BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA Official Organ of Brazilian Society of Rheumatology Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia NOVEMBER/DECEMBER 2011 • VOLUME 51 • NUMBER 6 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2011 • VOLUME 51 • NÚMERO 6 ISSN: 0482-5004 EDITORIAL | EDITORIAL 535 537 Magnetic resonance imaging in rheumatoid arthritis Ressonância magnética na artrite reumatoide Marcello H. Nogueira-Barbosa ORIGINAL ARTICLE | ARTIGO ORIGINAL 539 544 Physical activity and its association with quality of life in patients with osteoarthritis Atividade física e sua associação com qualidade de vida em pacientes com osteoartrite Esmeraldino Monteiro de Figueiredo Neto, Thais Thomaz Queluz, Beatriz Funayama Alvarenga Freire 550 554 Ocular changes due to the treatment of juvenile systemic lupus erythematosus Alterações oftalmológicas decorrentes do tratamento do lúpus eritematoso sistêmico juvenil Melissa Mariti Fraga, Claudio Arnaldo Len, Luciana Peixoto dos Santos Finamor, Kimble Teixeira Fonseca Matos, Cristina Muccioli, Maria Odete Esteves Hilário, Maria Teresa Ramos Ascensão Terreri 558 564 Autoantibodies in early rheumatoid arthritis – Brasília cohort – results of a three-year serial analysis Autoanticorpos na artrite reumatoide inicial – coorte Brasília – resultados de uma análise seriada de três anos Licia Maria Henrique da Mota, Leopoldo Luiz dos Santos Neto, Ivânio Alves Pereira, Rufus Burlingame, Henri A. Ménard, Ieda Maria Magalhães Laurindo 572 579 Anti-citrullinated peptide antibodies and rheumatoid factor in Sudanese patients with Leishmania donovani infection Anticorpos antipeptídeos citrulinados e fator reumatoide em pacientes sudaneses com infecção por Leishmania donovani Erik Ahlin, Amir Elshafei, Musa Nur, Sayda Hassan El Safi, Ronnelid Johan, Gehad Elghazali 587 594 Influence of the interaction between environmental quality and T102C SNP in the HTR2A gene on fibromyalgia susceptibility Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia Michelle Mergener, Roze Mary Ribas Becker, Adriana Freitag dos Santos, Geraldine Alves dos Santos, Fabiana Michelsen de Andrade 603 609 Incidence of infectious complications in hip and knee arthroplasties in rheumatoid arthritis and osteoarthritis patients Incidência de infecções em artroplastias de quadril e joelho em pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite Bernardo Matos da Cunha, Sandro Barbosa de Oliveira, Leopoldo Santos-Neto REVIEW ARTICLE | ARTIGO DE REVISÃO 616 622 Influence of meteorological elements on osteoarthritis pain: a review of the literature Influência de elementos meteorológicos na dor de pacientes com osteoartrite: revisão da literatura Evânia Claudino Queiroga de Figueiredo, Giovannini Cesar Figueiredo, Renilson Targino Dantas 629 635 Magnetic resonance imaging in rheumatoid arthritis Imagens de ressonância magnética na artrite reumatoide Wilson Campos Tavares Junior, Renata Rolim, Adriana Maria Kakehasi CASE REPORT | RELATO DE CASO 642 645 Association of tibial osteomyelitis and pneumonitis due to miliary tuberculosis in a patient with systemic lupus erythematosus Associação de osteomielite tibial e pneumonite por tuberculose miliar em paciente com lúpus eritematoso sistêmico Vitor Emer Egypto Rosa, Daniel Martin, André Marun Lyrio, Maria Aparecida Barone Teixeira, José Roberto Provenza 648 651 Multiple myeloma-amyloidosis presenting as pseudomyopathy Amiloidose-mieloma múltiplo apresentando-se como pseudomiopatia Mário Sérgio F. Santos, Bianca Soares, Osvaldo Mendes, Cintia Moura Carvalho, Rossana Fonseca Casimiro 655 658 Gangrene of the auricle as the first sign of antiphospholipid antibody syndrome Gangrena de pavilhão auricular como primeira manifestação de síndrome do anticorpo antifosfolípide Erika Bettini de Sá, Adson da Silva Passos, Mariana Cecconi, Maria Lourdes Peris Barbo, José Eduardo Martinez, Gilberto Santos Novaes LETTER TO THE EDITORS | CARTA AOS EDITORES 662 667 Opinion of some Brazilian rheumatologists about biosimilars Opinião de uma amostra de reumatologistas brasileiros sobre biossimilares Valderilio Feijó Azevedo, Lúcio Ricardo Felippe, Denise Magalhães Machado 672 673 Cholesterol and chloroquine Colesterol e cloroquina Eduardo Ferreira Borba INDEX | ÍNDICE REMISSIVO 674 Content index | Índice por edição 680 Subject index 682 Índice por assunto 684 Authors index | Índice por autor EDITORIAL Ressonância magnética na artrite reumatoide © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. substituição das radiografias simples pelas imagens de ressonância magnética (RM) no apoio ao diagnóstico inicial da artrite reumatoide (AR) tornou-se gradativamente uma realidade em nosso meio. O conhecimento de que as radiografias são insuficientes para identificar precocemente as anormalidades sinoviais da AR não é novidade – há publicações alertando a este respeito já por mais de uma década.1 Na prática, no entanto, a aplicação das imagens de RM na rotina clínica precisou vencer a inércia, acredito que mais pelos custos e pela relativa dificuldade de acesso ao exame do que pela falta de informação, pelo menos em grande parte dos centros nacionais. Por vários motivos, o método tornou-se mais disponível nos últimos anos, notando-se uma distribuição maior de equipamentos tanto para os principais centros quanto para várias cidades do interior brasileiro. O uso crescente das drogas modificadoras da doença impôs a necessidade de diagnóstico precoce, já que o gol da terapia medicamentosa moderna é evitar que a doença alcance sua forma crônica erosiva e debilitante. Este fato, aliado à crescente disponibilidade da RM, configuram o cenário que tem possibilitado maior acesso para a investigação precoce dessa artropatia. Há, porém, um número considerável de questões a serem respondidas em relação ao papel da RM e de outros meios de diagnóstico por imagem no diagnóstico inicial e na monitoração da atividade da AR. A ultrassonografia (US) e a RM são, ambas, capazes de detectar a proliferação do pannus reumatoide de forma mais precoce e mais eficiente que as radiografias simples. Cada um desses métodos de imagem apresenta pontos fortes e fracos,2 mas não há consenso definitivo sobre qual técnica deve ser utilizada preferencialmente na prática clínica. Os pontos fortes da RM são: capacidade de avaliar diretamente o tecido ósseo, lembrando que o edema ósseo é um dos bons preditores de erosões ósseas futuras; avaliação mais completa das superfícies articulares; maior reprodutibilidade; e maior potencial de mensurações quantitativas da sinóvia. A US não permite a avaliação do interior dos ossos nas margens articulares, e apresenta dificuldade de acesso a algumas partes de certas articulações devido à sombra acústica originada na a Rev Bras Reumatol 2011;51(6):535-538 cortical óssea. Por outro lado, a US permite estudo em tempo real de forma mais barata e com maior disponibilidade, e possibilita a avaliação de um número maior de articulações em um tempo factível. A RM não pode ser utilizada em qualquer paciente, sendo contraindicada, por exemplo, em indivíduos com marcapasso cardíaco; para um número não desprezível de pacientes claustrofóbicos, adicionam-se os custos e a potencial morbidade de uma sedação. Não se pode deixar de citar a tendência majoritária de considerar a curva de aprendizado maior para a interpretação da US em relação às imagens de RM, mas embora haja aí um fundo de verdade, este é um tópico controverso, ou pelo menos me parece um ponto contornável pela educação dos profissionais envolvidos. Concordo, entretanto, que uma vez documentadas as imagens estáticas da US e da RM, o maior campo visual e a facilidade de avaliar as relações anatômicas das estruturas na RM proporcionam uma avaliação “de novo” mais reprodutível por outros examinadores, ausentes no momento do exame original. Para finalizar a questão em relação à competição da US e da RM pelo papel na investigação precoce da sinovite, devo citar que tenho, pessoalmente, uma boa experiência em utilizar o ultrassom no estudo de pacientes com artrite idiopática juvenil, uma vez que em tenras idades a possibilidade de colaboração para a realização da RM é baixa e, consequentemente, há um forte potencial para a necessidade de avaliação sob anestesia. Outra pergunta que também se impõe é qual o potencial de técnicas quantitativas como, por exemplo, a volumetria do tecido sinovial e a RM com injeção de contraste endovenoso e mensuração dinâmica do realce sinovial. Alguns trabalhos mostraram que pelo menos a volumetria sinovial pode ser precisa e reprodutível, e sugerem que possa ser um marcador de atividade da doença superior ao escore proposto pelo grupo OMERACT.3,4 O volume do líquido sinovial também pode ser mensurado de forma reprodutível no caso da articulação do joelho, e mostrou-se um bom marcador da atividade da doença após o tratamento, mas não está claro se a mensuração do volume de derrame oferece alguma vantagem em relação à mensuração do volume de sinovite.5 As técnicas quantitativas 537 EDITORIAL supracitadas e o escore RAMRIS (Rheumatoid Arthritis Magnetic Resonance Imaging Score), proposto pelo grupo OMERACT, são importantes ferramentas para a pesquisa clínica, mas exigem operadores com treinamento muito específico e consomem um tempo significativo. O tempo necessário pode chegar a 5 a 20 minutos para a avaliação de um paciente no caso do escore RAMRIS6; já o tempo gasto com a volumetria do tecido sinovial, por exemplo, pode chegar a 1 a 2 horas no caso de se utilizar a delimitação manual da sinóvia, embora este tempo possa cair para cerca de 15 minutos se for utilizada uma técnica semiautomática.5 São técnicas, portanto, que ao menos por enquanto parecem distantes de maior aplicabilidade no dia a dia da rotina clínica. Outras novas técnicas estão sendo utilizadas em caráter preliminar, e por certo novas técnicas de imagem serão testadas para a AR, de forma que o conhecimento neste campo do diagnóstico não deve deixar de crescer na presente década. Como técnica promissora, destacaria a RM com imagens por difusão, pois tem potencial para substituir ou para complementar a avaliação da atividade da doença sinovial, atualmente baseada na injeção de contraste endovenoso. Estudos com imagens baseadas em contraste por marcadores a nível celular provavelmente também estarão em desenvolvimento, como, por exemplo, a RM combinada com o uso de contraste USPIO (ultrasmall superparamagnetic iron oxide), nanopartículas que têm potencial de marcar os macrófagos. Neste número da Revista Brasileira de Reumatologia é apresentada uma revisão interessante sobre a utilização da RN na AR,7 oferecendo ao reumatologista uma visão geral sobre a importância e sobre o papel desta técnica de imagem. As imagens da capa da edição de setembro de 2011 do American Journal of Roentgenology foram extraídas de outro artigo de revisão que versa sobre a comparação da US e da RM no estudo 538 da AR.2 Podemos concluir que o assunto está a pleno vapor por causa da importância do diagnóstico precoce e também pelas questões ainda por responder. Várias revisões interessantes têm aparecido na literatura, evidenciando por um lado que já se atingiu alguma maturidade sobre o assunto, e que, por outro lado, persistem controvérsias. Para nossa felicidade, uma dessas revisões está à disposição do leitor nesta edição. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Narváez JA, Narváez J, De Lama E, De Albet M. MR imaging of early rheumatoid arthritis. Radiographics 2010; 30(1):143–65. Rowbotham EL, Grainger AJ. Rheumatoid arthritis: ultrasound versus MRI. Am J Roentgenol 2011; 197(3):541–6. Ostegaard M, Hansen M, Stoltenberg M, Lorenzen I. Quantitative assessment of the synovial membrane in the rheumatoid wrist: an easily obtained MRI score reflects the synovial volume. Br J Rheumatol 1996; 35(10):965–71. Ostegaard M, Stoltenberg M, Løvgreen-Nielsen P, Volck B, Jensen CH, Lorenzen I. Magnetic resonance imaging determined synovial membrane and joint effusion volumes in rheumatoid arthritis and osteoarthritis: comparison with the macroscopic and microscopic appearance of the synovium. Arthritis Rheum 1997; 40(10):1856–67. Hodgson RJ, O’Connor P, Moots R. MRI of rheumatoid arthritis image quantification for the assessment of disease activity, progression and response to therapy. Rheumatology 2008; 47(1):13–21. Cyteval C, Miquel A, Hoa D, Daures JP, Mariette X, Combe B. Rheumatoid arthritis of the hand: monitoring with a simplified MR imaging scoring method – preliminary assessment. Radiology 2010; 256(3):863–9. Tavares Junior WC, Rolim R, Kakehasi AM. Imagens de ressonância magnética na artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol 2011; 51(6):629–41. Marcello H. Nogueira-Barbosa Professor Doutor da Divisão de Ciências das Imagens e Física Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP Rev Bras Reumatol 2011;51(6):535-538 ARTIGO ORIGINAL Atividade física e sua associação com qualidade de vida em pacientes com osteoartrite Esmeraldino Monteiro de Figueiredo Neto1, Thais Thomaz Queluz2, Beatriz Funayama Alvarenga Freire3 RESUMO Objetivo: Avaliar a qualidade de vida e sua associação com a atividade física nos diferentes contextos da vida diária de pacientes com osteoartrite (OA) encaminhados pelas unidades básicas de saúde para um serviço universitário. Métodos: Estudo transversal, série de casos, em que a atividade física foi avaliada pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) e a qualidade de vida foi avaliada pelos questionários Medical Outcomes Study 36 Short-Form Health Survey (SF-36), Western Ontario and McMaster Universities Index (WOMAC) e Australian/Canadian Osteoarthritis Hand Index (AUSCAN). Para verificação da intensidade da dor, utilizou-se também a Escala Visual Analógica (EVA). Resultados: Foram incluídos 100 pacientes (92 mulheres e oito homens), com média de idade de 59,9 ± 9,4 anos. As articulações mais comprometidas foram joelhos e mãos. Dez pacientes tinham comprometimento de uma única articulação, 69 de duas, oito de três e 13 de quatro. O IPAQ demonstrou que 70 pacientes eram ativos ou muito ativos e 30 eram insuficientemente ativos ou sedentários. A atividade física associou-se positivamente aos domínios do SF-36, que avaliam a saúde física (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral da saúde). Houve associação entre atividade física e qualidade de vida quando avaliada pelo WOMAC, e quanto mais intensa a dor, pior a qualidade de vida. Conclusão: Nessa população, a maioria dos pacientes apresenta piora dos aspectos físicos da qualidade de vida, mas mantém as atividades físicas cotidianas. Palavras-chave: osteoartrite, atividade motora, qualidade de vida. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A osteoartrite (OA) é uma doença degenerativa articular que incide predominantemente no gênero feminino entre a quarta e quinta décadas e no período de menopausa, acometendo principalmente as articulações dos quadris, joelhos, mãos e coluna vertebral. Sua prevalência aumenta com a idade, e é pouco observada antes dos 40 anos e frequentemente após os 60 anos.1 Indivíduos sintomáticos têm dor mecânica, noturna e referida ou irradiada para regiões distais às articulações envolvidas, e rigidez matinal de curta duração ou no início dos movimentos (protocinética). Ao exame clínico encontram-se crepitação palpável ou audível à mobilização e diminuição ou perda da função articular. Aumento de volume e de temperatura articular, hipotrofia muscular adjacente, deformidades e nódulos também podem ser observados.2 Tem sido relatado que, em decorrência dessas alterações, pacientes com OA reduzem paulatinamente a atividade física, com consequente piora da qualidade de vida.3,4 Estudo populacional com 4.573 pacientes com OA, aos quais foi aplicada a versão por correspondência do questionário do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde (Health-Related Quality Of Life – HRQOL), mostrou que grande parte desses indivíduos apresentou piora dos escores nos itens relacionados a saúde Recebido em 10/05/2010. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Comitê de Ética: 2430/2007. Faculdade de Medicina de Botucatu, Departamento de Clínica Médica, Universidade Estadual Paulista – UNESP. 1. Mestre em Fisiopatologia em Clínica Médica pela Universidade Estadual Paulista – UNESP; Professor MSc do Instituto de Saúde e Biotecnologia de Coari, Universidade Federal do Amazonas – UFAM 2. Professora Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP 3. Professora-Assistente Doutora da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP Correspondência para: Profª Drª Beatriz Funayama Alvarenga Freire. Departamento de Clínica Médica, Disciplina de Reumatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Av. Rubião Júnior, s/nº - Rubião Júnior. CEP: 18603-970. Botucatu, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 544 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):539-549 Atividade física e sua associação com qualidade de vida em pacientes com osteoartrite geral, saúde física, limitação de atividades, saúde mental e alterações do sono.5 O tratamento medicamentoso pode, em parte, controlar os sintomas, e medidas não farmacológicas ocupam lugar de destaque na terapia da OA. Exercícios físicos,6,7 fisioterapia e terapia ocupacional8,9 estão relacionados à melhora da atividade física e da qualidade de vida. Por ser uma doença de elevada prevalência, a OA é, em geral, diagnosticada e tratada nas Unidades Básicas de Saúde, por médicos generalistas e do Programa de Saúde da Família. Por essa razão, o objetivo do presente trabalho foi verificar, por meio de questionários genéricos e específicos, a qualidade de vida e sua associação com a atividade física em pacientes com OA encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde para tratamento especializado em um serviço universitário. PACIENTES E MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal, descritivo, de série de casos, em que foram avaliadas a atividade física e a qualidade de vida de pacientes com OA atendidos pela primeira vez nos ambulatórios de reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP). Os pacientes estavam sendo tratados em Unidades Básicas de Saúde da região e foram encaminhados ao nosso serviço para avaliação e orientação terapêutica especializada. A região compreende o centro-oeste do estado de São Paulo, com população de cerca de 1.650.000 habitantes. O diagnóstico de OA foi confirmado por médico reumatologista experiente conforme os critérios do American College of Rheumatology para classificação de OA.10–12 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, sob número 2430/2007. Os critérios de inclusão foram: pacientes de ambos os gêneros, com idade acima de 40 anos e diagnóstico de OA de quadril, joelhos, mãos e/ou coluna, recebendo ou não, conforme indicação clínica, tratamento medicamentoso e/ou fisioterápico e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram: indivíduos com prótese total ou parcial em alguma das articulações avaliadas, com diagnóstico concomitante de outras doenças osteoarticulares/musculares como artrite reumatoide, fibromialgia, lúpus eritematoso sistêmico ou outras doenças reumáticas, com alterações cognitivas graves ou que não concordaram em assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Após consulta médica, os pacientes incluídos no estudo foram entrevistados por um fisioterapeuta para avaliação da Rev Bras Reumatol 2011;51(6):539-549 atividade física, da qualidade de vida e da intensidade da dor. A atividade física foi avaliada pelo International Physical Activity Questionnaire (IPAQ).13 A qualidade de vida foi avaliada pelos questionários Medical Outcomes Study 36 Short-Form Health Survey (SF-36),14 Western Ontario and McMaster Universities Index (WOMAC)15,16 e Australian/Canadian Osteoarthritis Hand Index (AUSCAN).17,18 Para a quantificação do sintoma doloroso, os pacientes foram avaliados pela Escala Visual Analógica (EVA).19 Avaliação da atividade física: utilizou-se o IPAQ, v.8, forma longa, contendo perguntas referentes à frequência e à duração da realização de atividades físicas. Esse instrumento permite estimar tanto o tempo semanal gasto na realização das atividades físicas em diferentes contextos da vida (trabalho, tarefas domésticas, transporte e lazer) quanto o despendido em atividades passivas, realizadas na posição sentada. Os pacientes são classificados em quatro categorias: sedentário, insuficientemente ativo, ativo e muito ativo.13 Avaliação da qualidade de vida: utilizou-se um instrumento genérico, o SF-36, e dois instrumentos específicos para OA, o WOMAC e o AUSCAN. O SF-36 contém oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Os quatro primeiros (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde) avaliam a saúde física, e os quatro últimos (vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental), a saúde mental. A pontuação de cada domínio varia de 0 a 100, em que 0 corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor. Cada domínio é analisado separadamente, e não há escore total.14 Utilizou-se o WOMAC para pacientes com OA de joelho e/ou quadril, instrumento que avalia três domínios (dor, rigidez e disfunção física) percebidos nas últimas 72 horas. O escore final é dado pela somatória dos pontos de todos os domínios, e varia de 0 a 100 pontos. Quanto menor o valor, melhor o estado de saúde do paciente.15 Para avaliação de pacientes com OA de mãos utilizou-se o AUSCAN, instrumento que avalia três domínios (dor, rigidez e disfunção física) percebidos nas últimas 72 horas. O escore máximo possível é 10 para cada domínio, e quanto menor o valor, melhor o estado de saúde do paciente.17,18,20 Para avaliação da intensidade da dor utilizou-se a EVA, que consiste em uma reta de 10 centímetros de comprimento desprovida de números, na qual há apenas indicação na extremidade esquerda de “ausência de dor” e na extremidade direita de “dor insuportável”. O paciente é instruído a marcar um ponto que indique a intensidade da dor, e quanto maior o escore, maior a intensidade da mesma.19 545 Figueiredo Neto et al. Análise estatística O estudo do perfil dos participantes foi estabelecido utilizandose estatística descritiva. Foram realizadas medidas de posição e variabilidade, assim como cálculos de frequências absoluta e relativa percentuais. O coeficiente de correlação linear de Pearson foi adotado como medida de intensidade de associação entre os questionários SF-36 e WOMAC, entre os questionários SF-36 e IPAQ e entre o SF-36 e a EVA. Para associação entre as variáveis qualitativas empregou-se o teste de Goodman. O teste t de Student foi utilizado para comparar diferenças entre os grupos ativo e sedentário. O teste não paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para as amostras independentes sempre que os domínios do SF-36 não apresentavam distribuição normal. A associação entre EVA e IPAQ foi feita com base em um modelo de regressão logística para dados ordinais, considerando o IPAQ a variável-resposta. O nível de significância considerado foi de 5%.21 RESULTADOS A amostra foi composta de 100 pacientes (92 mulheres e oito homens), com média de idade de 59,9 ± 9,4 anos (variação 40–85), encaminhados ao nosso serviço pelas Unidades Básicas de Saúde da região. As articulações mais comprometidas foram os joelhos (96 pacientes), seguidos pelas mãos (90 pacientes), quadril (24 pacientes) e coluna (14 pacientes). Em 10 pacientes havia comprometimento de uma única articulação (mão, joelho ou quadril); em 69 de duas; em oito de três; e em 13 de quatro. A Tabela 1 apresenta as medidas descritivas em cada um dos domínios do SF-36 e do AUSCAN e os escores totais do WOMAC e da EVA. Observa-se que no SF-36, aplicado a todos os pacientes, os maiores escores foram nos domínios “aspectos sociais” e “aspectos emocionais”, e o menor, no domínio “aspectos físicos”. O escore médio do WOMAC, aplicado aos 98 pacientes com comprometimento de joelho e/ ou quadril, foi baixo, assim como os escores médios dos três domínios do AUSCAN, aplicado aos 90 pacientes com OA de mãos. Na avaliação subjetiva da intensidade da dor articular referida pela EVA, 75 pacientes apontaram mais que 80 mm na escala analógica, indicando, portanto, dor intensa. Pelo IPAQ, também aplicado a todos os pacientes, identificou-se que oito indivíduos eram muito ativos, 62 eram ativos, 26 eram insuficientemente ativos e quatro eram sedentários. Para a análise estatística, os pacientes foram agrupados em duas categorias: pacientes ativos ou muito ativos (n = 70), denominado grupo ativo, e pacientes insuficientemente ativos ou sedentários (n = 30), denominado grupo sedentário. Não houve diferença estatisticamente significante entre a média de idade dos dois grupos (58,6 ± 9,1 vs. 62,8 ± 9,6). Quanto ao número de articulações acometidas, o 546 grupo ativo tinha 48 pacientes com duas articulações envolvidas, 12 pacientes com três e 10 pacientes com acometimento de uma única articulação. No grupo sedentário havia 21 pacientes com envolvimento de duas articulações, nove com três e nenhum com acometimento único (Tabela 2). A comparação entre os grupos ativo e sedentário e os valores médios dos domínios do SF-36 e AUSCAN e o escore do WOMAC estão na Tabela 3. Observa-se que o grupo sedentário obteve piores resultados na qualidade de vida avaliada pelo WOMAC e pelos domínios “capacidade funcional”, “aspectos físicos” e “dor” do SF-36 e domínio “função articular” do AUSCAN, mostrando que a piora da qualidade de vida está relacionada aos aspectos físicos. Os resultados da avaliação pela EVA mostraram que 75 pacientes marcaram 80 mm ou mais, isto é, dor intensa. Na Tabela 1 Medidas descritivas das variáveis quantitativas. Médias ± desvio-padrão dos escores obtidos no WOMAC, nos domínios do SF-36 e AUSCAN e na EVA em pacientes com OA Variável Média ± DP Variação WOMAC 27,1 ± 18,9 0–66,7 SF-36-CF 37,9 ± 30,9 0–100 SF-36-AF 29,3 ± 42,8 0–100 SF-36-Dor 39,6 ± 23,6 0–100 SF-36-EGS 64,1 ± 26,3 0–100 SF-36-Vit 52,3 ± 28,1 0–100 SF-36-AS 71,5 ± 31,9 0–100 SF-36-AE 71,3 ± 44,2 0–100 SF-36-SM 54,8 ± 28,1 0–100 AUSCAN-Dor 2,8 ± 2,9 0–9,5 AUSCAN-Rig 3,3 ± 3,2 0–10 AUSCAN-Func 2,9 ± 3,2 0–9,2 EVA 55,1 ± 3,2 0–100 CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; EGS: estado geral de saúde; Vit: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental; Rig: rigidez; Func: função. Tabela 2 Número de articulações acometidas em pacientes com OA classificados segundo o IPAQ em sedentários ou ativos IPAQ Número de articulações envolvidas Três Total Uma Duas* Sedentários 0 (0) 21 (70%) 9 (30%) Ativos 10 (14,3%) 48 (68,6%) 12 (17,1%) 70 Total 10 69 21 100 30 *P < 0.0001. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):539-549 Atividade física e sua associação com qualidade de vida em pacientes com osteoartrite avaliação pelo SF-36, a dor representou fator importante na queda da qualidade de vida (Tabelas 1, 3, 4 e 5). No ajuste do modelo logístico considerando o IPAQ variável-resposta ordinal e a EVA variável-explanatória não foi obtida associação entre as mesmas (P = 0,4097). As associações entre os domínios do SF-36 e o escore de WOMAC e EVA estão mostradas na Tabela 4, na qual se observa que a piora da qualidade de vida é detectada quando avaliada tanto por um instrumento genérico quanto por um específico para OA de quadril e de joelho. Também é possível observar que a dor avaliada pela EVA associou-se significativamente aos diversos aspectos da qualidade de vida – isto é, quanto mais intensa a dor, pior a qualidade de vida. A associação entre qualidade de vida avaliada por um instrumento genérico, SF-36, e um específico para OA de mãos, AUSCAN, pode ser vista na Tabela 5. Observou-se que dor, rigidez e piora da função articular das mãos, detectados no questionário específico, associaram-se a piora dos aspectos físicos, do estado geral da saúde e da vitalidade no questionário genérico. Entretanto, não houve associação a três dos domínios Tabela 3 Medidas descritivas das variáveis do SF-36, do WOMAC e do AUSCAN em pacientes com OA classificados segundo o IPAQ em sedentários ou ativos Variável Grupo P Sedentários Ativos WOMAC 32,8 ± 19,8 24,7 ± 18,1 < 0,05* SF-36-CF 21,5 ± 20,9 44,7 ± 32 < 0,001* SF-36-AF 9,2 ± 24,1 37,9 ± 49,1 < 0,005* SF-36-Dor 35 ± 15,6 41,5 ± 26,1 < 0,01* SF-36-EGS 54,3 ± 26,9 68,3 ± 25,0 > 0,05 SF-36-Vit 48 ± 26,1 54,6 ± 28,8 > 0,05 SF-36-AS 64,2 ± 32,3 74,6 ± 31,5 > 0,05 SF-36-AE 66,7 ± 47,9 73,3 ± 42,7 > 0,05 SF-36-SM 51,1 ± 25,5 56,5 ± 29,1 > 0,05 AUSCAN-Dor 3,4 ± 3,1 2,5 ± 2,8 > 0,05 AUSCAN-Rig 3,7 ± 3,1 3,1 ± 3,2 > 0,05 AUSCAN-Func 4,3 ± 2,6 2,2 ± 2,5 < 0,05* CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; EGS: estado geral de saúde; Vit: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental; Rig: rigidez; Func: função. *P < 0,05 = significante. Tabela 4 Medidas de associação linear entre domínios do SF-36, do WOMAC e da EVA em pacientes com OA Variável CF AF Dor EGS Vit AS AE SM WOMAC -0,719* -0,446* -0,624* -0,379* -0,513* -0,393* -0,282** -0,397* EVA -0,539* -0,343* -0,507* -0,360* -0,428* -0,273* -0,239* -0,416* CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; EGS: estado geral de saúde; Vit: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental. *P < 0,001; **P < 0,01. Tabela 5 Medidas de associação linear entre os domínios do SF-36 e do AUSCAN em pacientes com OA Domínios CF AF AE SM AUSCAN-Dor AUSCAN-Rig AUSCAN-Func SF-36-CF — 0,603**** 0,587**** 0,438**** 0,444**** 0,313*** 0,192 0,318*** -0,535**** -0,405**** -0,588**** — 0,363**** 0,349*** -0,296**** SF-36-AF SF-36-Dor SF-36-EGS SF-36-Vit SF-36-AS SF-36-AE SF-36-SM AUSCAN-Dor AUSCAN-Rig Dor EGS Vit AS 0,590**** 0,435**** 0,388**** 0,401*** — -0,203 -0,325**** 0,432**** 0,505**** 0,358**** 0,207 0,420**** -0,283** -0,159 -0,311*** — 0,477**** 0,435**** 0,252* — 0,457**** -0,256* -0,216 -0,337*** 0,524**** 0,419**** 0,725**** -0,237* -0,147 -0,314*** — 0,489**** 0,623**** -0,172 -0,143 -0,218 — 0,571**** -0,131 -0,162 -0,122 — -0,121 -0,110 -0,151 — 0,780**** 0,855**** — 0,681**** AUSCAN-Func — CF: capacidade funcional; AF: aspectos físicos; EGS: estado geral de saúde; Vit: vitalidade; AS: aspectos sociais; AE: aspectos emocionais; SM: saúde mental; Rig: rigidez; Func: função. *P < 0,05; **P < 0,01; ***P < 0,005; ****P < 0,001. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):539-549 547 Figueiredo Neto et al. do SF-36 que avaliam saúde mental (aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental). DISCUSSÃO Nossa série é composta por pacientes tratados em Unidades Básicas de Saúde da região de onde foram encaminhados para avaliação e orientação terapêutica especializada. Reflete, portanto, um universo de pacientes com OA cuidados na atenção primária por médicos generalistas e/ou do Programa de Saúde da Família. Nossos resultados são concordantes com aqueles amplamente descritos na literatura, segundo os quais, na OA, a redução da atividade física está relacionada a comprometimento articular e, consequentemente, a piora da qualidade de vida, inclusive da saúde mental.5,22–24 Apenas, diferentemente dos achados de Dominick et al.,5 nossos pacientes não apresentaram comprometimento dos aspectos emocionais, talvez por serem mais jovens e terem menos tempo de doença. Foram utilizados questionários genéricos e específicos na avaliação da qualidade de vida para reduzir possíveis discrepâncias de resultados, uma vez que os instrumentos específicos mostram-se mais sensíveis que os genéricos.25,26 Em nossa série, a piora da qualidade de vida foi detectada por ambos os instrumentos, sugerindo que possam ser úteis no atendimento clínico de rotina da atenção básica. Embora a maioria de nossos pacientes tenha sido considerada ativa quando avaliada pelo IPAQ, tanto pacientes ativos como sedentários tiveram a redução da qualidade de vida identificada nos domínios diretamente ligados à função física (capacidade funcional, aspectos físicos e dor). A dor foi evidenciada especialmente em pacientes com comprometimento de joelhos e/ou quadris, como frequentemente descrito para articulações de carga,27,28 enquanto pacientes com comprometimento de articulações de mãos apresentaram maior prejuízo da função articular, possivelmente pelas características de movimento mais refinados não dependentes de carga. Os resultados obtidos na avaliação da dor pela EVA foram discrepantes em relação aos obtidos pelos questionários – isto é, a dor referida pela EVA era muito mais intensa que aquela referida nos questionários. Essa discrepância pode estar associada à metodologia utilizada para avaliação do sintoma dor, ora por meio de um sinal gráfico, ora por meio de perguntas. Além disso, a dor pela EVA é referida no momento da entrevista, enquanto o WOMAC refere-se à dor nas últimas 72 horas. Deve-se destacar, outrossim, o caráter subjetivo da EVA, assim como a capacidade de compreensão 548 que os pacientes têm dos objetivos e da maneira correta em responder à avaliação visual. Essas considerações sugerem uma limitação da utilização de uma EVA para quantificação da dor na população estudada. Além disso, nossos dados não mostraram associação entre intensidade da dor e atividade física (EVA vs. IPAQ, P = 0,4097); assim, mesmo com dor articular intensa, os indivíduos mantinham as atividades de trabalho, tarefas domésticas, transporte e lazer. Se de maneira lógica o número de articulações acometidas relacionou-se ao grau de atividade física, uma vez que todos os pacientes classificados como sedentários tinham mais que duas articulações comprometidas, por outro lado não foi possível verificar a associação entre atividade física e tipo de articulação acometida, porque a maioria dos pacientes estudados (97) tinha comprometimento de articulações de mãos e de pelo menos uma articulação de membros inferiores. Esse achado é similar aos resultados dos estudos de prevalência de OA que mostram elevado comprometimento articular múltiplo que aumenta com a idade.29 Uma limitação do presente trabalho é o fato de os pacientes estarem em terapia medicamentosa de acordo com suas necessidades individuais. Entretanto, nosso objetivo foi verificar a associação entre atividade física e qualidade de vida em pacientes com OA tratados na atenção primária, sem intervenção do serviço especializado. Em resumo, verificou-se que o perfil dos pacientes com OA encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde para um serviço universitário é de indivíduos que apresentam duas articulações envolvidas, referem dor articular intensa, são ativos nos diferentes contextos da vida e apresentam maior prejuízo nos aspectos físicos da qualidade de vida em comparação aos emocionais, assemelhando-se às demais séries descritas na literatura, embora com média de idade um pouco menor. Salientamos a importância epidemiológica do presente estudo, por se tratar de uma série de 100 pacientes com OA tratados na atenção básica na região Centro-Oeste do estado de São Paulo, cujos resultados mostram perfis de atividade física para manutenção da rotina diária (no trabalho, nas tarefas domésticas, no transporte e no lazer) e de qualidade de vida semelhante aos descritos na literatura. CONCLUSÃO Na população de pacientes com OA encaminhados das Unidades Básicas de Saúde para um serviço universitário, a maioria apresenta piora dos aspectos físicos da qualidade de vida, mas mantém as atividades físicas cotidianas. