urina 1 e 2 dias após a alimentação.
Através da remoção de uma das patas dos insetos, e com auxílio de um
capilar, coletaram-se as amostras de hemolinfa para o segundo e o quinto dia após
a alimentação (figura 20).
Figura 20: Coleta de hemolinfa através de um capilar 2 e 5 dias após a alimentação.
49
As amostras de túbulo de Malpighi foram coletadas a partir da dissecação dos
insetos 1, 2 e 5 dias após a alimentação. A dissecação foi feita com um corte no
abdômen ao longo do eixo sagital através de um estereoscópico microscópio como
mostra a figura 21.
Figura 21: Fixação do inseto no microscópio para dissecação e coleta das amostras de túbulo de
Malpighi.
Todas as coletas foram realizadas usando uma pipeta calibrada, sendo as
amostras mantidas a -20°C até o momento de preparação das amostras.
2.1.3 Procedimento de preparação de amostra para análise de SR-TXRF
As amostras foram preparadas tendo alíquotas de hemolinfa e urina a partir
de diferentes grupos insetos, as quais foram então homogeneizadas e reunidas por
meio de pipetas volumétricas e transferidas para frascos calibrados. Para as
amostras dos TMs, foram digeridos quatro túbulos por Eppendorf com 100 µL de
ácido nítrico puro ultra concentrado.
Como o depósito da solução em um refletor é não homogêneo, ocorrem
mudanças no valor da concentração de cada elemento na amostra causando
variações significativas na contagem total em diferentes espectros para a mesma
amostra. Sendo assim, para efetuar a análise quantitativa, um padrão interno foi
50
adicionado à amostra, a fim de corrigir a instabilidade do sistema e erros
operacionais. Neste trabalho, Ga (Aldrich 84378) foi utilizado como um padrão
interno a uma concentração de 8,27 µg mL-1. A concentração final de Ga para a
amostra de cada um foi de 1:10 (1 parte de Ga e 9 partes de amostra). Pequenas
amostras (5μL) da solução final (Ga + amostra) foram pipetadas no suporte de
Perspex® (poli (metacrilato de metilo) - PMMA) para a evaporação mais tarde sob
uma lâmpada de infravermelho.
Os valores de sensibilidade diferentes para cada elemento analisado foi
determinada por meio de soluções aquosas padrões dopadas com diferentes
concentrações multielementares previamente conhecidas. Limites de detecção
similares foram encontrados para os tecidos analisados e estão de acordo com a
literatura (PÉREZ et al , 1999).
51
2.2
Preparo de amostras padrão
Para realizar a calibração do sistema de detecção, e posteriormente calcular a
sensibilidade relativa, foram preparadas cinco soluções padrão contendo os
elementos Na, Si, Ca, Ti, Mn, Fe, Ni, Se, Sr, Mo e Ga. O elemento Ga foi utilizado
como padrão interno. Cada solução foi preparada usando padrões monoelementares
da Sigma-Aldrich®. A tabela 1 apresenta os valores das concentrações, em µg·mL -1,
dos monoelementos e do padrão interno em cada solução padrão.
Os padrões foram irradiados por 100s e os espectros obtidos foram ajustados
usando o software QXAS (BERNASCONI et al, 2000). Através das relações entre as
intensidades relativas medidas e as concentrções para os elementos presentes em
cada solução padrão, foi possível obter as sensibilidades relativas S R para cada
elemento usando a equação (3).
Tabela 1: Concentrações para Solução Padrão.
