A existência concreta do conceito no mundo real: o desenvolvimento do
ser-em-si ao ser-para-si
The concrete existence of the concept in the real world: the development of the being-initself to being-for-itself
Júlio César Rodrigues da Costa1
Resumo: O Objetivo deste trabalho é investigar a relação entre o Ser-em-si e o Ser-para-si, que
são as existências reais e não meramente abstratas, na Filosofia de Hegel, abordando definições
chaves para entender essa relação, começando pela Lógica, ciência do pensar puro, o objeto
mais simples, que é divida em três momentos: A. o Abstrato ou Intelectual, onde o pensamento
primeiro se dá, através de definições rígidas de seu objeto, diferenciando-o daquilo que não é
necessário neste momento; B. o Dialético ou Negativo-Racional, que é tudo aquilo que fora
negado no momento anterior, tudo o que não é o objeto do momento anterior; e C. Especulativo
ou Positivo-Racional, uma união de ambos os momentos, tomando-os como necessários para o
desenvolvimento um do outro, e da concretude composta e real, não simples e abstrata. O
desenvolvimento desse real se dá também através de três momentos: A. o Ser-em-si, início do
ser real, que ainda não se realizou até sua finalidade, mas que tem em-si tudo o que precisa para
fazê-lo; B. o Ser determinado, que é o ser que é já existente, mas não atingiu a sua meta e
tampouco é o início; e C. o Ser-para-si, que é o ser que já tem todas as suas propriedades reais,
ser que já atingiu sua finalidade. Mas nessa relação parece haver um problema: o Ser-em-si, que
ainda não é o que pode ser, se coloca por si na existência, ou seja, é ele próprio que se
"germina" até o Ser-para-si; ora, se as características ainda não existem, como pode o Ser
desenvolver estas sem saber delas? Isso não parece possível: o Ser precisa conhecer o que
desenvolver para fazê-lo, e esse conhecimento se dá mediante um impulso exterior a ele, como
um professor.
Palavras-chave: Hegel. Ser-em-si. Ser-para-si. Pensamento. Lógica.
Abstract: The objective of this paper is to investigate the relation of the Being-in-itself and the
Being-for-self, which are the real existences and not merely abstracts, in Hegel’s Philosophy,
approaching key definitions to understand such relation, beginning with the Logics, science of
the pure thinking, the simpler object, which is divided in three moments: A. the Abstract or
Understanding, where the thinking starts, through rigid definitions of its object, differentiating it
from what isn’t necessary in this moment; B. the Dialectical or Negative-Reason, which is
everything that was negated in the previous moment, everything which isn’t the previous
moment object; and C. the Speculative or Positive-Reason, a union of both moments,
understanding them as necessary to the development of each other, and the composite and real
concreteness, not simple and abstract. The development of this concrete being is also divided in
three moments: A. the Being-in-itself, beginning of the real being, that has not fulfilled its
finality, but have in-itself everything it needs to do so; B. the Determinate Being, which is the
being already real, but has yet to achieve its goal, though it ain’t the start; and C. the Being-forself, which is the being with all his properties fulfilled, that has achieved its goal. But in this
relation seems to have a problem: the Being-in-itself, which isn’t yet what it can be, develops
itself, i.e., it is himself who “germinates” itself to the Being-for-self; well, if the characteristics
still doesn’t exist, how can the Being develop them without knowing about them? This doesn’t
seems possible: the Being needs to know what to develop to do so, and this knowledge comes
with an exterior impulse, like a teacher.
1
Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus Marília. Orientador:
Pedro Geraldo Aparecido Novelli. E-mail: [email protected].
A existência concreta do conceito no mundo real: o desenvolvimento do ser-em-si ao
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Keywords: Hegel. Being-in-itself. Being-for-self. Thinking. Logics.