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):539-549 Atividade física e sua associação com qualidade de vida em pacientes com osteoartrite AGRADECIMENTOS Os autores agradecem aos Professores Carlos Roberto Padovani e José Eduardo Corrente pela análise estatística, e ao Prof. Nicholas Bellamy por permitir o uso do AUSCAN para finalidades acadêmicas. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Vanucci AB, Silva RG, Latorre LC, Ikehara W, Zerbini CAF. Osteoartrose. Rev Bras Med 2002; 59(12):35–46. Felice JC, Costa LFC, Duarte DG, Chahade WH. Elementos básicos no diagnóstico de osteoartrose. Temas de Reumatologia Clínica 2002; 3(3):68–81. Krasnokutsky S, Samuels J, Abramson SB. Osteoarthritis in 2007. Bull NYU Hosp Jt Dis 2007; 65(3):222–8. 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Reumatismo 2004; 56(3):169–84. 549 ARTIGO ORIGINAL Alterações oftalmológicas decorrentes do tratamento do lúpus eritematoso sistêmico juvenil Melissa Mariti Fraga1, Claudio Arnaldo Len2, Luciana Peixoto dos Santos Finamor3, Kimble Teixeira Fonseca Matos3, Cristina Muccioli4, Maria Odete Esteves Hilário5, Maria Teresa Ramos Ascensão Terreri2 RESUMO Objetivo: Avaliar retrospectivamente as alterações oftalmológicas de crianças e adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ) em um serviço de reumatologia pediátrica terciário. Métodos: Avaliamos 117 pacientes com LESJ (85,5% do gênero feminino, 60,7% não caucasoides) com média de idade de 10,4 anos e média de tempo de evolução da doença de 5,4 anos que preenchiam no mínimo quatro critérios de classificação do LES de acordo com o American College of Rheumatology de 1997. Aplicamos um protocolo que continha dados clínicos e demográficos, queixas e alterações oftalmológicas, idade do início, tempo de uso e dose cumulativa das medicações. Resultados: Dos 117 pacientes, 24 (20,5%) apresentaram alterações oftalmológicas. Destes, 16 apresentaram alteração de fundo de olho associada a hipertensão arterial sistêmica e/ou uso de cloroquina, quatro apresentaram catarata, dois apresentaram glaucoma e dois apresentaram catarata e glaucoma. A média de idade do aparecimento das alterações oftalmológicas foi de 14,1 anos. Os pacientes com alterações oftalmológicas receberam, estatisticamente, maiores doses e tempos de pulsoterapia de glicocorticoide em relação aos pacientes sem alterações oftalmológicas [1,5 (0,4–1,6) versus 1 (0,2–1,6) mg/kg, P = 0,003; 25,7 (2–99) versus 17,8 (1–114) meses, P = 0,0001; respectivamente]. Conclusão: Verificamos alta prevalência de alterações oftalmológicas relacionadas principalmente ao tratamento do LESJ, o que demonstra a necessidade de avaliações regulares mesmo em pacientes assintomáticos, visando ao diagnóstico e intervenção precoces e à diminuição da morbidade ocular relacionada a essa doença. Palavras-chave: doenças autoimunes, olho, glicocorticoides, adolescente. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistêmico juvenil (LESJ) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e de natureza autoimune, que se inicia antes dos 18 anos. A doença pode ocorrer em todas as raças. Na infância, meninas são afetadas 4,5 vezes mais que os meninos.1–4 De todos os casos de LES, 15%–17% se desenvolvem na infância.5,6 É raro o aparecimento da doença antes dos 5 anos de idade. Para o diagnóstico de LES são utilizados os critérios de classificação propostos pelo American College of Rheumatology7 em 1982 e revisados em 1997.8 Diversos medicamentos são utilizados para o tratamento do LESJ, dos quais os principais são os glicocorticoides, a hidroxicloroquina/difosfato de cloroquina e os imunossupressores como azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida e micofenolato mofetila. Qualquer parte do olho ou do sistema visual pode ser afetada por processos trombóticos ou inflamatórios. A doença oftalmológica pode ser assintomática ou levar à cegueira, e pode não haver relação entre as manifestações oftalmológicas e atividade da doença. As manifestações oftalmológicas do LES variam desde acometimento das pálpebras pela doença mucocutânea até doença vascular retiniana e envolvimento neuro-oftálmico.9–12 Esclerite, episclerite, uveíte anterior e olho seco são alguns dos acometimentos oftalmológicos. As manifestações de fundo de olho do LES consistem, geralmente, em manchas algodonosas com ou sem hemorragias intrarretinianas, papiledema, hiperemia e edema retinianos, os quais podem ocorrer mesmo na ausência de hipertensão Recebido em 11/01/2011. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Comitê de Ética: 337749. Universidade Federal de São Paulo. Setor de Reumatologia Pediátrica. Departamento de Pediatria. Setor de Uveíte. Departamento de Oftalmologia. 1. Reumatologista Pediatra; Pós-graduanda do setor de Reumatologia Pediátrica, Departamento de Pediatria – Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP 2. Reumatologista Pediatra; Professor-Adjunto de Pediatria da UNIFESP 3. Doutor em Oftalmologia; Médico-Assistente de Oftalmologia da UNIFESP 4. Doutora em Oftamologia; Professora-Adjunta de Oftalmologia da UNIFESP 5. Reumatologista Pediatra; Professora-Associada de Pediatria da UNIFESP Correspondência para: Maria Teresa Terreri. Rua Borges Lagoa, 802 – Vila Mariana. CEP: 04038-001. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 554 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):550-557 Alterações oftalmológicas decorrentes do tratamento do lúpus eritematoso sistêmico juvenil intracraniana.13 Oclusão das grandes arteríolas por espasmo e trombose também é descrita e ocorre associada a vasculite.12 Além das manifestações oftalmológicas próprias da doença, existem aquelas decorrentes do uso de medicações ou de complicações da doença, como a hipertensão arterial ou a doença tromboembólica. O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações encontradas no exame oftalmológico de pacientes com LESJ e suas relações com o tratamento específico da doença. MATERIAL E MÉTODOS Foram analisados, através de revisão de prontuários, as características demográficas e clínicas e os dados sobre a terapia de 117 pacientes, acompanhados de 1994 a 2009, com diagnóstico de LESJ de acordo com os critérios de classificação propostos pelo American College of Rheumatology em 19827 e revisados em 1997.8 Como critérios de inclusão foram considerados todos os pacientes com prontuário completo e disponível e com tempo de evolução de pelo menos seis meses de doença. Aplicamos um protocolo com dados clínicos e demográficos, envolvimento sistêmico, doenças associadas, queixas e alterações oftalmológicas, idade do início, tempo de uso das medicações e dose cumulativa de glicocorticoide. A atividade da doença foi medida pelo Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index 2000 (SLEDAI-2K).14 O dano cumulativo da doença foi avaliado pelo Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumatology damage index for systemic lupus erythematosus (SLICC/ACR- DI).15 Os pacientes deste estudo foram submetidos ao exame oftalmológico, no serviço de oftalmologia da mesma instituição, a intervalos semestrais. O exame oftalmológico constou de medida de acuidade visual, biomicroscopia para avaliação da superfície ocular, tonometria e oftalmoscopia binocular indireta. Em alguns casos, quando havia indicação, era realizada campimetria. Foram considerados com hipertensão arterial sistêmica os pacientes em cujo prontuário médico constava a informação de pressão arterial com níveis sistólicos e/ou diastólicos maiores ou iguais a p95 da tabela de níveis de pressão arterial conforme gênero, altura e idade em três ou mais ocasiões.16 A presença de anticorpo anticardiolipina foi registrada. Para avaliar a associação entre as variáveis dicotômicas, utilizou-se o teste do qui-quadrado. As variáveis contínuas foram submetidas ao teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Para a comparação entre os dois grupos, utilizou-se o teste t de Student para as variáveis paramétricas, e o teste de Mann-Whitney para as não paramétricas. Adotou-se significância menor que 5% (P < 0,05). Rev Bras Reumatol 2011;51(6):550-557 O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal de São Paulo. RESULTADOS Dos 117 pacientes avaliados, 85,5% eram do gênero feminino e 60,7% eram não caucasoides. A média de idade na avaliação foi de 10,4 anos. O tempo médio para o diagnóstico do LESJ foi de 9,9 meses, e o tempo médio de evolução da doença foi de 5,4 anos. Desses pacientes, 24 (20,5%) apresentaram alteração oftalmológica em algum momento do seguimento clínico: 16 com alterações em fundo de olho, quatro com catarata subcapsular posterior, dois com glaucoma e dois com glaucoma e catarata subcapsular posterior. Destes, 21 (87,5%) pacientes eram do gênero feminino e 16 (66,7%) não caucasoides; a média de idade no diagnóstico do LESJ foi de 11,4 anos, e o tempo para o diagnóstico do LESJ variou de 1 a 22 meses, com média de 4,7 meses. A média de idade dos pacientes no início da alteração oftalmológica foi de 14,1 anos, com variação entre 5 e 16,2 anos. No momento do diagnóstico da manifestação oftalmológica, a média do SLEDAI-2K foi de 4,2 (variando de 0 a 23), e a média do SLICC/ACR-DI foi de 1 (variando de 0 a 3 ). Os dados clínico-demográficos dos pacientes com e sem alteração oftalmológica estão representados na Tabela 1. Tabela 1 Dados clínico-demográficos dos pacientes com LESJ (n = 117) com ou sem alteração oftalmológica LESJ Sem alteração Com alteração oftalmológica oftalmológica P Gênero feminino 79 (84,9%) 21 (87,5%) NS Não caucasoide 55 (59,1%) 16 (66,7%) NS Idade na alteração oftalmológica (anos) (mínima-máxima) — 14,1 (5–16,2) Tempo de evolução da doença (anos) (mínima-máxima) 5 (0,2–14) 5,8 (0,6–13,8) NS Pacientes em uso de CE 9 (100%) 24 (100%) Dose máxima de CE (mg/kg) 1 (0,2–1,6) 1,5 (0,4–1,6) 0,003* Duração do tratamento com CE (meses) 27,8 (1–107) 29 (3–103) NS Pacientes que fizeram uso de pulsoterapia com CE 74 (79,6%) 20 (83,3%) NS Tempo médio de duração da pulsoterapia (meses) 17,8 (1–114) 25,7 (2–99) 0,000§ Pacientes em uso de cloroquina 93 (100%) 24 (100%) — Pacientes em uso de outros imunossupressores 66 (70,9%) 13 (54%) NS Total de pacientes 93 24 — CE: glicocorticoide; NS: não significante (P > 0,05). *t de Student (teste estatístico). §Mann-Whitney (teste estatístico). 555 Fraga et al. Quatro dos 24 pacientes (16,7%) apresentaram queixas oftalmológicas. Destes, dois pacientes (8,3%) queixavam-se de hiperemia ocular, um paciente (4,2%) tinha queixa de prurido, e um paciente (4,2%), de ardência. Dos 24 pacientes com alteração oftalmológica, sete (29,1%) apresentavam anticorpo anticardiolipina positiva: dois apresentaram catarata, um evoluiu com glaucoma, um apresentou papiledema, e três apresentaram alteração de mácula. Nenhum desses pacientes apresentou síndrome do anticorpo antifosfolípide. A idade do aparecimento da catarata foi de 11 a 17,7 anos (média de 13,8 anos). A duração do uso de glicocorticoide nos seis pacientes que apresentaram catarata variou de 10 a 84 meses (média de 45 meses). Esses pacientes receberam pulsoterapia com metilprednisolona na dose de 30 mg/kg/dia por três dias em um período que variou de 2 a 99 meses. A dose cumulativa de glicocorticoide encontrada foi de 35,5 g a 97,3 g. A idade de início do uso de glicocorticoide variou de 7,9 a 14,3 anos, com média de 13,8 anos. A idade de aparecimento de glaucoma variou de 10,9 a 14,2 anos (média de 12,3 anos). A duração do uso de glicocorticoide nos pacientes que evoluíram com essa complicação variou de 3 a 53 meses (média de 21 meses). A dose cumulativa de glicocorticoide foi de 5 g a 40,5 g. Um paciente apresentou perda de visão unilateral irreversível secundária a glaucoma corticogênico. Os 24 pacientes com alguma alteração ocular estavam em uso de glicocorticoide e hidroxicloroquina/difosfato de cloroquina no momento da alteração oftalmológica. Os pacientes com alterações oftalmológicas receberam estatisticamente maiores doses e tempos de pulsoterapia com glicocorticoide em relação aos pacientes sem alterações oftalmológicas [1,5 (0,4–1,6) versus 1 (0,2–1,6) mg/kg, P = 0,003; 25,7 (2–99) versus 17,8 (1–114) meses, P = 0,0001; respectivamente]. Não houve diferença estatística nos outros parâmetros avaliados (Tabela 1). Dos 16 pacientes com alteração no fundo de olho, oito (50%) apresentaram alteração em mácula associada ao uso de cloroquina (três em uso de hidroxicloroquina, dois em uso de difosfato de cloroquina e três em uso de difosfato de cloroquina e posteriormente hidroxicloroquina). Esses pacientes tinham uma duração média de uso da medicação de 2,7 anos (de 1 a 5 anos). A média de idade do aparecimento da alteração oftalmológica relacionada ao uso de hidroxicloroquina/difosfato de cloroquina foi de 14,6 anos. Três pacientes (37,5%) com alteração em mácula tiveram de suspender o uso da cloroquina (dois em uso de difosfato de cloroquina e um em uso de hidroxicloroquina). Doze (50%) dos 24 pacientes apresentavam diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS); destes, oito faziam uso de 556 um ou mais medicamentos anti-hipertensivos. Dos pacientes hipertensos, três (25%) apresentaram manchas algodonosas e papiledema, o que é compatível com a hipertensão arterial. Não encontramos descrição de vasculite retiniana ou uveíte em nenhum paciente. DISCUSSÃO A maioria dos trabalhos tem descrito alterações oftalmológicas relacionadas ao LES, e mais raramente são descritas alterações consequentes a medicações ou complicações da doença. Entretanto, publicações em pediatria são escassas.17 Em um trabalho com 52 pacientes com LESJ, foi observada uma frequência de 34,6% de alterações oftalmológicas. Destes pacientes, 61,1% apresentavam um tempo de evolução do LESJ superior a um ano.17 De acordo com relatos da literatura, a prevalência de alterações retinianas decorrentes do LES varia de 3% a 50% dos pacientes adultos.18,19 Em nossa casuística, a frequência de alterações oftalmológicas foi menor (20%). Descrições na literatura apontam para uma frequência de cerca de 70% de ceratoconjuntivite seca em pacientes com LES.20 No exame de biomicroscopia para avaliação da superfície ocular não encontramos essa associação. A manifestação oftalmológica representou frequentemente uma manifestação tardia, pois foi decorrente, na maioria das vezes, de complicações do tratamento, levando a catarata, glaucoma e alteração de fundo de olho. Encontramos alterações oftalmológicas exclusivamente decorrentes do uso de medicações como glicocorticoide ou cloroquina ou consequentes da hipertensão arterial sistêmica. A biomicroscopia foi realizada rotineiramente em todos os pacientes, porém não foi encontrada uveíte. Na literatura, a uveíte é descrita como achado raro.13 Sabe-se que o glaucoma e a catarata são complicações do tratamento com glicocorticoides sistêmicos e locais,9 o que sugere que essa medicação pode estar envolvida na gênese da alteração oftalmológica. O acometimento oftalmológico pode evoluir, em casos graves, para a cegueira legal. Relato de caso em pacientes com LESJ observou cegueira decorrente de uveíte anterior em um paciente e vasculite retiniana secundária a infecção ocular por vírus da varicela-zóster em outro paciente. Os autores concluem que a atividade da doença e infecções podem levar a essa sequela oftalmológica grave.21 A cloroquina é descrita como capaz de provocar toxicidade retiniana devido à impregnação em retina. Oito pacientes Rev Bras Reumatol 2011;51(6):550-557 Alterações oftalmológicas decorrentes do tratamento do lúpus eritematoso sistêmico juvenil tiveram alterações em fundo de olho compatíveis com esse evento adverso. Entretanto, essas alterações são descritas quando o medicamento é usado por mais de cinco anos, o que não aconteceu com os nossos pacientes, que apresentaram alteração retiniana mais precoce. Nenhum paciente estava recebendo a droga em doses superiores às preconizadas. São necessários exames oftalmológicos regulares a intervalos semestrais, para que essas alterações possam ser detectadas precocemente. Três pacientes em uso de cloroquina tiveram necessidade de suspender essa medicação. Em um estudo, foi relatado que cerca de 1%–2% dos pacientes lúpicos apresentavam neurite ou isquemia óptica, manifestada como perda visual progressiva e palidez de papila.19 Em outro estudo, foram encontradas 5% de alterações no epitélio pigmentar da retina.22 Não encontramos nenhum paciente com essas alterações. Pacientes com LES e altos títulos de anticorpos anticardiolipina têm risco maior de desenvolver doença vascular ocular oclusiva.18 Apesar de termos encontrado sete pacientes com positividade desse anticorpo, nenhum apresentou doença tromboembólica. Serão necessários estudos multicêntricos para avaliar as alterações oftalmológicas em pacientes com LESJ, de modo a termos uma população com número mais expressivo de pacientes. Dessa maneira, será possível estudar eventuais fatores de risco ou possíveis associações entre a presença dessas alterações oftalmológicas com dados demográficos, atividade e gravidade da doença, dano cumulativo, anticorpos antifosfolípides e tratamento. Verificou-se neste estudo alta prevalência de alterações de fundo de olho, relacionadas principalmente ao tratamento do LES. Concluímos que há necessidade de avaliações periódicas semestrais mesmo em pacientes assintomáticos ou sem doenças associadas, visando ao diagnóstico e à intervenção precoces e à diminuição da morbidade oftalmológica relacionada a essa doença. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Cassidy JT, Sullivan DB, Petty RE, Rasgale C. Lupus nephritis and encephalopathy. Prognosis in 58 children. Arthritis Rheum 1977; 20(2 Suppl):315–22. Norris DG, Colón AR, Stickler GB. Systemic lupus erythematosus in children: the complex problems of diagnosis and treatment encountered in 101 such patients at the Mayo Clinic. 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Ménard5, Ieda Maria Magalhães Laurindo6 RESUMO O valor diagnóstico e prognóstico da análise seriada dos anticorpos como fator reumatoide (FR), anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) e antivimentina citrulinada (anti-Sa) não está definido nos pacientes com artrite reumatoide inicial (ERA). Objetivos: Avaliar de forma prospectiva a presença de FR, anti-CCP e anti-Sa em pacientes com ERA. Pacientes e métodos: Quarenta pacientes da coorte Brasília de ERA (menos de 12 meses) foram avaliados e monitorados durante três anos. Os dados clínicos e demográficos foram registrados, além dos resultados (ELISA) para FR (IgM, IgG e IgA), anti-CCP (CCP2, CCP3 e CCP3.1) e anti-Sa na avaliação inicial e aos 3, 6, 12, 18, 24 e 36 meses de acompanhamento. Comparações pelos testes t de Student e t pareado. Resultados: A idade média foi de 45 anos, 90% dos pacientes do gênero feminino. No momento do diagnóstico, FR foi observado em 50% dos casos (FR IgA 42%, FR IgG 30% e FR IgM 50%), anti-CCP em 52,5% (não houve diferença entre CCP2, CCP3 e CCP3.1) e anti-Sa em 10%. Após três anos, não houve diferença na prevalência de FR e anti-CCP, mas a de anti-Sa aumentou para 17,5% (P = 0,001). Conclusão: A análise repetida do FR e anti-CCP, incluindo aqui diferentes isotipos, durante três anos de acompanhamento, não mostrou mudanças significativas. A terceira geração do anti-CCP não aumentou o valor diagnóstico dos testes de segunda geração. Palavras-chave: artrite reumatoide, fator reumatoide, citrulina, vimentina. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A artrite reumatoide (AR) permanece, ainda hoje, como uma doença crônica, com potencial de danos ósseo e cartilaginoso irreversíveis, acarretando altos custos para o indivíduo acometido e para a sociedade. A generalização do conceito de “AR inicial ou precoce” (ERA) e da existência de uma “janela de oportunidade terapêutica” – período no qual a instituição de terapia adequada para a doença determinaria melhor evolução clínica – firmou a noção de que diagnóstico e tratamento precoces podem modificar o curso da doença.1 Até o momento, os estudos não definiram o valor da análise seriada dos marcadores sorológicos como o fator reumatoide (FR), anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) e antivimentina citrulinada (anti-Sa) na avaliação seriada de pacientes com diagnóstico de ERA. Estabelecer o comportamento dos marcadores sorológicos ao longo do tempo, individualmente e em conjunto, é de grande importância, pois poderia validar ou não a necessidade da Recebido em 21/01/2011. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. O autor RB trabalha para a INOVA Diagnostics, Inc., onde foram realizados os testes sorológicos. RB não teve acesso aos dados clínicos dos pacientes previamente aos resultados dos exames. Os demais autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Comitê de Ética: CEP-FM 028/2007. Serviço de Reumatologia, Hospital Universitário de Brasília, Universidade de Brasília – HUB-UnB. 1. Professora-Colaboradora de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (FM/UnB); Doutora em Ciências Médicas pela FM/UnB 2. Doutor em Patologia Clínica pela UnB; Professor-Associado de Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília – HUB-UnB 3. Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP; Professor da disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC 4. MD, PhD; Sênior da INOVA Diagnostics, Inc., San Diego, Califórnia, EUA 5. MD, PhD; Diretor da Divisão de Reumatologia, McGill University, Montreal, Quebec, Canadá 6. MD, PhD; Professora-Colaboradora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC/FMUSP Correspondência para: Licia Maria Henrique da Mota. Centro Médico de Brasília. SHLS 716/916 – bloco E, salas 501-502 – Asa Sul. CEP: 71660-020. Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected] 564 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 Autoanticorpos na artrite reumatoide inicial – coorte Brasília – resultados de uma análise seriada de três anos dosagem rotineira (e repetida durante o acompanhamento) desses marcadores. O objetivo deste trabalho foi avaliar prospectivamente o comportamento dos marcadores sorológicos FR, anti-CCP e anti-Sa durante o acompanhamento prospectivo por três anos de uma coorte de pacientes com ERA (menos de 12 meses de sintomas), a coorte Brasília. PACIENTES E MÉTODOS Os dados apresentados fazem parte da coorte Brasília, um estudo prospectivo de coorte incidente em que foram avaliados 40 pacientes consecutivos com o diagnóstico de ERA, acompanhados de forma regular por 36 meses a partir do diagnóstico, realizado na Clínica de Artrite Reumatoide Inicial do Hospital Universitário de Brasília – Brasília, DF, Brasil. Definiu-se AR inicial como a ocorrência de sintomas articulares compatíveis com a doença (dor e edema articulares de padrão inflamatório, acompanhados ou não de rigidez matinal ou de outras manifestações sugestivas de doença articular inflamatória, segundo avaliação por um observador único), com duração superior a seis semanas e inferior a 12 meses, independente do preenchimento dos critérios classificatórios do American College of Rheumatology (ACR)2 – embora, como será apresentado nos resultados, todos os pacientes tenham preenchido os critérios classificatórios do ACR. A titulação dos marcadores sorológicos foi realizada na avaliação inicial e seriadamente ao longo de 36 meses (avaliações aos 3, 6, 12, 18, 24 e 36 meses). A pesquisa de FR (IgG, IgM e IgA) foi realizada utilizando os ensaios Quanta LiteTM FR IgA ELISA, Quanta LiteTM FR IgG ELISA e Quanta LiteTM FR IgM ELISA (INOVA Diagnostics, CA, EUA), de acordo com o protocolo do fabricante. Foram considerados pontos de corte de positividade valores superiores a 15 UI/mL (FR IgM e IgA) e 20 UI/mL (FR IgG). Anti-CCP foi pesquisado utilizando os ensaios Quanta LiteTM CCP IgG ELISA, Quanta LiteTM CCP3 IgG ELISA e Quanta LiteTM CCP3.1 IgG/IgA ELISA (INOVA Diagnostics, CA, EUA), de acordo com o protocolo do fabricante. O soro de cada paciente foi diluído inicialmente a 1:100 em amostra de diluente. Se o resultado de uma amostra fosse superior a 2,5 densidade óptica (OD, do inglês, optical density), ela era retestada com diluições de 1:500 e 1:2.500, e a unidade de valor resultante era multiplicada pelo fator de diluição. Os resultados foram expressos em unidades (U), e foram negativos quando < 20 U, positivos fracos de 20–39 U, positivos moderados de 40–59 U e positivos fortes quando ≥ 60 U, para todos os ensaios. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 O ensaio para detecção de anti-Sa foi realizado nas placas originais desenvolvidas pelo McGill University Autoimmune Research Laboratory – ensaio proteína mielina básica (MBP) bovina ELISA.3 Os resultados, calculados e liberados em unidades, foram negativos quando < 20 U, duvidosos de 21–79 U e positivos quando ≥ 80 U. Durante todo o acompanhamento os pacientes receberam o esquema padrão de tratamento utilizado no serviço, incluindo drogas modificadoras do curso da doença (DMCD) tradicionais e/ou terapia modificadora da resposta biológica, de acordo com a necessidade, mas sempre conforme uma sequência padronizada. Para a detecção de diferenças entre duas médias, utilizou-se o teste t de Student ou o teste t pareado para as amostras de distribuição normal, considerando-se os valores de média e desvio-padrão. Para as variáveis não paramétricas, aplicou-se o teste de Wilcoxon ou o de Mann-Whitney, levando-se em conta o valor de mediana e a amplitude interquartil. Considerou-se o nível de significância de 5%. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. RESULTADOS Características da população estudada As características demográficas e clínicas da coorte Brasília foram publicadas anteriormente.4 Nesse subgrupo de 40 pacientes acompanhados na coorte Brasília com o diagnóstico de ERA predominaram o gênero feminino (36 pacientes, 90%), o grupo étnico branco (14 pacientes, 35%), e a idade média foi de 45,3 anos (21–71). O período médio de duração dos sintomas articulares no momento do diagnóstico foi de 27 semanas (± 15,6), e 13 pacientes (32,5%) tinham menos de 12 semanas de sintomas ao diagnóstico. A maioria dos pacientes (34, representando 85%) não havia recebido tratamento prévio para AR até o momento da avaliação inicial. Todos os pacientes preencheram os critérios classificatórios do American College of Rheumatology na avaliação inicial. As características gerais estão resumidas na Tabela 1. Os pacientes da coorte Brasília foram acompanhados em um hospital público, com todas as medicações oferecidas gratuitamente. Não houve perda de seguimento de nenhum paciente nos três anos de duração do estudo. Autoanticorpos As características laboratoriais basais da coorte Brasília foram publicadas anteriormente.5 As Tabelas 2 e 3 resumem a frequência dos autoanticorpos testados no período basal e ao longo de três anos de acompanhamento da coorte. 565 Mota et al. Tabela 1 Características gerais na avaliação basal dos pacientes com ERA (n = 40) Tabela 2 Características sorológicas basais dos pacientes com ERA (n = 40) Característica n Sorologia Idade (anos) 45,37 (± 12,01) FR (qualquer isotipo) Gênero Masculino Feminino 4 (10%) 36 (90%) Grupo étnico Branco Branco/negro Branco/indígena Negro Negro/indígena 14 (35%) 13 (32,5%) 11 (27,5%) 1 (2,5%) 1 (2,5%) Escolaridade (anos) 7,65 (± 5,02) Duração da doença (semanas) 27 (± 15,6) Tabagismo atual ou prévio 5 (12,5%) DAS 28 6,86 (± 1,07) HAQ 1,89 (± 0,78) Erosão radiográfica 21 (52,5%) n (%)/título (UI/dL) média (± DP) 21(52,5%) FR IgM 20 (50%)/95 (± 73,2) FR IgG 12 (30%)/69,1 (± 41,1) FR IgA 17 (42,5%)/70 (± 54,8) FR IgM+ IgG+ IgA+ 10 (25%) FR IgA+ IgM+ IgG− 6 (15%) FR IgM+ IgG− IgA− 3 (7,5%) FR IgA+ IgM− IgG− 2 (5%) Anti-CCP (qualquer técnica) 21 (52,5%) CCP2 19 (47,5%)/533 (± 1.014,7) CCP3 21 (52,5%)/1.065 (± 1.769,7) CCP3.1 21 (52,5%)/1.209 (± 1.991,3) Anti-Sa 4 (10%)/209,16 (± 206,54) DAS 28: 28 Joint Disease Activity Score; HAQ: Health Assessment Questionnaire. Tabela 3 Análise seriada dos títulos de FR, anti-CCP e anti-Sa no período basal e ao longo de três anos de seguimento FR IgM FR IgG FR IgA CCP2 CCP3 CCP3.1 Anti-Sa Basal 20 (50%)/96 12 (30%)/69,1 17 (42,5%)/70 19 (47,5%)/533 21 (52,5%)/1065 21 (52,5%)/1209 4 (10%)/209,16 3m 19 (45%)/94,6 9 (22,5%)/62,4 17 (42,5%)/66,5 19 (45%)/567,68 21 (52,5%)/1093,33 21 (52,5%)/1153,47 3 (7,5%)/319 6m 17 (42,5%)/98,9 8 (20%)/66,25 16 (40%)/73,56 20 (50%)/637,9 21 (52,5%)/1233 12 m 18 (45%)/104,5 9 (22,5%)/72,44 15 (37,5%)/65,26 18 (45%)/721,5 20 (50%)/1393,75 18 m 17 (42,5%)/101,94 9 (22,5%)/63,44 15 (37,5%)/100 15 (37,5%)/559,73 20 (50%)/1029,4 24 m 17 (42,5%)/120,9 19 (47,5%)/1165,73 18 (45%)/1593,9 4 (10%)/359 36 m 17 (42,5%)/114,29 12 (30%)/62,91 15 (37,5%)/108,86 18 (45%)/583,72 20 (50%)/1207,63 20 (50%)/1413,2 7 (17,5%)/274,14 P > 0,05 P > 0,05 P > 0,05 P > 0,05 P = 0,01 Teste t pareado (basal vs. 36 m) 13 (32,5%)/60,53 17 (42,5%)/86,05 P > 0,05 16 (40%)/649,25 P > 0,05 Fator reumatoide Na primeira avaliação, dos 40 pacientes, 21 (52,5%) foram positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR; desse total, 17 pacientes (42,5%) foram positivos para FR IgA, 12 (30%) para FR IgG, e 20 (50%) para FR IgM, respectivamente. Entre aqueles com sorologia positiva para FR, a média dos títulos de FR IgA na avaliação inicial foi de 70 UI/dL (± 54,81), a de FR IgG foi de 69,1 UI/mL (± 41,09), e a de FR IgM foi de 95 UI/mL (± 73,22). Dezesseis pacientes (40% do total da amostra e 76,19% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) 566 22 (55%)/1308,31 5 (12,5%)/197,4 21 (52,55)/1436,9 6 (15%)/242,8 20 (50%)/1109,8 4 (10%)/358,5 foram positivos para mais de um sorotipo. Dez pacientes (25% do total da amostra e 47,61% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos para os três sorotipos de FR. Dois pacientes (5% do total da amostra e 9,52% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos apenas para FR IgA. Nenhum paciente apresentou resultados positivos exclusivamente para FR IgG. Após três anos de acompanhamento, não houve mudanças significativas no perfil de positividade para o FR entre os 40 pacientes analisados prospectivamente. Vinte indivíduos (50%) continuavam positivos para pelo menos um dos sorotipos de Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 Autoanticorpos na artrite reumatoide inicial – coorte Brasília – resultados de uma análise seriada de três anos FR, 15 pacientes (37,5%) foram positivos para FR IgA, 12 (30%) para FR IgG e 17 (42,5%) para FR IgM, respectivamente (P > 0,05 para todos, teste t, em relação à avaliação inicial). Entre aqueles com sorologia positiva para FR, a média dos títulos de FR IgA na avaliação após três anos de acompanhamento foi de 108,86 UI/dL (± 78,54), a de FR IgG foi de 62,91 UI/mL (± 55,09), e a de FR IgM foi de 114,29 UI/mL (± 67,93). Os títulos de FR IgA e FR IgM foram significativamente mais elevados após três anos de acompanhamento em relação à avaliação basal (P = 0,002 para FR IgA e P = 0,003 para FR IgM, teste t pareado). Não houve mudança significativa em relação aos títulos de FR IgG (P > 0,05, teste t pareado). Treze pacientes (32,5% do total da amostra e 65% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos para mais de um sorotipo. Onze pacientes (27,5% do total da amostra e 55% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos para os três sorotipos de FR. Três pacientes (7,5% do total da amostra e 15% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos apenas para FR IgA, e quatro pacientes (10% do total da amostra e 20% daqueles positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR) foram positivos apenas para FR IgM e negativos para os demais sorotipos. Nenhum paciente apresentou resultado positivo exclusivamente para FR IgG. Um indivíduo (2,5% da amostra total e 5% daqueles positivos para pelo menos um sorotipo de FR) foi positivo para FR IgG e IgM, mas negativo para FR IgA, e outro indivíduo foi positivo para FR IgA e IgM e negativo para FR IgG. Nenhum paciente foi positivo para FR IgA e IgG e negativo para IgM. Em relação às mudanças ocorridas no perfil de positividade para os diferentes sorotipos durante os três anos de acompanhamento, quatro pacientes que eram positivos para FR IgA tornaram-se negativos, enquanto dois que eram negativos positivaram a sorologia. Um indivíduo que era positivo para FR IgG tornou-se negativo, e três que eram negativos apresentaram resultados positivos após três anos de seguimento. Três pacientes que eram positivos para FR IgM tornaram-se negativos, enquanto um que era negativo positivou a sorologia. Anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) Quanto aos anticorpos anti-CCP, na avaliação basal dos 40 pacientes, 21 (52,5% do total) foram positivos para pelo menos uma das técnicas utilizadas na averiguação (CCP2, CCP3 ou CCP3.1). Utilizando-se a técnica ELISA 2 (CCP2), 21 pacientes (52,5% da população total avaliada) foram negativos, Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 quatro (10%) foram positivos fracos e 15 (37,5%) foram positivos fortes. Quando se utilizou a técnica ELISA 3 (CCP3), 19 pacientes (47,5%) foram negativos, dois (5%) foram positivos fracos, três (7,5%) foram positivos moderados e 16 (40%) foram positivos fortes. Pela técnica ELISA 3.1 (CCP 3.1), 19 pacientes (47,5%) foram negativos, dois (5%) foram positivos fracos, dois (5%) foram positivos moderados e 17 (42,5%) foram positivos fortes. Entre aqueles com sorologia positiva para anti-CCP, a média dos valores obtidos pela técnica CCP2 na avaliação inicial foi de 533 UI/dL (± 1.014,67), por CCP3 foi de 1.065 UI/mL (± 1.769,73) e por CCP3.1 foi de 1.209 UI/mL (± 1.991,28) (P > 0,05). Os 20 pacientes positivos para anti-CCP o foram por mais de uma técnica, e 18 pacientes (45% do total e 90% daqueles positivos) foram positivos para as três técnicas utilizadas. Dois pacientes (5% do total e 10% dentre os positivos) foram positivos para anti-CCP3 e anti-CCP3.1 e negativos para CCP2 (resultado positivo fraco para CCP3 e CCP3.1). Após três anos de acompanhamento, não houve mudanças significativas no perfil de positividade para o anti-CCP. Vinte e um indivíduos (52,5%) continuavam positivos por pelo menos uma das técnicas utilizadas. Utilizando-se a técnica CCP2, 22 pacientes (55% da população total avaliada) apresentaram resultados negativos, dois (5%) foram positivos fracos, um (2,5%) foi positivo moderado e 15 (37,5%) foram positivos fortes. Quando se utilizou a técnica CCP3, 20 pacientes (50%) foram negativos, um (2,5%) foi positivo fraco, três (7,5%) foram positivos moderados e 16 (40%) foram positivos fortes. Pela técnica CCP3.1, 20 pacientes (50%) foram negativos, um (2,5%) foi positivo fraco, dois (5%) foram positivos moderados e 17 (42,5%) foram positivos fortes. Entre aqueles com sorologia positiva para anti-CCP, a média dos valores obtidos pela técnica CCP2 na avaliação após três anos foi de 583,72 UI/dL (± 717,68), por CCP3 foi de 1.207,63 UI/mL (± 1.768,31), e por CCP3.1 foi de 1.413,2 UI/mL (± 2.156,69). Não houve diferença significativa em relação aos títulos de anti-CCP pelas três técnicas utilizadas (P > 0,05; teste t pareado). Os 21 pacientes positivos para anti-CCP o foram por mais de uma técnica, e 17 pacientes (42,5% do total e 80,95% daqueles positivos) foram positivos para as três técnicas utilizadas. Três pacientes (7,5% do total e 14,28% dentre os positivos) foram positivos para anti-CCP3 e anti-CCP3.1 e negativos para CCP2 (resultado positivo fraco para CCP3 e CCP3.1), e um indivíduo (2,5% do total e 4,76% dentre os positivos) foi positivo para CCP2 e CCP3.1 (em baixos títulos) e negativo para CCP3. 