Z
11
14
20
22
25
26
28
34
38
40
31
2.3
SOLUÇÃO PADRÃO FINAL COM Ga 8,27 µg mLˉ¹
CONCENTRAÇÕES (µg mLˉ¹)
Série K
ELEMENTO
1K
2K
3K
4K
5K
Na
116,55 171,53 214,99 235,69 259,74
Si
116,32 171,18 214,56 235,22 259,22
Ca
11,56
17,02
21,33
33,40
36,81
Ti
11,68
17,19
21,54
33,74
37,18
Mn
11,64
17,14
21,48
33,64
37,07
Fe
11,66
17,15
21,50
33,67
37,11
Ni
11,66
17,15
21,50
33,67
37,11
Se
11,66
17,15
21,50
33,67
37,11
Sr
11,60
17,07
21,39
33,50
36,92
Mo
11,67
17,17
21,52
33,70
37,14
Ga
8,27
8,27
8,27
8,27
8,27
Instrumentação e medidas
As medidas de SR-TXRF foram realizadas na linha de Fluorescência de raios
X (D09B XRF) no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Campinas, Brasil
(PÉREZ et al, 1999). Todas as medidas foram realizadas em condições normais de
52
pressão e temperatura. Todas as amostras foram excitadas com um feixe branco
com energia máxima de 20 keV. Fótons fluorescentes foram detectados com um
detector de Silício Si(Li) de 165 eV a 5,9 keV de resolução com uma janela de Berílio
(Be) de 8 µm de espessura, 30 mm2 de área, acoplado a um módulo amplificador e
analisador multicanal. A linha de trabalho onde as medidas foram realizadas, D09BXRF, é indicada na figura 22.
Figura 22: Foto da linha D09B-XRF do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
As amostras foram excitadas por 100 segundos cada uma em triplicata, e os
espectros de raios X obtidos foram processados pelo software AXIL, QXAS,
distribuído pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para obter as
intensidades dos raios X característicos para cada elemento e as incertezas
associadas a cada um. (BERNASCONI et al, 2000)
Uma das principais vantagens da TXRF com respeito à outra técnica de XRF
é a fácil quantificação. Uma análise quantitativa multielementar torna-se possível
depois de obtidas as intensidades dos raios X simultaneamente (PRANGE, 1989;
KLOCKENKÄMPER ; VON BOHLEN, 1996).
53
3
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo serão apresentados os resultados obtidos pelas medidas de
SR-TXRF para as amostras de urina, hemolinfa e túbulo de Malpighi para os grupos
controle e tratado com HgCl2 em diferentes dias.
3.1
Análise por TXRF
No capítulo 1 item 1.1.1 descreveram-se os fundamentos da análise
quantitativa para SR-TXRF. As concentrações elementares são obtidas de acordo
com a equação 9 a partir da medida das intensidades dos raios X fluorescentes
emitida pelo elemento i em função da sensibilidade do sistema. Para tal análise
foram obtidos espectros das intensidades dos raios X característicos em função da
energia através do software AXIL (BERNASCONI et al, 2000). A figura 23 mostra um
espectro típico obtido para uma dada amostra de túbulo de Malpighi.
Figura 23: Espectro característico típico obtido para uma amostra de túbulo de Malpighi.
54
3.1.1 Curva de Sensibilidade
A figura 24 apresenta a curva de sensibilidade relativa experimental obtida
para a série K, utilizando a metodologia descrita no item 2.2. Os dados
experimentais foram ajustados usando o software OriginPro 8® (R2=0,99).
2
-5
3
SRi = -30,15078 + 1,97876 * Z - 0,03552 * Z + 9,46359 * 10 * Z
2
R = 0,99514
1
0,36788
Sensibilidade Relativa
0,13534
0,04979
Experimental
Ajustada
0,01832
0,00674
0,00248
9,11882E-4
3,35463E-4
1,2341E-4
4,53999E-5
1,67017E-5
10
20
30
40
N° atômico Z
Figura 24: Curva de sensibilidade elementar para série K.
A precisão dos resultados e a confiabilidade dos procedimentos analíticos
foram checadas com o auxílio de dois materiais de referência: Soro de ovelha Sigma
S2263 (Sigma-Aldrich®, origem EUA, esterilizada por filtração, cultura de células
testada) e Soro humano Sigma H4522 (Sigma-Aldrich®, a partir de plasma humano
macho AB, esterilizada por filtração) com valores certificados de 1,81 μg mL-1 e
0,77 μg mL-1, respectivamente, para concentração de Fe. Os resultados obtidos
estão em boa concordância com os valores certificados. O desvio padrão para a
concentração de Fe entre repetições independentes (n = 5) foi inferior a 10% para
ambos os materiais de referência.