* * * Dizer por onde Hegel começa sua investigação pode até mesmo parecer uma
temeridade, ou no mínimo, dizer sem muito dizer. O que o filósofo em questão primeiro
busca, investiga, seria o começo daquilo que é o seu objeto no momento da própria
busca e investigação. Ora, vemos que o que Hegel busca é começar do começo; parecenos algo até um tanto quanto bobo de se dizer, mas este diferente de alguns dos
filósofos do seu tempo, que viam nessa questão muito mais uma explicação para seu
motivo de filosofar, e não um começo objetivo da própria Filosofia, ou de qualquer
outro modo de conhecimento, que seria o conhecimento adequado, e não aquele que se
refere ao Eu, ao interior de alguém específico, que é o que acontece com o resultado
daquilo que tem sua base em princípios subjetivos.
E é essa busca por um começo, neste caso, o começo lógico, que seguiremos
com Hegel, principalmente na sua Ciencia de la Logica (1968). Ao que o alemão chama
de lógica aqui, de certo se diferencia do que em seu próprio tempo e hoje se entende por
tal ciência. Para ele, a lógica “Pode muito bem dizer-se que [...] é a ciência do pensar,
das suas determinações e leis” (HEGEL, 1969, §19). O começo em questão é então o
começo do pensamento, de como este se dá, se desenvolve e de como este vê os objetos
peculiares a ele.
1. Começo lógico
O fato de o autor procurar por um começo propriamente dito, ou seja, objetivo,
e não uma demonstração de como seu próprio conhecimento se deu, de seus princípios,
ou seja, de um começo do Eu, que, para Hegel, é como o conhecimento se dá para seus
contemporâneos: “todo o seguinte deve deduzir-se de uma primeira verdade, e em parte, da
necessidade de que a primeira verdade fosse algo conhecido, e, além disso, uma certeza
2
imediata” (HEGEL, 1968, p 70) . O problema aqui é o fato de esse começo ser
subjetivo, dependendo das experiências de cada um, e não um começo objetivo,
2
“todo lo seguiente debe deducirse de una primera verdad, y en parte, de la necesidad de que la primera
verdad fuera algo conocido, y más aún uma certeza inmediata.” (HEGEL, 1968, p 70).
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científico propriamente dito, que, na verdade, independe do Eu: vale para todos aqueles
que tiverem acesso aos relatos e resultados da pesquisa; e se não é assim, se se parte de
um ponto subjetivo, não é ciência.
Em busca desse conteúdo objetivo, Hegel vai por sua obra (ao menos das que
aqui se trata) mencionar como se dá o movimento até que se atinja a meta desejada.
Antes, porém, de seguirmos o mesmo caminho, devemos clarificar como é a lógica do
filósofo alemão, um tanto quanto peculiar (principalmente no seu tempo), mas
extremamente coesa.
1.1 Momentos da lógica hegeliana
A lógica tem três momentos pelos quais todo o pensamento perpassa – e vale a
ressalva feita pelo autor: são apenas momentos para elucidar a explicação, e não partes
diferentes, as quais se pode remover e colocar arbitrariamente – são eles: A. Abstrato ou
Intelectual: nesse primeiro momento, temos o entendimento limitando e determinando o
conteúdo do objeto em referência à sua diferença quanto aos outros, ou seja, definindo
este como diferente daqueles; B. Dialético ou Negativo-Racional: aqui, o objeto é
justamente aquele que não era no momento anterior, ou seja, sua negação: importa
aquilo que fora definido como diferente do objeto de estudo; e por último C.
especulativo ou positivo-racional: último momento, que une aquilo que fora adquirido
nos momentos anteriores num só resultado que tem nele próprio a sua definição e
negação, formando o resultado obtido neste momento uma unidade de contrários, mas
concreto, pois “não é unidade simples e formal, mas unidade de determinações
diversas” (HEGEL, 1969, § 82). Vejamos estes momentos com maior atenção, por se
tratarem de definições-chave para o que procuramos.
