Coisas que podem comprometer o ganho da diversificação
Passadas a tempestade de 2008 e a bonança de 2009, o ano de 2010 começa
com expectativas menos nebulosas. Nesse ambiente, chamou-me a atenção
recentemente reportagem na qual uma investidora mostrava grande
insatisfação com os aconselhamentos financeiros dos bancos em geral. Ela
alegava ter sido mal atendida durante o período da crise financeira.
Segundo ela própria, atualmente diversifica seus investimentos entre 26
bancos e gestores de recursos. Busca quem lhe coloque nas "jogadas boas".
Sem entrar no mérito de suas razões, vale a pena uma reflexão sobre dois
pontos fundamentais aos quais investidores e todos aqueles que lidam com
gestão de patrimônio devem se atentar: a definição clara dos objetivos de
investimento e as vantagens/limites da diversificação.
Saber o que se busca quando se investe qualquer quantia é o primeiro e um
dos mais importantes passos para obter sucesso e satisfação. Diria que o
principal é refletir sobre a disponibilidade e o horizonte de tempo do
investimento: todos nós temos necessidades e sonhos distintos.
Compromissos a serem cumpridos ao longo do ano, objetivos para alguns anos
à frente e sonhos para um período mais distante. Evidentemente não é
necessário ser preciso, mas o simples exercício de planejar já aumenta muito a
chance de satisfação futura. Nesse sentido, a recente regulamentação do
processo de Análise do Perfil do Investidor (API) pela Associação Brasileira das
Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) reforçará
substancialmente a mudança de cultura dos investidores. Com o tempo, tais
processos tendem a evoluir ainda mais, até o ponto em que tenhamos análise
de perfil do investimento e extratos que apresentem os investimentos por
objetivos.
Ter objetivos claros, distribuir seus investimentos de acordo com diferentes
horizontes e manter disciplina são a receita básica para evitar dissabores.
Parece simples. E é, principalmente quando bem orientado. Além disso,
mesmo nas ocasiões mais críticas essa receita funciona. Não acredita?
Considere alguém que tenha investido em ações no início de 2008 - em
qualquer momento no primeiro semestre - e que tenha persistido desde então
investindo um pouco a cada período (digamos 5% do investimento inicial pelo
menos a cada dois ou três meses). Mesmo com toda a oscilação verificada, o
retorno total desde o início provavelmente será positivo.
Se esse investidor tinha objetivos claros e uma distribuição coerente das
aplicações, seus compromissos de curto prazo foram cumpridos com a parcela
mais líquida e estável de seus investimentos. Este é um dos principais
benefícios da diversificação e da construção de uma carteira de investimentos.
Mas até que ponto a diversificação é útil? Quais seus limites? Não há
respostas precisas para ambas as perguntas. Mesmo assim, vale aprofundar
um pouco o assunto: primeiro é preciso diferenciar os tipos de diversificação.
Os investimentos podem ser diversificados em relação aos mercados de
atuação (depósitos, dívida, imóveis, ações/participações) e em relação aos
emissores (públicos, privados, setores). Também há a diversificação por
gestores/administradores.
Neste caso, a diversificação não é necessariamente dos investimentos, mas
das cabeças que os administrarão. O primeiro tipo está muito relacionado aos
aspectos mencionados acima: depende dos objetivos e do perfil de risco do
investidor.
Já a diversificação em relação aos emissores visa principalmente à diluição de
riscos específicos (ditos não sistemáticos). Aplica-se bem a investimento em
títulos, depósitos e ações. Os fundos - com exceção dos de ações - são
naturalmente diversificados por exigência da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM).
Já a diversificação de gestores/administradores proporciona principalmente a
captura de ideias e pontos de vista distintos sobre os cenários. Aplica-se bem à
atuação em estratégias mais complexas ou em mercados mais sofisticados.
Atualmente o mercado brasileiro já é bem provido de alternativas que
proporcionam diversificação nos diversos níveis mencionados. Há
instrumentos, produtos e gestores em quantidade suficiente para uma
diversificação bastante razoável de riscos e ideias.
É fundamental que os investidores brasileiros e aqueles que lidam com
aconselhamento passem a tratar de "carteiras de investimento" muito mais do
que de "produtos". Aplicações e resgates devem ser feitos num contexto que
contemple os aspectos mencionados.
Por outro lado, não obstante o nosso crescimento, o mercado brasileiro ainda
não dispõe de tantas alternativas que permitam um sem-número de estratégias
distintas. Por isso, o investidor deve evitar diversificação excessiva de
gestores: corre o risco de investir em estratégias que se anulam.
Lembremos que, para alguns comprarem, outros precisam vender: no limite, o
investidor arrisca-se a investir em dois gestores com opiniões e estratégias
opostas. Nesse caso, qual o efeito final? Literalmente, nenhum...
Gilberto Poso - Superintendente-executivo Gestão de Patrimônio do HSBC .
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 28/01/10.
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