55
3.1.2 Limite de detecção
As curvas para os limites de detecção para os elementos químicos do Si ao
Mo obtidas para as amostras de túbulo de Malpighi, urina e hemolinfa são
apresentadas nas figuras 25, 26 e 27 respectivamente. Todas as curvas foram
ajustadas usando o software OriginPro 8® através de um ajuste polinomial de
terceira ordem.
2
-4
3
LD = 22,6369 - 1,45265 * Z + 0,00704 * Z + 4,10767 * 10 * Z
2
R = 0,99
148,41316
54,59815
-1
Limite de Detecçao (ugmL )
20,08554
7,38906
2,71828
1
0,36788
0,13534
0,04979
Experimental
Ajustada
0,01832
10
20
30
40
Nْ atômico Z
Figura 25: Curva obtida para o limite de detecção da linha K para as amostras de túbulo de Malpighi
de Rhodnius prolixus.
56
2
3
LD = 2,40678 + 0,76071 * Z - 0,06984 * Z + 0,00127 * Z
2
R = 0,96
148,41316
54,59815
1
Limite de detecçao(ug mL )
20,08554
7,38906
2,71828
1
0,36788
0,13534
Experimental
Ajustada
0,04979
0,01832
20
30
40
Nْ atômico(Z)
Figura 26: Curva obtida para o limite de detecção da linha K para as amostras de hemolinfa de
Rhodnius prolixus.
2
3
LD = 2,50637 + 0,70386 * Z - 0,06334 * Z + 0,00112 * Z
2
R = 0,97
148,41316
54,59815
1
Limite de detecçao(ug mL )
20,08554
7,38906
2,71828
1
0,36788
0,13534
0,04979
Experimental
Ajustada
0,01832
20
30
40
Nْ atômico(Z)
Figura 27: Curva obtida para o limite de detecção da linha K para as amostras de urina de Rhodnius
prolixus.
Os valores de R2 para as amostras dos TMs, urina e hemolinfa foram
respectivamente R2= 0,99, R2=0,97 e R2=0,96. Os valores obtidos para os LDs estão
de acordo com o esperado para a técnica SR-TXRF (PÉREZ et al , 1999).
57
3.2
Análise dos resultados
Foram monitoradas primeiramente, possíveis variações nas concentrações
elementares em amostras de urina, hemolinfa e túbulo de Malpighi de ninfas de
quinto estágio de Rhodnius prolixus após repasto com sangue desfibrinado de
coelho. Essa etapa foi considerada como avaliação de amostras controle. Esses
resultados foram apresentados durante o evento científico 2012 EXRS (European
Conference on X-Ray Spectrometry) e submetidos para publicação no periódico XRay Spectrometry (MANTUANO et al, 2012a).
Na segunda etapa, foram monitoradas as variações nas concentrações
elementares na urina e hemolinfa causadas pela adição de HgCl 2 (1µg de HgCl2
para 1 mL de sangue) ao sangue de coelho com o qual as ninfas de quinto estágio
de Rhodnius prolixus foram alimentados. Esta etapa foi chamada de avaliação de
amostras tratadas com HgCl2. Esses resultados foram publicados em MANTUANO
et al (2012b).
3.2.1 Avaliação de amostras controle
A análise quantitativa foi realizada para os elementos traço Cl, K e Ca para
todas as amostras. A tabela 2 apresenta os valores das concentrações (mg mL −1)
experimentais médias obtidas e o respectivo desvio padrão. Os resultados foram
analisados usando o teste-t para amostras independentes. A diferença entre as
concentrações calculadas foi considerada estatisticamente significativa para P ≤
0,01.
58
-1
Tabela 2: Comparação das concentrações elementares (mg mL ) para amostras de túbulos de
Malpighi, urina e hemolinfa coletadas em diferentes dias após a alimentação.