1.1.1 Abstrato ou intelectual
No primeiro momento nada temos mais que a faculdade do entendimento e
aquilo que dela pode resultar: definições rígidas e determinadas quanto o objeto
observado, seja ele qual for: “O pensar, enquanto entendimento, atém-se à rígida
determinidade e à sua diferença relativamente às outras” (HEGEL, 1969, §80). Sua
aptidão é diferenciar este objeto em específico dos demais, delimitar aquelas
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características que são apenas do objeto X e não do objeto Y ou Z, que são as
características que o definem propriamente dito. Podemos entender este momento como
se pegássemos um graveto e fizéssemos um círculo no chão: o que está do lado de
dentro deste círculo é o que interessa ao entendimento; o lado de fora não é por ele
analisado, ou pelo menos não a partir de o círculo já estar feito.
1.1.2 Dialético ou negativo-racional
O segundo momento é a negação daquilo que foi determinado anteriormente,
ele é “este ir-além imanente, em que a unilateralidade e a limitação das determinações
do entendimento se apresenta como aquilo que ela é, saber, como a sua negação.”
(HEGEL, 1969, §81), ou seja, a dialética é aquilo que o momento anterior não é, é a
supressão dos limites impostos – uma negação em relação ao anterior, mas é ela própria
uma afirmação, afirmação essa contraditória à primeira –. Este é, sem dúvida, um ponto
de extrema importância na filosofia aqui em questão: Se ficasse apenas na primeira
determinação, não existiria desenvolvimento ulterior: aquele círculo se define a si, e
após ser traçado, necessita apenas de si para ser o que é; o que o momento dialético faz
é analisar o lado de fora do círculo, ver nele aquilo que é importante ao pensamento, ver
ele como uma necessidade do momento anterior mesmo: ora, se não houvesse a terra a
ser riscada, não há como riscá-la com um graveto; mas após ter o desenho feito, não
mais o entendimento se atém a esta necessidade, e a dialética aparece exatamente para
mostrar que aquilo é ainda de extrema importância.
1.1.3 Especulativo ou positivo-racional
Este momento é o que diferencia a lógica que Hegel faz uso das demais. Aqui,
se tem o que o entendimento definiu, limitou, e também o que a dialética “negou”, ou
melhor, o que ela afirmou, sendo sua afirmação aquilo que era negação da determinação
do entendimento; o momento especulativo une, então, ambos momentos, o que os dois
momentos tem como afirmação: “O momento especulativo ou positivo-racional
apreende a unidade das determinações na sua oposição” (HEGEL, 1969, §83), e é o
resultado de ambos, o fim daquilo que se obteve com os momentos anteriores,
exatamente por ser uma unidade de ambos. Por ser uma unidade de coisas diversas, não
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é então simples (que seria, exatamente, aquilo que tem apenas uma característica, que é
só X ou só Y), mas um composto; e para o alemão, todo o composto é já concreto,
enquanto o abstrato é o simples, o “puro”.
Como dito, este momento é o que fez dessa lógica única no seu tempo. Enquanto
o que se parecia buscar nas outras eram as determinações e suas negações, e
simplesmente elencá-las na sua história, como se deram, qual era o seu fim, etc., a
lógica em questão aqui vai além, pois vê o que se pode conter de positivo, de afirmativo
nestas afirmações e negações, neste desenvolvimento histórico, nesta listagem de
pensamentos fazendo algo com elas, e não somente pregando-as na parede como
adorno, ou como um belo vaso num canto do quarto, mas que é ali deixado, sem uso.
2. O desenvolvimento lógico
Tendo em mãos como se dá o desenvolvimento lógico para o autor, seguiremos
agora o seu próprio percurso em busca de um começo lógico, ou do que é esse começo.