567 Mota et al. Em relação às mudanças ocorridas no perfil de positividade para os diferentes sorotipos durante os três anos de acompanhamento, para a técnica CCP2, um paciente com sorologia negativa tornou-se positivo fraco, dois pacientes positivos (um positivo fraco e um positivo forte) negativaram seus resultados, um indivíduo com resultado positivo fraco passou a positivo moderado, e outro passou a positivo forte. Pela técnica CCP3, dois pacientes com títulos positivos fracos negativaram seus resultados, um indivíduo com resultado positivo fraco e outro positivo moderado passaram a positivo forte, enquanto dois indivíduos com resultado positivo forte passaram a positivo moderado e fraco. Utilizando-se a técnica CCP3.1, um paciente inicialmente negativo tornou-se positivo moderado, dois pacientes (um positivo fraco e um positivo moderado) negativaram seus resultados, um indivíduo com resultado inicialmente positivo fraco tornou-se positivo forte, e outro com sorologia positivo forte na avaliação basal passou a positivo fraco após três anos de acompanhamento. Antivimentina citrulinada (anti-Sa) Quanto aos anticorpos anti-Sa, na avaliação basal dos 40 pacientes acompanhados prospectivamente na coorte Brasília, 34 (85%) eram negativos para anti-Sa, dois (5%) apresentaram resultado duvidoso e quatro (10%) foram positivos. Entre aqueles com sorologia positiva, a média dos títulos obtidos na avaliação basal foi de 209,16 UI/dL (± 206,54). Após três anos de acompanhamento, 32 indivíduos (80%) eram negativos para anti-Sa, um (2,5%) teve resultado duvidoso e sete (17,5%) eram positivos. A positividade para anti-Sa após três anos foi significantemente superior em relação à avaliação basal (P = 0,01; teste t pareado). Entre aqueles com sorologia positiva após três anos de acompanhamento, a média dos valores de anti-Sa obtidos foi de 274,14 UI/dL (± 215,57). Não houve diferença significativa em relação à avaliação basal (P > 0,05; teste t pareado). Em relação às mudanças ocorridas no perfil de positividade para o anti-Sa durante os três anos de acompanhamento, três pacientes com sorologia negativa tornaram-se positivos, um paciente positivo negativou seus resultados, e um indivíduo com sorologia duvidosa passou a positivo. Todos os pacientes positivos para anti-Sa também o eram para anti-CCP ou FR. DISCUSSÃO Este é um importante estudo que demonstra que a pesquisa simultânea e seriada de diversos autoanticorpos e seus diferentes 568 isotipos em artrite inicial não se altera de forma significativa em um seguimento de três anos em uma população com considerável diversidade étnica e com baixos índices de tabagismo. Na primeira avaliação, cerca de 50% dos pacientes de nossa coorte foram positivos para pelo menos um dos sorotipos de FR, semelhante a outros trabalhos que utilizaram ELISA,6,7 incluindo os resultados da metanálise de Nishimura et al.8 Embora haja controvérsia, tem sido sugerido que tanto FR IgM quanto FR IgA e IgG estão significativamente associados ao diagnóstico de AR.9 Em nosso estudo, encontramos FR IgM em cerca de 50%, IgA em 42% e IgG em 30% dos pacientes com diagnóstico de AR e menos de 12 meses de duração de sintomas. Essas taxas são similares às referidas em outros trabalhos, como o de Vittecoq et al.,10 que descreveram a presença de FR IgM em 51%, FR IgA em 36% e FR IgG em 32% de pacientes com diagnóstico de AR de menos de dois anos de duração. A positividade dos isotipos parece ser variável de acordo com a população estudada.10,11 O FR IgM é um marcador útil para discriminar pacientes com poliartrite que evoluirão ou não para AR.10,12–17 Já as propriedades diagnósticas do FR IgA e IgG são questionáveis.10,17,18 Em nosso estudo, a pesquisa dos sorotipos FR IgA e FR IgG não aumentou a frequência de positividade do FR, e, portanto, não contribui para o diagnóstico de AR. Após três anos de acompanhamento, a positividade para os três sorotipos pesquisados de FR, bem como seus títulos, manteve-se semelhante aos valores iniciais, o que é condizente com outros trabalhos,8,19 confirmando o pouco valor da repetição desses testes. Metade dos pacientes de nossa coorte foram positivos para pelo menos uma das técnicas utilizadas na averiguação (CCP2, CCP3 ou CCP3.1), e a maioria foi positiva forte pelas três técnicas. A porcentagem de positividade para anti-CCP em nosso estudo foi semelhante à relatada por diversos outros estudos envolvendo pacientes com ERA. Em uma revisão sistemática da literatura, a análise combinada de publicações referentes a mais de 2.000 pacientes com artrite indiferenciada inicial mostrou uma prevalência de 23% de anticorpos anti-CCP (ELISA segunda geração). Essa prevalência aumentou para 51% em mais de 1.000 pacientes que preencheram critérios de classificação para AR, após um período médio de acompanhamento de 18 meses.20 Em nossa coorte, a prevalência de anti-CCP foi aproximadamente a mesma (considerando-se CCP positivo por qualquer uma das três técnicas analisadas) do FR, o que foi semelhante a outros estudos publicados sobre o tema.21,22 Conforme relatado por diversos autores, o CCP2 parece ser tão sensível quanto o FR IgM, e mais específico. Sua vantagem estaria na detecção Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 Autoanticorpos na artrite reumatoide inicial – coorte Brasília – resultados de uma análise seriada de três anos de anticorpos em aproximadamente 15% dos pacientes com AR que são negativos para FR.23–31 Já Nishimura et al.,8 em sua metanálise de estudos publicados sobre a acurácia de anti-CCP e FR para AR, concluíram que a positividade para o anti-CCP isoladamente é mais específica que a positividade isolada para FR IgM no diagnóstico de AR. É importante ressaltar, no entanto, que quando testamos isoladamente cada uma das técnicas, a prevalência de anti-CCP foi aproximadamente a mesma pelas três técnicas (40%, aumentando para 50% quando utilizamos as três técnicas conjugadas). Isoladamente, portanto, CCP2, CCP3 e CCP3.1 apresentaram, em nosso estudo, uma prevalência inferior à de FR IgM e similar à de FR IgA, o que difere dos diversos estudos relatados anteriormente.23–31 A diferença de sensibilidade, especificidade e custo-benefício entre as três técnicas para detecção de anti-CCP é ainda assunto controverso na literatura, e são necessários trabalhos em diferentes populações.32 Em 2005, uma terceira geração de anti-CCP (CCP3) tornou-se disponível para o diagnóstico laboratorial de AR. Relatou-se que esses ensaios reconheceriam epítopos citrulinados adicionais, que não seriam identificados pelos ensaios de segunda geração (CCP2), com sensibilidade 5% maior que CCP2, mantendo a especificidade.33 O teste CCP3 foi avaliado por Santiago et al.34 e Wu et al.35 e considerado mais sensível que o CCP2, mantendo a especificidade. Anjos et al.32 relataram em uma população de 70 pacientes com AR do Sul do Brasil que tanto CCP2 quanto CCP3 apresentaram boa performance diagnóstica, em que o CCP3 foi 4,3% mais sensível que o CCP2, mantendo a especificidade. No entanto, outros autores relataram performance diagnóstica muito similar entre os ensaios CCP2 e CCP3.36,37 O CCP3.1 avaliado em nosso estudo (INOVA) utiliza um conjugado que detecta anticorpos IgA, além dos anticorpos IgG habituais, o que teoricamente melhoraria a sensibilidade do método, já que alguns pacientes com AR apresentam anticorpos IgA contra o CCP3, na ausência de anticorpos IgG.38 Bizzaro et al.,39 no entanto, comparando 11 técnicas laboratoriais diversas para a detecção de CCP, observaram uma discreta diferença de resultados entre CCP2 e CCP3 da INOVA (sensibilidade de 64% e 67%, respectivamente) e nenhuma diferença entre CCP3 e CCP3.1, sugerindo que a combinação de anticorpos IgA e IgG não melhoraria a performance do teste, semelhante ao que foi observado em nossa coorte. Chibnik et al.40 relataram que os títulos de anti-CCP e sua flutuação são importantes na fase pré-desenvolvimento da AR – quanto maiores os títulos, menor o intervalo para o Rev Bras Reumatol 2011;51(6):558-571 surgimento da doença. Os títulos de anti-CCP aumentaram gradualmente até a abertura dos sintomas típicos de AR, e então se estabilizaram. Rantapää-Dahlqvist et al.41 já haviam sugerido que os títulos de anti-CCP sofrem um aumento antes do início da doença. Bos et al.,42 em sua coorte de 188 pacientes consecutivos com diagnóstico de AR tratados com adalimumabe, estudaram as mudanças relativas nos níveis de anti-CCP e não observaram modificações substanciais entre a positividade do anti-CCP nas avaliações inicial e final, de forma semelhante ao observado em nossa coorte. Como esses autores, nosso dados apontam para a possibilidade de que anticorpos anti-CCP são marcadores de AR qualitativamente estáveis, não associados à atividade da doença.42 Na coorte Brasília, menos de 15% dos pacientes apresentaram anticorpos anti-Sa na avaliação inicial, valor inferior ao relatado por Boire3 – 28% de sua coorte de 165 pacientes com poliartrite inicial – e por Vossenaar et al.43 – 40% de 87 soros de pacientes com AR estabelecida. Entretanto, a porcentagem de positividade para anti-Sa passou de 10% para 18% ao final do seguimento, diferença estatisticamente significante e talvez associada à doença mais estabelecida. Os títulos médios de anti-Sa encontrados em nossa coorte variaram de 200 a 300 UI/dL, valor semelhante ao encontrado por outros autores,3,44 embora existam poucas publicações sobre o tema. Variações dos títulos de anti-Sa foram demonstradas nos trabalhos de Innala et al.44 e Ménard45 de acordo com a atividade da doença e a resposta ao tratamento, enquanto em nossa coorte elas mantiveram-se estáveis ao longo do seguimento de três anos. CONCLUSÕES É possível concluir que a pesquisa de diferentes isotipos de FR não aumenta a frequência de positividade do FR em artrite inicial, e, assim, sua pesquisa não contribui para o diagnóstico. A estabilidade observada do FR ao longo do tempo não justifica solicitações repetidas do FR durante a evolução da ERA. A porcentagem de pacientes que apresentam anti-CCP positivo, bem como seus títulos, manteve-se estável ao longo do tempo, o que também não justifica a solicitação de dosagens seriadas de anti-CCP. Não houve diferença entre as técnicas analisadas para a detecção do anti-CCP (CCP2, CCP3 e CCP3.1), sugerindo que os ensaios de terceira geração não trouxeram contribuição para o diagnóstico e o acompanhamento da ERA. A pesquisa de anti-Sa não foi útil para o diagnóstico da ERA em relação ao FR e ao anti-CCP. 569 Mota et al. AGRADECIMENTOS Agradecemos aos Drs. Francisco Aires Corrêa Lima, Rodrigo Aires Corrêa Lima e Ana Patrícia de Paula, ao Professor Cezar Kozak Simaan, aos Drs. José Antonio Braga da Silva, Hermes Matos Filho, Regina Alice von Kirschheim, Luciana Alves Almeida, Talita Yokoy Souza, Jamille Nascimento Carneiro e Francieli Sousa Rabelo, pelo encaminhamento dos pacientes avaliados, e ao Dr. Paulo Sérgio Mendlovitz, pela realização dos exames radiológicos. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. van der Horst-Bruinsma IE, Speyer I, Visser H, Breedveld FC, Hazes JM. Diagnosis and course of early-onset arthritis: results of a special early arthritis clinic compared to routine patient care. Br J Rheumatol 1998; 37(10):1084–8. 2. Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS et al. 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Para avaliar a reatividade citrulina-específica foi usada a placa-controle com peptídeos-controle cíclicos contendo arginina em vez de citrulina. Resultados: Entre os pacientes infectados por Leishmania e os pacientes com AR e anti-CCP+, a maioria (86%) era positiva para FR, enquanto a frequência de positividade para ICC foi maior entre pacientes com leishmaniose visceral (LV) (LV 38%; AR e anti-CCP+ 24%). Quando foi analisada a reatividade anti-CCP, 12% dos pacientes com LV foram positivos. Os níveis de anti-CCP entre os pacientes com LV correlacionaram-se bem com os níveis de ICC encontrados (r = 0,65; P < 0,0001). No grupo de AR não foi encontrada associação entre ICC e anti-CCP. A possibilidade de que a positividade para anti-CCP se deva a reações cruzadas com ICC foi descartada experimentalmente. Ao contrário do que foi visto no soro dos sudaneses com AR, a reatividade anti-CCP não se restringiu à citrulina, mas houve reação igual com os peptídeos-controle com arginina. Conclusão: O fato de a reatividade CCP não se ter restringido à citrulina comprova tratar-se mais de um efeito de inflamação extensa e ativação imune do que de um sinal de características patogênicas compartilhadas com artrite anti-CCP. Nossos achados ressaltam a importância de se interpretar um teste CCP positivo com cuidado ao se avaliar condições não reumáticas ou em áreas onde tais infecções predominam. Palavras-chave: fator reumatoide, Leishmania donovani, complexo antígeno-anticorpo. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A leishmaniose é uma doença parasitária causada pelo parasita Leishmania e tem diferentes tipos: leishmaniose visceral (LV), leishmaniose cutânea pós-calazar (LCPC), leishmaniose cutânea, leishmaniose mucocutânea e leishmaniose viscerotrópica. A LV ou calazar é causada pelo parasita Leishmania donovani e está associada à imunopatologia caracterizada por forte resposta imune humoral com alta produção de anticorpos antileishmânia, imunocomplexos circulantes (ICC) e ativação policlonal de linfócitos B. A LCPC é uma complicação da LV, caracterizada por erupções cutâneas graves principalmente em pacientes jovens que se recuperaram de LV e que, exceto por isso, estão bem. A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica autoimune comum que afeta principalmente mulheres entre 40 e 60 anos. O sintoma mais importante é a inflamação articular crônica, embora manifestações extra-articulares também estejam presentes. Recebido em 09/04/2011. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Suporte financeiro: Institucional (Universidade). 1. Mestre em Imunobiologia pela Unidade de Imunologia Clínica, Uppsala University, Uppsala, Suécia 2. Médico Hematologista, Laboratório de Patologia e Microbiologia, Alribat Hospital, Cartum, Sudão 3. Consultor, Reumatologista da Unidade de Reumatologia, Alribat University Hospital, Cartum, Sudão 4. Consultor, Professor de Imunologia, Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Faculdade de Medicina, University of Khartoum, Sudão 5. Consultor, Professor-Associado de Imunologia, Unidade de Imunologia Clínica, Uppsala University, Uppsala, Suécia 6. Consultor Sênior, Professor de Imunologia, University of Shendi, Shendi, Sudão; e King Fahad Medical City, Riyadh, Arábia Saudita Correspondência para: Gehad Elghazali. King Fahad Medical City, Riyadh 11525, Arábia Saudita. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 579 Ahlin et al. O fator reumatoide (FR) é um anticorpo que reage com a porção Fc da IgG. O FR clássico é um anticorpo IgM que reage contra IgG-Fc, mas também podem ser encontrados FRs IgA e IgG. Os FRs são detectados no soro da maioria dos pacientes com AR.1 Embora a presença de FR em pacientes com AR esteja correlacionada a maior atividade da doença, o FR tem baixa especificidade como marcador de AR quando comparado a controles com outras doenças reumáticas e infecciosas.2–5 Os imunocomplexos (IC) desempenham funções centrais na inflamação da AR por meio da estimulação da produção de citocinas mediada por monócitos/macrófagos nas doenças reumáticas, estando também envolvidos na indução de FR na AR.6 A associação entre IC e FR também foi demonstrada em outras doenças reumáticas e infecciosas.7,8 A produção de FR na LV foi relatada alguns anos atrás,9 e a elevação nos níveis de ICC também foi observada na leishmaniose crônica e em muitas outras doenças parasitárias tropicais.10–15 Já demonstramos anteriormente que IC isolados de pacientes infectados com Leishmania induzem citocinas tanto pró-inflamatórias quanto imunossupressoras. Além disso, os níveis séricos de IC que se ligam a C1q correlacionaram-se a níveis de citocina induzida por IC.16 Os anticorpos antipeptídeos citrulinados (ACPA) mostraram-se marcadores sorológicos específicos para AR, com maior especificidade diagnóstica para AR, mas com sensibilidade semelhante à do FR, tendo a dosagem do primeiro sido claramente superior em cenários específicos. A citrulinação de proteínas e peptídeos ocorre naturalmente durante a inflamação, e é uma modificação pós-translacional da arginina por desaminação.17 Anticorpos contra várias proteínas citrulinadas diferentes foram associados à AR, e pacientes com AR positivos para anti-CCP desenvolvem manifestações clínicas mais graves que pacientes negativos para anti-CCP.18,19 A reatividade anti-CCP em pacientes com AR foi associada a vários fatores genéticos predisponentes, em especial alelos HLA do “epítopo compartilhado”, mas também a fatores ambientais, como tabagismo.20 A presença de anti-CCP também foi demonstrada em várias doenças infecciosas, como tuberculose pulmonar, hepatite C e hepatite autoimune tipo 1.21–25 Importante ressaltar que a positividade anti-CCP vista em soros de doença não AR parece nem sempre ser dependente de citrulina, como demonstrado por Vannini et al.24 Devido ao nosso interesse na resposta ACPA na AR18,26,27 e aos nossos estudos prévios sobre inflamação mediada por IC em pacientes infectados por Leishmania,16 este estudo teve por objetivo investigar a presença de ACPA, FR e ICC em pacientes africanos também infectados por L. donovani. 580 PACIENTES E MÉTODOS Pacientes e amostra Amostras de soro foram coletadas de 74 pacientes com LV (idade média 23 anos, variação 3–73, razão feminino/masculino 25/48), 42 pacientes com LCPC (idade média 11 anos, variação 4–27, razão feminino/masculino 14/25) e 93 controles sudaneses saudáveis (idade média 23 anos, variação 3–54, razão feminino/masculino 26/67). Os pacientes com LV e LCPC eram originários do hospital rural Tabarakalla, no estado de Gadarif, ao longo do baixo rio Atbara, na província de Gallab, Sudão Oriental. Essa área está localizada 70 km a sudeste da cidade de Gadarif, e é endêmica para L. donovani, cujo principal vetor é o Phlebotomus orientalis.28 Os pacientes arrolados no estudo vieram principalmente dos povoados de Tabarakalla e Barbar Elfogara, áreas endêmicas com alta prevalência tanto de LV quanto de LCPC. Foi obtida história clínica detalhada, que incluiu tribo, residência, ocupação, estado civil, tratamento medicamentoso, dor abdominal, vômitos, náusea, história prévia de tendência a sangramento, infecção do trato urinário e de picadas de insetos e história familiar de LV, hipertensão arterial ou diabetes mellitus. Deu-se ênfase especial a qualquer forma prévia de leishmaniose. A origem étnica e geográfica dos sujeitos foi investigada, e os mesmos foram examinados à procura de manifestações clínicas de LV. Nenhum paciente relatou história familiar ou qualquer histórico de doença que se saiba associada à AR ou a outras doenças autoimunes sistêmicas. Realizou-se exame clínico geral, com atenção especial à hepatosplenomegalia, adenomegalia e febre recorrente por mais de um mês. O tamanho do fígado foi medido na linha hemiclavicular a partir da margem costal. O tamanho do baço foi avaliado pela medida da distância entre a margem costal na linha axilar anterior e a ponta do baço. A linfadenopatia foi classificada em “localizada” se encontrada em apenas um local, e “generalizada” se presente em dois ou mais locais. As membranas mucosas oral e nasal foram examinadas em busca de evidência de leishmaniose mucosa. Examinaram-se o esfregaço sanguíneo fino e a gota espessa para detecção de Plasmodium em todos os indivíduos com febre ou esplenomegalia ou que pareciam doentes, tendo-se excluído aqueles com esfregaços sanguíneos positivos para malária. Realizou-se aspiração de linfonodo inguinal naqueles com suspeita clínica de LV (isto é, todos os indivíduos com febre por mais de dois meses, dor no quadrante superior esquerdo, linfadenopatia, esplenomegalia ou definhamento). Aqueles com resultado negativo foram submetidos à aspiração de medula óssea da crista ilíaca superior posterior. Os esfregaços foram fixados em metanol, corados por Giemsa e examinados com lentes de imersão em óleo. A Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 Anticorpos antipeptídeos citrulinados e fator reumatoide em pacientes sudaneses com infecção por Leishmania donovani LCPC foi diagnosticada em bases clínicas, de acordo com o aparecimento e a distribuição de erupção cutânea após o tratamento em pacientes com diagnóstico prévio de LV. Não há testes laboratoriais para o diagnóstico de LCPC. Dezenove pacientes com AR (idade média 45 anos, variação 22–60, razão feminino/masculino 17/2) foram extraídos de uma coorte de AR da Unidade de Reumatologia do Alribat University Hospital, onde foram diagnosticados por um reumatologista de acordo com os critérios do American College of Rheumatology (ACR) de 1987.29 Os pacientes com AR foram escolhidos primeiramente como controles positivos na investigação da especificidade de anti-CCP – logo, foram incluídos apenas pacientes anti-CCP+. Controles sudaneses saudáveis foram obtidos tanto da área rural de Tabarakalla quanto do Alribat University Hospital. Para as análises de anti-CCP e FR, 100 controles suecos saudáveis foram usados para validar os valores de referência definidos pelo fabricante, enquanto um grupo-controle sueco menor (n = 20) foi utilizado para verificar o ponto de corte para o ELISA de ICC que se liga a C1q. Os soros foram separados por centrifugação em até duas horas após a coleta. As amostras foram separadas e congeladas em nitrogênio líquido (interior) ou em congelador a -70°C (Cartum, capital) em até duas horas após a amostragem, armazenadas congeladas a -70°C e transportadas em gelo seco para Uppsala, na Suécia. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Alribat University Hospital, pela Faculdade de Medicina da University of Khartoum, pelo Ministério da Saúde de Gadarif e pelo Comitê de Ética da Uppsala University. Todos os adultos que participaram deste estudo assinaram o consentimento livre e informado. No caso de crianças pequenas, o documento foi fornecido pelos pais. Medida dos níveis de ICC, anti-CCP e FR obter também valores abaixo de 25 U/mL (variação estendida 3,126–1600 U/mL). Aos valores que excederam a variação da curva-padrão foi atribuído o valor de 1600 U/mL. Uma placa-controle de ELISA com peptídeos cíclicos contendo arginina em vez de citrulina nas posições de peptídeos relevantes foi gentilmente cedida por Jörgen Wieslander, da Euro-Diagnostica, e utilizada para avaliar reatividade específica para citrulina. O valor de corte para o controle de arginina foi determinado arbitrariamente pela absorbância correspondente a 25 U/mL na curva-padrão para a variante de citrulina (CCP). Os resultados foram então calculados como índice de cut-off (COI): arginina OD450 observada/citrulina OD450 de corte, de acordo com Vannini et al.24 A fim de testar se os ICC presentes nas amostras investigadas influenciavam a reatividade anti-CCP, adsorveram-se IC que se ligam a C1q do soro e avaliou-se a reatividade anti-CCP. Foram testados pacientes positivos para anti-CCP, a saber: oito com LV, quatro com LCPC e seis com AR. Os soros foram diluídos a 1:50 e incubados por duas horas em placas revestidas por C1q (Bindazyme C1q binding kit; Binding Site). Logo após a incubação, as amostras foram transferidas para a placa CCP e realizou-se a pesquisa para anti-CCP, de acordo com o fabricante do kit de teste anti-CCP. Fator reumatoide O FR foi medido por nefelometria (Immage, Beckman Coulter) e expresso em unidades internacionais/mL (UI/mL); valores > 20 UI/mL foram considerados positivos. A análise foi padronizada utilizando-se o soro de referência NIBSC 64/002. O nefelômetro não expressa dados quantitativos inferiores a 20 UI/mL, e às amostras negativas para FR atribuiu-se o valor 0 UI/mL na comparação entre os diferentes grupos. Ensaio de ligação a C1q para ICC Análise estatística Os níveis de ICC foram medidos pelo ensaio de C1q em fase sólida (Bindazyme C1q binding kit; Binding Site, Birmingham, Reino Unido). De acordo com o fabricante, níveis superiores a 10,8 Eq/mL são considerados positivos. A variação do ensaio é de 1,23–100 Eq/mL. O teste de Mann-Whitney foi usado para comparar os grupos. Para correlações entre grupos utilizou-se o teste de correlação de Pearson. Foram considerados significativos P < 0,05. Anti-CCP Fator reumatoide O anticorpo anti-CCP foi medido por ensaio Immunoscan RA Mark 2 (Euro-Diagnostica, Malmö, Suécia). A positividade para anti-CCP foi determinada de acordo com as instruções do fabricante, com 25 U/mL usados como ponto de corte. O ensaio não fornece dados quantitativos abaixo do ponto de corte definido pelo fabricante. Assim, estendemos a curva-padrão para Entre os pacientes com LV, 86% (64/74) foram positivos para o FR, com média de 71 UI/mL entre os sujeitos positivos e variação de 20–1440 UI/mL. Entre os pacientes com LCPC, 69% (29/42) foram positivos para o FR (média 34 UI/mL, variação 20–165 UI/mL). No grupo de AR positivo para anti-CCP, 84% (16/19) foram positivos para FR (média 239 UI/mL, variação Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 RESULTADOS 581 Ahlin et al. P < 0,0001 1.000 ns P < 0,0001 800 P < 0,001 600 P = 0,0004 400 FR (UI/mL) 69–3470 UI/mL). Entre os controles sudaneses, 11% (10/93) apresentavam níveis de FR superiores a 20 UI/mL (média 23 UI/mL, variação 20–96 UI/mL). Em uma coorte de 100 controles suecos saudáveis, dois mostraram positividade fraca para FR (20,4 e 21,6 UI/mL). O grupo com LV apresentou níveis mais elevados de FR quando comparado a pacientes com LCPC (P < 0,0001). Não houve diferença significativa entre pacientes com AR e anti-CCP+ e pacientes com LV. Entretanto, pacientes com AR tinham níveis mais elevados quando comparados a pacientes com LCPC (P = 0,0004). Todos os três grupos de doença apresentaram níveis de FR significativamente maiores que os controles sudaneses saudáveis. Tais resultados são mostrados na Figura 1. 200 200 150 100 Imunocomplexos circulantes Reatividade anti-CCP Entre os pacientes com LV, 12% (9/74) apresentaram positividade para anti-CCP (média 30,86 U/mL, variação 25–148). A reatividade anti-CCP também foi encontrada em 4,2% dos pacientes com LCPC (2/42; 34 e 95 U/mL). Entre os pacientes sudaneses com AR e anti-CCP+, os níveis de anti-CCP foram muito mais elevados (média 1265 U/mL, variação 50–>1600 U/mL). No grupo-controle sudanês saudável foi encontrado um indivíduo positivo para anti-CCP (51 U/mL). No grupo-controle sueco, 3/100 foram positivos, dois dos quais na região limite (30, 42 e 1643 U/mL). Observamos que os pacientes com LV e LCPC exibiram reatividade anti-CCP em níveis entre o limite inferior de detecção do ensaio (3,126 U/mL) e o ponto de corte de 25 U/mL. Para os pacientes com LV e negativos para anti-CCP o nível mediano foi 6,7 U/mL, enquanto para os pacientes com LCPC e negativos para anti-CCP o nível mediano foi 7,9 U/mL. Esses resultados divergiram 582 50 0 LV LCPC AR Controles saudáveis sudaneses Controles saudáveis suecos Figura 1 Níveis de FR nos diferentes grupos. A linha tracejada representa o valor de corte (20 UI/mL) para o nefelômetro. Linhas contínuas mostram a média em cada grupo. P < 0,0001 P < 0,0001 115 P < 0,0001 95 P < 0,0001 75 IC que se liga a C1q (Eq/mL) Os níveis de ICC foram determinados em pacientes com LV, LCPC e AR positivos para anti-CCP, indivíduos sudaneses saudáveis e em uma coorte-controle sueca (Figura 2). Entre os pacientes com LV, 23/74 (31%) tinham níveis elevados de IC (média 7 Eq/mL, variação 0,0–100,6 Eq/mL), enquanto entre os pacientes com LCPC, apenas 2/42 (7%) apresentavam níveis elevados de IC (média 2,0 Eq/mL, variação 0–21 Eq/mL). Um de 20 pacientes com AR e positivos para anti-CCP tinha nível de IC acima de 10,8 Eq/mL (média 1,5 Eq/mL, variação 0–10,8). No grupo-controle sudanês, 2/93 foram positivos para ICC. No grupo-controle sueco, todos os indivíduos foram negativos para ICC. Os pacientes com LV apresentaram níveis significativamente mais altos de IC que os outros grupos investigados (P < 0,0001 para todas as comparações). 55 ns 35 15 15 10 5 0 LV LCPC AR Controles saudáveis sudaneses Controles saudáveis suecos Figura 2 Níveis de ICC nos diferentes grupos. A linha tracejada representa o valor de corte (10,8 Eq/mL), como recomendado pelo fabricante. Linhas contínuas mostram a média em cada grupo. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 Anticorpos antipeptídeos citrulinados e fator reumatoide em pacientes sudaneses com infecção por Leishmania donovani daqueles do grupo-controle sudanês saudável, cujas amostras foram mais claramente ou positivas ou negativas, como visto na Figura 3, em que a média para os sujeitos negativos para anti-CCP foi 5,1 U/mL. Os níveis de anti-CCP entre pacientes com LV apresentaram boa correlação com os níveis de IC (r = 0,6586; P < 0,0001 – Tabela 1). No grupo de AR com positividade para anti-CCP não se observou associação entre os níveis de IC e os de anti-CCP. Para descartar a possibilidade de que a positividade para anti-CCP se devesse a reações cruzadas com IC, ou que a reatividade anti-CCP pudesse estar primariamente ligada ao IC, realizou-se a adsorção de IC que se ligam a C1q de soros e avaliou-se a P < 0,0001 P < 0,0001 2.000 P < 0,0001 1.500 1.000 anti-CCP (U/mL) DISCUSSÃO Neste estudo, descobrimos que os soros de pacientes infectados por Leishmania foram frequentemente positivos para FR e tinham níveis elevados de ICC, e que uma substancial quantidade (11,4%) mostrou reatividade anti-CCP. Entretanto, ao contrário do observado nos soros de sudaneses com AR, a reatividade anti-CCP não estava restrita aos peptídeos que continham citrulina, pois houve igual reatividade contra os peptídeos-controle contendo arginina cíclica tanto nos pacientes com a forma aguda de LV quanto naqueles com a forma de LCPC após tratamento. Um pequeno estudo demonstrou reatividade anti-CCP2 em um grupo de 10 brasileiros infectados com o parasita Leishmania major.30 Entretanto, a dependência de citrulina dos soros com reatividade anti-CCP não foi avaliada nesse estudo. Agora ampliamos tais estudos para englobar uma coorte maior de pacientes sudaneses infectados com L. donovani, tanto na P < 0,0001 ns anti-CCP no grupo com LV não houve diferença quanto à reatividade anti-CCP e ao peptídeo-controle não citrulinado (Figura 4A). Foi encontrado o mesmo padrão para os dois pacientes com LCPC positivos para anti-CCP (Figura 4B). Essa reatividade não citrulina-específica contrastou com a dos pacientes sudaneses com AR e positivos para anti-CCP, que apresentaram reatividade anti-CCP específi ca para CCP e muito baixa reatividade com os peptídeos-controle contendo arginina (P < 0,0001; Figura 4C). 