Concentração (mg mL-1)
(valor médio ± desvio padrão)
Cl
K
Ca
Túbulos de Malpighi
1 dia (n=12)
0,40 ± 0,19
0,96 ± 0,28
11,42 ± 1,75
2 dias (n=12)
0,71 ± 0,42
1,47 ± 0,72
15,61 ± 3,03
5 dias (n=8)
1,42 ± 0,22
4,08 ± 0,48
16,22 ± 4,65
Urina
1 dia (n=54)
9,20 ± 3,47
1,84 ± 0,5
0,14 ± 0,03
2 dias (n=18)
17,88 ± 4,66
7,73 ± 1,91
0,49 ± 0,09
NC
NC
NC
NC
NC
NC
2 dias (n=20)
18,65 ± 4,77
2,05 ± 0,44
2,07 ± 0,59
5 dias (n=42)
13,89 ± 3,63
1,61 ± 0,36
2,11 ± 0,38
5 dias
Hemolinfa
1 dia
NC - não coletado
R. prolixus no seu estágio ainda jovem se alimenta de grandes quantidades
de sangue chegando a ficar com o peso 12 vezes maior que o seu peso quando em
jejum. Isto acelera a ação de vários sistemas que juntos permitem que o líquido
excedente seja liberado e íons contidos na refeição sejam transportados para o
intestino pela hemolinfa e, então, para fora da hemolinfa pela produção de urina e
sua excreção em quantidades relativamente grandes pelos túbulos de Malpighi
(MADDRELL, 2009).
As concentrações de K e Cl são altas na urina (MADDREL, 1993) no 1° e 2°
dias em comparação ao túbulo de Malpighi e a hemolinfa respectivamente (P < 0,01)
(figuras 28 e 29).
59
Figura 28: Gráfico das concentrações para as amostras de urina e túbulos de Malpighi de Rhodnius
prolixus 1 dia após o repasto sanguíneo.
Figura 29: Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa, urina e túbulos de Malpighi de
Rhodnius prolixus 2 dias após o repasto sanguíneo.
60
Imediatamente depois que o inseto é alimentado existe um período de rápida
diurese pelo qual grande parte de água e sais do sangue ingerido são eliminados.
Essa urina é sintetizada pela difusão de íons, carboidratos, aminoácidos, e ureia,
dentro do lúmen e do segmento distal do túbulo de Malpighi seguido pela
acidificação posterior e também reabsorção de água e íons no segmento proximal,
localizado na junção entre o intestino médio e o intestino posterior (MADDRELL et
al, 1991). Fortes similaridades são evidentes comparando a composição de
diferentes conteúdos retais e de excreção em algumas espécies de triatomíneos.
Apenas depois de alimentados, o pH do reto muda de ácido (6,0) para alcalino (8,5)
em T. infestans (KOLLIEN et al, 2001) e R. prolixus (WIGGLESWORTH,1931a;
1931b) voltando a ser ligeiramente ácidos um dia depois. Normalmente, sulfato,
fosfato e íons de potássio, dominam o conteúdo retal de T. infestans em jejum
(KOLLIEN et al, 2001).
Na figura 29, é visto que a concentração de K na urina é substancialmente
maior que na hemolinfa (P < 0,01). A maior concentração de K na urina está
inteiramente de acordo com a expectativa (RAMSAY, 1953). As primeiras gotas de
excreção são principalmente uma solução de alta proporção de Na em comparação
ao K considerando quantidades de carbonatos e pequenas quantidades de sulfatos
e Ca (WIGGLESWORTH,1931a, 1931b). Além disso, o reto revela contagens
intensas de Ca, Cl, Na e K, mas apenas traços de carbonetos, Mg e nitratos são
observados. Contudo, altos níveis de carboneto foram detectados na fase inicial da
diurese (MADDRELL, 1963, 1993; KLOCKENKÄMPER ; VON BOHLEN, 1996).
Pode-se verificar a alta concentração de Ca nos túbulos de Malpighi em
comparação com os resultados para as amostras de urina e hemolinfa, como
mostram as figuras 29 e 30.