Se a lógica é a ciência do pensar, de como este se dá, como acontece, podemos
dizer que aquilo que há de mais puro ao próprio pensar é também o mais puro objeto de
sua ciência. Ora, o que é de mais puro ao pensar já havia sido dito há milhares de anos,
primeiro pelos Eleatas, e depois melhor formulado por Aristóteles. O que há de mais
puro ao pensar é o ser enquanto ser, enquanto apenas existência, sem as peculiaridades
dos individuais, enquanto é: “O ser puro não deve significar mais que o ser em geral: ser
e nada mais, sem outras determinações ou complementos” (HEGEL, 1968, p. 65) 3. O
puro ser é o ser absoluto, ser que é ser e nada mais. Se for essa a característica do ser,
então para Hegel assim ele se define: “Se o ser se enuncia como absoluto, obtém-se
deste a primeira definição: o absoluto é o ser” (HEGEL, 1969, §86). O ser é então
indeterminado, como se viu aqui, e é também imediato, pois se ele tivesse alguma
mediação, seria com aquilo que ele não é, e se media com aquilo que ele não é, não é
então absoluto, como uma cadeira, por exemplo, não é absoluta, visto que precisa que
alguém tenha o conhecimento de cadeira e que tenha os meios apropriados para sua
construção, só então passa a existir; mas o ser absoluto, além de nada depender para ser,
3
“el puro ser no debe significar más que el ser em general: ser nada más, sin otras determinaciones ni
complementos O ser puro não deve significar mais que o ser em geral: ser e nada mais, sem outras
determinações ou complementos” (HEGEL, 1968, p. 65).
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é também eterno, pois se não o fosse, não seria ele próprio: o começo é o sair de algo
que não é para algo que é (veremos essa afirmação mais tarde). O que não é ser,
segundo os próprios Eleatas citados, é o nada, nosso próximo tema.
O ser é então absoluto, eterno, indeterminado e imediato: “Só nesta e por causa
desta pura indeterminação é que ele é nada, algo de indizível” (HEGEL, 1969, §87). Ele
é, então, pura abstração: o que é concreto é aquilo que é composto, que é diferente, e
não o que é sempre o mesmo, sempre si. E quanto ao contrário do ser, a saber, o nada:
este se predica exatamente da mesma forma. É indeterminado, pois é nada, e o nada não
se determina. O não ser não é; e é também imediato, já que não existe, e a mediação não
se dá do nada ao nada, ou do ser ao nada, mas do ser ao ser (como no exemplo acima: a
mediação é entre carpinteiro e madeira – ambos existentes – para que se resulte a
cadeira) – Como poderia então algo que não é ser mediado, ter uma relação com o seu
outro, que é justamente a existência? –, e é também eterno, pois é sempre ele próprio; se
mudasse, deixaria de ser nada.
Se a definição primeira, a mais pura do começo da lógica é o ser, e, como se
mostrou, este se define da mesma forma que o seu contrário, que é o nada, Hegel afirma
então que no começo estão ambos contidos:
O começo não é o nada puro, mas um nada de qual tem que surgir algo: logo
também o ser está contido no começo. O começo contém, portanto, ambos: o
ser e o nada; é a unidade do ser e do nada; a saber, é um não ser que ao
mesmo tempo é ser, e um ser, que ao mesmo tempo é não ser” (HEGEL,
1968, p. 68) 4.
Ora, também se vê essa definição nos antigos, a saber, por Heráclito: este é
exatamente o devir, o vir a ser e o deixar de ser: o desaparecer (passagem do ser ao
nada) e o nascimento (passagem do nada ao ser); e, se o ser e o nada se definem da
mesma forma quanto ao mesmo (a saber, de que são abstrações no começo lógico) a sua
verdade está naquilo que os une: “Sua verdade, então, consiste nesse movimento do [...]
desaparecer de um em outro: o devir” (HEGEL, 1968, p. 78) 5. Mas ainda se pode
querer afirmar que o ser, na verdade, não possui as características aqui afirmadas;
4
“El comienzo no es la nada pura, sino una nada de la cual tiene que surgir algo; luego también el ser está
ya contenido en el comienzo. El comienzo contiene en consecuencia, a ambos: el ser y la nada; es la
unidad del ser y la nada; es decir, es um no-ser que al mismo tiempo es ser, y um ser que al mismo tiempo
es no-ser” (HEGEL, 1968, p. 68).