500 50 40 30 20 10 0 LV LCPC AR Controles saudáveis sudaneses Controles saudáveis suecos Figura 3 Níveis de anti-CCP nos diferentes grupos. As linhas tracejadas representam o valor de corte (25 Eq/mL) conforme descrito pelo fabricante. Linhas contínuas mostram a média em cada grupo. reatividade anti-CCP. Esse procedimento não diminuiu a reatividade anti-CCP no grupo com LV nem nos pacientes com AR e positivos para anti-CCP. A média da reatividade anti-CCP que restou após a adsorção ao IC foi de 97% em todos os grupos [variação: LV 61%–175%, AR 77%–107%, LCPC 85%–102% (dados não mostrados)]. Analisou-se então a especificidade da citrulina entre os pacientes positivos para anti-CCP por meio de uma placa-controle contendo peptídeos cíclicos não citrulinados como antígenos-alvo (Figura 4). Entre as amostras positivas para Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 Tabela 1 Correlações entre os níveis de FR, anti-CCP e ICC nos diferentes grupos investigados FR vs. IC FR vs. anti-CCP IC vs. anti-CCP LV + LCPC (n = 116) 0,1985 (P = 0,0327) -0,0087 (P = 0,9260) 0,5598 (P < 0,0001) LV (n = 74) 0,1225 (P = 0,2983) -0,0394 (P = 0,7388) 0,6586 (P < 0,0001) LCPC (n = 42) 0,1055 (P = 0,5061) 0,0133 (P = 0,9334) 0,0687 (P = 0,6655) Pacientes com AR CCP-positivos (n = 19) 0,6398 (P = 0,0032) 0,2638 (P = 0,2751) 0,3395 (P = 0,1550) Controles sudaneses saudáveis (n = 93) -0,0735 (P = 0,4836) -0,0031 (P = 0,9766) -0,0204 (P = 0,9766) Todos os grupos (n = 228) 0,1966 (P = 0,0029) 0,3008 (P < 0,0001) -0,0153 (P = 0,8183) 583 Ahlin et al. 15 10 Figura 4A 80 Figura 4B Figura 4C 10 ns 5 0 6 4 2 0 LV citrulina LV arginina índice de cut-off (COI) índice de cut-off (COI) índice de cut-off (COI) 8 LCPC citrulina LCPC arginina 60 P < 0,0001 40 20 0 anti-CCP pós-AR Cit anti-CCP pós-AR Arg Figura 4 Especificidade pela citrulina entre pacientes positivos para anti-CCP: (A) LV; (B) LCPC; e (C) pacientes sudaneses com AR. Os resultados foram calculados como o índice de cut-off (COI): arginina OD450 observada/citrulina OD450 de corte. forma de LV aguda quanto na forma de LCPC após tratamento, que não têm ocorrência na América do Sul. Demonstramos que pacientes com ambos diagnósticos podem apresentar reatividade contra CCP2, que é direcionada à espinha dorsal peptídica cíclica sem necessidade de citrulinação de resíduos de arginina. Isso contrasta com os pacientes sudaneses com AR, que apresentam dependência estrita de citrulinação dos resíduos de arginina para fornecer alta reatividade anti-CCP2. Além do nosso estudo, apenas dois relatos de reatividade ACPA em condições não reumáticas investigaram o soro usando poços ELISA de controle contendo arginina. O estudo de Vannini et al.24 sobre pacientes com hepatite autoimune tipo I usou controles adequados tanto para ensaios de CCP2 comercial e patenteado, que não teve a composição do peptídeo divulgada para a comunidade científica, quanto para o peptídeo CCP1, descrito publicamente.5 Esses autores mostraram que, embora a maioria (87%) dos soros positivos para CCP de pacientes reumáticos com diagnósticos outros que não AR fosse citrulina-específica, isso acontecia apenas com metade dos soros investigados para hepatite. No estudo de Kakumanu et al.21 sobre tuberculose, a reatividade contra o peptídeo CCP1 mostrou-se citrulina-específica em 94% dos soros de AR e em 22% dos soros de pacientes com tuberculose pulmonar. Os autores também mostraram que o peptídeo solúvel CCP1 inibiu a reatividade com soros de AR, mas não de tuberculose. Tal investigação não pôde ser reproduzida com os agentes CCP2 patenteados. Embora o teste CCP2 seja o mais comumente usado para diagnóstico clínico, a natureza de propriedade particular e 584 protegida do antígeno CCP2 representa um óbvio obstáculo em estudos de condições não reumáticas, tais como hepatite autoimune 24 e tuberculose, 21 nas quais o uso de controles adequados mostrou que as reatividades contra CCP são muito menos citrulina-dependentes que em estudos paralelos de pacientes com AR. A dependência de citrulina da reatividade ACPA foi inequivocamente comprovada em numerosos estudos de pacientes com AR. O fato de que apenas uma pequena minoria de testes ACPA comerciais é projetada com poços-controle adequados com antígenos não citrulinados não é, portanto, um grande problema na prática clínica. Quando se demonstra a presença de ACPA em condições não reumáticas, deve-se investigar a citrulina-dependência da reatividade. Nosso achado de que a reatividade CCP em pacientes LV não ficou restrita à citrulina favorece o argumento de que a reatividade anti-CCP seja mais um efeito da inflamação extensa e ativação imune do que um sinal de características patogênicas compartilhadas com a artrite positiva para anti-CCP. Na AR, a reatividade anti-CCP apresenta uma distribuição bimodal com níveis ou totalmente negativos ou positivos muito altos, em que o grupo de pacientes positivos para anti-CCP é definido por certas características genéticas e impacto de gatilhos ambientais, em especial o tabagismo. 31 No presente estudo, a reatividade média anti-CCP entre sujeitos positivos foi 49 U/mL, representando 1,96 vez o valor de corte, dados sobre a baixa reatividade anti-CCP condizentes com os achados em leishmaniose brasileira.30 Isso contrasta com os pacientes suecos com AR e positivos para anti-CCP, que apresentam um nível médio de 1128 U/mL (45,1 vezes o valor de corte) Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 Anticorpos antipeptídeos citrulinados e fator reumatoide em pacientes sudaneses com infecção por Leishmania donovani usando-se o mesmo teste anti-CCP.18 Tal hipótese acha-se também fundamentada pelo fato de que a reatividade CCP2 em pacientes com LV e LCPC mostrou um continuum entre soro positivo para anti-CCP2 e o intervalo “negativo” abaixo do valor de corte, enquanto controles sudaneses negativos para anti-CCP apresentaram menor reatividade (Figura 3). Isso está também de acordo com nossa experiência de pacientes suecos com AR, entre os quais os sujeitos negativos para anti-CCP apresentam, em sua maioria, reatividade muito baixa dentro da área negativa (observações não publicadas). Embora pareça que algumas infecções possam apresentar resultados falsamente positivos para anti-CCP, é possível que elas realmente estejam associadas ao aparecimento de ACPA, e que a especificidade pela citrulina da resposta ACPA possa se desenvolver com o tempo. Um exemplo é a imunidade à bactéria Porphyromonas gingivalis, associada à periodontite. A P. gingivalis mostrou-se capaz de citrulinar proteínas, sugerindo que a citrulinação mediada por ela fornece um mecanismo molecular para gerar antígenos que direcionam a resposta autoimune contra ACPA na AR.32,33 Um achado intrigante foi que dois grupos de infecções, em que se relatou resposta ACPA não citrulina-específica e não associada à artrite, representam agentes localizados intracelularmente em macrófagos dos tecidos. Tanto os parasitas Leishmania30 quanto a tuberculose21,25 representam infecções intracelulares em macrófagos tissulares. Os achados de respostas ACPA na hepatite C,22,23,34 em que a infecção reside primariamente nos hepatócitos, podem não parecer concordar com tal hipótese. No entanto, deve-se lembrar do atual debate sobre se os macrófagos, além dos hepatócitos, são infectados pelo vírus da hepatite C, como revisado por Heydtmann.35 Além disso, a hepatite autoimune tipo 1, em que se demonstrou reatividade ACPA artrite-independente,24 associa-se à ativação de macrófagos tanto no estágio precoce36 quanto no fibrótico mais tardio.37 Este estudo mostrou que pacientes sudaneses infectados com L. donovani apresentam semelhanças sorológicas com pacientes com AR do Sudão e de outros locais. Além de níveis elevados de ICC e FR, pela primeira vez demonstramos reatividade para o alvo ACPA CCP2, um achado comumente considerado altamente específico de AR. Essa reatividade ACPA, ao contrário do que ocorre com pacientes com AR, não depende de citrulinação do antígeno-alvo, e pode estar associada à intensa ativação do sistema macrofágico. Nossos resultados, assim como os resultados prévios,21,24 reforçam a importância da inclusão apropriada de ensaios-controle quando da definição de reatividades ACPA em novos grupos de pacientes, especialmente em coortes de pacientes não reumáticos. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. Winchester RJ, Agnello V, Kunkel HG. Gamma globulin complexes in synovial fluids of patients with rheumatoid arthritis. Partial characterization and relationship to lowered complement levels. Clin Exp Immunol 1970; 6(5):689–706. Estes D, Christian CL. The natural history of systemic lupus erythematosus by prospective analysis. Medicine (Baltimore) 1971; 50(2):85–95. Bunim JJ, Buchanan WW, Wertlake PT, Sokoloff L, Bloch KJ, Beck JS et al. Clinical, pathologic, and serologic studies in Sjoegren’s syndrome; Combined Clinical Staff Conference at the National Institutes of Health. Ann Intern Med 1964; 61:509–30. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(6):572-586 ARTIGO ORIGINAL Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia Michelle Mergener1, Roze Mary Ribas Becker2, Adriana Freitag dos Santos3, Geraldine Alves dos Santos4, Fabiana Michelsen de Andrade5 RESUMO Objetivo: Investigar a influência genética da variante T102C do gene do receptor 2A de serotonina (HTR2A) e sua interação com aspectos do meio ambiente, como exposição a ruídos, trânsito, clima, oportunidades de adquirir novas informações, segurança física e proteção, dentre outras, como possíveis fatores de risco para o desenvolvimento da síndrome da fibromialgia (SFM). Métodos: Foram avaliados 41 pacientes com SFM e 49 indivíduos-controle. Os fatores ambientais foram avaliados pela aplicação do domínio V do questionário WHOQOL-100 (OMS). Solicitou-se aos pacientes que as respostas representassem os momentos antes do surgimento dos sintomas. A variante T102C do gene do receptor 2A de serotonina (HTR2A) foi determinada por PCR-RFLP. Resultados: Na amostra de pacientes, o número de portadores do alelo 102C foi maior do que o encontrado na amostra controle (76,5% vs. 50%; P = 0,028). Os escores do domínio V foram menores em pacientes quando comparados aos controles (P < 0,001). O fator “falta de oportunidades de adquirir novas informações e habilidades” elevou em quase 14 vezes a chance de desenvolvimento da síndrome (P = 0,009). “Baixa qualidade de cuidados sociais e de saúde", somada à presença do alelo 102C, elevou em mais de 90 vezes (P = 0,005). Contudo, indivíduos portadores desse mesmo alelo que possuem alta qualidade de cuidados sociais e de saúde não se encontram sob risco de desenvolver a SFM. Conclusões: Esses dados sugerem que tais fatores podem predispor à SFM, especialmente em portadores do alelo 102C. Entretanto, são necessárias investigações com amostras maiores. Palavras-chave: qualidade de vida, meio ambiente, serotonina, polimorfismo genético, fibromialgia. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A síndrome da fibromialgia (SFM) representa um conjunto de sintomas e sinais de origem idiopática caracterizado por dor musculoesquelética generalizada longa e duradoura. Além disso, apresenta uma relação significativa com diversos outros sintomas que variam desde síndrome do intestino irritável, cansaço, enxaqueca até distúrbios cognitivos e psicológicos.1–3 Considerando que a SFM pode ser confundida com outras doenças, uma vez que muitos sintomas podem ser encontrados em outras patologias, o American College of Rheumatology (ACR), em 1990, estabeleceu critérios de identificação da SFM, os quais consideram a presença de dor generalizada em conjunto com a identificação de dor sob pressão em ao menos 11 de um total de 18 pontos específicos, denominados tender points.1,4,5 Recebido em 15/04/2011. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Suporte Financeiro: Universidade Feevale. Comitê de Ética: 2.02.02.06.346. 1. Biomédica; Mestre em Qualidade Ambiental pela Universidade Feevale; Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA; Professora-Adjunta da Univates 2. Fisioterapeuta; Mestre em Qualidade Ambiental pela Universidade Feevale 3. Graduando em Psicologia pela Universidade Feevale 4. Psicóloga; Mestre e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS; Professora Titular do curso de Psicologia; Mestrado em Acessibilidade e Inclusão Social da Universidade Feevale 5. Bióloga; Mestre e Doutora em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Professora Titular dos cursos de Psicologia e Biomedicina; Mestrado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale Correspondência para: Fabiana Michelsen de Andrade. Universidade Feevale – Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação – PROPI. RS 239, nº 2755, sala 201 F – Vila Nova. CEP: 93352-000. Novo Hamburgo, RS, Brasil. E-mail: [email protected] 594 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia A etiologia da SFM permanece incerta. Alguns autores sugerem que ela possa ter origem após traumatismos físicos, intervenções cirúrgicas, doenças infecciosas, estresse emocional, eventos traumáticos na infância, violência psicofísica, abuso sexual, abandono, guerras, estresse ocupacional ou estilo de vida hiperativo.2,6–11 Fatores genéticos também podem desempenhar papel importante na transmissão ou modulação da dor, principalmente quando influenciados por estímulos ambientais e familiares.12–14 A serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) é um neurotransmissor com papel fundamental no sono, no limiar da dor, na constrição e dilatação vasculares, nas dinâmicas da fome/ saciedade e da libido, na depressão, ansiedade e possivelmente nos transtornos obsessivo-compulsivos.15–17 Sugere-se uma possível contribuição da 5-HT na etiologia da SFM, não somente devido à eficácia da reposição de inibidores de recaptação de 5-HT no manejo da dor crônica, mas também em achados biológicos, como baixos níveis de 5-HT em pacientes com dor idiopática.18,19 Assim, a possível associação dos polimorfismos de nucleotídeo simples (SNP) nos genes de receptores de 5-HT tem sido frequentemente apoiada por muitos pesquisadores em estudos com pacientes portadores da SFM, dentre os quais se destaca o gene do receptor 2A de serotonina (HTR2A). O ambiente também influencia a saúde humana, de forma que o grupo conhecido por WHOQOL (World Health Organization Quality of Life) considera que a definição de qualidade de vida deve levar em conta a percepção do indivíduo e suas relações com o meio ambiente. Por isso, o grupo desenvolveu um instrumento capaz de mensurar a qualidade de vida a partir de 100 questões – o WHOQOL-10020 –, já validado no Brasil por Fleck.21 Entretanto, até o presente momento nenhum estudo aplicou o WHOQOL-100, ou suas facetas de forma separada, com a intenção de identificar possíveis fatores ambientais predisponentes ao surgimento da SFM. Tentando relacionar a etiologia da SFM a um fator fisiológico, estudos concentram seus esforços não só nos componentes do sistema serotoninérgico, mas também em fatores que envolvem a predisposição genética, o comportamento e a qualidade do meio ambiente. No entanto, nenhum trabalho destacando a interação gene × ambiente foi realizado até o momento. Assim, este trabalho teve por objetivo avaliar a interação entre a variabilidade do gene HTR2A e a percepção da qualidade ambiental sobre a suscetibilidade à SFM. colonização de origem alemã. A amostra de pacientes foi constituída de 41 indivíduos eurodescendentes do gênero feminino, com média etária de 47,93 ± 11,21 anos e diagnóstico clínico da SFM confirmado por exame médico, segundo os critérios do ACR.5 Pacientes com déficit cognitivo e com incapacidade motora foram excluídos da amostra. A amostra de controles foi constituída de 49 mulheres eurodescendentes que não se enquadraram nos critérios do ACR para o diagnóstico clínico da SFM. Todas foram voluntárias e passaram pela avaliação de sintomas clínicos e exame de palpação de tender points por uma fisioterapeuta. A idade média da amostra-controle foi de 41,48 ± 10,78 anos. A investigação foi aprovada pelo comitê de ética da Universidade Feevale. Avaliação da qualidade de vida relativa ao meio ambiente Solicitou-se a todas as pacientes que respondessem as questões do domínio V do questionário WHOQOL-100 de maneira retrospectiva, tomando como base o período anterior ao início dos sintomas. Todos os componentes do grupo-controle responderam o questionário sobre a percepção da qualidade do meio ambiente. Entretanto, enfatizou-se ao grupo que suas respostas deveriam refletir o tempo presente. O instrumento WHOQOL-100 foi validado no Brasil em 1999,21 e proporciona uma avaliação minuciosa de 25 facetas, uma das quais corresponde às questões gerais de qualidade de vida; as demais correspondem a 24 aspectos que estão distribuídos entre seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, aspectos do meio ambiente e espiritualidade/religião/crenças pessoais (representados por facetas). O domínio V do WHOQOL-100 diz respeito às questões ambientais, com 32 questões divididas em oito domínios (ou facetas) que abrangem assuntos sobre: Segurança física e proteção; Ambiente no lar; Recursos financeiros; Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade; Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades; Participação e oportunidades de recreação ou lazer; Ambiente físico: poluição, ruídos, trânsito, clima; e Transporte. As respostas são dadas em uma escala tipo Likert, cujos valores variam de 0 a 5. A pontuação final do domínio foi feita pela média das facetas. Os escores foram pontuados revertendo algumas questões, quando necessário. Para realizar os cálculos, utilizou-se a sintaxe de acordo com as especificações da OMS. PACIENTES E MÉTODOS Pacientes Métodos de genotipagem Os indivíduos pesquisados pertencem à comunidade de Novo Hamburgo, RS, caracterizada pela predominância da Todos os participantes doaram 5 mL de sangue periférico, e o DNA foi extraído a partir dos linfócitos utilizando a técnica Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 595 Mergener et al. Métodos estatísticos A diferença de escores do domínio V do WHOQOL-100 entre pacientes e controles foi avaliada pelo teste de Mann-Whitney. Para detectar a correlação entre o escore total do domínio V do WHOQOL-100 e o escore de cada faceta, utilizou-se a correlação não paramétrica de Spearman. Essa análise foi realizada para detectar qual das facetas contribuiria mais para o escore total do domínio. O teste de qui-quadrado (χ2) foi utilizado para avaliar a diferença de frequências genotípicas do gene HTR2A entre pacientes e controles, e para testar o equilíbrio de Hardy-Weinberg nos dois grupos e na amostra total. A diferença de frequências alélicas entre grupos foi verificada pelo teste exato de Fisher, por meio do programa InStat, versão 3.06. Para os testes de χ2 que forneceram resultados significantes foi realizada a análise de resíduos, a fim de determinar quais grupos contribuíram mais fortemente para a diferença encontrada. Essa análise foi realizada com a utilização do programa WinPepi, versão 6.9. A influência da interação entre o gene HTR2A e os escores do domínio V do WHOQOL-100 sobre o risco de desenvolver fibromialgia foi testada por meio de regressão logística múltipla, na qual as variáveis independentes testadas foram WHOQOL-100 (escores do domínio V transformados em duas categorias de acordo com o percentil 50: escores altos e escores baixos), SNP no gene HTR2A (transformados em portadores e não portadores do alelo 102C) e a variável de interação entre ambos. O método de modelagem utilizado foi o stepwise backward. A interação entre o gene HTR2A e os escores das diferentes facetas também foi testada, inserindo oito variáveis correspondentes aos escores das oito facetas, a variante do gene HTR2A e todas as variáveis de interação, totalizando 17 variáveis testadas inicialmente. O método utilizado também foi o stepwise backward, e a modelagem pode ser consultada na Tabela 1. O programa estatístico Statistical Package for Social Sciences SPSS®, versão 16.0, foi utilizado para análise dos dados. 596 Implicações éticas O presente estudo segue todos os princípios éticos designados pelo Código de Nuremberg e pela Declaração de Helsinque, além das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde (CNS 196/96). Assim, foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Feevale, sob o parecer de número 2.02.02.06.346. As coletas das amostras foram iniciadas somente após essa aprovação, e todos os sujeitos participaram de forma voluntária, receberam instruções sobre o desenvolvimento do trabalho e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). RESULTADOS Considerando os dados obtidos do cálculo das médias de todas as facetas de pacientes e de indivíduos-controle através do domínio V do questionário WHOQOL-100, pode-se observar que as pacientes com SFM relataram condições ambientais no período prévio à doença como significativamente piores que as mulheres do grupo-controle (P < 0,001; Figura 1). Com relação às oito facetas do domínio V do WHOQOL-100, todas foram avaliadas pelas pacientes com SFM de forma significativamente pior em comparação aos controles, à exceção da primeira, faceta 16, que diz respeito à segurança física e 22 P = 0,001 20 18 Escore Domínio V descrita por Lahiri e Nurnberger.22 O SNP T102C do gene do receptor de serotonina HTR2A (rs6313) foi avaliado por meio de PCR-RFLP, descrita por Warren et al.,23 utilizando a enzima Msp I. Os genótipos foram determinados pela separação dos fragmentos após eletroforese em gel de agarose, corado com brometo de etídeo e visualizado em luz UV. Os indivíduos foram classificados de acordo com o padrão de bandas encontradas: o alelo 102T correspondeu a uma única banda de 342 pb, enquanto o 102C apresentou duas bandas de 216 pb e 126 pb. A determinação genotípica foi possível em 34 pacientes e 36 controles. 16 14 12 10 8 6 N= 49 41 Controle Paciente Figura 1 Escores do domínio V do questionário WHOQOL-100 em pacientes com SFM (11,48 ± 2,15) e controles (14,43 ± 1,96), calculado a partir das médias de todas as facetas. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia Figura 2 Gráfico dos escores obtidos em cada faceta, comparando pacientes com SFM e indivíduos-controle. 25 Escore médio das facetas 20 ** * Controles *P = 0,229; **P = 0,008; demais, P = 0,001. Pacientes Nas ordem da esquerda para a direita: faceta 16 – Segurança física e proteção; faceta 17 – Ambiente no lar; faceta 18 – Recursos financeiros; faceta 19 – Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade; faceta 20 – Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades; faceta 21 – Participação e oportunidades de recreação e lazer; faceta 22 – Ambiente físico; faceta 23 – Transporte. 15 10 5 0 16 17 18 19 20 Facetas 21 22 23 Tabela 1 Análise de regressão logística múltipla: modelagem através do método backward -2 log probabilidade Modelo Modelo 1 2 Modelo 3 Modelo Modelo Modelo Modelo Modelo Modelo Modelo 4 5 6 7 8 9 10 Modelo 11 Modelo 12 Modelo 13 Modelo 14 24,6 25,2 28,3 32,8 33,0 33,7 37,2 24,6 29,2 29,8 30,3 31,4 31,8 32,0 X2 55,8 55,8 55,2 52,2 51,3 50,6 50,1 49,0 48,7 48,4 47,6 47,4 46,7 43,2 R2x100 82,2 82,2 81,6 78,9 78,0 77,4 76,9 75,8 75,5 75,2 74,4 74,2 73,5 69,8 0,0 0,0 0,0 0,002 0,05 0,13 0,30 0,12 0,16 0,21 0,22 0,19 0,196 0,343 Faceta 16 0,076 0,076 0,059 1,72 1,0 1,71 3,67 3,81 3,02 3,32 1,56 VE VE VE Faceta 17 201,9 201,9 202,8 10,53 21,4 17,8 11,21 3,44 4,20 4,49 5,66 6,59 5,93 VE Faceta 18 6,0 6,03 6,3 0,07 0,14 0,08 0,10 0,10 0,16 0,26 VE VE VE VE Faceta 19 0,007 0,007 0,003 0,128 0,13 0,17 0,37 0,87 0,88 0,90 0,45 0,37 0,31 0,57 OR HTR2Aa Faceta 20 15,6 15,6 67,5 45,5 14,5 13,73 9,8 6,94 5,12 5,08 5,64 5,78 10,06 13,73 Faceta 21 13,4 13,4 11,6 5,21 4,3 6,59 4,99 2,74 2,0 VE VE VE VE VE Faceta 22 0,59 0,59 0,86 3,38 1,27 4,68 3,56 2,00 VE VE VE VE VE VE Faceta 23 1,54 1,54 0,79 3,69 11,06 9,32 7,31 6,62 6,0 4,96 2,34 2,39 VE VE 3,307 × 103 66,44 13,6 5,76 VE VE VE VE VE VE VE VE HTR2A × 6 × 10 Faceta 16 8 5 × 10 9 HTR2A × 0,0 Faceta 17 0,0 0,0 0,006 0,013 0,023 0,069 VE VE VE VE VE VE VE HTR2A × 0,001 Faceta 18 0,0 0,0 VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE HTR2A × 5 × 1010 5 × 1011 Faceta 19 6 × 108 11.055,6 2.349,9 1.462,4 478,8 288,97 220,2 214,7 306,2 345,28 547,15 261,14 HTR2A × 436,7 Faceta 20 4.148,9 VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE HTR2A × 0,002 Faceta 21 VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE 17,0 8,8 VE VE VE VE VE VE VE VE VE 319.104,4 31,3 VE VE VE VE VE VE VE VE VE VE HTR2A × 19.639,5 185.301,9 144,9 Faceta 22 HTR2A × 3 × 107 Faceta 23 2 × 108 VE: variável excluída do modelo.a Genótipos foram codificados como “0” (genótipo TT) e “1” (portadores do alelo C).b Escores das facetas foram codificados como “0” e “1” de acordo com o percentil 50 de cada faceta. Valores de OR em negrito são significantes (P < 0,05). Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 597 Mergener et al. Tabela 2 Frequências genotípicas e alélicas do SNP T102C do gene HTR2A na amostra total, pacientes com SFM e controles Genótipos Amostra total (n = 70) Pacientes (n = 34) Controles (n = 36) TT 37,1% (26) 23,5% (08)1 TC 42,9% (30) 56,0% (19) 1 CC 20,0% (14) 20,5% (07) 19,4% (07) TT 37,1% (26) 23,5% (08) 50% (18) C+ 62,9% (44) 76,5% (26) 50% (18) 102T 59,0% 51,5% 65,3 % 102C 41,0% 48,5% 34,7% P 50,0% (18) 30,5% (11) 0,052 0,028 Alelos2 0,12 1 Análise de resíduos: P < 0,05. 2 Teste exato de Fisher. à proteção. Nesse caso, pode-se observar que, apesar de as pacientes apresentarem piores índices de segurança física e proteção que os indivíduos do grupo-controle, a preocupação com esses fatores é comum a toda a amostra estudada (Figura 2). A correlação não paramétrica de Spearman entre o escore total do domínio V do WHOQOL-100 e o escore de cada faceta e pergunta demonstrou que aquelas que influenciaram de forma muito forte a pontuação total do domínio V do WHOQOL-100, entre todos os participantes, foram, nesta ordem: faceta 20 – oportunidades de adquirir novas informações e habilidades (rho = 0,845; P < 0,001); faceta 18 – recursos financeiros (rho = 0,828; P < 0,001); e faceta 21 – participação e oportunidades de recreação e lazer (rho = 0,782; P < 0,001). Aquelas que menos influenciaram foram a faceta 16, sobre segurança física e proteção (rho = 0,642; P < 0,001), e a faceta 22, sobre ambiente físico (rho = 0,490; P < 0,001). A Tabela 2 demonstra as frequências alélicas e genotípicas das amostras investigadas pela técnica de genotipagem do SNP T102C (rs6313) do gene HTR2A. A comparação das frequências genotípicas demonstra que homozigotos para o alelo 102T são significativamente mais raros em pacientes com SFM que em controles (P < 0,05), enquanto heterozigotos são mais comuns nesses pacientes (P < 0,05). Além disso, quando agrupados de acordo com a presença do alelo em homozigose e heterozigose, os portadores do alelo 102C apresentam-se com maior frequência entre os pacientes com SFM, em comparação aos controles (P = 0,028). A análise de regressão múltipla (Tabela 3) possibilitou testar a presença de interações entre os escores do domínio V do WHOQOL e o polimorfismo no gene HTR2A. Foi possível perceber que mulheres com escores menores que 13 na faceta 20 (“oportunidades de adquirir novas informações e habilidades”) possuem chance 13,7 vezes maior de desenvolver SFM em relação àquelas com escores superiores (P = 0,009). Além disso, foi detectada interação significativa entre a variante genética e escores da faceta 19 (“cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade”) (P = 0,005), demonstrando que a influência do polimorfismo é muito mais forte em mulheres com escores baixos da faceta 19. A interpretação dessa interação foi feita utilizando os parâmetros da regressão logística (Tabela 3) e a equação de regressão, e esses cálculos renderam um OR de 90,02 para as mulheres que, além de portadoras do alelo 102C, ainda possuem baixos escores na faceta 19. Por outro lado, no grupo de Tabela 3 Regressão logística múltipla avaliando as influências conjuntas sobre a SFM OR (IC de 95%) P Beta 0,34 (0,037–3,21) 0,35 -1,07 Faceta 19 – Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade 0,57 (0,05–6,14) 0,65 -0,56 Faceta 203 – Oportunidades de adquirir novas informações e habilidades 13,7 (1,92–97,9) 0,009 2,62 Faceta 19 × HTR2A 261,14 (5,24–13.021,5) 1 HTR2A 2 0,005 5,57 Interpretação da interação faceta 19 × HTR2A Beta calculado OR calculado Portadores do alelo 102C (beta HTR2A = 1) e com BAIXOS escores na faceta 19 (beta HTR2A × faceta 19 = 1) = (-1,07) + 5,57 4,5 90,02 Portadores do alelo 102C (beta HTR2A = 1) e com ALTOS escores na faceta 19 (beta HTR2A × faceta 19 = 0) = -1,07 -1,07 0,34 1 Codificados como 0 (genótipo TT) e 1 (portadores do alelo C). 2 Codificados de acordo com o percentil 50 em 0 (escores maiores que 12) e 1 (escores menores que 12). 3 Codificados de acordo com o percentil 50 em 0 (escores maiores que 13) e 1 (escores menores que 13). 598 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia mesmo genótipo, mas com valores altos na faceta 19, o OR calculado foi de 0,34, indicando proteção para as mulheres que possuem o genótipo de risco mas têm escores altos da faceta 19. DISCUSSÃO A avaliação da qualidade de vida vem crescendo em importância como medida de análise de resultados de tratamentos na medicina.21 De fato, parece que os pacientes com SFM experimentam baixa qualidade de vida em comparação com a população em geral, envolvendo aspectos pessoais, familiares e sociais, correlacionando-se fortemente com intensidade da dor, fadiga e decréscimo da capacidade funcional. Burckhardt et al.24 exploraram a qualidade de vida de mulheres com SFM e compararam esses dados aos de mulheres com artrite reumatoide, osteoartrite, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes mellitus dependente de insulina, e controles saudáveis. Seus resultados mostraram que as pacientes com SFM apresentaram índices de qualidade de vida entre os mais baixos. Outros estudos com pacientes com SFM apontam que a dor é o pior aspecto relacionado à baixa qualidade de vida relatada pelos pacientes.25–27 Tais estudos procuraram apenas verificar o quanto a doença ou o tratamento aplicado a ela influenciam a qualidade de vida dos pacientes, associando os resultados aos aspectos clínicos ou em comparação com indivíduos sadios ou, ainda, portadores de outras doenças. Todas essas abordagens concluíram que a utilização do WHOQOL-100 como instrumento de acompanhamento clínico é bastante interessante para a avaliação dos sintomas. Até o presente momento, contudo, não existem registros da utilização desse questionário como ferramenta de avaliação de fatores de predisposição, ou seja, de maneira que tente responder como a qualidade de vida poderia influenciar o surgimento da SFM e/ou seus sintomas, como abordado neste trabalho. Com a intenção de avaliar quais fatores ambientais poderiam influenciar o desenvolvimento dos sintomas nos pacientes com SFM, utilizou-se o domínio V do questionário WHOQOL-100, que abrange questões sobre os aspectos ambientais e a percepção do indivíduo sobre o mundo à sua volta. Problemas financeiros, poucas oportunidades de atividades de recreação, de lazer e de adquirir novas informações foram os fatores que mais influenciaram a pontuação do questionário entre as pacientes com SFM, mesmo antes de desenvolverem a síndrome. Esse dado foi observado tanto pela diferença estatisticamente significante entre pacientes com SFM e controles quanto pela correlação das questões com o escore total do domínio V do WHOQOL-100. Da mesma forma, Valeikiene et al.28 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 encontraram correlação na faceta 21 (“participação e oportunidades em atividades de recreação e lazer”) entre pacientes com doença de Parkinson e osteoartrite. Assim, esses resultados sugerem que as preocupações individuais com as dificuldades financeiras e, principalmente, a falta de atividades de lazer e de oportunidades de aprendizado podem ser fatores relacionados ao desenvolvimento de síndromes crônicas como a SFM. Infelizmente, apenas essa comparação sobre a influência de cada faceta separadamente pode ser realizada, já que nenhum outro trabalho publicado até o momento avaliou a relação entre cada faceta do domínio V e alguma patologia. Na Índia, Khanna et al.,29 com o questionário WHOQOL-100, foram capazes de observar que os fatores físicos e psicológicos são muito prejudicados nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). Entretanto, os domínios abordando fatores sociais e ambientais não puderam ser correlacionados significativamente com o estado de doença ativo nos pacientes com LES. Em comparação com esses dados, os pacientes com SFM apresentaram valor médio de escore do domínio V do questionário WHOQOL-100 de 11,48 ± 2,15, enquanto os pacientes com LES apresentaram média superior (14,1), o que aparentemente demonstra maior influência do ambiente sobre a SFM. Van Houdenhove et al.30 sugerem que o estilo de vida muito ativo possa ser um dos fatores que tornam as pessoas mais vulneráveis ao desenvolvimento da SFM, e que também contribua para o início e a perpetuação da doença. Esses autores explicam que pessoas com estilo de vida mais ativo correm maiores riscos de sobrecarregar fisicamente o corpo, devido a atitudes negligentes envolvendo o desgaste musculoesquelético e à privação do sono. Certas características de personalidade, como transtorno obsessivo-compulsivo, perfeccionismo, trabalho demasiado e tendências de autossacrifício, parecem estar relacionadas a esse estilo de vida hiperativo. Dessa maneira, nossos dados, em conjunto com alguns trabalhos publicados nesse sentido, parecem indicar que baixa qualidade do ambiente influencia no surgimento da SFM. Além da influência ambiental, outro mecanismo subjacente à SFM é sua relação com distúrbios no metabolismo e transmissão da 5-HT. Essa hipótese é baseada em estudos que mostram que níveis de 5-HT estão diminuídos em pacientes com SFM quando comparados a sujeitos-controle. Além disso, baixos níveis de 5-HT foram inversamente correlacionados a medidas clínicas de percepção da dor.17,31 A 5-HT desempenha importante papel em muitos transtornos neuropsiquiátricos pela regulação das vias serotoninérgicas, influenciando o limiar da dor por meio da interação com a substância P, potencializando os efeitos endógenos da endorfina. Baixos níveis de 5-HT diminuem os limiares de 599 Mergener et al. dor, permitindo que mais dor seja sentida no sistema nervoso central e perturbando o processo reparador do sono profundo,17,32 características comumente encontradas em pacientes com SFM. Além disso, muitos autores sugerem que fatores genéticos provavelmente estejam envolvidos na etiologia da SFM.33–35 Tais estudos, porém, ainda são poucos e conflitantes, mas devido às questões fisiológicas envolvidas, genes relacionados à 5-HT são bons candidatos a estudo. Gürsoy et al.33 conseguiram relacionar o genótipo 102TT do gene HTR2A aos sintomas psiquiátricos da SFM, mas não à própria síndrome, em uma população da Turquia. Tander et al.34 também não encontraram diferenças significativas entre pacientes e indivíduos sadios turcos para essa variante. Por outro lado, Bondy et al.35 detectaram uma frequência genotípica diminuída de homozigotos 102TT e aumentada de portadores do alelo 102C entre pacientes com SFM de origem alemã, uma população com composição étnica similar à população-alvo do presente trabalho, e para a qual, portanto, o alelo de risco para SFM seria o mesmo que o detectado em nossos dados. No entanto, um dado aparentemente controverso é o de que, nesta investigação da população alemã, a severidade da dor foi significativamente maior no genótipo 102TT do SNP T102C do gene do receptor HTR2A em pacientes com SFM, em comparação aos controles.35 O único estudo desenvolvido no Brasil investigou uma população do centro do país, e não detectou qualquer relação significativa desse SNP com a fibromialgia. Uma vez que há a possibilidade de múltiplas interações de diversos sistemas e vias de neurotransmissores estarem envolvidas no processo de suscetibilidade à fibromialgia, além de interações poligênicas e da influência de fatores ambientais,36 é importante que esse tipo de análise seja realizado em cada população de origem étnica distinta. O polimorfismo T102C não altera a expressão ou a estrutura do receptor HTR2A, o que significa que seu envolvimento com SFM é indireto. Uma possibilidade é que exista desequilíbrio de ligação com a variante funcional verdadeira, a qual talvez faça parte da região promotora ou outras regiões regulatórias do gene. Evidências recentes indicam que tanto os níveis totais de RNAm do gene HTR2A quanto de receptores são mais baixos em indivíduos saudáveis com o genótipo 102CC que naqueles com o genótipo 102TT.16,37 Uma vez que os dados sobre o risco relacionado à SFM e às suas diferentes manifestações psiquiátricas e sintomas de dor são controversos, mais investigações são necessárias para confirmar a associação do alelo 102C com SFM encontrada no presente trabalho para a população do Sul do Brasil, e também para averiguar se essa relação existe em diferentes grupos populacionais. 