61
Figura 30: Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa e túbulos de Malpighi de
Rhodnius prolixus 5 dias após o repasto sanguíneo.
Esferas de cálcio nos túbulos de Malpighi mostradas por MADDREL (1991)
confirmam a habilidade dos túbulos de Malpighi de reterem o Ca, o que pode impedir
o processo de reabsorção do Ca no reto (MADDRELL et al, 1990; 2004). Desta
forma, a maior parte dos íons de Ca é depositada nas células do túbulo de Malpighi
superior, algo é retido na hemolinfa e relativamente pouco é eliminado do corpo. Os
resultados concordam em mostrar que grande parte do Ca da dieta administrada é
retida no corpo do inseto.
62
3.2.2 Avaliação de amostras tratadas com HgCl2
O mercúrio é um elemento não essencial, tóxico, e que se encontra
naturalmente disseminado no ambiente (NEVADO et al, 2012) e pode ser
encontrado em diferentes produtos químicos e formas físicas (MASON; BENOIT,
2003; WATRAS, C. J.; HUCKABEE, 1992). Sua utilização em atividades industriais
vem contribuindo para aumentar os níveis de Hg no ambiente marinho e terrestre
(BACCI, 1989; ANDRÉ et al., 1991). A química e a bioquímica do Hg em ambientes
aquáticos têm sido largamente estudadas, mas o papel do Hg em animais terrestres
foi negligenciado, embora a maioria do Hg total (cerca de 60%) é estimada para ser
depositada em ambientes terrestres, que se torna um importante foco de
transferência e bioacumulação em cadeias alimentares locais (FITZGERALD;
MASON, 1996.). Como resultado, os dados sobre os níveis de espécies de Hg em
animais terrestres são escassos.
Ampliando o estudo do comportamento e da análise quantitativa das
concentrações de alguns elementos após uma alimentação administrada ao inseto,
utilizaram-se insetos alimentados com sangue de coelho. Ao sangue alimentar
adicionou-se com cloreto de mercúrio (HgCl2) de modo a avaliar o efeito da presença
do Mercúrio no balanço iônico nos fluidos de excreção urina e hemolinfa e também
pelo principal órgão de transporte, os túbulos de Malpighi. A análise quantitativa foi
realizada também para os elementos Cl, K e Ca para todas as amostras.
Os valores médios e seus desvios padrão para amostras de túbulo de
Malpighi, urina e hemolinfa, estão apresentados na tabela 3. Os resultados desta
etapa também são analisados utilizando o teste-t considerando a diferença entre as
concentrações calculadas estatisticamente significativas para P ≤ 0,01.
63
-1
Tabela 3: Comparação das concentrações elementares (mg mL ) para amostras de túbulos de
Malpighi, urina e hemolinfa coletadas em diferentes dias após a alimentação com HgCl 2.
Concentração (mg mL-1)
(valor médio ± desvio padrão)
Cl
K
Ca
Túbulos de Malpighi
1 dia (n=12)
0,61 ± 0,3
2,02 ± 0,5
15,96 ± 6,0
2 dias (n=12)
0,32 ± 0,2
0,88 ± 0,3
11,95 ± 3,8
5 dias (n=8)
2,31 ± 0,5
10,73 ± 1,1
14,69 ± 3,4
Urina
1 dia (n=46)
14,0 ± 6,1
1,6 ± 0,6
150 ± 45a
2 dias (n=6)
26,5 ± 5,6
15,3 ± 2,8
23,7 ± 7,3a
NC
NC
NC
NC
NC
NC
2 dias (n=20)
19,8 ± 4,8
1,9 ± 0,4
1,9 ± 0,3
5 dias (n=36)
11,6 ± 2,1
1,6 ± 0,3
1,9 ± 0,2
5 dias
Hemolinfa
1 dia
a
em µg mL-1
Pode-se verificar a alta concentração de Ca nos túbulos de Malpighi em
comparação com os resultados para as amostras de urina e hemolinfa, como
mostram as figuras 31 e 32.