5
“Su verdad, pues, consiste em este movimento del [...] desaparecer de uno en outro: el devenir”
(HEGEL, 1968, p. 78).
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porém, mesmo se ele não for da forma descrita, sua verdade ainda é devir, pois ele
começou de algo que não é ele próprio, e o que não é ele é o nada: “a coisa, no seu
começo, ainda não é, mas ele não é somente o nada da coisa; aí se encontra também já o
seu ser. O próprio começo é também devir, mas exprime já a consideração de um
processo ulterior.” (HEGEL, 1969, §88). O começo, então, não é o ser ou nada, ou pelo
menos o começo concreto. Este último é o devir, o vir a ser e o deixar de ser, enquanto o
ser e o nada são apenas começos abstratos, simples e sem determinações. Cabe aqui
uma breve definição do que Hegel diz ser o vir a ser e o deixar de ser, para passarmos à
existência real através do devir.
O devir é a unidade do ser e do nada, mas esta unidade não os elimina: tem nela
contido ambos, mas cada qual em seu próprio momento, cada qual com sua diferença
em relação ao outro da sua unidade. Há a possibilidade de duas relações ou direções
aqui: a do ser que se relaciona com o nada, e do nada que se relaciona ao ser; no
primeiro exemplo, onde se começa do ser e se chega ao nada e no segundo exemplo,
onde se começa do nada e se chega ao ser. Este se refere ao nascer, e aquele ao perecer.
O nascer e o perecer são, para Hegel, direções diferentes de um mesmo movimento:
Uma direção é o perecer; o ser passa ao nada, mas o nada é igual o
oposto de si mesmo, o passar ao ser, o nascer. Este nascer é a outra
direção; o nada passa ao ser, mas o ser, igualmente, se elimina a sí
mesmo, e é então o passar ao nada, o perecer” (HEGEL, 1968, p.97) 6.
Ora, quando algo nasce, este passa a existir, e quando perece, cessa – o ser,
quando é existente e real, e não abstrato, tem suas determinações e mediações – e é
aqui, finalmente, que encontramos o objetivo deste trabalho: a este ser que não mais é
abstrato, Hegel, como é de costume no seu trabalho, divide em três momentos: A. o serem-si, que é o ser que ainda não é tudo que pode ser, mas que tem nele tudo que pode
vir a ser; B. o ser determinado, que é o ser que está se pondo na existência, mas que
ainda não atingiu a sua meta; e C. o ser-para-si, que é o ser que já se colocou como
existente, que tudo que ele podia ser, ele já é nele próprio. Tratemos melhor do assunto,
agora, mais pormenorizadamente.