600 Considerando a etiologia multifatorial da SFM, existe a possibilidade de as influências investigadas no presente trabalho apresentarem alguma interação entre si. Os dados obtidos a partir de análises multivariadas (Tabela 3) permitiram reconhecer que baixos escores na faceta 19 (“cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade”) aumentam muito as chances do desenvolvimento da SFM, especialmente quando em interação com o gene investigado. Assim, observa-se, na amostra estudada, que os indivíduos que possuem o alelo 102C do gene HTR2A e que também apresentam baixos escores na faceta 19 detêm maiores chances de desenvolvimento da patologia; esses valores variam de 90 a quase 150 vezes mais chance de desenvolver SFM, de acordo com o genótipo do gene HTR2A. Em contrapartida, caso apenas uma dessas variáveis seja alterada, isto é, possua o genótipo 102TT para esse gene, ou se não houver muita preocupação com esses fatores, é conferida uma proteção. Contudo, esses dados, a princípio relativos ao período anterior ao desenvolvimento da patologia, podem estar sofrendo influências da avaliação subjetiva de cada indivíduo estudado e não fazer jus ao verdadeiro estado do ambiente a que o sujeito estava inserido nesse período. Segundo alguns especialistas, há a hipótese de que os pacientes que sofrem de doenças não objetivas como a SFM possam idealizar seu estilo de vida pré-mórbido quando comparado ao estilo de vida atual.30 No entanto, se esse fosse o caso, era de se esperar que as pacientes demonstrassem escores aumentados no domínio V do WHOQOL. Nesse mesmo contexto, há a possibilidade de outras comorbidades estarem influenciando esses resultados, como é o caso da depressão. Entre os pacientes com SFM, os transtornos depressivos são as comorbidades psiquiátricas mais frequentes, atingindo uma prevalência de 20% a 80%. Assim, seria também possível que pacientes com maiores escores de depressão respondessem sobre seu ambiente de maneira pior que a realidade, levando à diminuição nesses escores. Uma vez que o gene HTR2A provavelmente está também relacionado à depressão nessas pacientes, essa pode ser uma explicação para a interação detectada. Infelizmente, até o momento, esse tipo de interação não foi testado na literatura mundial com relação à SFM, e, portanto, não é possível comparar nossos dados. Deve ficar claro, no entanto, que o presente trabalho possui limitação significativa, que reside em nosso pequeno tamanho amostral. Isso é percebido especialmente quando se avalia a magnitude de intervalos de confiança desses OR, demonstrados da Tabela 3. Assim, embora não devam ser negligenciados devido a essa limitação, nossos dados devem servir apenas como base para Rev Bras Reumatol 2011;51(6):587-602 Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia uma hipótese de interação entre gene e ambiente, que deve ser posteriormente testada. Finalmente, sugere-se que a SFM reúna uma coleção de características que refletem uma heterogeneidade de causas. Devido à alta frequência de agregação a transtornos psiquiátricos, as vias que conduzem à exacerbação da dor na SFM podem envolver aspectos tanto psicológicos quanto fisiológicos. Além disso, deve-se ainda considerar a possibilidade de fatores ambientais e comportamentais e a predisposição genética desempenharem papéis muito significativos no surgimento dos sintomas dessa síndrome. Como acontece para qualquer característica multifatorial, o SNP T102C no gene do receptor HTR2A provavelmente tem pequeno efeito no metabolismo da 5-HT, quando avaliado isoladamente, sugerindo que outros genes certamente também podem estar envolvidos na etiopatogênese da SFM. Novos estudos seguindo essas linhas devem criar perspectivas para melhor compreensão dos mecanismos de promoção e perpetuação da doença. Esses desafios representam um elemento-chave para melhor conhecimento dessa síndrome complexa, podendo servir como base para prevenção e melhor manejo terapêutico da dor nessas pacientes. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Chakrabarty S, Zoorob R. Fibromyalgia. Am Fam Physician 2007; 76(2):247–54. Fietta P, Fietta P, Manganelli P. Fibromyalgia and psychiatric disorders. Acta Biomed 2007; 78(2):88–95. Ablin JN, Cohen H, Buskila D. Mechanisms of disease: genetics of fibromyalgia. Nat Clin Pract Rheumatol 2006; 2(12):671–8. 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Métodos: Coorte retrospectiva, comparativa, de pacientes acompanhados após a realização de ATQ ou ATJ no Hospital SARAH-Brasília, no período entre 1996 e 2007. Resultados: Setenta e cinco artroplastias em pacientes com AR foram identificadas, das quais 28 ATJ e 47 ATQ. Como controles, foram selecionadas 131 cirurgias em pacientes com OA, das quais 56 ATJ e 75 ATQ, de maneira aleatória e estratificada pela cirurgia e pelo gênero. Não houve diferenças significativas entre os grupos de AR e OA no que diz respeito às taxas de infecções de prótese (respectivamente, ATJ 7,1% vs. 0% e ATQ 2,1% vs. 0%, ambos com P > 0,1), infecção incisional (ATJ 14,3 vs. 3,3% e ATQ 4,3 vs. 1,3%, ambos com P > 0,1) e infecção sistêmica (ATJ 7,1 vs. 3,6%, P = 0,92 e ATQ 4,3 vs. 10,7%, P > 0,1). Após regressão logística múltipla, não houve alteração dos resultados. Conclusões: A presença de AR não foi identificada como fator de risco para infecções perioperatórias em ATQ e ATJ em casuística do Hospital SARAH-Brasília, em comparação com o grupo de pacientes com OA primária ou secundária a doenças não inflamatórias. A baixa incidência de infecções em ambos os grupos pode explicar os nossos achados. Palavras-chave: artrite reumatoide, artroplastia, infecção, osteoartrite. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A artrite reumatoide (AR) acomete entre 0,2% e 1% da população brasileira.1 Caracteriza-se por poliartrite periférica, simétrica, que leva à deformidade e à destruição das articulações por erosão do osso e da cartilagem. Muitos pacientes evoluem com osteoartrite (OA) secundária, representando uma das indicações mais frequentes de artroplastia total, juntamente com a osteoartrite e as lesões traumáticas. Os pacientes acometidos pela AR têm um perfil diferente dos portadores de OA de outras etiologias. A OA incide geralmente em pacientes acima de 50 anos, enquanto a AR pode acometer pacientes mais jovens.2 Além disso, pacientes com AR apresentam inflamação sistêmica crônica, em geral fazem uso de drogas imunomoduladoras e corticoides e apresentam com mais frequência outras comorbidades, como osteoporose,3 outras doenças autoimunes4 e aterosclerose precoce.5 Podem estar mais sujeitos a complicações como infecções cirúrgicas, deiscência de sutura, fraturas periprotéticas e menor durabilidade da prótese, que têm grande impacto na morbimortalidade e na qualidade de vida. Os primeiros estudos comparativos não evidenciaram menor durabilidade das próteses em pacientes com AR,6,7 enquanto outros mostraram que tais pacientes apresentam benefícios importantes com o tratamento cirúrgico no que diz respeito a dor e função articular.8,9 Entretanto, dois estudos, incluindo uma coorte retrospectiva publicada recentemente, evidenciaram pequeno aumento do número de revisões por infecção em pacientes com Recebido em 02/05/2011. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Comitê de Ética: 748. Hospital SARAH Brasília, Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação. 1. Médico Reumatologista da equipe de Clínica Médica do Hospital SARAH Brasília 2. Estatístico; Liderança do controle de qualidade da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação 3. Professor-Associado de Clínica Médica da Universidade de Brasília – UnB Correspondência para: Bernardo Matos da Cunha. Hospital SARAH Brasília. SMHS, Quadra 301, bloco A. CEP: 70335-901. Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(6):603-615 609 Cunha et al. AR.10,11 Estudos caso-controle realizados com grande número de pacientes submetidos a artroplastias indicaram a AR12–17 e o uso de corticosteroides18 como fatores de risco para infecções. O objetivo deste estudo é comparar pacientes com AR e OA de outras etiologias em relação à incidência de infecções de prótese, infecção incisional e outras infecções sistêmicas pós-operatórias em artroplastias totais de quadril (ATQ) e de joelho (ATJ). MATERIAIS E MÉTODOS Desenho do estudo Estudo retrospectivo, comparativo, de pacientes com AR e OA de outras etiologias submetidos a ATQ e ATJ. Critérios de inclusão e exclusão Os participantes do estudo tinham idade maior ou igual a 18 anos. Foram incluídos pacientes acompanhados pelo programa de ortopedia após a realização de ATQ ou ATJ, com a primeira artroplastia da articulação em questão no Hospital SARAHBrasília, no período entre 1996 e 2007. O grupo de pacientes com AR teve seu diagnóstico definido a partir dos critérios de 1987 do American College of Rheumatology (ACR).19 O grupo-controle foi constituído de pacientes com OA primária ou secundária a outras etiologias, cujo diagnóstico foi definido a partir dos critérios clínico-radiográficos do ACR,20–22 utilizando os dados clínicos, laboratoriais e radiológicos que tivessem sua data mais próxima da realização da cirurgia. Se possível, seriam contabilizados dois pacientes com OA para cada paciente com AR, selecionados aleatoriamente dentro do universo de pacientes operados no mesmo período, mesmo se já tivessem sido submetidos previamente a outras cirurgias articulares que não a artroplastia (como a osteotomia). A amostra foi equilibrada por gênero e por articulação operada. Foram excluídos da análise os pacientes portadores de AR com indicação de artroplastia por necrose óssea avascular ou fratura de colo de fêmur, os portadores de OA secundária a outras doenças autoimunes (como espondilite anquilosante), os portadores de artrite idiopática juvenil e os pacientes submetidos à hemiartroplastia. Desfechos A principal variável avaliada foi infecção de prótese, definida como disfunção da prótese, com dor e/ou perda de função da articulação, iniciada no primeiro ano de pós-operatório, que motivasse a troca ou a retirada dos componentes da prótese, com preenchimento de um dos seguintes critérios, baseados nos critérios do Centers of Diseases Control (CDC):23 a) duas ou mais 610 culturas de biópsia óssea ou do material cirúrgico ou de líquido sinovial com crescimento do mesmo microrganismo; b) líquido sinovial purulento visto pelo cirurgião; c) sinais de inflamação no exame histopatológico de tecido periprotético; d) presença de fístula cutânea em comunicação direta com a prótese. Infecção incisional superficial foi identificada no caso de acometimento superficial da ferida operatória, ou seja, da pele e/ ou subcutâneo, de aparecimento até 30 dias da data da cirurgia, preenchendo um dos três critérios, baseados nos critérios do CDC e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA):24–27 a) alterações inflamatórias superficiais da ferida operatória, ou seja, da pele e subcutâneo (calor, rubor, dor, edema, saída de secreção) em que o cirurgião-assistente tenha julgado necessário drenagem e/ou uso de antibiótico sistêmico para tratamento, exceto em caso de cultura negativa; b) saída de secreção purulenta da ferida operatória; c) cultura positiva de tecido da ferida operatória. Infecção incisional profunda foi identificada em caso de acometimento profundo da ferida operatória, ou seja, de fáscia ou músculo, de aparecimento até um ano após a data da cirurgia, preenchendo um dos três critérios:24–26 a) drenagem purulenta da incisão profunda, mas não de órgão/cavidade; b) deiscência parcial ou total da cicatriz cirúrgica ou abertura da ferida pelo cirurgião, no caso de o paciente ter apresentado pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas: temperatura axilar ≥ 37,8ºC, dor ou aumento da sensibilidade local, exceto em caso de cultura negativa; presença de abscesso ou outra evidência de que a infecção envolvesse os planos profundos da ferida, identificada em reoperação, exames clínico, histocitopatológico ou de imagem. Infecção sistêmica foi definida no caso da ocorrência de outro quadro infeccioso, em qualquer órgão ou sistema, para o qual tenha sido indicado uso de antibioticoterapia oral ou venosa pela equipe assistente, tendo ou não comprovação microbiológica, durante o período de internação. Coleta de dados A coleta de dados foi realizada a partir do prontuário eletrônico da Rede SARAH. Foram selecionados os portadores de AR e OA submetidos a artroplastias de quadril ou joelho por meio de busca automática. Os casos foram contabilizados por procedimento realizado. Foram computados os dados a seguir: a) em relação aos procedimentos cirúrgicos: procedimento cirúrgico realizado; data da primeira artroplastia; data da cirurgia de revisão ou data da última consulta ou data do óbito do paciente; documentação da infecção, incluindo o sítio, a data, o tipo de cultura positiva e o germe causador, quando disponível; classificação de estado físico da American Society of Anestesiology (ASA) e tempo cirúrgico, que são fatores relacionados à infecção de prótese em pelo menos três estudos;15,27,28 b) dados dos pacientes com AR: Rev Bras Reumatol 2011;51(6):603-615 Incidência de infecções em artroplastias de quadril e joelho em pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite idade, gênero, escolaridade; drogas modificadoras de atividade reumática (DMARDs) e/ou corticoides em uso, com descrição da dose no momento da cirurgia; fator reumatoide: positividade e dosagem; c) dados dos pacientes com OA: idade, gênero, escolaridade; etiologia da OA. Análise estatística Foram realizadas análises descritiva e exploratória dos dados. As variáveis contínuas foram analisadas por testes de comparação de médias utilizando ANOVA. As variáveis qualitativas foram analisadas pelo teste qui-quadrado de Pearson e/ou teste exato de Fisher. Foi realizada análise por meio de regressão logística múltipla para afastar a influência de possíveis variáveis de confundimento. Valores de P menores que 0,05 foram considerados estatisticamente significantes. O software utilizado para análise foi o SPSS® 13 para Windows. RESULTADOS Casuística No período estudado, foram identificadas 160 cirurgias em pacientes classificados como portadores de AR. Após exclusão dos casos que não se encaixavam nos critérios apontados anteriormente, 75 artroplastias em pacientes com AR confirmada foram identificadas, das quais 28 ATJ e 47 ATQ (Figura 1). Seleção atomática de pacientes com AR × ATQ e ATJ em prontuário eletrônico 160 cirurgias Como controles, foram selecionadas aleatoriamente, dentro da disponibilidade de casos, 131 cirurgias em pacientes com OA, das quais 56 ATJ e 75 ATQ. Todas as ATJ foram realizadas por apenas um cirurgião ortopedista sênior, e as ATQ foram realizadas somente por dois cirurgiões seniores. Todos os cirurgiões seniores tinham larga experiência com os procedimentos, e dois deles trabalham na instituição há mais de 30 anos. Características gerais dos pacientes Os dados gerais estão resumidos nas Tabelas 1 e 2. A diferença significativa na distribuição da classificação da ASA pode ser explicada pelo fato de que a presença de AR já eleva a classificação para, no mínimo, ASA 2. No grupo de pacientes com AR, o fator reumatoide estava disponível em 65 pacientes, estando positivo em 73,2% dos pacientes no grupo de ATQ e em 87,5% dos pacientes no grupo de ATJ. O título médio do fator reumatoide foi de 266,97 (± 378,3) U/mL no grupo de ATQ e de 188,79 (± 164,1) U/mL no grupo de ATJ. Os DMARDs em uso pelos pacientes com AR e suas respectivas doses médias estão expostos na Tabela 3. Infecções Os resultados da comparação de incidências estão dispostos nas Figuras 2 e 3. Devido ao pequeno número de infecções, as Tabela 1 Características gerais dos casos do grupo de ATQ Grupo ATQ AR OA Gênero (%) Exclusões: Casos redundantes: 58 Outras doenças: 18 Artroplastia em outro serviço: 3 Diagnóstico inconclusivo: 17 Outras cirurgias: 5 Artroplastia prévia a 1996: 5 75 cirurgias para análise Figura 1 Seleção dos pacientes com AR que realizaram cirurgia. AR: artrite reumatoide; ATQ: artroplastia total do quadril; ATJ: artroplastia total do joelho. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):603-615 0,276 Feminino 41 (87,2) 61 (81,3) Masculino 8 (12,8) 14 (18,7) 50,6 (11,7) 63,46 (11,3) Idade média (DP) ASA (%) 0 (0) 23 (30,7) 2 46 (97,9) 47 (62,7) 1 (2,1) 5 (6,7) 142,09 (36,61) 136 (28,36) 3 <0,001 <0,001 1 Tempo cirúrgico médio em min (DP) P Escolaridade (n = 113) (%) 0,307 0,001 Analfabeto 1 (2,3) 3 (4,3) Fundamental 16 (36,4) 48 (69,6) Médio 15 (34,1) 13 (18,8) Superior 12 (27,3) 5 (7,2) AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite; ASA: classificação de estado físico da American Society of Anestesiology. 611 Cunha et al. Tabela 3 DMARDs em uso pelos pacientes com AR Tabela 2 Características gerais dos casos do grupo de ATJ Grupo ATJ AR OA P 20 (71,4) 42 (75,0) Gênero (%) 0,46 Feminino Masculino 8 (28,6) 14 (25,0) 54,91 (11,34) 70,97 (7,12) 1 0 (0) 6 (10,7) 2 27 (96,4) 48 (85,7) 3 1 (3,6) 2 (3,6) 102,86 (39,62) 142,09 (25,84) Idade média (DP) ASA (%) Tempo cirúrgico médio em min (DP) Escolaridade (n=113) (%) 0 (0) 8 (17,0) Fundamental 8 (34,8) 34 (72,3) Médio 12 (52,2) 4 (8,5) Superior 3 (13,0) 1 (2,1) ATJ 37,0 (78,7) 24,0 (85,7) MTX 28,0 (78,7) 16,0 (85,7) LFN 9,0 (19,1) 5,0 (17,9) < 0,001 SSZ 4,0 (8,5) 5,0 (17,9) 0,200 Antimalárico 13,0 (28,0) 7,0 (25,0) Anti-TNF 1,0 (2,1) 2,0 (7,1) Corticoide 30,0 (63,8) 18,0 (64,3) 0,129 < 0,001 Analfabeto DMARD (%) ATQ AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite; ASA: classificação de estado físico da American Society of Anestesiology. Dose média DMARDs em mg (DP) MTX 10,7 (4,0) 9,3 (2,9) LFN 20,0 (0,0) 20,0 (0,0) SSZ 1000,0 (0,0) 1200,0 (273,9) CQN 250,0 (0,0) 204,6 (65,6) HCQN 200,0 (0,0) 400,0 (0,0) Equivalente de prednisona 6,9 (4,0) 10,2 (6,5) ATQ: artroplastia total do quadril; ATJ: artroplastia total do joelho; DMARD: droga modificadora de atividade de doença reumática; MTX: metotrexato; LFN: leflunomida; SSZ: sulfassalazina; CQN: cloroquina; HCQN: hidroxicloroquina. 4/28 (14,3%) 8/75 (10,7%) 2/28 (7,1%) 2/47 (4,3%) 2/28 (7,1%) 2/47 (4,3%) 2/56 (3,6%) 1/47 (2,1%) 1/75 (1,3%) 0/75 (0%) Infecções de prótese Infecções incisionais AR 2/56 (3,6%) 0/56 (0%) Infecções sistêmicas OA Infecções de prótese Infecções incisionais AR Infecções sistêmicas OA Figura 2 Incidência de infecções de prótese no ano subsequente à cirurgia, infecções incisionais no mês subsequente à cirurgia e infecções sistêmicas durante a internação no grupo de artroplastia total do quadril (fração e porcentagem). Figura 3 Incidência de infecções de prótese no ano subsequente à cirurgia, infecções incisionais no mês subsequente à cirurgia e infecções sistêmicas durante a internação no grupo de artroplastia total do joelho. AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite. AR: artrite reumatoide; OA: osteoartrite. 612 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):603-615 Incidência de infecções em artroplastias de quadril e joelho em pacientes com artrite reumatoide e osteoartrite infecções incisionais superficiais e profundas foram agrupadas como infecção incisional. No grupo de ATQ houve uma infecção de prótese entre os pacientes com AR e nenhuma entre os pacientes com OA. No grupo de ATJ houve dois casos entre os pacientes com AR e nenhum caso entre pacientes com OA. Em dois casos, o germe causador da infecção foi Staphylococcus aureus sensível à oxacilina, e no terceiro caso a cultura não estava disponível. Em relação às infecções incisionais, no grupo de ATQ ocorreram dois casos entre pacientes com AR e um caso entre pacientes com OA. No grupo de ATJ, houve quatro casos entre pacientes com AR e dois casos entre pacientes com OA. Em nenhum dos casos estava disponível documentação microbiológica da infecção. Em relação às infecções sistêmicas, no grupo de ATQ ocorreram dois casos entre pacientes com AR, dos quais uma infecção de vias respiratórias superiores e uma celulite no mesmo membro operado, mas distante do sítio cirúrgico. Entre os pacientes com OA, ocorreram duas pneumonias, quatro infecções do trato urinário (ITU), uma sepse secundária à infecção de cateter e uma celulite. No grupo de ATJ, entre os pacientes com AR houve uma sepse secundária à artrite séptica do joelho contralateral, causada por S. aureus sensível à oxacilina, e uma celulite; entre os pacientes com OA, houve duas ITU. Em quatro casos de ITU o germe causador foi Escherichia coli, e no quinto não havia cultura disponível. Nos casos de pneumonia nenhum germe foi isolado, e na infecção por cateter foi isolada Klebsiella pneumoniae em hemocultura. Na análise univariada não houve diferenças significativas entre os grupos no que diz respeito às taxas de infecção de prótese (ambos com P > 0,1), infecção incisional (ambos com P > 0,1) e infecção sistêmica (ATJ, P = 0,92 e ATQ, P > 0,1). Foi realizada regressão logística múltipla, incluindo as seguintes variáveis: gênero, idade, escolaridade, classificação da ASA e tempo cirúrgico. Foi utilizado o método de seleção automática stepwise backward com critério de seleção P < 0,10. Para a avaliação dos níveis de escolaridade foi utilizada a classificação “analfabeto” como referência para comparação com os outros níveis de escolaridade. No caso da classificação do ASA, foi adotada a classificação “ASA 1” como referência. Devido ao reduzido número de casos de infecção observado, as variáveis escolaridade e ASA apresentaram coeficientes e valores de P extremos, sem relevância estatística. As demais variáveis também se mostraram não significantes no modelo ajustado (P > 0,10), ou seja, sem associação significativa entre os grupos em relação às infecções de prótese, incisional e sistêmica. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):603-615 DISCUSSÃO As artroplastias de quadril ou joelho em pacientes portadores de AR são procedimentos relativamente seguros no que diz respeito à incidência de infecções após um ano, a despeito do uso de corticoide e outras medicações imunomoduladoras, uma vez que não foi evidenciado aumento da ocorrência de infecções de prótese, incisional e sistêmica. Em princípio, não há motivos para deixar de oferecer tal modalidade terapêutica para pacientes com AR, para alívio da dor secundária às sequelas articulares da doença, que por vezes são bastante graves. Como se trata de grupos com faixas etárias distintas, pois os pacientes com AR são geralmente mais jovens, houve diferenças significativas em relação à escolaridade, que podem ser explicadas pela melhora progressiva do nível socioeconômico da população brasileira durante o século XX. Tais diferenças podem ter reduzido o efeito da presença de AR como fator de risco, uma vez que o baixo nível socioeconômico foi identificado como fator de risco para infecções de prótese em dois estudos retrospectivos de grande porte.28,29 Dentre as qualidades deste estudo, é possível destacar a qualidade da coleta de dados, uma vez que foi realizada em prontuário eletrônico. Além disso, foram utilizados critérios bem-definidos para o diagnóstico de OA e AR, evitando a inclusão de pacientes com outras doenças correlatas. Não temos conhecimento de estudos nacionais que tenham avaliado comparativamente, de forma mais específica, a incidência de infecções incisionais e infecções sistêmicas nesse contexto. Em relação às limitações do estudo, destacamos que nossa casuística, mesmo aproveitando todos os casos disponíveis, pode não ter sido numerosa o suficiente para conseguir demonstrar diferenças entre os grupos: o poder estatístico calculado post hoc foi de 52% para o grupo de ATQ e de 24% para o grupo de ATJ. Um dos trabalhos relatados anteriormente10 mostrou diferença de 0,4% na sobrevida das ATJ, e não houve diferença na sobrevida das ATQ em cinco anos. Tal diferença é muito pequena e só pôde ser evidenciada porque se tratava de estudo retrospectivo multicêntrico, de um país inteiro, incluindo 108.786 cirurgias. Analisando as incidências de infecções de prótese e infecções incisionais em ATJ, por exemplo, observamos tendência a maior número de eventos em pacientes com AR, mas que não foi estatisticamente significante. Por outro lado, a taxa geral de infecções nosocomiais é muito baixa em nosso hospital, tendo sido de 0,63% em 2010. Isso pode ter sido um viés para determinar diferenças entre os grupos. Outro ponto é que o grupo-controle foi bastante heterogêneo, com pacientes com 613 Cunha et al. OA de diversas etiologias, incluindo algumas causas raras secundárias a doenças sistêmicas, que podem ter prognósticos pós-operatórios diferentes entre si. Em resumo, a presença de AR não foi identificada como fator de risco para infecções perioperatórias em ATQ e ATJ em casuística do Hospital SARAH-Brasília, em comparação ao grupo de pacientes com OA primária ou secundária a doenças não inflamatórias. A baixa incidência de infecções em ambos os grupos pode explicar nossos achados. Um estudo multicêntrico brasileiro poderia esclarecer a questão de maneira mais definitiva. AGRADECIMENTOS Paulo Sérgio Siebra Beraldo, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação do Centro SARAH de Formação e Pesquisa, pelo seu esforço em viabilizar a realização do estudo. 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Do total de 247 resumos analisados, foram incluídos oito (3,2%) artigos, provenientes dos bancos de dados eletrônicos consultados (n = 7) e da busca ativa (n = 1). Em cinco dos estudos incluídos, pressão atmosférica foi a variável que apresentou influência na dor de pacientes com OA com mais frequência, enquanto precipitação foi a que menos apresentou relação com os sintomas de OA; vento foi pouco analisado. Apesar da diversidade metodológica e dos vieses dos estudos analisados, existe uma tendência à confirmação da influência das condições do tempo na intensidade da dor em pacientes com OA, em especial nas publicações mais recentes. Ainda são necessários mais estudos para se ter uma boa evidência do efeito dos elementos meteorológicos na dor dos pacientes com OA e para avaliar sua interferência na realização das atividades diárias e na qualidade de vida. Palavras-chave: osteoartrite, artralgia, pressão atmosférica, tempo (meteorologia). © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A osteoartrite (OA), doença reumática caracterizada por insuficiência da cartilagem articular, apresenta dor e rigidez nas articulações como principais manifestações clínicas. Apesar de difícil mensuração, alguns estudos procuram avaliar a influência das alterações meteorológicas na dor de pacientes com OA, com base na afirmação frequente desses pacientes de que condições relacionadas ao tempo modificam a intensidade da dor. Um estudo envolvendo pacientes com doenças reumáticas mostrou que entre um e dois terços desses pacientes acreditavam que seus sintomas eram sensíveis aos elementos meteorológicos.1 Mais recentemente, a relação da percepção da dor com as alterações do tempo foi avaliada utilizando-se um questionário autoaplicado, por meio da Escala Visual Analógica (EVA), no qual os autores observaram que 70% dos entrevistados acreditavam que sua doença era influenciada pelo tempo, e 40% afirmaram ser grande essa influência. Os pacientes consideraram o outono e o inverno as estações do ano associadas à maior intensidade da dor. Em relação às variáveis meteorológicas, umidade relativa do ar (67%) e baixa temperatura (59%) foram as mais referidas. Os autores concluíram que um número elevado de pacientes tinha a percepção de que as variações atmosféricas influenciavam a dor e, consequentemente, sua doença.2 Contudo, a relação consistente entre dor articular e fatores do tempo tem sido difícil de Recebido em 22/04/2010. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. 1. Mestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia – UFBA; Professora da Unidade Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG 2. Mestre e Doutor em Medicina e Saúde pela UFBA; Médico Ortopedista Professor da Unidade Acadêmica de Medicina da UFCG 3. Doutorado em Agronomia; Professor da Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas da UFCG Correspondência para: Profª Evânia Claudino Queiroga de Figueiredo. Rua José Bonifácio, 67/601 – Centro. CEP: 58400-250. Campina Grande, PB, Brasil. E-mail: [email protected] 622 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 Influência de elementos meteorológicos na dor de pacientes com osteoartrite: revisão da literatura comprovar – em uma revisão de 16 artigos envolvendo diversas doenças reumáticas não foi possível observar um consenso com relação a esse efeito.3–7 Este estudo tem como objetivo avaliar a influência dos elementos meteorológicos na dor da OA. MATERIAL E MÉTODO A revisão narrativa da literatura foi realizada após levantamento bibliográfico junto aos bancos de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System online (MEDLINE) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), e por busca ativa em lista de referências bibliográficas dos artigos e revisões selecionados até janeiro de 2010. Como estratégia para identificação dos estudos, foram utilizados os termos de pesquisa relevantes para esta revisão, descritos no Quadro 1. Os critérios de inclusão foram os estudos prospectivos que avaliaram a resposta da dor em pacientes com OA relacionada a alguma variável meteorológica, em artigos publicados em português, inglês e espanhol. RESULTADOS Dos 247 resumos recuperados e analisados, 16 (6,5%) faziam referência ao assunto. Desses, oito foram recusados por não preencherem os critérios da análise (Figura 1); em um deles não foi possível identificar o número dos pacientes com OA e artrite reumatoide (AR).8 Restaram incluídos oito (3,2%) artigos, provenientes dos bancos de dados eletrônicos consultados (n = 7) e da busca ativa (n = 1). As publicações ocorreram de forma esparsa desde a década de 1960, com quatro publicações identificadas nos últimos oito anos (Tabela 1). Os estudos foram realizados na América do Norte (EUA [3/4] e Canadá [1/4]), na Europa (Reino Unido e 247 resumos recuperados 16 com referência ao assunto Quadro 1 Descritores utilizados para a identificação dos estudos. OR 231 sem referência ao assunto ou escritos em idioma de exclusão OR climate[Title] 8 artigos excluídos 2 sem doença reumática definida4,5 weather[Title] osteoarthrit*[Title] 2 avaliação da percepção1,2 temperature[Title] pain[Title] AND 1 editorial6 8 artigos incluídos9–16 humidity[Title] rheumatic[Title] precipitation[Title] 1 revisão da literatura3 arthrit*[Title] wind speed[Title] 1 variação sazonal de atendimento7 forecast[Title] 1 não distingue entre OA e AR8 meteorolog*[Title] Figura 1 Organograma do resultado do levantamento bibliográfico. Tabela 1 Artigos relacionados à OA e elementos meteorológicos Ano Autor(es) País 9 Tempo de seguimento Pacientes (n) Variáveis meteorológicas T UR PA P VV 1963 Hollander & Yeostros EUA 14 dias 4 – +* +* NA NA 1985 Sibley10 Canadá 1 mês 35 – – – – – Israel 1 mês 24 + – + + NA Reino Unido 2 meses 53 – – – NA NA 1990 Guedj & Weinberger 1991 Clarke & Nicholl12 13 11 2002 Strusber et al. Argentina 12 meses 52 + + – NA NA 2003 Wilder et al.14 EUA 23 meses 154 – NA + – NA 2004 15 Vergés et al. Espanha 1 mês 80 – – + NA NA 2007 McAlindon et al.16 EUA 3 meses 200 + – + – NA T: temperatura; UR: umidade relativa do ar; PA: pressão atmosférica; P: precipitação atmosférica; VV: velocidade do vento.; +: correlação presente; –: correlação ausente; NA: não avaliado. *Aumentando a UR e diminuindo a PA simultaneamente. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 623 Figueiredo et al. Espanha), na Ásia (Israel) e na América do Sul (Argentina). O tempo de seguimento variou de 14 dias a 23 meses, com apenas dois estudos envolvendo as quatro estações do ano. O número de pacientes estudados também variou muito, de quatro a 200. Em todos os trabalhos os pesquisadores utilizaram questionários, a maioria de autoavaliação, que foram respondidos pelos pacientes em dias e horários predeterminados. Em cinco dos oito estudos incluídos, dentre os sete elementos relacionados às condições meteorológicas, pressão atmosférica foi o que apresentou influência na dor dos pacientes com OA com mais frequência, e precipitação foi o que menos apresentou relação com os sintomas da OA; a variável vento foi pouco analisada. O estudo duplo-cego conduzido por Hollander e Yeostros,9 em que quatro participantes com OA e oito com AR permaneceram por duas semanas em sala climatizada com controle da pressão atmosférica, da temperatura e da umidade do ar, observou, além da influência dessas variáveis isoladamente, o efeito da variação simultânea da umidade relativa do ar e da pressão nos sinais e sintomas da artrite. O diagnóstico desses pacientes foi realizado pela presença de sinais físicos característicos da OA, sem referência às articulações analisadas ou às alterações radiográficas. Para a quantificação da atividade do acometimento articular, utilizou-se o índice de Lansbury, que inclui cinco parâmetros relacionados à duração da rigidez, ao número de analgésicos necessários para o alívio da dor, à força de preensão da mão, ao tempo de caminhada e ao número de articulações acometidas. Em 73% das exposições, todos os pacientes pioraram objetivamente quando submetidos ao aumento da umidade com queda de pressão barométrica. Para avaliar se alguma variável climática influenciava os sintomas da artrite, e para determinar a acurácia da autoavaliação dos pacientes, Sibley10 realizou um estudo duplo-cego durante 30 dias, em que utilizou, pioneiramente, a Escala Visual Analógica (EVA), por considerá-la confiável e reprodutível. Para conhecimento dos participantes, a pesquisa tinha como objetivo determinar como a artrite afetou a vida do paciente. O diagnóstico da OA foi realizado pela presença de sintomas típicos de OA periférica, com evidência radiológica de estreitamento do espaço articular e presença de osteófitos, na ausência de alterações laboratoriais. A articulação acometida e a gravidade radiológica não foram determinadas. Dos 35 pacientes incluídos, um apresentou diagnóstico de polimialgia reumática fazendo uso de prednisona, na dose de 9 mg/dia. Além das médias das variáveis meteorológicas, a análise incluiu uma combinação de elementos meteorológicos, como mudança da pressão atmosférica associada à umidade relativa do ar, temperatura associada à umidade relativa do ar e temperatura do ar 624 associada à pressão atmosférica, envolvendo, no total, médias de 13 variáveis. Seus resultados não mostraram evidência de correlação dessas variáveis com os sintomas da OA. Pacientes com OA diagnosticada pela presença de sintomas característicos e evidência radiológica de diminuição do espaço articular com osteófitos, sem especificação da articulação acometida, foram acompanhados durante 30 dias por Guedj e Weiberger,11 em uma região de Israel onde a temperatura e a umidade relativa do ar variaram, respectivamente, de 8 ºC a 27 ºC e de 39% a 96%. Durante quatro semanas os participantes responderam a um questionário para avaliação da dor e edema articular, além do nível de habilidade diária, em uma escala de 0 a 2. A dor foi influenciada pela temperatura do ar, pela precipitação e pela pressão atmosférica. Clarke e Nicholl12 apresentaram seus resultados, em breve carta ao editor, envolvendo pacientes com OA acentuada com indicação de artroplastia, analisados durante 30 dias do inverno e do verão. Eles compararam a pressão atmosférica e a umidade com as sensações de dor e de rigidez articular registradas em uma escala de avaliação utilizada a cada dia, e não encontraram correlação entre essas variáveis. Em um estudo com grupo-controle sadio, Strusberg et al.13 avaliaram os relatos de dor, durante 12 meses, utilizando a EVA e a escala verbal de Likert em pacientes com OA, AR e fibromialgia (FM), diagnosticados por meio dos critérios do American College of Rheumatology (ACR). Dos relatos de dor registrados, 37,94% foram de pacientes com OA, correlacionada à baixa temperatura e alta umidade do ar. Para avaliar a associação de pressão atmosférica, precipitação e temperatura do ar ao escore da dor da EVA nos pacientes com OA de coluna cervical, mão, ombro, joelho e pé, Wilder et al.14 realizaram um estudo no qual os participantes ignoravam o objetivo, com média de seguimento de 19 a 23 meses. A evidência de OA foi percebida pela presença de alteração radiológica de grau 2, de acordo com os critérios de Kellgren e Lawrence. Os autores observaram que dor maior foi significativamente associada à diminuição da pressão atmosférica em mulheres com OA de mãos. Vergés et al.,15 em um estudo com pacientes com OA, AR e com grupo-controle para avaliar a dor articular, utilizaram a EVA e incluíram a avaliação da capacidade funcional utilizando o Questionário de Avaliação da Saúde (HAQ). Os pacientes realizaram o registro diário durante 30 dias consecutivos, e seus dados demonstraram que, das três variáveis meteorológicas analisadas, baixa pressão atmosférica era a que exacerbava a dor articular. Não foram definidos as articulações envolvidas, os critérios diagnósticos, o grau radiológico do acometimento e a gravidade do quadro de dor articular. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 Influência de elementos meteorológicos na dor de pacientes com osteoartrite: revisão da literatura Mais recentemente, para determinar se parâmetros meteorológicos influenciavam a artralgia de joelhos com OA, classificados segundo os critérios do ACR, McAlindon et al.16 realizaram uma análise longitudinal envolvendo 200 participantes. Com a preocupação de eliminar o viés relacionado à distribuição geográfica, foram selecionados pacientes de várias regiões dos Estados Unidos, só informados da hipótese do estudo após a conclusão da coleta de dados. Os autores utilizaram o índice WOMAC (Western Ontario and McMaster Universities) para OA.17 Os resultados evidenciaram que o aumento da pressão atmosférica e a diminuição da temperatura do ar influenciaram a intensidade da dor no joelho. DISCUSSÃO Nesta revisão, a influência de uma ou mais variáveis meteorológicas foi significativamente frequente nos sintomas da OA, a despeito das distintas metodologias dos trabalhos e da diversa quantidade de pacientes envolvidos. Por exemplo, uma mesma variável apresentou resultados conflitantes nos sintomas da OA, como a pressão atmosférica elevada com influência positiva na dor articular11,16 e a condição de baixa pressão promovendo piora da dor.14,15 Enquanto em alguns trabalhos a baixa temperatura do ar foi associada a dor de maior intensidade,13,16 em outro, de forma inversa, foi a temperatura elevada que piorou os sintomas articulares.11 O marco inicial na pesquisa envolvendo variáveis meteorológicas e sintomas da OA foi o estudo de Hollander e Yeostros,9 que avaliou os escores de cada participante de forma isolada. A quantidade reduzida de pacientes seria um viés que, associado ao curto período de observação, limitou a validação externa dos resultados. O aspecto financeiro foi um obstáculo à construção de um ambiente espaçoso que acomodasse mais participantes por maior período de tempo e à montagem de um equipamento maior de climatização que regulasse as condições propícias ao estudo. Seu custo de manutenção e as necessidades diárias dos participantes, como alimentação e higiene, também ficaram prejudicados. Esse estudo confirmou um anterior, realizado por Edström,5 em um ambiente constantemente quente e seco, onde os pacientes apresentaram melhora dos sinais e sintomas da artrite. Além do pequeno número de participantes, envolvendo apenas 10 pacientes com AR, não foram feitas tentativas para controlar a pressão do ar ou para estudar efeitos das variações das condições. Esses dois estudos em ambientes controlados apresentaram resultados semelhantes, favoráveis à influência dos elementos meteorológicos na dor tanto da OA como da AR. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 Todos os outros trabalhos identificados foram realizados com os pacientes em seus ambientes naturais. Em um deles, comparou-se a percepção da influência dos fatores meteorológicos na dor da OA entre moradores do centro urbano de Chicago, cujo ambiente atmosférico era extremamente modificado pela ação antrópica, e moradores de uma região rural, que apresentava condições ambientais com menor interferência humana. Os resultados sugeriram que a distinta característica climática urbana seria propícia à geração de dor articular.1 Um aspecto importante em relação à avaliação dos registros nos quais os pacientes das pesquisas quantificaram sua percepção em relação à dor (em escalas na maioria das vezes numéricas) é que a pontuação de sensações é algo subjetivo e individual. Diante dessa subjetividade, é possível que ocorra grande dispersão dos valores obtidos, bem como no desvio-padrão de cada participante. Para não subestimar as características individuais, esse cuidado foi observado em três estudos envolvendo pacientes com OA,9,10,16 dois dos quais apresentaram influência de algumas das variáveis meteorológicas. A avaliação dos escores de forma individualizada confrontada com os elementos meteorológicos foi realizada também por Gorin et al.18 e Smedslund et al.19 Seus estudos envolveram pacientes com AR e consideraram a resposta da dor às condições climáticas um fenômeno altamente individualizado. Gorin et al.18 referiram que, embora a sensibilidade climática tenha sido observada, esse efeito não foi clinicamente significante, enquanto Smedslund et al.19 observaram em sua amostra que em alguns pacientes a dor foi significativamente associada a elementos meteorológicos. No entanto, é possível que em estudos precedentes os resultados conflitantes nessa área estejam relacionados ao fato de a análise estatística ter sido realizada apenas com os valores médios do grupo analisado. É importante, assim, observar as diferenças individuais. Em um estudo realizado na Austrália, com dados coletados durante 30 dias em cada período de estação, os resultados evidenciaram que, dentre as variáveis meteorológicas, baixa temperatura e elevada umidade relativa do ar foram as mais associadas ao aumento da dor e da rigidez articular nos pacientes com artrite.8 Porém, considerou-se que uma pesquisa realizada em 12 meses possivelmente apresentaria resultados mais sensíveis, e que variáveis confundidoras, como atividade física, outras doenças associadas, uso de medicamentos, mudanças hormonais, massagem, estresse e estilo de vida, deveriam ser eliminadas em um estudo subsequente. Israel é uma região com outono e inverno frios e úmidos e primavera e verão quentes e secos. Naquela região, em um estudo realizado durante 30 dias, com a temperatura variando de 8 ºC a 27 ºC, os participantes com OA foram sensíveis à 625 Figueiredo et al. temperatura do ar e à pressão atmosférica, com piora da dor articular. Dentre os trabalhos revisados, esse foi o único que apresentou relação entre intensidade da dor e precipitação.11 No continente sul-americano, na cidade argentina de Córdoba, os resultados de Strusberg et al.13 apoiaram a crença da influência de fatores meteorológicos nas dores reumáticas, porém com intensidades diferentes e com as variáveis meteorológicas exercendo maior ou menor influência de acordo com o diagnóstico. Baixa temperatura e elevadas pressão atmosférica e umidade relativa do ar foram correlacionadas de forma significativa à dor na AR. Na OA, os autores encontraram correlação positiva com baixa temperatura e alta umidade, enquanto na FM ocorreu correlação com baixa temperatura e alta pressão atmosférica. Não houve razão para assegurar o fator preditor da dor para mudança do tempo. Na seleção dos participantes, foram excluídos os que se ausentaram da cidade durante o estudo e os que apresentaram piora da doença devido a problemas psicológicos, excesso de atividade física, traumatismo, doença concomitante ou mudanças no tratamento. Os autores também utilizaram um grupo-controle de pessoas saudáveis que não apresentaram correlação. Ao avaliar a influência de fatores meteorológicos na dor, com o registro da intensidade por região acometida pela OA, Wilder et al.14 observaram que, dentre as associações avaliadas, a OA de mãos apresentou maior intensidade de dor nos dias com pressão atmosférica elevada, com significância estatística, enquanto nos dias com pressão atmosférica constante ou em queda não foi observada influência na intensidade da dor articular. Os demais segmentos com OA analisados não apresentaram alterações, sugerindo pouca relação, em sua totalidade, entre dor na OA e variáveis meteorológicas. Diferentemente da maioria dos estudos, os autores tiveram o cuidado de deixar explícitas a localização da OA e a influência do tempo por segmentos. Pacientes residentes na área metropolitana da cidade espanhola de Barcelona, caracterizada por clima tipicamente mediterrâneo, apresentaram aumento na dor articular em resposta à diminuição da pressão atmosférica, indicando, de forma contraditória aos relatos publicados, que a pressão atmosférica exacerba a dor articular.15 Os autores desse estudo consideraram satisfatório o número de pacientes envolvidos, tornando seus resultados mais confiáveis – porém, por ter sido realizado durante um período muito curto, não deu oportunidade para que os participantes experimentassem mudanças de estações. Dois estudos não identificaram, ao contrário do que a maioria dos pacientes com OA e AR afirmam, mudanças significativas nos sintomas da OA relacionadas aos elementos meteorológicos.10,12 Sibley,10 analisando pacientes com AR e 626 OA, não mostrou correlação entre os sintomas dos pacientes, individualmente ou em grupo, em nenhuma das 13 combinações das variáveis meteorológicas. Clarke e Nicholl,12 em pacientes com indicação de artroplastia, também não encontraram correlação entre os sintomas de dor e rigidez e pressão atmosférica e umidade relativa do ar. Porém, ressaltaram as limitações de seu estudo, como curto tempo de seguimento, utilização de poucas variáveis meteorológicas e gravidade do quadro clínico de seus pacientes. De forma genérica, podemos considerar, assim como Quick,3 que alguns fatores complicam a coleta e o registro de dados sobre a dor articular nos seres humanos, já que esta só pode ser medida por avaliação subjetiva, mesmo que utilizando escala contínua. Além disso, os indivíduos têm limites amplos e imprecisos no limiar e na sensibilidade à dor. Para qualquer indivíduo, a sensibilidade à dor pode mudar em curto período de tempo, e a percepção da dor depende de variáveis de difícil controle, como humor e atividade mental. Uma maneira de enfrentar a variabilidade na dor seria estudar um grande número de casos, de modo que as diferenças entre os indivíduos “fora da média” pudessem ser anuladas em uma população como um todo. Contudo, a maioria dos estudos, listados na Tabela 1, inclui relativamente poucos participantes. Nenhum dos estudos revisados mencionou, em sua descrição metodológica, como foi realizado o cálculo amostral, que deveria considerar a população da comunidade e a estimativa de prevalência da OA. Em um estudo, a construção de um ambiente espaçoso que acomodasse mais participantes por maior período de tempo, segundo o próprio autor, esbarrou na cobertura financeira insuficiente para montar um equipamento maior de climatização que regulasse as condições propícias ao estudo, como também seu custo de manutenção e as necessidades diárias dos participantes, como alimentação e higiene. Nos outros estudos, fica claro que a amostra é de pura conveniência, requisitada pela assistência em serviços especializados. Diante da limitação de se poder utilizar uma amostra de tamanho significativo, a solução seria considerar, no modelo estatístico, a avaliação dos escores da dor da OA de forma individualizada, como o fizeram três dos oito estudos.9,10,16 Dequeker e Wuestenraed20 também avaliaram cada um dos 19 pacientes internados com AR, isoladamente. Destes, 69% foram sensíveis a alguma das variáveis meteorológicas (temperatura, umidade relativa do ar e nebulosidade). A mensuração das variáveis meteorológicas é muito mais objetiva e menos complicada que a da dor. Elas incluem basicamente pressão atmosférica, temperatura e umidade relativa do ar. Por exemplo, as estatísticas referem-se ao tempo no Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 Influência de elementos meteorológicos na dor de pacientes com osteoartrite: revisão da literatura ambiente externo, que pode exercer sobre a pele de um sujeito influência diferente da de um ambiente interno, enviesando os resultados. Praticamente todos os dados relativos ao tempo e à dor nas articulações vieram de indivíduos que viviam dentro de casa e se mantinham protegidos pelo vestuário. Quando esses mesmos indivíduos, ocasionalmente, se aventuravam em ambientes externos, apenas as articulações das mãos ficavam expostas ao tempo, embora somente um estudo tenha feito referência às articulações das mãos. Nenhum estudou considerou a variação de temperatura em ambientes interno e externo, nem o tempo de exposição nesses ambientes. Na tentativa de controlar as variáveis temperatura, umidade, pressão atmosférica e fluxo de ar, outros autores idealizaram um ambiente climatizado onde dois participantes passavam duas semanas confinados registrando sua “contagem articular”, com cada articulação verificada em relação a sensibilidade, edema e dor aos movimentos. Na busca de correlações entre os episódios de dor nas articulações e os padrões climáticos, novas investigações deveriam incluir uma variedade maior de parâmetros. Com relação à dor, quase todos os estudos publicados até hoje têm se referido a pacientes com AR, OA e FM. Essas doenças de fato são mais comumente relacionadas a pacientes sensíveis ao clima, e a escala de dor é bastante variável. Com relação ao clima, entretanto, seis dos oito estudos foram realizados em período de até três meses, insuficiente para incluir toda a gama de variações sazonais do tempo. A metade dos estudos não incluiu sequer uma população-controle, e apenas dois estudos apresentaram uma população-controle específica de indivíduos sem evidência clínica de doença reumática.13,15 Os demais foram controlados internamente com doenças reumáticas diversas, como AR, FM, lúpus eritematoso sistêmico, Behçet e outras artropatias inflamatórias. Os pesquisadores, então, poderiam assumir que os indivíduos que não apresentassem alguma patologia reumática crônica não experimentariam dor articular relacionada ao clima? Na literatura visitada, o maior erro no desenho do estudo, além do tamanho amostral, foi a impossibilidade de manter os indivíduos participantes desinformados sobre as variações meteorológicas do período em que deveriam responder ao questionário. Presume-se que os indivíduos, em algum momento, tenham tomado conhecimento das condições e previsões do tempo pelos meios de comunicação. Essa informação poderia ter se refletido inconscientemente na propensão a relatar a dor da OA. Apenas o estudo de Hollander e Yeostros9 anulou a influência das previsões meteorológicas, pois os indivíduos permaneceram isolados em ambiente climatizado, onde os Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 pesquisadores controlavam as variáveis meteorológicas independentemente das condições do ambiente externo. Embora esse estudo, de quase 50 anos, esteja entre os mais rigidamente controlados e tenha produzido um resultado de influência positiva, os trabalhos subsequentes continuaram a mostrar resultados conflitantes (Tabela 1). Apesar da diversidade metodológica e dos vieses dos estudos analisados, existe uma frequência de resultados significantes em relação à confirmação da influência do tempo na intensidade da dor em pacientes com OA, em especial nas publicações mais recentes. Entretanto, os trabalhos que concluíram por uma relação entre piora da dor articular e as mudanças nas variáveis meteorológicas não pesquisaram sua relação com a intensidade da dor, ou seja, se ela interferiria na qualidade de vida dos pacientes. Assim, são necessários estudos nos quais além da verificação do efeito do tempo na dor dos pacientes com OA, seja mensurada a intensidade desse efeito na interferência da realização das atividades diárias e se ocorre prejuízo na qualidade de vida desses indivíduos. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Laborde JM, Dando WA, Powers MJ. Influence of weather on osteoarthritics. Soc Sci Med 1986; 23(6):549–54. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(6):616-628 ARTIGO DE REVISÃO Imagens de ressonância magnética na artrite reumatoide Wilson Campos Tavares Junior1, Renata Rolim2, Adriana Maria Kakehasi3 RESUMO A artrite reumatoide (AR) é uma poliartrite inflamatória crônica que frequentemente causa progressiva destruição articular. O tratamento e o manejo da AR têm se baseado na identificação e na intervenção precoce da doença com medicamentos modificadores da doença (DMARDs). As alterações no tratamento têm resultado em melhora significativa para os pacientes, incluindo redução dos sintomas e dos sinais da doença, preservação articular e redução da progressão de lesões. Métodos de avaliação de resposta ao tratamento e predição do curso da doença são necessários. Em relação ao diagnóstico precoce da AR, estudos longitudinais demonstraram que a imagem por ressonância magnética (IRM) é mais sensível que a radiografia (RX) para demonstrar presença e progressão de erosões ósseas. Por outro lado, muitos fatores de pior prognóstico têm sido relacionados à AR, incluindo fatores demográficos, genéticos, clínicos, imunológicos e radiográficos. Este artigo apresenta a IRM na AR em relação ao seu valor no diagnóstico, no monitoramento e no prognóstico da doença. Palavras-chave: artrite reumatoide, artrite, imagem por ressonância magnética. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. IMPORTÂNCIA DA IMAGEM POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NA ARTRITE REUMATOIDE A artrite reumatoide (AR) é uma poliartrite inflamatória crônica que frequentemente leva à destruição e incapacidade articular progressiva. Em relação ao diagnóstico precoce de AR, estudos longitudinais têm demonstrado que a imagem por ressonância magnética (IRM) é mais sensível que a radiografia (RX) na demonstração de danos articulares erosivos progressivos.1 A IRM é uma importante técnica que fornece imagens de múltiplos planos e pode visualizar uma gama de estruturas articulares, incluindo membrana sinovial, tendões, ligamentos, osso e cartilagem. Não usa radiação, por isso pode ser repetida quantas vezes forem necessárias, e permite avaliação longitudinal. Com os avanços do software de análise de sequência e menores custos, a IRM pode tornar-se mais acessível. A IRM é reconhecida como a tecnologia de imagem favorita para visualização da membrana sinovial inflamada e edema ósseo.2 Além disso, mostrou-se que a IRM é um método sensível e não invasivo para detecção e quantificação das erosões ósseas.3 As erosões são visíveis na IRM em média dois anos antes de estarem visíveis nas RX, e podem tornar-se consistentemente visualizadas em RX das articulações metacarpofalangeanas (MCP) somente quando 20%–30% do osso estiver com erosão na IRM.1 Para avaliar e quantificar manifestação da doença na AR, grau de inflamação sinovial (sinovite), edema na medula óssea, erosões e tenossinovite, diversos sistemas de pontuação foram sugeridos. Os mais estudados e usados na prática clínica são as Medidas dos Resultados em Ensaios Clínicos de Artrite Reumatoide (OMERACT, do inglês, Outcome Measures in RheumatoidArthritis Clinical Trials) e o Sistema de Pontuação da Imagem por Ressonância Magnética de Artrite Reumatoide (RAMRIS, do inglês, Rheumatoid Arthritis Magnetic Resonance Image Scoring).1,4 Recebido em 25/12/2010. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – HC/UFMG. 1. Médico-Assistente da Radiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – HC/UFMG; Médico Radiologista da Ecoar Medicina Diagnóstica 2. Médica Residente do HC/UFMG 3. Professora Doutora de Reumatologia na Faculdade de Medicina da UFMG Correspondência para: Wilson Campos Tavares Junior. Rua Gonçalves Dias, 750/1803 – Funcionários. CEP: 30140-091. Belo Horizonte, MG, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(6):629-641 635 Tavares Junior et al. O ultrassom (US) é comumente usado para avaliar doença do tecido mole ou detectar acúmulo de fluido articular. Os transdutores US de alta frequência permitem avaliação ultrassonográfica de articulações pequenas. Pode também ser usado para visualizar outras estruturas, tais como cartilagem e superfície óssea, e pode detectar problemas corticais, espessamento da bainha do tendão extensor e proliferação sinovial. Contudo, o diagnóstico por US não fornece informações úteis sobre patologias intraósseas. Habilidade técnica adequada dos operadores de US é outro requisito para esse método. Alguns estudos têm investigado o valor diagnóstico diferencial da IRM, com resultados divergentes. O uso de IRM para detecção de sinovite em mãos e pulsos mostrou alguma melhoria na precisão diagnóstica (94% versus 83%) em pacientes de artrite indiferenciada precoce.5 Em um estudo de pacientes com AR, lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de Sjögren primária com poliartralgia envolvendo a mão, a presença de edema ósseo nas articulações MCP foi mais comum em pacientes com AR.6 Dentre os 41 pacientes com poliartrite desclassificados apesar de exames clínicos, bioquímicos e radiográficos, a classificação correta pela IRM como AR ou não AR foi mostrada em 39 pacientes, quando foi feita uma revisão após dois anos, usando os critérios de 1987 do American College of Rheumatology (ACR).7 Os resultados de uma análise sistemática recente evidenciaram que os anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP2) em pacientes com AR por menos de dois anos mostraram sensibilidade quase idêntica para fator reumatoide (56% versus 58%), embora com especificidade consideravelmente mais alta. Em AR precoce, um teste de anti-CCP2 positivo mostrou um raio de probabilidade positivo de 12,7, mas a sensibilidade foi mais alta em estudos de AR estabelecida. A sensibilidade para previsão de AR antes do início dos sintomas parece mais baixa, embora a especificidade continue alta.8 frequentemente no punho – e na segunda à quinta articulações MCP. Consequentemente, a IRM pode reduzir o tamanho da amostra de articulações e o tempo de acompanhamento nos exames, devido a maior sensibilidade na distinção entre respondentes e não respondentes, conforme corroborado em ensaios clínicos.10,11 A interpretação básica de mudanças de AR na IRM dentre os leitores é relativamente consistente.12 O grupo OMERACT recomenda o início com uma sequência STIR coronal ou uma sequência T2 com saturação de gordura (somente disponível em escâneres de alto alcance > 0,6 T) no punho e nas juntas MCP para detecção de edema de medula óssea, seguidos por uma sequência de gradiente eco T1-w isotrópica 3D; ou uma sequência T1 na superfície plana coronal e axial e após contraste de gadolínio, para detecção de erosões ósseas e sinovite. O contraste intravenoso é necessário para estimar o grau de inflamação sinovial e para diferenciar o realce da membrana sinovial dos tecidos circundantes. A sinovite tende a ser superestimada se for pontuada com base nas imagens STIR e T2 com saturação de gordura, pois a efusão da articulação não pode ser diferenciada da sinovite no momento da utilização das sequências T2.1,13 Antes que a pontuação RAMRIS fosse desenvolvida, a medição manual do volume de realce da membrana sinovial foi usada como medida da resposta de tratamento e foi reconhecida como forte preditor do avanço da doença futura.1 A Tabela 1 mostra o padrão principal da IRM na AR. ACHADOS NA IRM Sinovite O espessamento do tecido sinovial causado pelo processo inflamatório reumatoide pode ser identificado na IRM. A sinovite tem Tabela 1 Padrão principal de IRM em AR Características TÉCNICA DE IRM Em AR precoce, o envolvimento de punhos e mãos normalmente é bilateral. Alguns autores executam IRM bilateral dos punhos ou mãos, mas o estudo do punho mais dominante ou mais dolorido é rotineiramente usado, supondo-se que o envolvimento das articulações nesse punho será mais alto que no outro punho e mão. O uso de IRM em uma única mão reduz tempo, custo e desconforto para o paciente. As áreas de interesse são punhos, articulações MCP e articulações interfalangeanas proximais. O rádio e ulna distais, os ossos carpais e as articulações MCP podem ser visualizados juntos dentro do Campo de Visão de 120–160 mm.9 Os estudos de IRM de pacientes com AR normalmente têm focado em uma ou duas regiões de articulações – mais 636 Especificações Regiões de articulações examinadas Punho e da segunda à quinta MCP unilaterais, a mais dolorida Sinais de danos à IRM Edema, sinovite, erosão, tenossinovite Tipo de equipamento magnético A recomendação de campo magnético é 1,5 Tesla Contraste Gadolínio Sequência Coronal T1, axial T1, coronal T2 com saturação de gordura, axial com contraste realçado e T1 coronal com saturação de gordura Monitoramento de resposta terapia (pontuação) OMERACT/RAMRIS, medição do volume sinovial, dinâmica pontuação com contraste realçado OMERACT/RAMRIS: Medição dos Resultados de Ensaios Clínicos de Artrite Reumatoide/Sistema de Pontuação de Imagem de Ressonância Magnética de Artrite Reumatoide. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):629-641 Imagens de ressonância magnética na artrite reumatoide intensidade de sinal de intermediária a baixa nas imagens ponderadas em T1, e alta nas imagens ponderadas em T2 (devido ao aumento do teor de água).2 Os sinais de sinovite na IRM incluem aumento do volume sinovial, aumento de teor de água e realce de contraste (aumento da intensidade de sinal após a injeção intravenosa de material de contraste com base em gadolínio) (Figura 1).2 A IRM é mais sensível que o exame clínico na detecção de sinovite na artrite inflamatória, e mostra inflamação sinovial em AR precoce.14,15 Na AR, a membrana sinovial ativa hipertrópica pode invadir e causar erosão no osso contíguo e na cartilagem. A imagem ponderada em T1 com realce de contraste é considerada muito sensível e específica para avaliação de sinovite aguda, conforme relatado em um artigo de Ostendorf et al.16 Quando examinada a segunda articulação MCP usando miniartroscópio e IRM, ela mostra realce pós-contraste em 86% dos pacientes com sinovite.16 McQueen et al.17 descobriram que 93% de uma coorte de 42 pacientes com AR tinha evidência de sinovite IRM no punho dentro de 6 meses do início dos sintomas. Mostrou-se que a sinovite realça rápida e intensamente após a administração intravenosa de material de contraste com base em gadolínio, diferente do derrame articular, que não realça na fase inicial. Essa fase inicial dura aproximadamente 5 minutos após injeção. Imagens obtidas a partir de 10 minutos após a injeção podem não delinear corretamente a extensão da sinovite, já que o gadolínio pode ser excretado no líquido sinovial articular. Pannus fibrótico, normalmente presente no estágio final da AR, parece relativamente hipovascular após a administração intravenosa de gadolínio. Além disso, com sequências ponderadas em T2, pannus fibrótico com intensidade de sinal de intermediária a baixa pode ser distinguido da sinovite aguda e do fluido de articulação.2,18,19 Acq ir A B (COI) 201 Acq Tm 2 Figura 1 Sinovite em homem de 36 anos de idade com AR precoce do punho (oito meses de duração) e exame radiográfico normal. (A) IRM ponderada em T1 coronal mostra sinovite radiocarpal como intensidade de sinal baixo (seta). (B) IRM ponderada coronal em T1 com supressão de gordura realçada por gadolínio mostra acentuação intensa da sinovite radiocarpal. 5 (COI) Edema de medula óssea Embora o edema de medula óssea seja não específico e tenha sido bem documentado em processos ósseos traumáticos, neoplásticos e degenerativos, é um importante achado da IRM em pacientes com AR, especialmente em fases mais precoces da doença. O edema ósseo refere-se a uma única anormalidade detectada pela IRM com alta intensidade de sinal nas sequências de IRM com supressão de gordura, e poderia realçar após administração de contraste (Figura 2). O OMERACT define edema ósseo como lesão dentro do osso trabecular com margens mal definidas e características de sinal de teor aumentado de água.20 Quando presente, correlaciona-se com a severidade da sinovite adjacente e parece ser um preditor Rev Bras Reumatol 2011;51(6):629-641 Figura 2 Edema de medula óssea em homem de 37 anos de idade com AR precoce do punho. IRM ponderada em T2 coronal mostra edema ósseo piramidal representado pela alta intensidade de sinal (seta). 