64
Figura 31: Gráfico das concentrações para as amostras de urina e túbulos de Malpighi de Rhodnius
prolixus 1 dia após o repasto sanguíneo.
Figura 32: Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa, urina e túbulos de Malpighi de
Rhodnius prolixus 2 dias após o repasto sanguíneo.
65
Este resultado concorda com aqueles obtidos para as amostras de controle.
Comparando as concentrações maiores de Cl e menores de Ca do túbulo e da urina,
a estatística mostra que são significativamente diferentes no 1º dia após o repasto
sanguíneo com HgCl2 (P < 0,01). Para o 2º dia, as concentrações de Cl e K não se
mostraram significativamente diferentes devido aos desvios padrão altos e à
pequena quantidade de amostra. Na análise estatística de comparação entre as
concentrações elementares no túbulo e na hemolinfa 5 dias após o repasto
sanguíneo, todas as variações mostraram diferenças significativas (P < 0,01).
A tabela 3 mostra as concentrações elementares para as amostras de túbulo
de Malpighi dos insetos após 1, 2 e 5 dias do repasto sanguíneo, onde todas as
variações apresentaram-se significativamente diferentes (P < 0,01) quando
comparadas as amostras controle (tabela 2). Comparando as concentrações
elementares para as amostras de túbulos de Malpighi entre o 1º e 2º dia após a
alimentação, os elementos Cl e Ca apresentaram uma redução não significativa em
suas concentrações (P > 0,01) (figura 33). Para o K a redução em sua concentração
elementar foi significativa (P < 0,01). Comparando o 1º e 5º dia, a análise estatística
mostra que há diferença significativa para o aumento da concentração de Cl e K. A
concentração de Ca não apresentou redução estatisticamente significativa (P > 0,01)
(figura 33).
66
Figura 33: Gráfico das concentrações para as amostras de túbulos de Malpighi de Rhodnius prolixus
1, 2 e 5 dias após o repasto sanguíneo para os insetos de controle e tratados.
Para as amostras de urina coletadas 1 dia após alimentação, foi verificado um
aumento estatisticamente significativo para a concentração de K em comparação
com o grupo controle (figura 34) (P < 0,01). Na urina de insetos tratados, o nível de
Cl e Ca foram significativamente maiores em comparação ao grupo controle (P <
0,01). Uma análise similar considerando as amostras coletadas 2 dias após
alimentação com metal tóxico mostra que as concentrações apresentam um
aumento significativo de K em comparação com amostras de controle (P < 0,01). O
nível de Cl não apresenta diferença significativa nas amostras tratadas em relação
às de controle. Níveis de Ca em insetos tratados com HgCl2 são muito menores em
comparação aos de controle (figura 34) (P < 0,01).
67
Figura 34: Gráfico das concentrações para as amostras de urina de Rhodnius prolixus 1 e 2 dias
após o repasto sanguíneo para os insetos de controle e tratados.
Já que Rhodnius prolixus é capaz de ingerir uma grande quantidade de
sangue em poucos minutos chegando de 10 a 12 vezes o seu peso desnutrido, se
faz necessário um sistema excretor eficiente para evitar a perda de componentes
importantes do sangue para sua nutrição (MADDRELL, 2009). Dados detalhados
das taxas de excreção são avaliados para Triatoma infestans e Rhodnius prolixus e
indicam que a excreção diminui depois de 24horas (WIGGLESWORTH, 1931a;
1931b). Neste inseto, a intensa distensão abdominal causada pela ingestão de
sangue, ativa receptores de estiramento que induzem a liberação de hormônios
diuréticos pelas massas gânglio torácicas e estimulam o rápido transporte de água e
íons através da parede estomacal para a hemolinfa e para os túbulos de Malpighi
(MADDRELL et al, 1990, 1991, 2004). O número consideravelmente menor de
amostras para o 2º dia de coleta, mostra claramente a diminuição na quantidade de
urina 2 dias após o repasto, o que concorda e é justificado pelo fato de que depois
da alimentação, a secreção de urina aumenta a uma taxa de 100 vezes, eliminando
de 45 – 76% da quantidade ingerida 4 horas após a alimentação (SCHNITKER et al,
1988; MADDRELL, 1964, 1969, 1972).