6
“Uma dirección es el perecer; el ser traspasa a la nada, pero la nada es igualmente lo opuesto de sí
misma, el traspassar al ser, el nacer. Este nacer es la outra dirección; la nada traspasa al ser, pero el ser,
igualmente, se elimina a sí mismo, y es más bien el traspasar a la nada, es el perecer” (HEGEL, 1968,
p.97)
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3. Ser-em-si
O ser-em-si não é mais existência abstrata e simples, mas real, que é fruto da
negação entre o ser e o nada, que é então o devir. Mas de certo que, mesmo na
existência real, existam diferenças entre as existências, pura e simplesmente por não
serem os objetos reais os mesmos. Se existem estas diferenças, é então possível a
negação, já que ela não é nada mais do que isso: é a diferença quanto ao que
anteriormente fora determinado; mas isto é, então, referente a um algo anterior, algo
como o começo acima citado: coisa mais simples que aquelas que dele necessitam, mas
tem nele tudo o que pode um dia acontecer. Quanto a ele próprio é a potência de
Aristóteles, e para Hegel é o ser-em-si: “O que é em-si [...] é o germe do verdadeiro, a
disposição o ser-em-si do verdadeiro. É algo de simples, que contém certamente em-si
as qualidades do muito, mas na forma da simplicidade” (HEGEL, 2006, p.84). Como é
o exemplo do próprio filósofo, o ser-em-si é como uma semente de uma árvore: ainda
não é árvore, mas tem já nele tudo o que a árvore pode ser: se a semente for de uma
bananeira, os frutos serão bananas, não maçãs, e terá as características peculiares à
primeira, e não à segunda. Vale dizer também que o germe não se destrói enquanto se
desenvolve; antes, permanece existindo, até que o seu fim seja atingido; se não o
fizesse, ou seja, se se destruísse antes do seu fim, não o atingiria, pois é nele que estão
contidos os meios que levam à sua meta (quanto à finalidade do desenvolvimento,
veremos ainda neste texto).
3.1 Ser determinado
O germe então é aquela existência simples, que ainda não é tudo que pode ser,
mas este se desenvolve e percorre um caminho até a sua finalidade; porém, este
caminho não é nem o ser-em-si propriamente dito, nem sua meta: “enquanto o germe
prossegue [...] até ao germe, entre o ponto inicial e o ponto terminal se situa o meio: este
é o ser determinado” (HEGEL, 2006, p. 85). O ser determinado é o ser que já existe, não
mais aquela simples potência de antes, mas também não é o ato da sua existência;
porém é o que leva a este ato. Para seguir o exemplo dado anteriormente, o que antes
era semente, é aqui então a planta já existente, já brotada, mas que ainda não atingiu o
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seu fim próprio, que é o seu fruto peculiar; é a bananeira que ainda não dá bananas, mas
que também é já existente, não mais apenas o broto da planta.
3.2 Ser-para-si
O que já se determina, o faz em vista de algo, de um fim que é particular a ele
próprio. O fim do ser é o que Hegel vai chamar de ser-para-si, a finalidade dos dois
momentos anteriores, mas, além, é a sua unidade e identidade de ambos. O ser-para-si
contém nele aquilo que era o ser-em-si, até porque este no seu desenvolvimento não se
destrói, e o ser determinado, que é a exposição do anterior, daquele simples: é de certo
um composto, mas que tem como base o simples, o mais simples de sua existência. O
ser-para-si é aquele ser que se conhece como existente, mas que é somente aquilo que
ele pode ser, que tem consciência da sua potência e do seu desenvolvimento, e que se
viu como fim desse desenvolvimento: “Se o primeiro era o em-si da realização, o
germe, etc., e o segundo a existência, o que emerge, então o terceiro é a identidade de
ambos, mais precisamente, o fruto do desenvolvimento, o resultado de todo este
movimento” (HEGEL, 2006, p. 89). É o fruto da semente, o qual estava já contido nessa
existência simples, mas que jamais existiria se não fossem as determinações que se
colocaram na existência, que visavam o fim que é o fruto, o dar fruto.
Percebe-se nesses últimos parágrafos que o autor aplica os próprios momentos
da lógica a essa existência que devém daquele começo lógico anteriormente visto: “O
botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do
mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como
verdade em lugar da flor” (HEGEL, 2001, §2). Ora, quando a semente deixa de ser só
semente para ser planta, o que ela era antes e que era a sua verdade, a saber, ser
semente, é na planta negado pela mesma: ela se coloca como existência e verdade do
seu ser, mas que, no fruto, é mais uma vez negado, e este então toma a si como verdade
da semente e da planta, enquanto os outros deixam de ser quando o fruto passa a existir.