637 Tavares Junior et al. independente de desenvolvimento de erosão.21 Um estudo de imagens do punho em AR precoce descobriu que o edema ósseo é um aspecto preditivo forte do desenvolvimento de erosões de RX convencional e também prevê resultado funcional seis anos depois.22 A Erosões A detecção de erosões na IRM é importante porque contribui para diagnóstico e prognóstico em pacientes com AR.23 A IRM pode fornecer um diagnóstico precoce de AR ao revelar erosões, cuja presença constitui um dos critérios de diagnóstico do ACR 1987. Mostrou-se que as erosões na IRM são preditivas do avanço posterior em coortes seguidas até seis anos.24 As definições de erosões nas imagens ponderadas em T1 são perdas de intensidade de sinal baixo e normal do osso cortical e perdas da intensidade de sinal alto e normal da cavidade da medula óssea, com realce após a administração de material de contraste com base em gadolínio, e alta intensidade de sinal nas imagens ponderadas em T2 e STIR (Figura 3).13 B A Figura 4 Tenossinovite em mulher de 53 anos de idade com AR precoce do punho (16 meses de duração) e exame radiográfico normal. (A) RM ponderada em T1 coronal. (B) IRM T1 coronal com supressão de gordura e realce com gadolínio mostra tenossinovite flexora com acentuação intensa (seta) e tenossinovite extensora mínima com acentuação moderada (ponta da seta). B Figura 3 Erosões em mulher de 54 anos de idade com AR precoce do punho (12 meses de duração). (A) RM ponderada em T1 coronal não realçada e IRM ponderada axial e coronal em T1 com supressão de gordura e acentuação com gadolínio. (B) Erosão no osso piramidal realçada após gadolínio (seta). A sinovite é vista no punho(*). 638 A acentuação de contraste de erosões implica na presença de membrana sinovial inflamada, e é útil na diferenciação entre erosões e lesões císticas preenchidas com fluido.2 Nos ossos carpais, o forame nutrício pode ser mostrado em algumas sequências e pode ser confundido com pequenas erosões. De forma similar, as inserções de ligamentos interósseos no aspecto volar dos ossos carpais podem simular erosões. Nesse caso é necessária alguma atenção, visto que lesões pequenas parecidas com erosão foram identificadas em dois planos de corte em cerca de 2% dos ossos metacarpais e do punho de pessoas saudáveis, sem realce nessas lesões após a administração de material de contraste com base em gadolínio e sem associação a edema ósseo.25 Tenossinovite Os sinais de IRM da tenossinovite incluem fluido na bainha do tendão, espessamento aumentado e realce de contraste da Rev Bras Reumatol 2011;51(6):629-641 Imagens de ressonância magnética na artrite reumatoide membrana sinovial da bainha do tendão (Figura 4). Pequenas quantidades de fluido são normalmente vistas nas bainhas do tendão do punho de pessoas saudáveis, especialmente nos compartimentos extensores. Quando o diâmetro do fluido na bainha do tendão é menor que o diâmetro do tendão correspondente, o fluido pode ser considerado normal. A acentuação de contraste da membrana sinovial da bainha do tendão é considerada um sinal específico de tenossinovite. A tenossinovite é clinicamente significativa em AR precoce, pois a sinovite articular e a tenossinovite representam o mesmo processo, e, em alguns pacientes com AR precoce, a tenossinovite pode predominar sobre a sinovite articular.26 A tenossinovite dorsal do punho é associada à ruptura de tendão, descrita como a invasão do tendão pela membrana sinovial da bainha e a fricção do tendão contra as margens ósseas com erosão.27 Preditores da progressão de imagem Esforços substanciais foram exercidos para identificar pacientes com prognóstico precário no momento do diagnóstico, e diversos indicadores promissores de prognósticos foram encontrados.13,27 As pontuações de erosão e de edema de medula óssea por IRM foram significativa e independentemente associadas à progressão radiográfica após dois anos. O principal achado foi que o edema de medula óssea na IRM na apresentação era o preditor mais forte de progressão radiográfica dois anos mais tarde, em pacientes com AR precoce.1 O edema de medula óssea é considerado um indicador precoce de inflamação, visto que sua presença é correlacionada a níveis aumentados de reagentes de fase aguda (velocidade de hemossedimentação e proteína C-reativa) e escalas para avaliação clínica de atividade de doença.28,29 O edema de medula óssea na IRM pode representar infiltração inflamatória na medula óssea do paciente com AR, e essas lesões afetam uma porcentagem mais alta de ossos em doença estabelecida do que em doença precoce.30 Em contraste com erosões radiográficas, que refletem danos ósseos que já ocorreram, o edema de medula óssea, portanto, pode representar uma parte importante do desenvolvimento imunopatológico precoce em AR, e pode ser revertido se for introduzido o tratamento recomendado.31,32 Estudos metodológicos reportaram que a sensibilidade para detecção de edema de medula óssea pode variar dentro de diferentes tipos de unidades de IRM.7 A IRM regional pode ser uma preditora de progressão radiográfica em outras regiões anatômicas, de acordo com estudos prévios.33 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):629-641 Monitoramento de atividade e dano de doença Diversos estudos prospectivos de imagem de acompanhamento executados para comparar achados de RX, US e IRM demonstram que a US e a IRM são mais sensíveis para visualização de alterações inflamatórias e destrutivas em articulações e têm maior potencial para exame melhorado, quando comparadas ao RX. Tanto a US quanto a IRM estão em conformidade com os achados clínicos.34,35 Sistemas de pontuação tradicionais desenvolvidos para RX não são diretamente concebidos para IRM e US; eles são predominantemente qualitativos e baseados na avaliação visual de dados com classificação adicional, de acordo com uma escala específica. A extração de medições quantitativas não é trivial. Diversos sistemas de pontuação para IRM e US foram sugeridos com o passar dos anos. O objetivo dos novos sistemas é contra-atacar os limites de avaliação tradicional, que é propensa a custos altos com pessoal e a erros humanos. Diversos autores têm usado análises quantitativas e semiquantitativas do volume sinovial, ligando isso de forma mais ou menos efetiva à atividade da doença.36 Medições de volume são frequentemente feitas diretamente, ao delinear de modo direto a membrana sinovial inflamada ou erosões, o que é uma operação que consome muito tempo.37 O teste OMERACT 2001 do acordo entre leitores de sinovite em articulações de AR usando a IRM demonstrou um nível moderado de acordo.38 O grupo OMERACT 6 (2003) descobriu alto acordo intraleitores para um leitor treinado.39 Um estudo longitudinal que avaliou confiabilidade intra e interleitores mostra boa correlação intraleitores.40 Sinovite, edema ósseo e erosões na IRM foram definidos pela Força-Tarefa IRM Medidas de Resultados em Reumatologia (OMERACT), e um sistema de pontuação, chamado de pontuação de IRM de AR (RAMRIS), e foram validados e avaliados quanto à sensibilidade para mudança em uma configuração longitudinal. Contudo, o sistema RAMRIS não inclui um sistema de pontuação para tendões ou uma pontuação para perda de cartilagem; isso está relacionado à resolução de imagem não adequada de cartilagem em articulações pequenas. Recentemente, Haarvardsholm et al.41 publicaram um sistema de pontuação para tenossinovite com base na pontuação semiquantitativa (0–3) de tenossinovite flexora e extensora no punho em 10 áreas anatômicas. A largura máxima de realce pós-contraste dentro de cada área anatômica nas imagens axiais ponderadas em T1 foi pontuada, resultando uma pontuação máxima potencial de 30. Esse sistema também foi testado quanto à confi abilidade em 639 Tavares Junior et al. uma configuração longitudinal e fornece um complemento útil para o RAMRIS convencional. No entanto, a avaliação das mudanças de cartilagem na IRM continua a ser meta importante de pesquisa. A pontuação de sinovite OMERACT é sensível à mudança da membrana sinovial inflamada com o decorrer das semanas, bem como dos meses.2 A IRM está sendo cada vez mais usada quando o tratamento é associado a agentes biológicos para medir mudanças em sinovite. A IRM é mais sensível que o RX para monitoramento de progressão erosiva em regiões de articulações individuais.42 A pontuação de cada sinovite, erosões ósseas e edema de medula óssea é feita a partir de articulações individuais; a sinovite é pontuada em 0–3 em cada uma das articulações radioulnares distais radiocarpais, intercarpais-carpometacarpais e da segunda à quinta articulações MCP. Mudanças ósseas são pontuadas em cada um dos ossos carpais, rádio distal, ulna distal e bases metacarpais. Erosões são pontuadas em 0–10 e o edema em 0–3, como uma fração do osso envolvido dentro de 1 cm da linha de articulação.4,6,43 Embora o sistema RAMRIS seja específico para articulações de punho e MCP, ele foi modificado para uso nos pés, e há alguma evidência que sugere que, assim como com o RX, a IRM dos pés pode ser mais sensível, revelando mudanças nos pés mesmo se as mãos não estiverem envolvidas. A pontuação dos pés pode, portanto, ser útil em doença precoce, e os parâmetros são os mesmos usados para as mãos. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. CONCLUSÃO Os critérios de classificação para AR publicados pelo ACR em 1987 são úteis para garantir uma população uniforme de pacientes quando se comparam a experiência e os resultados de tratamentos clínicos entre países, mas não são úteis para diagnóstico precoce de AR. Em 2010, novos critérios de classifi cação foram apresentados com o objetivo de facilitar o estudo de pacientes em estágios anteriores da doença.26 A IRM tem importância na detecção de danos ósseos, particularmente quando os resultados das RX são normais, contribuindo com essa ferramenta emergente para o diagnóstico. Com o advento de estratégias mais poderosas de tratamento, o diagnóstico preciso é o tópico central relacionado à habilidade de selecionar e iniciar programas terapêuticos, bem como à habilidade para diferenciar entre pacientes respondentes e não respondentes. Com certeza, as características da IRM podem dar suporte em muitos desses aspectos de gestão de AR. 640 11. 12. 13. 14. Aletaha D, Neogi T, Silman AJ, Funovits J, Felson DT, Bingham CO 3rd et al. 2010 rheumatoid arthritis classification criteria: an American College of Rheumatology/European League Against Rheumatism collaborative initiative. Ann Rheum Dis 2010; 69(9):1580–8. Freeston JE, Bird P, Conaghan PG. 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A ressonância magnética nuclear (RMN) é exame útil para definir o grau de acometimento ósseo; entretanto, o diagnóstico etiológico é dado apenas pela cultura de líquido sinovial, pela cultura óssea ou pela histologia dessas regiões. Devido à inespecificidade dos achados, geralmente há atraso diagnóstico, em média de 11 meses. Relata-se o caso de uma paciente do gênero feminino com LES apresentando fatores predisponentes para a infecção/reativação da tuberculose. A RMN foi importante para definir o acometimento ósseo, e o diagnóstico etiológico foi dado pela biópsia óssea. A paciente também apresentava acometimento pulmonar devido à tuberculose, em sua forma miliar, demonstrado pela radiografia simples de tórax e pela tomografia computadorizada e confirmado pela cultura do bacilo de Koch no escarro. Houve demora de 1,5 mês para o início da terapêutica, tempo considerado curto em relação à literatura. Conclui-se dessa maneira que a tuberculose óssea, apesar de rara, deve sempre ser lembrada como diagnóstico diferencial nos pacientes lúpicos com osteomielite, principalmente naqueles com antecedente de tuberculose pulmonar. Palavras-chave: osteomielite, tuberculose, lúpus eritematoso sistêmico, tuberculose osteoarticular. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune multissistêmica com grande prevalência e manifestações incomuns de doenças infecciosas oportunistas, principalmente pelas múltiplas anormalidades no sistema imunológico dessa enfermidade e pelo efeito imunossupressor das medicações utilizadas em seu tratamento.1–5 Pacientes com LES têm incidência aumentada de tuberculose, aproximadamente sete vezes maior que a população geral, e o acometimento osteoarticular ocorre em 1%–3% desses casos, principalmente na coluna, nos ossos longos e, menos comumente, nas articulações periféricas.1 Os fatores de risco e mecanismos desse acometimento são incertos, porém a associação entre infecção e inflamação osteoarticular prévia é descrita, aparentemente com predileção do Mycobacterium tuberculosis por essas áreas, por meio de macrófagos que previamente fagocitaram o bacilo de Koch.1,6 A apresentação costuma ser de dor, diminuição da mobilidade e aumento do volume osteoarticular, e os achados radiográficos em geral são inespecíficos. A ressonância magnética Recebido em 28/09/2010. Aprovado, após revisão, em 30/8/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Departamento de Clínica Médica e Departamento de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas. 1. Médico Residente do Departamento de Clínica Médica – PUC-Campinas 2. Médico Residente do Departamento de Reumatologia – PUC-Campinas 3. Professora Titular do Departamento de Clínica Médica – PUC-Campinas 4. Professor Titular do Departamento de Reumatologia – PUC-Campinas Correspondência para: Vitor Emer Egypto Rosa. Rua Jorge Neme, O-405 – Jardim Alvorada. CEP: 17280-000. Pederneiras, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(6):642-647 645 Rosa et al. nuclear (RMN) é exame útil para definir o grau de acometimento ósseo e identificar a extensão extra-articular da doença. O diagnóstico etiológico, porém, é dado apenas pela cultura de líquido sinovial, pela cultura óssea ou pela histologia dessas regiões.7 Alterações na radiografia pulmonar ocorrem em cerca de 50% dos pacientes com tuberculose osteoarticular, porém a atividade da doença nesse sítio é incomum, havendo descrição de associação entre tuberculose osteoarticular e tuberculose miliar em 10% dos casos.7 Devido à inespecificidade dos achados, geralmente há atraso diagnóstico (em média de 11 meses), o que contribui significativamente para o aumento da morbidade e da mortalidade nesses pacientes.1 O interesse no caso relatado se deve à abordagem diagnóstica da tuberculose, patologia de grande prevalência em nosso meio, em uma paciente com LES, doença que apresenta predisposição a essa infecção e que pode mimetizar o acometimento osteoarticular e pulmonar da tuberculose. Representa, portanto, um alerta para essa associação. A B C D Figura 1 (A) Fotomicrografia (FMG) demonstrando trabécula óssea e área de necrose caseosa. Aumento original 40x, Ziehl-Neelsen. (B) FMG confirmando a presença de bacilos de Koch. Aumento original 1.000x, Ziehl-Neelsen. (C e D) Tomografia computadorizada de tórax demonstrando infiltrado pulmonar intersticial reticulomicronodular. RELATO DE CASO APSC, 44 anos, natural do Paraná, procedente de Santo Antônio do Jardim – MG, trabalhadora do lar, casada e católica. Referia história de tuberculose pulmonar tratada há 35 anos, inicialmente com o diagnóstico de lúpus cutâneo há 20 anos, tratada com prednisona 40 mg/dia e cloroquina 250 mg/dia. Apresentou resolução do quadro e parada do uso das medicações há 10 anos. Há um mês iniciou quadro de aumento progressivo de volume na perna direita, próximo ao joelho, acompanhado de dor e calor local, além de febre baixa, vespertina, voltando desde então a fazer uso de prednisona 40 mg/dia e cloroquina 250 mg/dia. O quadro evoluiu de forma lenta e progressiva até ser diagnosticado com abscesso da região, sem melhora após drenagem e antibioticoterapia com amoxicilina-clavulanato por sete dias; a paciente foi então internada devido a sepse. Ao exame físico, apresentava abscesso de aproximadamente 6 × 6 cm em tíbia proximal à direita, em região anterior, com drenagem de grande quantidade de secreção amarelo-amarronzada à expressão, através de pertuito com cerca de 1 cm, com hiperemia e aumento da temperatura local. Presença de áreas de alopecia em couro cabeludo com até 4 cm de diâmetro. O exame dos pulmões evidenciou apenas estertores crepitantes do tipo velcro em ambas as bases. Naquele momento, a paciente apresentava critérios de atividade e comprometimento sistêmico do lúpus, tais como úlceras orais, fotossensibilidade, anemia hemolítica 646 (hemoglobina: 10,6 g/dL e teste de Coombs direto positivo), plaquetopenia (74.000 mm3), FAN homogêneo 1/1280, anti-DNA reagente 1/20, linfocitopenia (362 mm3), consumo de C4 = 0,7 mg/dL (9–36 mg/dL), anticoagulante lúpico reagente (2,54) e anticardiolipina IgM reagente (11,2). Na investigação para comprometimento ósseo infeccioso foi solicitada radiografia simples de joelho, que se encontrava normal. A radiografia foi complementada com RMN, que apresentou edema da medula óssea da tíbia compatível com processo infeccioso mediante correlação clínica. A paciente foi então abordada cirurgicamente, sem achado de secreções no procedimento – apenas estrutura óssea frágil. O estudo anatomopatológico do fragmento ósseo demonstrou granuloma com necrose caseosa, e a coloração de Ziehl-Neelsen confirmou a presença de bacilos de Koch (Figura 1 A e B). A avaliação pulmonar com radiografia simples de tórax revelou infiltrado pulmonar intersticial reticulomicronodular, confirmado pela tomografia computadorizada de tórax (Figura 1 C e D). Foi solicitada baciloscopia do escarro, cujo resultado foi negativo. Optou-se então pela broncoscopia com lavado broncoalveolar, que revelou cultura positiva para bacilo de Koch. A paciente foi tratada com oxacilina durante 35 dias, para crescimento de Staphylococus aureus oxacilina-sensível na cultura do material de biópsia do abscesso da tíbia (infecção secundária), além de esquema quádruplo para tuberculose (isoniazida, pirazinamida, rifampicina e etambutol) após Rev Bras Reumatol 2011;51(6):642-647 Associação de osteomielite tibial e pneumonite por tuberculose miliar em paciente com lúpus eritematoso sistêmico confirmação diagnóstica (no 14º dia de internação) e aumento da dose da prednisona para 60 mg/dia, com o intuito de conter as manifestações sistêmicas do LES, principalmente a plaquetopenia. A paciente apresentou boa evolução ambulatorial, com ganho de peso, controle da tuberculose e das manifestações sistêmicas do LES, com exceção da plaquetopenia. Iniciou-se a redução da prednisona para 40 mg/dia após quatro meses de tratamento e a programação de uso do esquema terapêutico da tuberculose por pelo menos um ano. DISCUSSÃO A prevalência de tuberculose em pacientes lúpicos é descrita em 3,6%–11,6% dos casos.2 De acordo com Hodkinson et al.,1 o acometimento osteoarticular ocorre em 32,1% dos pacientes com doença extrapulmonar; em 10% destes foi encontrada tuberculose miliar, assim como no caso aqui relatado.1 Já no estudo de Mok et al.,5 a osteomielite foi descrita em 8,3% desses pacientes, com taxa de recorrência da infecção por M. tuberculosis de 1,66%, independentemente de profilaxia com isoniazida, e, diferente do caso em questão, a tuberculose pulmonar não recorreu usualmente como doença extrapulmonar.5 Wu et al.,6 em sua série de 11 pacientes lúpicos com osteomielite, encontraram o bacilo de Koch como agente etiológico em 9,09% deles. Neste relato a paciente apresentava, como fatores predisponentes para a infecção/reativação da tuberculose, uso crônico de prednisona e atividade do LES (pancitopenia, redução do C4 e anti-DNA positivo).2–5 Assim como descrito na literatura, a RMN foi importante apenas para definir o acometimento ósseo, não encontrado na radiografia simples, e o diagnóstico etiológico foi dado pela biópsia óssea.7 O quadro clínico frustro e os achados inespecíficos, do ponto de vista etiológico, nos exames de imagem fizeram com que houvesse demora de 1,5 mês para o início da terapêutica, tempo considerado curto em relação à literatura, que descreve média de 11 meses,1 o que pode ser justificado, neste relato de Rev Bras Reumatol 2011;51(6):642-647 caso, pela forte suspeita de infecção por M. tuberculosis devido ao antecedente de infecção da paciente e pelas alterações encontradas nos exames de imagem dos pulmões. Além disso, infecção concomitante por S. aureus corrobora a hipótese de tropismo do M. tuberculosis por sítios previamente lesionados,1,6 indicando que nos portadores de LES essa etiologia deve ser pesquisada mesmo quando outro agente já foi isolado nos meios de cultura. Alguns autores1 postulam que os macrófagos que fagocitam o bacilo de Koch no sítio primário da infecção (geralmente os pulmões) migram por quimiotaxia para o local lesionado, justificando tal tropismo.1 Conclui-se assim que a tuberculose óssea, apesar de rara, deve ser sempre lembrada como diagnóstico diferencial em pacientes lúpicos com osteomielite. Além disso, a RMN tibial foi útil para a indicação do tratamento invasivo nessa região, e a forte suspeição clínica fez com que houvesse redução do tempo entre o início dos sintomas, o diagnóstico e a terapêutica adequada. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Hodkinson B, Musenge E, Tikly M. 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Na amiloidose de cadeia leve (amiloidose AL), seja primária ou associada ao mieloma múltiplo (MM), ocorre produção e deposição excessiva de fragmentos de imunoglobulina monoclonal de cadeia leve ou fragmentos contendo a região variável da cadeia leve.1 Essa deposição forma as fibrilas amiloides, que podem ser identificadas pela coloração com o vermelho Congo. A classificação da amiloidose leva em conta as diferentes proteínas fibrilares, bem como seus diferentes precursores.2 Na amiloidose primária, a proteína fibrilar foi nomeada AL, e seus precursores são imunoglobulinas de cadeia leve, kappa (κ) e lambda (λ).3 A amiloidose AL usualmente manifesta-se após os 40 anos de idade, e apresenta envolvimento multissistêmico, com características de rápida progressão e redução da sobrevida.4 Embora o envolvimento multissistêmico de órgãos como coração e rins seja determinante do prognóstico e da sobrevida desses pacientes, a amiloidose AL chama a atenção do reumatologista quando seus sinais e sintomas mimetizam uma série de condições reumatológicas: infiltração amiloide da pele, cujo espessamento simula esclerodermia;5 infiltração amiloide nos tecidos periarticular e sinovial, produzindo rigidez e poliartrite, sugerindo artrite reumatoide;6 e deposição amiloide nas glândulas salivares produzindo xerostomia, mimetizando síndrome de Sjögren,7–9 mimetismo esse que pode conduzir a diagnósticos de pseudo-hipertrofia muscular10 ou de pseudomiopatia, como na paciente que descrevemos a seguir. RELATO DE CASO MCC, gênero feminino, 35 anos, estava bem há três meses, quando surgiram dores nos membros superiores (MMSS) e inferiores (MMII). As dores eram constantes e predominavam nos segmentos proximais dos MMII, incluindo a região glútea bilateralmente. Encaminhou-se a paciente para a ortopedia, onde recebeu o diagnóstico de bursite trocantérica bilateral. Cerca de um mês depois, a paciente notou inchaço na língua, sensação de dormência nas mãos, nódulos nos braços e Recebido em 12/12/2010. Aprovado, após revisão, em 30/08/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Clínica de Reumatologia e Eletroneuromiografia. 1. Médico Reumatologista Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo – USP 2. Médica Hematologista pela USP 3. Ortopedista; Professor-Adjunto da Universidade Federal do Piauí – UFPI; Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP 4. Acadêmica de Medicina pela Faculdade Integral Diferencial – FACID Correspondência para: Mário Sérgio F. Santos. Avenida Kennedy, 4560 – Morros. CEP: 64062-100. Teresina, PI, Brasil. E-mail: [email protected] Rev Bras Reumatol 2011;51(6):648-654 651 Santos et al. A B Figura 2 Mielograma com excesso de plasmócito: células de núcleo arredondado e excêntrico; citoplasma de contornos irregulares e azulados; núcleo aumentado em relação ao citoplasma. 652 Figura 1 Ressonância nuclear magnética. (A) Alteração de sinal em T1 e T2 acometendo as cabeças/colos, trocanteres maiores e metáfise/diáfise proximais dos fêmures. (B) Distensão líquida da bursa do glúteo médio à esquerda. nas pernas. Após consulta com neurologista, foi diagnosticada com síndrome do túnel do carpo (STC), que motivou descompressão cirúrgica bilateral. Os sintomas não melhoraram – ao contrário, a sintomatologia dolorosa intensificou-se, agora de forma mais difusa, em todo o corpo, acompanhada de dores no ouvido bilateralmente e dificuldade para caminhar. Passou a experimentar limitações para as atividades da vida diária, como tomar banho, pentear os cabelos, vestir-se, sentar e levantar de uma cadeira. Relata perda de 5 kg desde o início da doença. Ao exame físico, apresentava pressão arterial de 100/70 mmHg, pulso de 86 bpm, pulmões limpos, macroglossia, edema e equimose periorbital bilateral, edema de MMII +/4+, manobra de Mingazinni positiva para MMII. Na avaliação laboratorial, hemograma, VHS, glicemia, transaminases, CPK, FAN, eletroforese de proteínas séricas, testes de funções tireoidiana e renal, sumário de urina e raio-x de tórax normais. PPD não reator. A ressonância nuclear magnética (RNM) da cintura pélvica revelou bursite trocantérica bilateral com edema nos planos lipomatosos intermusculares supra-adjacentes; bursite isquiática bilateral; bursite subglúteo médio esquerda; alterações de sinal difusas na medula óssea dos colos femorais, metáfise/diáfise proximais dos fêmures, ossos da bacia e do sacro de aspecto inespecífico (Figura 1). O tecido obtido por biópsia da bursa trocantérica à direita revelou birrefringência positiva à luz polarizada na coloração com vermelho Congo. O aspirado de medula óssea revelou 73% de plasmócitos (Figura 2). A imunofixação sérica revelou padrão biclonal IgG κ/IgA κ. O raio-x de calota craniana demonstrou lesões líticas difusas. Rev Bras Reumatol 2011;51(6):648-654 Amiloidose-mieloma múltiplo apresentando-se como pseudomiopatia Função renal e calcemia normais. Concluiu-se pelo diagnóstico de amiloidose associada a MM. Iniciou-se terapia com dexametasona em altas doses (40 mg/dia nos dias 1–4, 9–12 e 17–20), associada a inibidor de osteólise (pamidronato 90 mg/mensais), com desaparecimento dos sintomas dolorosos e melhora da disfonia e da plenitude pós-prandial. Duas semanas depois surgiram tosse, falta de ar e piora do edema de MMII. O raio-x de tórax revelou derrame pleural bilateral. O eletrocardiograma foi compatível com bloqueio do ramo esquerdo. O ecocardiograma demonstrou hipertrofia ventricular esquerda moderada, com alteração de relaxamento diastólico. Iniciou-se furosemida, com melhora dos sintomas de descompensação cardíaca. A paciente está sendo preparada para o transplante autólogo de célula-tronco. DISCUSSÃO Dois aspectos atípicos chamam a atenção nessa apresentação incomum de amiloidose associada a MM: a idade da paciente, 35 anos, e a forma de apresentação como pseudomiopatia de cinturas proximais. A RNM da cintura pélvica com infiltração tecidual multifocal ao lado de enzimas musculares e eletroneuromiografia normais tornaram menos provável o diagnóstico de miopatia. A STC bilateral, para a qual recebera tratamento cirúrgico dois meses antes, poderia ser atribuída à deposição amiloide, embora estudo histopatológico não tenha sido realizado. A avaliação sistêmica demonstrou envolvimento cardíaco, mas não envolvimento renal ou de outros órgãos, exceto, talvez, sistema nervoso periférico na forma de STC. A associação com MM foi assegurada a partir do estudo da medula óssea com 73% de plasmócitos, ao lado da imunofixação sérica com padrão biclonal IgG κ/IgA κ e lesões líticas no raio-x de crânio.11 A amiloidose AL está sempre associada a discrasia de células plasmáticas. Início insidioso, sintomatologia vaga e diversidade de manifestações clínicas dificultam o diagnóstico. Infiltração amiloide nas articulações, estruturas periarticulares, partes moles e ossos vêm ganhando destaque, surgindo às vezes como formas iniciais de apresentação.5–10 Isso explica a presença do reumatologista na investigação, bem como nos cuidados clínicos oferecidos a esses pacientes. Deve-se atentar para o fato de que esses pacientes apresentam, via de regra, provas de fase aguda, VHS e PCR dentro da normalidade, além de ausência de fator reumatoide e anti-CCP. Artrite reumatoide,6 esclerodermia,5 síndrome de Sjögren8,9 e polimialgia reumática12 podem aparecer como diagnósticos antes da definição como amiloidose AL. Em uma série de 191 pacientes com amiloidose AL, 82 (42,9%) apresentaram evidências de Rev Bras Reumatol 2011;51(6):648-654 envolvimento ósseo e de partes moles. Esse envolvimento tende a ocorrer no contexto do acometimento de múltiplos órgãos.1 No grupo de pacientes com amiloidose AL associada ao MM, o envolvimento de partes moles tem aparecido com maior frequência sob a forma de STC,13 macroglossia,13 artropatia14 e miopatia.7 Os órgãos mais frequentemente acometidos na amiloidose AL são os rins e o coração. Proteinúria nefrótica e falência renal são eventos bem-documentados. Envolvimento cardíaco esteve presente em 83% dos pacientes.15 Nossa paciente apresentou vários dos achados clássicos da amiloidose cardíaca, como bloqueio do ramo esquerdo, hipertrofia ventricular esquerda com alteração do relaxamento diastólico e insuficiência cardíaca congestiva. O diagnóstico de amiloidose é feito por biópsia tecidual. A aspiração da gordura abdominal é um método menos invasivo e apresenta sensibilidade de 80% em uma única aspiração. A especificidade do método é de 98%, e o valor preditivo negativo é de 76%.15 Os exames de imagem podem ser de grande utilidade. A RNM da paciente foi capaz de excluir doença intrínseca do músculo e de identificar o envolvimento multifocal na pelve, além de permitir a seleção adequada do tecido a ser biopsiado, enquanto o raio-x simples do crânio permitiu visualizar as lesões líticas na calota craniana. Instituiu-se terapêutica com dexametasona, furosemida, além do inibidor de osteólise, pamidronato. Os sintomas dolorosos desapareceram, e houve regressão dos sinais e sintomas de descompensação cardíaca. A paciente está sendo preparada para o transplante autólogo de célula-tronco. CONCLUSÃO A apresentação clínica da amiloidose AL pode mimetizar diferentes síndromes reumatológicas. Dessa forma, pacientes com sintomas e sinais clínicos decorrentes de processos infiltrativos de partes moles, articulações, tecidos periarticulares e ossos devem ser submetidos a uma pesquisa para amiloidose AL, após afastada uma patologia reumatológica. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. Prokaeva T, Spencer B, Kaut M, Ozonoff A, Doros G, Connors LH et al. Soft tissue, joint, and bone manifestations of AL amyloidosis: clinical presentation, molecular features, and survival. Arthritis Rheum 2007; 56(11):3858–68. Merlini G, Bellotti V. Molecular mechanisms of amyloidosis. N Engl J Med 2003; 349(6):583–96. Scola RH, Werneck LC, Ramos CS, Pasquini R, Graf H, Arruda WO. Amyloidotic muscle pseudohypertrofy: Case Report. Arq Neuropsiquiatr 2001; 59(A-3):582–6. 653 Santos et al. 4. Simms RW, Prout MN, Cohen AS. The epidemiology of AL and AA amyloidosis. Baillieres Clin Rheumatol 1994; 8(3):627–34. 5. Gerster JC, Landry M, Dudler J. Scleroderma-like changes of the hands in primary amyloidosis. 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Rev Bras Reumatol 2011;51(6):648-654 RELATO DE CASO Gangrena de pavilhão auricular como primeira manifestação de síndrome do anticorpo antifosfolípide Erika Bettini de Sá1, Adson da Silva Passos2, Mariana Cecconi2, Maria Lourdes Peris Barbo3, José Eduardo Martinez4, Gilberto Santos Novaes4 RESUMO A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF), mais comum em mulheres, manifesta-se clinicamente como trombose e/ou abortamentos de repetição. Anemia hemolítica autoimune e manifestações neurológicas, cardíacas e cutâneas são comuns. Relata-se o caso de um paciente do gênero masculino cuja manifestação inicial da doença foi gangrena em pavilhão auricular, e o diagnóstico de SAF se deu por meio de biópsia de pele do membro inferior, que mostrava vasculopatia trombótica, sem evidência de vasculite. Esse resultado é um dos dois critérios maiores que, associados a um critério menor, fecham o diagnóstico dessa doença. Discutem-se neste caso os possíveis diagnósticos diferenciais e como eles se diferenciam da doença em foco, além da importância que a biópsia teve no diagnóstico de SAF nesse indivíduo. Palavras-chave: anticorpos antifosfolípides, trombose, anticorpos anticardiolipina, lúpus eritematoso sistêmico. © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF) é a trombofilia adquirida mais comum. As manifestações clínicas são heterogêneas e refletem a presença de trombose em vasos arteriais ou venosos de qualquer calibre e em qualquer órgão ou sistema, desenvolvendo-se abrupta ou insidiosamente. O diagnóstico é realizado por meio de um critério clínico associado a um critério laboratorial. Os critérios clínicos são trombose (arterial, venosa ou vasculopatia) ou história de morbidade ou mortalidade obstétrica (três ou mais perdas fetais no primeiro trimestre, uma ou mais mortes fetais ou parto prematuro por insuficiência placentária). Os critérios laboratoriais são anticoagulante lúpico positivo, títulos moderados a altos para anticardiolipina IgG ou IgM e títulos moderados a altos de β2-glicoproteína I.1,2 O quadro clínico é diverso, podendo ocorrer alterações hematológicas, renais, neurológicas, cardiológicas e dermatológicas, e até um quadro de pior prognóstico – SAF catastrófica.2,3 É mais comum no gênero feminino e associada a doenças autoimunes. Neste relato apresentaremos um caso de SAF primária com sintoma inicial de gangrena auricular. RELATO DE CASO PRF, gênero masculino, 28 anos de idade, portador de doença de Graves e em uso de propiltiouracil há três anos, mantendo-se estável. Chegou ao pronto-socorro com queixa de cianose e dor em nariz e pavilhões auriculares há um dia. Ao exame físico apresentava petéquias em língua, palato e membros, acompanhadas de cianose nasal e em orelha externa. Após 12 horas, as áreas cianóticas evoluíram para Recebido em 21/12/2010. Aprovado, após revisão, em 30/8/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesses. Pontíficia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP Sorocaba. 