68
A figura 35 mostra também os resultados das amostras de hemolinfa
coletadas 2 dias após a alimentação e compara as concentrações elementares dos
insetos controle e tratados com HgCl2. A análise estatística mostra que não há
variação significativa entre as concentrações para todos os elementos nas amostras
de hemolinfa coletadas 2 dias após a ingestão do metal tóxico em comparação com
as amostras de controle (P > 0,10).
Numa análise similar para as amostras de hemolinfa coletadas 5 dias (figura
35) após o repasto com sangue tratado com HgCl2 verifica-se que as concentrações
de Cl e Ca mantêm os mesmos valores médios quando comparados aos resultados
do 2º dia após a alimentação. No entanto, foram significativamente menores em
relação às amostras de controle, considerando P < 0,01, devido ao aumento do
desvio padrão para as amostras coletadas no 5º dia após o repasto. Em contraste, a
concentração de K medida para os grupos tratado e controle não mostraram
diferença significativa.
Figura 35: Gráfico das concentrações para as amostras de hemolinfa de Rhodnius prolixus 2 e 5 dias
após o repasto sanguíneo para os insetos de controle e tratados.
Comparando os resultados obtidos para as amostras de hemolinfa coletadas
no 2º e no 5º dia após o repasto sanguíneo tratado com HgCl 2, verifica-se uma
69
queda significativa para as concentrações de Cl e K (P < 0,01). A concentração de
Ca permanece constante no 5º dia. Esse comportamento é análogo àquele
verificado para as amostras de controle (figura 35).
A queda na concentração de Ca na urina concorda com o resultado
apresentado no item 3.2.1 para as amostras de controle (tabela 2), visto que o Ca é
depositado em grande parte nos túbulos de Malpighi e consequentemente muito
pouco eliminado principalmente no 2º dia após a alimentação.
70
4
CONCLUSÃO
Na última década, a técnica de fluorescência de raios X usando radiação
síncrotron tornou-se uma técnica multielementar útil para a determinação de
elementos traço em amostras ambientais e biológicas e vem obtendo sucesso para
esse tipo de análise. O uso de métodos analíticos mais rápidos e precisos para
análise de fluidos biológicos vem proporcionando uma melhor compreensão da
excreção do inseto Rhodnius prolixus. Esta espécie é amplamente estudada e vem
ganhando destaque na ciência ao longo dos anos por ser também um dos vetores
de mais relevante importância do Trypanosoma cruzi, agente causador da doença
de Chagas. Neste trabalho utilizou-se a técnica SR-TXRF para estudar,
quantitativamente, o transporte de cloro, potássio e cálcio na hemolinfa, urina e
túbulos de Malpighi do Rhodnius prolixus, considerando a excreção destes
elementos em diferentes dias após o repasto sanguíneo.
As concentrações de cloro e potássio na hemolinfa e urina são dadas na
tabela 2. Pode ser visto que a concentração de potássio na urina é substancialmente
maior do que na hemolinfa. A concentração de cloro na hemolinfa é menor do que
na urina, mas a diferença não é tão marcada como no caso do potássio. O fluido
secretado pelo TM superior (distal) é uma mistura aproximadamente equimolar de
NaCl (cloreto de sódio) e KCl (cloreto de potássio) e é iso-osmótica com a hemolinfa
do inseto, mas hiperosmótica à refeição de sangue. No caso do Rhodnius é razoável
interpretar a elevada concentração de potássio na urina como adaptativo para o
problema de excreção imediato do inseto. Isto pode ser explicado considerando que
a concentração de potássio no sangue de coelho que alimenta os insetos é maior
que na hemolinfa e o mecanismo de excreção está presumivelmente adaptado para
manter a proporção iônica normal na hemolinfa. Logo, esta maior concentração de
potássio na urina é inteiramente de acordo com a expectativa.