Porém, o fruto jamais existiria sem que os dois momentos anteriores também
existissem, sem que eles se negassem como fazem e se desenvolvessem.
4. Possível problema no desenvolvimento do ser
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Mas, aqui, nesse desenvolvimento, encontramos um problema: o ser-em-si não é
efetivo, mas passa a se efetivar, para Hegel, por si próprio, por suas próprias forças: ele
“Estabelece para si um objectivo, tem uma restrição, um termo, mas um termo antes
determinado, não casual [...]. Por conseguinte, o germe tem como fim produzir-se a si
mesmo, retornar novamente a si.” (HEGEL, 2006, p.89). Ora, o problema é este: o que é
em-si ainda não existe, ainda não é e, portanto, não é conhecível para aquele em-si
mesmo; melhor dizendo: o em-si enquanto tal não sabe de suas características e
peculiaridades. Mas, como visto na afirmação de Hegel, é ele que se produz a si mesmo
e se põe na existência. É este o problema: como seria possível fazer com que a
característica X passe a existir por si própria, se essa mesma característica não é ainda
conhecida, não se sabe qual é? Não é o simples fato de sair de si, mas é o de
desenvolver-se a si mesmo, com suas próprias forças; mas como usar a força sem saber
o que forçar, como desenvolver sem saber o que desenvolver? Parece tratar-se mais de
uma relação: a característica pode muito bem estar já no ser, de forma “velada”, e não
me parece que ele, em relação somente com ele mesmo, sem nenhuma influência que
não seja dele próprio, vai se desenvolver. Pensemos no primeiro momento da lógica: o
Entendimento determina rigidamente o seu objeto, e, com isso, esse objeto determinado
passa então a subsistir por si; ora, ele não precisa de desenvolvimento enquanto tem
relação apenas consigo. Só quando lhe é mostrado sua negação, o lado de “fora” é que
há o desdobramento; como vimos, os momentos da lógica de Hegel parecem perpassar
por todo o seu pensamento aqui em questão, e é o mesmo que parece acontecer com o
ser-em-si: este é ele próprio, mas para se desenvolver, parece precisar de algo exterior a
si, ou então permaneceria sempre o mesmo; em outros termos, seu desenvolvimento
parece acontecer se este se relacionar com algo que não seja ele. Ilustremos o problema:
imaginemos uma pessoa que não saiba tocar violão: ela, por ela própria, não poderia
aprender a tocar, pura e simplesmente porque não o sabe fazer de forma alguma, mesmo
que esteja nela contida a característica que lhe permitiria usar o instrumento em questão.
Parece que ela precisaria antes da influência de outro, de um algo que não seja essa
pessoa, para aprender a tocar o violão, como um professor, por exemplo, que vai ensinar
o aluno a usar o instrumento. Após isso, a pessoa pode se desenvolver por si, mas, antes,
precisou de uma influência exterior para que, pelo menos, soubesse que havia nela a
possibilidade de tocar violão, que é do que ela depende para continuar o
desenvolvimento; mas este é somente um exemplo da relação que se parece necessária
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A existência concreta do conceito no mundo real: o desenvolvimento do ser-em-si ao
ser-para-si
para que o ser saia daquilo que é em-si; exemplo o qual há uma relação com outra
pessoa, mas isso não é estritamente necessário, como veremos a seguir. Podemos muito bem dizer que é possível aprender o desenhar sem uma relação
direta com uma pessoa; de certo é possível fazê-lo sem alguém por perto para mostrar
como fazer este ou aquele traço; mas é de todo impossível fazê-lo pura e simplesmente
sozinho. Primeiro que os meios para se desenhar, ou seja, as ferramentas, precisam
antes ser fabricadas, e aqui já seria possível dizer que aquele que desenha não o faz
somente por si, mas com a ajuda das devidas ferramentas. Só nisso, creio que já estaria
respondida a questão, mas vou um pouco mais além, no mesmo exemplo do desenho.