1. Residente em Reumatologia 2. Residente em Clínica Médica (R1) pela PUC-SP 3. Professora-Associada do Departamento de Morfologia e Patologia da PUC-SP 4. Professor Titular do Departamento de Medicina da PUC-SP Correspondência para: Erika Bettini de Sá. Praça Dr. José Ermírio de Moraes, 290 – Jardim Vergueiro. CEP: 18030-095. Sorocaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 658 Rev Bras Reumatol 2011;51(6):655-661 Gangrena de pavilhão auricular como primeira manifestação de síndrome do anticorpo antifosfolípide gangrena (Figura 1). O paciente manteve-se normotenso e sem alterações neurológicas. Excluídas as hipóteses de meningococcemia e endocardite, foi suspenso o propiltiouracil e iniciada a pulsoterapia com metilprednisolona 1 g/dia por três dias consecutivos, com estabilização das lesões cutâneas. Na sequência, foram mantidas prednisona 60 mg/dia via oral e solução de lugol tópica. Foram realizados hemograma (Hb 11,5; Ht 33,9; leucócitos 4.500, plaquetas 44.000), urina I (proteinúria negativa, leucócitos 1.000, hemácias 1.000), sorologia para hepatite B, hepatite C e HIV negativa; ALT, AST, fibrinogênio, C3, C4 e CH50 dentro da normalidade; C-ANCA e P-ANCA negativos, crioglobulinas negativas; anti-Ro negativo; fator antinúcleo e fator reumatoide negativos. Devido à dificuldade diagnóstica, foi realizada biópsia de pele em área de máculas eritematosas em membro inferior direito, com o resultado de vasculopatia trombótica, achado este sugestivo de SAF (Figura 2). A hipótese diagnóstica de SAF teve sua confirmação com os resultados positivos para anticardiolipina IgM (55 MPL UI/mL), anticardiolipina IgG negativa e anticoagulante lúpico positivo. Feito o diagnóstico, foram introduzidos difosfato de cloroquina 4 mg/kg/dia, heparina de baixo peso molecular em dose anticoagulante, via subcutânea, e AAS 100 mg/dia, via oral. O paciente apresentou melhora da lesão cutânea do nariz e pavilhão auricular esquerdo. Porém, persistiu pequena área de gangrena em pavilhão auricular direito, com perda parcial da cartilagem (Figura 1). Figura 1 Imagem da orelha direita antes e após o tratamento, com perda parcial da cartilagem. DISCUSSÃO Durante a internação, foram aventadas várias hipóteses diagnósticas, dentre as quais: vasculite induzida por propiltiouracil, granulomatose de Wegener, policondrite recidivante e síndrome do anticorpo antifosfolípide. A vasculite induzida pelo propiltiouracil pode ocorrer a qualquer tempo durante seu uso.4 É descrita como lesões de pele, até alterações renais e pulmonares.5 A maioria dos casos de vasculite induzida por propiltiouracil apresenta ANCA positivo.5 É sugerido que o acúmulo de metabólitos do propiltiouracil em neutrófilos possa tornar a mieloperoxidase imunogênica, como também outras enzimas presentes nos grânulos dos neutrófilos. A partir daí, ocorreria a ativação de outros neutrófilos, provocando a liberação de enzimas e a produção de radicais livres e citocinas, resultando em dano vascular.6,7 A granulomatose de Wegener é definida como uma vasculite com formação de granulomas inflamatórios e necrose de vasos de médio e pequeno calibres.8 A forma completa atinge face, pulmões e rins.4 Apresenta C-ANCA positivo Rev Bras Reumatol 2011;51(6):655-661 Figura 2 Biópsia de pele mostrando vasos trombosados (seta) e ausência de infiltrado inflamatório perivascular. em 80% a 90% dos casos. A histopatologia mostra vasculite leucocitoclástica com necrose e granuloma inflamatório perivascular. O quadro clínico apresenta perfuração de septo nasal, nariz em sela, perda auditiva, estenose subglótica, pseudotumor ocular, esclerite, episclerite e uveíte. Nos pulmões, infiltrado nodular ou lesão cavitada, que pode levar à hemoptise.8 Os rins são acometidos por glomerulonefrite rapidamente progressiva. Mais de 75% dos pacientes terão lesão renal durante o curso da doença, que inicialmente se manifesta por proteinúria e hematúria.4 Na pele pode haver nódulos, púrpura palpável, lesões vesicobolhosas, pápulas, úlceras e infartos digitais.8 659 Bettini de Sá et al. A policondrite recidivante é uma doença mediada pelo sistema imune associada à inflamação de estruturas cartilaginosas e de outros tecidos conjuntivos como orelha, nariz, articulação, trato respiratório etc. O quadro clínico pode incluir condrite auricular, audição reduzida, condrite nasal, deformidades do nariz, acometimento laringotraqueal, inflamação ocular, artrite, acometimento de pele e vasculites. Não existe alteração laboratorial específica. O diagnóstico é feito pelo quadro clínico, e raramente é necessária biópsia tecidual. O tratamento é realizado com corticoides, podendo-se associar metotrexato.9 A SAF, também conhecida como síndrome de Hughes, foi definida no final da década de 1980.4 Ocorre em 1% a 6% da população. A trombose é a principal manifestação e pode ocorrer mesmo em pacientes com trombocitopenia (40%–50% dos pacientes). As tromboses tendem a ocorrer principalmente na circulação venosa dos membros inferiores e na circulação arterial cerebral. A manifestação cutânea pode ser a primeira em 41% dos casos, e a lesão mais frequente é o livedo reticular. Este se apresenta de forma persistente, como uma lesão reticular ou mosqueada de coloração violácea, vermelha ou azulada. É irreversível com o reaquecimento, e pode envolver tronco, braços ou pernas. 10 Outras lesões associadas a SAF são gangrena digital, úlceras de membros inferiores, pseudovasculite, necrose cutânea com lesões purpúricas dolorosas evoluindo para placas enegrecidas bolhosas localizadas em membros, cabeça (nariz, orelhas) ou nádegas.11 A vasculite livedoide é uma doença rara, descrita em 1967 por Bard e Winkelmann. Caracteriza-se por lesões purpúricas dolorosas localizadas em membros inferiores que, frequentemente, ulceram. As úlceras apresentam curso crônico e recorrente, com exacerbações no verão e no inverno. Podem deixar cicatrizes atróficas, brancas e irregulares, com telangiectasias e hiperpigmentação livedoide de hemossiderina perilesional. A patogênese ainda é desconhecida, mas em alguns casos apresenta associação a alteração da coagulação ou doenças inflamatórias.12 O diagnóstico da SAF é realizado pela presença de um critério clínico associado a um critério laboratorial.8 O tratamento envolve medidas profiláticas e anticoagulação. A anticoagulação pode ser feita com varfarina ou heparina, frequentemente associadas ao AAS. Em pacientes com plaquetas abaixo de 50.000 é contraindicado o uso de AAS ou de anticoagulantes, podendo ser usadas prednisona ou imunoglobulinas, até a normalização da série plaquetária. A cloroquina e a hidroxicloroquina têm efeito 660 antiplaquetário e antitrombótico comprovado em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, com provável papel preventivo também em pacientes com SAF.4 Dentre os diagnósticos diferenciais apresentados, a policondrite recidivante foi descartada como hipótese diagnóstica devido ao quadro de gangrena auricular. A granulomatose de Wegener e a vasculite induzida pelo propiltiouracil foram desconsideradas como causadoras da vasculopatia, principalmente após o resultado da biópsia de pele, que não mostrou presença de vasculite e leucocitoclasia. A evolução do paciente foi bastante inesperada, com dramática melhora das lesões cutâneas após pulso de metilprednisolona seguido de prednisona 60 mg/dia associada a difosfato de cloroquina e heparina. AAS não foi utilizado durante a fase inicial da internação devido à plaquetopenia. O propiltiouracil foi retirado, tendo sido feita programação para tireoidectomia. CONCLUSÃO A biópsia de pele foi fundamental para a realização do diagnóstico. Os achados clínicos e a vasculopatia trombótica encontrada no estudo anatomopatológico, associados a altos títulos de anticardiolipina e à presença de anticoagulante lúpico, selam o diagnóstico de SAF. REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Hanly JG. Antiphospholipid syndrome: an overview. 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Available from: http://onlinelibrary.wiley.com/ doi/10.1111/j.1365-2230.2009.03732.x/abstract [Accessed at 02/08/11]. 661 CARTA AOS EDITORES Opinião de uma amostra de reumatologistas brasileiros sobre biossimilares © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. evido às recentes expirações de patentes de alguns medicamentos biológicos, são esperados estudos para a produção de versões alternativas dos mesmos, as quais chamamos biossimilares. Os fabricantes de biossimilares não terão acesso aos processos de fabricação dos biológicos inovadores, porque tais conhecimentos são propriedade exclusiva das empresas inovadoras. Assim, é impossível a replicação precisa de qualquer proteína, ao contrário do que ocorre com a produção de medicamentos genéricos, cujas pequenas moléculas químicas são idênticas às moléculas dos medicamentos originais, e cujos requisitos de análise baseiam-se apenas em sua composição química. No Brasil, como já ocorre em outros países, surgirá nos próximos meses a oportunidade para a entrada de biossimilares do ENBREL® (etanercepte; Pfizer-Wyeth) e, na sequência, do MABTHERA® (rituximabe; Roche), duas conhecidas medicações que fazem parte do arsenal terapêutico da reumatologia e de outras especialidades clínicas.1 Como todos os medicamentos biológicos, o principal problema relacionado à segurança de um biossimilar é sua imunogenicidade. A imunogenicidade e a eficácia de um produto biossimilar só podem ser adequadamente avaliadas a partir de rigorosos ensaios clínicos realizados antes de sua aprovação, e por um sistema de farmacovigilância estabelecido após a comercialização do produto. A entrada no mercado brasileiro de biossimilares das atuais moléculas prescritas por reumatologistas, conhecidas como proteínas biológicas de terceira geração, requer nossa apropriada educação e a disseminação de informações de forma transparente e não viciada, a fim de que se estabeleçam as decisões corretas para a prescrição desses medicamentos. Buscando avaliar de forma objetiva o conhecimento básico sobre os principais aspectos médicos relacionados aos biossimilares, foi aplicado um questionário a cerca de 200 reumatologistas (médicos e médicos residentes) durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado em Porto Alegre de 18 a 22 de setembro de 2010. Tal questionário consistia em sete perguntas de múltipla escolha sobre definição e aspectos biotecnológicos da produção de biossimilares e condução de ensaios clínicos relacionados a biocomparabilidade, D Rev Bras Reumatol 2011;51(6):662-671 imunogenicidade, farmacovigilância e aspectos regulatórios nacionais. O questionário foi aplicado por dois acadêmicos de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e o prazo de preenchimento para cada profissional foi de três minutos (cerca de 25 segundos para cada questão). Os profissionais foram entrevistados nos diversos corredores do evento durante os intervalos entre as sessões acadêmicas, e na maioria das vezes responderam as questões em pé. O tamanho da amostra foi definido de forma aleatória, considerando que pudesse ser o mais representativo possível de um universo de mais de 1.000 inscritos no evento. Não foi dada aos entrevistados qualquer orientação para preenchimento além da especificação do limite de tempo e sobre a possibilidade de escolha de mais de um item em cada questão. Dos 200 questionários aplicados, 95% foram respondidos e 5% não foram devolvidos pelos entrevistados, totalizando 189 Tabela 1 Questionário sobre biossimilares 1 2 Você sabe o que são biossimilares? SIM 67% (114) NÃO 33% (56) Caso sua resposta tenha sido positiva, escolha um item que se ajuste ao seu conceito sobre biossimilares: Biológico que demonstra bioequivalência com o fármaco original e possui todos os ensaios pré-clínicos e clínicos iguais aos já realizados. Além disso, por ocasião de sua aprovação, sua imunogenicidade já está bem-estabelecida 34% (45) Biológico que demonstra bioequivalência de um biofármaco original e que não necessita de ensaios clínicos para sua comercialização 27% (35) Molécula igual à molécula de um fármaco original com menor custo de produção 20% (27) Tentativa de cópia de um biofármaco inovador que nunca poderá ser igual a ele 11% (14) 8% (11) Biológico genérico de um já comercializado Continua 667 CARTA AOS EDITORES Tabela 1 Questionário sobre biossimilares (Cont.) 3 4 5 Você concorda com a informação de que já existem biossimilares no mercado brasileiro? NÃO 64% (107) SIM 36% (60) NÃO 95% (145) SIM 5% (8) Você conhece a RDC 315? Quais são, na sua opinião, os principais problemas relativos à aprovação de biossimilares em nosso país? Pode marcar mais de um item. Testes de bioequivalência 19% (125) Segurança 18% (118) Bioeficácia 16% (108) Garantia de que ensaios clínicos de fase III sejam realizados em amostra de população brasileira 10% (65) Boas práticas de fabricação e alto conceito do fabricante 10% (64) 9% (58) Existência de manutenção de adequado sistema nacional de farmacovigilância específico para o biossimilar Clareza por parte do sistema regulatório brasileiro 9% (58) Imunogenicidade 7% (49) Nome do biossimilar igual ao do biológico inovador 3% (18) 6 Identifique os principais problemas após a comercialização de um biossimilar. Manutenção de adequado sistema nacional de farmacovigilância específico ao similar 24% (77) Falha terapêutica 23% (74) Eficácia 23% (72) Intercambialidade entre o biológico inovador e o similar 17% (55) Imunogenicidade 12% (39) 7 Em sua opinião, quais as vantagens de um biossimilar? Preço menor 67% (130) Comercialização aprovada com indicação inicial que inclui todas as doenças previamente aprovadas para uso do biofármaco inovador 16% (32) Via de administração diferente à do original 3% (6) Dose menor 1% (2) 13% (25) Não há vantagens questionários para análise posterior (Tabela 1). Dos entrevistados, 89 eram mulheres e 111 eram homens. Responderam ao questionário 36 médicos residentes (18%). Cento e quatorze (60%) afirmaram saber o que são biossimilares, 56 (30%) negaram conhecer o assunto e 19 (10%) deixaram a questão em 668 branco (Figura 1). Apesar de responder negativamente ou de deixar essa primeira questão em branco, ainda que houvesse a ressalva de continuar com o questionário apenas se a primeira resposta fosse positiva, a maioria dos entrevistados (78%) continuou a responder o questionário. Apenas 70% dos entrevistados responderam sobre a definição do conceito mais apropriado do que seria um biossimilar. Dos que responderam a essa questão, 34% optaram pelo item que definia um biossimilar como um biológico que demonstra bioequivalência e que possui todos os ensaios pré-clínicos e clínicos iguais aos já realizados com o biofármaco original, e que, quando de sua aprovação, já tem a imunogenicidade bem estabelecida; 27% responderam que um biossimilar é um biológico que demonstra bioequivalência com um biofármaco original e que não necessita de ensaios clínicos para sua comercialização; 20% responderam que o biossimilar é uma molécula igual à molécula de um fármaco original, e de menor custo de produção. Somente 11% responderam que biossimilares são uma tentativa de cópia de biofármacos inovadores e que nunca poderão ser iguais a eles, enquanto cerca de 8% dos entrevistados responderam que um biossimilar é um biológico genérico de um biofármaco já comercializado (Figura 1). Cerca de 1/3 dos entrevistados (32%) concordou que já existem biossimilares no mercado brasileiro, enquanto mais da metade (56%) não concordou com essa afirmação; 12% dos entrevistados deixaram essa questão em branco. Perguntados sobre o conhecimento sobre a RDC 135, apenas 4% responderam afirmativamente; 77% responderam que não a conheciam, e 19% deixaram a questão em branco. Os entrevistados ainda deveriam apontar quais os principais problemas relacionados à aprovação de biossimilares no Brasil (etapa anterior à comercialização), podendo escolher mais de uma alternativa. A maioria (19%) apontou a limitação de testes de bioequivalência como principal problema; 18% apontaram a questão da segurança; 16% indicaram o estabelecimento de bioeficácia; 10% indicaram as boas práticas de fabricação e o alto conceito do fabricante como pré-requisitos fundamentais; 10% apontaram a garantia de que ensaios clínicos de fase III sejam realizados em amostra de população brasileira; somente 9% indicaram como problema a falta de clareza no processo de aprovação de biossimilares pelo sistema regulatório brasileiro; 9% indicaram a importância da manutenção de um adequado sistema nacional de farmacovigilância específico aos biossimilares; 7% apontaram o problema da imunogenicidade, e 3% indicaram como principal problema o fato de um biossimilar ter nome igual ao de um biológico inovador (Figura 2). Rev Bras Reumatol 2011;51(6):662-671 CARTA AOS EDITORES Biológico que demonstra bioequivalência com o biofármaco original e possui todos os ensaios pré-clínicos e clínicos iguais aos já realizados, com imunogenicidade bem-estabelecida no momento da aprovação; Biológico que demonstra bioequivalência de um biofármaco original e que não necessita de ensaios clínicos para sua comercialização; Molécula igual à molécula de um fármaco original com menor custo de produção; Tentativa de cópia de um biofármaco inovador que nunca poderá ser igual ao mesmo; Biológico genérico de um já comercializado. Figura 1 Conceitos sobre biossimilares. Testes de bioequivalência; Segurança; Bioeficiência; Garantida de que ensaios clínicos de fase III sejam realizados em amostra de população brasileira; Boas práticas de fabricação e alto conceito por parte do fabricante; Existência de manutenção de adequado sistema nacional de farmacovigilância específico ao biossimilar; Clareza por parte do sistema regulatório brasileiro; Imunogenicidade; Nome do biossimilar igual ao do biológico inovador. Figura 2 Principais problemas relacionados à aprovação de biossimilares no Brasil. Existênca de manutenção de adequado sistema nacional de farmacovigilância específico ao similar; Falha terapêutica; Eficácia; Intercambialidade entre o biológico inovador e o similar; Imunogenicidade. Figura 3 Principais problemas pós-comercialização de biossimilares. Diante das questões relacionadas aos principais problemas após a comercialização de biossimilares, 24% dos entrevistados selecionaram como fundamentais a criação e a manutenção de um adequado sistema nacional de farmacovigilância específico aos biossimilares; 23% escolheram o problema da eficácia, e outros 23% escolheram o item que indicava o problema da falha terapêutica; 17% indicaram o problema da intercambialidade entre o biológico inovador e o biossimilar; e 12% escolheram o problema da imunogenicidade (Figura 3). Rev Bras Reumatol 2011;51(6):662-671 Com relação às vantagens proporcionadas pela entrada de biossimilares no mercado nacional, questão na qual mais de uma alternativa poderia ser apontada, em primeiro lugar foi identificada o menor preço, com 67% das respostas; 16% dos entrevistados apontaram como vantagem o fato de a comercialização ser aprovada com indicação inicial, o que inclui todas as doenças previamente aprovadas para uso do biofármaco inovador; 3% escolheram como vantagem o fato de o biossimilar ter uma via de administração diferente da do original; 669 CARTA AOS EDITORES Preço menor; Comercialização aprovada com indicação inicial que inclui todas as doenças previamente aprovadas para uso do biofármaco inovador; Via de administração diferente do original; Dose menor; Não há vantagens. Figura 4 Vantagens da entrada de biossimilares no mercado brasileiro. 1% escolheu o fato de o biossimilar ter dose terapêutica menor. Finalmente, 13% dos entrevistados, ao escolher o último item, acreditam não haver vantagens na comercialização de biossimilares (Figura 4). Inicialmente, entendemos que a elaboração de questionários simples e facilmente aplicáveis, como o que foi proposto, pode contribuir para o mapeamento do estágio atual de conhecimento de reumatologistas e outros profissionais médicos sobre as principais questões envolvidas nos processos de aprovação de biossimilares para uso no tratamento de doenças autoimunes, além de incentivar outras produções sobre essa temática em outros países. Um terço dos profissionais afirmou desconhecer o que são biossimilares, o que nos pareceu aceitável, pois embora já existam biossimilares no mercado brasileiro, especialmente insulinas e eritropoetinas, o assunto é relativamente novo para médicos reumatologistas. A perda de patentes de biológicos usados para o tratamento de doenças reumáticas no Brasil terá início ainda este ano. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal comprador dessas moléculas, e os protocolos de Diretrizes Clínicas e Terapêuticas do Ministério da Saúde incluem todos os agentes anti-TNF para o tratamento de portadores de artrite reumatoide, artrite psoriásica e espondilite anquilosante. Boa parte dos entrevistados que afirmaram saber o que são biossimilares respondeu que a imunogenicidade de tais moléculas é perfeitamente conhecida por ocasião de sua aprovação, e, destes, somente um pequeno número elencou a questão da imunogenicidade como um dos principais problemas relacionados à sua aprovação. Além disso, a maioria apontou o baixo preço como inegável vantagem dos biossimilares. De fato, diversos autores afirmam que produtos biológicos similares possibilitam uma prescrição médica mais barata, o que pode, por sua vez, resultar em redução nos custos de saúde.2,3 Também argumentam que essas moléculas podem oferecer à população maior acesso a terapias inovadoras não 670 convencionais, devido a seu baixo valor agregado e menor custo em relação aos biofármacos inovadores. Contudo, é preciso enfatizar que essa promessa pode cair por terra caso não haja total transparência de todos os atores envolvidos no processo de regulamentação e aprovação dessas terapias. Sabese que, tendo em vista a complexidade das biomoléculas e seu intrincado processo de fabricação, a estrutura de biossimilares não será idêntica à do biológico original, e, portanto, o perfil de eficácia e segurança desses produtos deve ser amplamente discutido entre os médicos prescritores. Além disso, os reumatologistas devem reconhecer que são imprescindíveis medidas de farmacovigilância que garantam equivalência na segurança dos biossimilares em relação ao original, a fim de proteger o paciente, objeto de seus cuidados. Os processos envolvidos na fabricação de medicamentos biológicos deixam facilmente transparecer a complexidade na produção dessas proteínas-alvo a partir de células vivas, pois qualquer alteração na manufatura poderá acarretar, por exemplo, quantidades errôneas de ácido-base e aparecimento de variantes de glicosilação, causando mudanças conformacionais nas proteínas em questão, depreciando sua funcionalidade final.4 O início ocorre pela clonagem do DNA por meio de um vetor (plasmídeo, entre outros) e pela transferência desse DNA clonado para uma célula que posteriormente expressará a proteína desejada. Depois dessa etapa básica ocorrerão a produção, a purificação e a validação da proteína. Os anticorpos monoclonais e as proteínas de fusão são reconhecidos como biológicos de terceira geração; a primeira geração é representada pelos biológicos que eram cópias idênticas das proteínas produzidas pelo organismo humano, ou seja, proteínas de reposição (p. ex., insulina recombinante e fatores sanguíneos), e a segunda, por biológicos desenvolvidos como proteínas modificadas ou análogos (p. ex., zeta e alfa eritropoetinas). Diferente dos medicamentos genéricos, os biossimilares não podem entrar na mesma classificação – duas linhas celulares independentes usadas em sua produção não podem ser Rev Bras Reumatol 2011;51(6):662-671 CARTA AOS EDITORES consideradas idênticas.5 Há diversos exemplos demonstrando que pequenas alterações no processo de manufatura de biológicos podem levar a graves problemas para a saúde dos pacientes.6,7 Além disso, é notório que, apesar de estarem em franco desenvolvimento, os métodos analíticos atualmente empregados para verificação da similaridade entre moléculas de grande complexidade e peso molecular, como as dos anticorpos monoclonais e de certas proteínas de fusão, ainda são bastante limitados.4 Apenas 4% dos entrevistados que responderam saber o que são os biossimilares afirmaram também conhecer a RDC 135, a principal norma regulamentadora para aprovação e comercialização de produtos biológicos, em vigor desde 2005.8 A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu ainda, em 2010, uma consulta pública na qual todos os setores da sociedade civil organizada puderam manifestar-se sobre o tema. A revisão dessa resolução foi concluída, e a atualização (RDC55/10) foi publicada no final do mesmo ano. É importante que os médicos prescritores conheçam pelo menos os principais aspectos dessa resolução, que estabelece condições para o registro desses produtos biológicos e a forma pela qual sua comercialização será acompanhada no mercado nacional. Poucos profissionais julgaram importante para a aprovação de um biossimilar que a nomenclatura seja distinta daquela empregada para os seus modelos (biológicos inovadores). Entretanto, esse tem sido motivo de acalorado debate na comunidade científica internacional, porque a nomenclatura internacional (INN – International Nonproprietary Name) é utilizada apropriadamente para moléculas pequenas e facilmente caracterizáveis, mas tem sua validade bastante limitada para uso em moléculas mais complexas. Além disso, diferenças bem-estabelecidas nessa nomenclatura poderão distinguir facilmente biossimilares de biológicos inovadores para efeitos na permuta de prescrições e para o acompanhamento de farmacovigilância.9–11 O fato de poucos profissionais terem citado como vantagem adicional dos biossimilares a via de administração e/ou dosagem diferentes demonstra claramente total desconhecimento sobre o tema. A maioria das medicações sintéticas é ingerida oralmente, enquanto quase todos os biológicos são injetados por via subcutânea ou endovenosa ou até mesmo inalados, já que, como proteínas, eles também são muito sensíveis à degradação enzimática no trato gastrintestinal.12 O conceito de um biossimilar inclui sua utilização com dosagens nas mesmas quantidades às do produto inovador nos testes de eficácia, bem como a administração pela mesma via de introdução no organismo. É notório que os médicos só podem tomar decisões sobre prescrições de biossimilares se estiverem suficientemente informados a respeito das diferenças fundamentais entre essas moléculas-cópias e as moléculas originais e inovadoras. Toda Rev Bras Reumatol 2011;51(6):662-671 e qualquer decisão não informada poderá afetar o tratamento de seus pacientes. Ao considerarmos biossimilares como novos medicamentos com estrutura diferente da dos biofármacos inovadores, nos parece óbvio que se possam esperar resultados terapêuticos e efeitos adversos diferentes. De maneira geral, esta pesquisa demonstrou que há carência de informações sobre o tema e que discussões sistemáticas devem ser incentivadas no Brasil e em outros países, especialmente entre os reumatologistas, pois são prescritores de moléculas biológicas de terceira geração. Embora não tenham sido realizadas junto a especialistas de outras áreas em que também há prescrição de biológicos, acreditamos que essas discussões deveriam ser conduzidas, particularmente entre dermatologistas, oncologistas, neurologistas, nefrologistas, endocrinologistas e gastroenterologistas. Valderilio Feijó Azevedo Mestre em Reumatologia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Doutorando em Ciências da Saúde pela – PUC-PR; Professor-Assistente de Reumatologia Lúcio Ricardo Felippe Acadêmico de Medicina da UFPR Denise Magalhães Machado Acadêmica de Medicina da UFPR REFERENCES REFERÊNCIAS 1. Azevedo VF. Are we prepared to prescribe biosimilars? Rev Bras Reumatol 2010; 50(3):221–24. 2. Mellstedt H, Niederwieser D, Ludwig H. The challenge of biosimilars. Annals of Oncology 2008; 19:411–9. 3. Lanthier M, Behrman R, Nardinelli C. Economic issues with followon protein products. Nat Rev Drug Discov 2008; 7(9):733–7. 4. Schellekens H. Biosimilar therapeutics – what do we need to consider? NDT Plus 2009; 2(Suppl1):i27–i36. 5. Azevedo VF. Biossimilares – eles são iguais aos genéricos? Correio Braziliense, 25 de setembro de 2010. 6. Roger SD. Biosimilars: current status and future directions. Expert Opin Biol Ther 2010; 10(7):1011–8. 7. Roger SD, Mikhail A. Biosimilars: opportunity or cause for concern? J Pharm Pharm Sci 2007; 10(3):405–10. 8. ANVISA, Resolução de Diretoria Colegiada n° 315. 2005. 9. Herrero Ambrosio A. Biosimilars: regulatory status for approval. Farm Hosp 2010; 34S1:16–18. 10. Gottlieb S. Biosimilars: policy, clinical, and regulatory considerations. Am J Health Syst Pharm 2008; 65(14 Suppl 6):S2–8. 11. Roger SD, Goldsmith D. Biosimilars: it’s not as simple as cost alone. J Clin Pharm Ther 2008; 33(5):459–64. 12. Nowicki M. Basic facts about biosimilars. Kidney Blood Press Res 2007; 30:267–72. 671 CARTA AOS EDITORES Colesterol e cloroquina © 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Aos Editores da Revista Brasileira de Reumatologia O efeito das medicações da prática reumatológica no metabolismo de lipoproteínas, inclusive dos antimaláricos, é um tema atual que merece interesse por parte dos pesquisadores. Contempla esse tópico o trabalho de Rossoni et al.,1 publicado na edição de julho-agosto de 2011 da Revista Brasileira de Reumatologia, que avalia o efeito da cloroquina sobre o colesterol total e HDL de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) e, após ajuste de uso de estatina e corticosteroides por análise multivariada, constata que esses níveis séricos são semelhantes nos pacientes com e sem antimaláricos. A avaliação completa do perfil lipídico, independentemente da terapêutica utilizada, deve ser realmente uma rotina no seguimento desses pacientes. Importante saber que menores níveis séricos da HDL são detectados no LES, e estes são inversamente relacionados com o processo inflamatório.2 De fato, os níveis de lipoproteínas variam durante o curso da doença, como recentemente demonstrado no estudo prospectivo do grupo de Toronto,3 que envolveu a avaliação de colesterol de 1.260 pacientes com LES, em um total de 26.267 dosagens ao longo de 9,3 ± 8,5 anos. A conclusão relevante desse estudo é que quase dois terços daqueles pacientes (64,7%) apresentam aumento do colesterol total ao longo do tempo, e que a variação dos seus níveis estava diretamente relacionada com idade, atividade da doença e uso de corticosteroides, além da utilização ou não de hipolipemiantes. O outro dado igualmente importante desse grande estudo longitudinal foi identificar que o uso de antimaláricos correlacionou-se negativamente aos níveis de colesterol total (P < 0,0001).3 Além desse trabalho, revisão recente de literatura4 identificou outros sete estudos (de coorte e prospectivos) que concluem que a terapia com antimaláricos no LES determina uma redução significativa dos níveis de lipídios, incluindo colesterol total e LDL, quando comparada a outras sem essas medicações. Dos sete estudos, três tinham como objetivo verificar o efeito dos antimaláricos em pacientes com LES sob corticoterapia, e também identificaram redução de LDL e colesterol total, além de aumento dos níveis de HDL, quando comparados aos dos pacientes em uso exclusivo de corticosteroides.4 Por outro lado, Rev Bras Reumatol 2011;51(6):672-673 apenas dois outros estudos (chinês e iraniano) não detectaram alterações significativas do perfil lipídico com o uso de cloroquina no LES,4 conforme informado no presente trabalho.3 O mecanismo do efeito dos antimaláricos sobre o metabolismo de lipoproteínas5 foi o objeto de estudo de um dos trabalhos do nosso grupo sobre esse tema. A avaliação in vivo do metabolismo de LDL em pacientes com LES, em uso ou não de cloroquina, comparando com controles saudáveis, foi feita com a utilização de uma nanoemulsão de LDE (LDL marcada com radioisótopo). Essa metodologia permitiu identificar que os antimaláricos realmente interferem na função do receptor de LDL, aumentando a remoção plasmática dessa lipoproteína e levando a uma redução dos níveis séricos e, consequentemente, do colesterol total.5 De fato, estudos complementares que comprovem esse mecanismo de ação sobre o metabolismo de lipoproteínas são necessários para demonstrar mais esse efeito benéfico dos antimaláricos no LES. Eduardo Ferreira Borba Professor-Associado da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP REFERENCES REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. Rossoni C, Bisi MC, Keiserman MW, Staub HL. Antimaláricos e perfil lipídico em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol 2011; 51(4):385–7. Borba EF, Bonfá E. Dyslipoproteinemias in systemic lupus erythematosus: influence of disease, activity, and anticardiolipin antibodies. Lupus 1997; 6(6):533–9. Nikpour M, Gladman DD, Ibanez D, Harvey PJ, Urowitz MB. Variability over time and correlates of cholesterol and blood pressure in systemic lupus erythematosus: a longitudinal cohort study. Arthritis Res Ther 2010; 12(3):R125. Ruiz-Irastorza G, Ramos-Casals M, Brito-Zeron P, Khamashta MA. Clinical efficacy and side effects of antimalarials in systemic lupus erythematosus: a systematic review. Ann Rheum Dis 2010; 69(1):20–8. Sachet JC, Borba EF, Bonfá E, Vinagre CG, Silva VM, Maranhão RC. Chloroquine increases low-density lipoprotein removal from plasma in systemic lupus patients. Lupus 2007; 16(4):273–8. 673