Na tabela 2, verificasse também a maior concentração de cálcio nos TMs em
comparação com os valores encontrados na hemolinfa e urina. Este resultado
mostra que o cálcio é retido no corpo do R. prolixus e pouco eliminado. É possível
que os depósitos de cálcio podem atuar como uma reserva a ser utilizada quando o
cálcio for escasso. No entanto, é mais provável que os TMs retenham o excesso de
cálcio para impedi-lo de interferir com funções vitais tal como a conservação da
água.
71
O ponto a notar a partir dos resultados apresentados na tabela 2 é que,
basicamente, o comportamento de Cl, K e Ca e suas alterações são como seria de
esperar na literatura (WIGGLESWORTH, 1931; MADDRELL et al, 1963, 1990, 1991,
2004; COLLIER ; O’DONNELL, 1997; RAMSAY, 1953).
Na tabela 3 foram apresentados os resultados obtidos com o objetivo de
investigar o efeito da presença do mercúrio, como agente de contaminação no
ambiente marinho e terrestre, no balanço iônico nos fluidos de excreção urina e
hemolinfa e também pelo principal órgão de transporte, os túbulos de Malpighi.
Os resultados de comparação entre a urina dos insetos controle e os tratados
com cloreto de mercúrio (tabela 3) mostram altos níveis de Ca dos insetos controle
em comparação aos insetos tratados 2 dias após a ingestão de HgCl 2. As excreções
de Cl e K também são afetadas pela ingestão do metal tóxico que acarreta uma
maior eliminação após o 1º dia de repasto. O Cl tem um pequeno aumento em sua
concentração nos túbulos de Malpighi 5 dias após o repasto, mas ainda sim é mais
significante a sua excreção no 2º dia para os insetos tratados. Este resultado é
esperado levando-se em consideração a ingestão de excesso de Cl através do
HgCl2.
Na hemolinfa pode-se concluir que a ingestão do repasto de sangue tratado
com HgCl2 não causou variações no transporte dos elementos estudados (Cl, K, Ca)
No Rhodnius prolixus.
Comparando os resultados obtidos entre o 1º e o 2º dia após o repasto
sanguíneo tratado com HgCl2, verifica-se que as concentrações de Cl são
significativamente maiores no 2º dia. As altas taxas de Cl presente principalmente na
urina, mas também visíveis na hemolinfa dos insetos, provém majoritariamente do
metal tóxico (HgCl2) ingerido na alimentação com sangue. Torna-se visível a grande
eliminação do excesso de Cl do organismo pela urina principalmente no segundo dia
de excreção. Para o K verifica-se um aumento ainda maior (cerca de 10 vezes com
P < 0,01). Esse comportamento é análogo àquele verificado para as amostras de
controle (tabela 2). A concentração de Ca apresenta uma queda significativa 2 dias
após o repasto. Desta forma, pode-se concluir que a ingestão de HgCl2 através da
alimentação causou variações no transporte do elemento Ca na urina do Rhodnius
prolixus.
Nos túbulos de Malpighi, as altas concentrações de Ca concordam com a
literatura (MADDRELL, 1963; 1991) tanto em insetos tratados com HgCl 2 como em
72
insetos controle. Pode-se notar o aumento das concentrações de K no 1º e no 5º dia
dos insetos tratados após a alimentação devido a ingestão de HgCl 2.
Finalmente, a partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que SR-TXRF é
um método muito promissor para análises diretas, rápidas e confiáveis para a
quantificação simultânea de elementos envolvidos na regulação do transporte e em
todo o sistema excretor de insetos. Além disso, o estudo do transporte e a excreção
de elementos no inseto Rhodnius prolixus abrem oportunidade para a maior
compreensão de efeitos da poluição em espécies de invertebrados. Os impactos das
variações de elementos importantes para o desenvolvimento do T. Cruzi na ampola
retal abrange estudos não só na área da biologia, mas também na física a partir do
uso da técnica SR-TXRF.
73
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