Quem desenha, desenha algo, algo que está vendo no momento, ou que antes já vira e,
se não por falha de memória ou uso da imaginação – e não se imagina coisas que nunca
se vira, apenas junta ou separa partes; é até impossível dar um exemplo de uma coisa
imaginada que não se relaciona com nada existente –, será igual ao que fora
anteriormente visto. Nesse caso, de certo que não houve uma relação com outra pessoa,
com outro alguém que o tomou pelo braço e o ensinou a andar; mas, ora, relacionamonos também com nosso ambiente, e somos, portanto, capazes de fazer aquilo que
estamos acostumados a perceber.
Ainda outra objeção que se pode fazer é que, apesar do ser-em-si se produzir a
si mesmo (que é o que está em questão nos últimos parágrafos), ele só é capaz de fazêlo mediante ao outro, ou seja, de que um só muda a si perante o outro; porém, como
vimos, o ser-em-si é o começo da existência real, é aquilo que pode existir, mas ainda
não existe. Ora, como algo que tem como meta se produzir, se colocar na existência por
si próprio, produzir outro, um algo que não é ele? Pois, se a sua meta é a si próprio, e é
ele capaz de se produzir, não produziria outros; seria sempre ele mesmo, antes ele
mesmo ainda sem existência, depois ele mesmo depois da existência. Nem mesmo
Hegel simplesmente afirma que o eu e o outro são o mesmo: “O ser outro, portanto,
aparece como uma determinação estranha à existência assim determinada, ou seja, o outro
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aparece como fora de um ser determinado” (HEGEL, 1968, p.106) e, quando o faz, faz da
mesma maneira que com o ser e o nada: são o mesmo quanto à sua relação perante o
pensamento, por conterem a mesma definição: “Se chamamos A um ser determinado, e
B outro, em primeiro lugar B se encontra determinado com o outro. Mas igualmente A é
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“El ser outro, por lo tanto, aparece como uma determinación extraña a la existencia así determinada, o
sea el outro aparece como fuera de un ser determinado” (HEGEL, 1968, p.106).
Vol. 6, nº 1, 2013.
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A existência concreta do conceito no mundo real: o desenvolvimento do ser-em-si ao
ser-para-si
o outro de B.” (HEGEL, 1968, p.106) 8; não é o caso de que A e B sejam a mesma
coisa, mas que a relação que um tem com o outro, o outro tem com o um, pois, para o
outro, ele é o um e o um é o outro.
De certo que essa crítica pode ser infundada, ou até mesmo que já tenha sido
elucidada (e, talvez, até respondida), e é exatamente o objetivo dessa pesquisa: analisar
mais a fundo um sistema extremamente complexo e coeso, que, à primeira vista até o
que foi aqui mencionado, parece ter um problema quanto a seu fundamento, mas que
não desmerece, jamais, a filosofia de Hegel que, se por acaso não for compreendida
como correta, foi no mínimo uma filosofia corajosa, por tentar realmente responder
algo, levar aquilo que já estava dado a outro patamar; em outras palavras, continuar o
desenvolvimento que parecia, com os céticos de seu tempo, cada vez mais difícil.
Referências
DE SOUZA, J. C. (Org.). Os Pré-Socráticos. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda.,
1996.
HEGEL, G. W. F. Ciencia de la Logica. Tradução de Augusta e Rodolfo Mondolfo.
Argentina: Ediciones Solar, 1968.
______. Introdução à História da Filosofia. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições
70, 2006.
______. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Epítome. 1º Volume. Tradução de
Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1969.
______. Fenomenologia do Espírito. 1º Volume. 6ª Edição. Tradução de Paulo
Menezes, Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
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“Se chamamos A um ser determinado, e B outro, em primeiro lugar B se encontra determinado com o
outro. Mas igualmente A é o outro de B.” (HEGEL, 1968, p.106).
Vol. 6, nº 1, 2013.
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