Febre de Origem Indeterminada (FOI): Abscesso do Músculo Psoas
Gaudino, Verônica Reche Rodrigues 1; Picosse, Vinicius Daresi 2; Xerfan Mariana Pinheiro 3; Medeiros, Ricardo Caetano Velasquez 4; Silva, Mariana
Amélia Gasparetto de Toledo 5.
Departamento de Clínica Médica da F.C.M.S.C.S.P., Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (I.S.C.M.S.P.), São Paulo-SP, Brasil: 1,2,3,4
Médicos Residentes em Clínica Médica, 5 Médica Assistente da Clínica Médica da I.S.C.M.S.P.
Introdução
A febre de origem indeterminada (FOI) constitui um problema clínico
comum. Estudos evidenciaram ser responsável por 8,4% das internações
hospitalares 1,2. Conceituada em 1961, sua definição tornou-se clássica:
temperatura corporal de 38,3º C ou maior em múltiplas ocasiões, por pelo
menos três semanas e sem diagnóstico após uma semana de investigação2. A
abordagem adequada da FOI engloba história clínica e exame físico bem
feitos. Exames laboratoriais, estudos de imagem, culturas e ecocardiograma
devem ser realizados3. O seu diagnóstico muitas vezes é difícil e não é
alcançado em até 50% dos casos4. Apesar do considerável desenvolvimento
nos métodos diagnósticos, estudos mostram através do tempo que cada vez
mais FOI’s não têm seu diagnóstico elucidado. A FOI pode ser subdividida em
quatro grandes grupos etiológicos: infecções, colagenoses, neoplasias e
miscelânea4. Dentre as infecções, a tuberculose, nas suas diversas
apresentações, figura como principal entidade na maioria das séries de
casos. Endocardite, infecções urinarias e do TGI, osteomielite e abscessos
também figuram entre as causas infecciosas principais, embora estes últimos
algumas vezes apresentem-se em sítios extra-habituais, dificultando o
diagnóstico da origem da febre.
O paciente seguia mantendo febre elevada e começou a queixar-se de
dor lombar e à movimentação do MID. Novo par de hemoculturas foi colhido
e, desta vez, houve crescimento de E. coli em ambas as amostras.
Suspeitando-se de fístula entérica, TC de abdome foi solicitada e evidenciou
abscesso de músculo psoas direito, de grandes dimensões, com íntima
relação com saco aneurismático aórtico e seu stent. Antibioticoterapia ampla
foi introduzida e realizada aspiração e biópsia guiada por TC. Foi necessária
também, apesar dos riscos, abordagem cirúrgica do abscesso. Nesta, foi
colhido material para cultura e realizada biópsia do músculo psoas que
evidenciou fundo necrótico com características de lesão abscedada.
Exame de controle mostrou melhora da coleção, porém o paciente
evoluiu com piora clínica, instabilidade e o desfecho clínico foi desfavorável.
TC de abdome evidenciando abscesso de músculo psoas direito, de grandes dimensões, multiloculado, com íntima
relação com saco aneurismático aórtico e seu stent.
Discussão
Etiologia dos diagnósticos de FOI em diversos estudos de 1961 - 2007
NEJM, 2015
Objetivo
Relatar um caso incomum de FOI em paciente idoso e sua investigação
diagnóstica.
Relato do caso
Paciente, 87 anos, masculino, natural do interior de São Paulo e
procedente de São Paulo há 50 anos, aposentado, deu entrada no Pronto
Socorro Central da FCMSCSP em maio de 2015 com queixa de febre
vespertina de aproximadamente 39ºC há 2 meses. Familiar referia história
de tosse seca, inapetência e emagrecimento de 15Kg associada. Tinha
antecedentes de dislipidemia e aneurisma de aorta abdominal abordado
cirurgicamente com colocação de prótese, há 4 anos. À admissão,
apresentava-se toxemiado, vigil, estável hemodinamicamente, eupneico,
sem alterações em ausculta pulmonar, mas com sopro sistólico mitral
importante. Exames iniciais apresentavam apenas provas inflamatórias
elevadas e leucocitose. A radiografia de tórax mostrava apenas área cardíaca
aumentada e alargamento mediastinal. Hemoculturas e urocultura eram
negativas. A pesquisa de BAAR no escarro, a cultura do mesmo, além da PCR
para BK foram negativas, o que se repetiu durante a internação.
Ecocardiograma transtorácico inicial evidenciava insuficiência mitral
moderada.
Suspeitou-se de endocardite e foi iniciado tratamento com Oxacilina e
Gentamicina, além de suporte clínico. Apresentando melhora do estado
geral nos dias seguintes e mantendo-se estável, embora ainda apresentando
febre, foi encaminhado para a enfermaria. Durante a evolução clínica neste
setor, manteve febre mesmo após 72 horas da introdução da
antibioticoterapia citada. Novos exames foram colhidos e novas imagens
realizadas. O paciente mantinha o mesmo padrão laboratorial, mantinha
hemoculturas (também para o grupo HACEK) negativas. Ultrassonografia de
abdome mostrou aneurisma de aorta abdominal com stent patente.
Tomografia computadorizada (TC) de tórax não evidenciou imagens
sugestivas de acometimento infeccioso ou neoplásico pulmonares.
Embora raramente visto, o abscesso do músculo psoas (AP) pode cursar
com quadros que ameaçam a vida. No passado, era visto na maioria das
vezes como uma complicação da tuberculose. Atualmente, aumentou a
frequência de abscessos do psoas hematogênicos5. A etiologia do AP é
separada em dois grupos: abscesso primário e secundário. O primário está
associado à infecção hematogênica por Staphylococcus e o secundário se
desenvolve a partir de uma infecção ou contaminação de tecidos próximos5.
Esta última geralmente ocorre através da contaminação oriunda do sistema
urinário ou gastrointestinal (microperfurações)6. Sacroileíte piogênica,
infecção aórtica e prótese de quadril infectada são etiologias incomuns.
O abscesso do psoas é uma condição de difícil diagnóstico, pois
apresenta uma sintomatologia clínica variável e pode ter curso insidioso. A
apresentação clínica mais comum da doença é a febre, dor nas costas e
deambulação anormal7. Se não for tratado, tem uma taxa de mortalidade de
até 20%5. Quando o diagnóstico é considerado, propedêutica armada deve
fazer parte da investigação. Pode apresentar também desafios no
tratamento, que deve ser realizado de imediato, sempre que possível, além
de investigada sua etiologia.
A base do tratamento do abscesso do psoas é a drenagem
convencional, seguida da administração de antibiótico apropriado. No
entanto, nos casos com infecção aguda da prótese, a remoção do implante
pode ser necessária e um procedimento em mais tempos cirúrgicos deve ser
planejado através de uma abordagem multidisciplinar8.
Conclusão
Os abscessos são causas comuns de FOI, mas suas localizações muitas
vezes não são em sítios habituais, dificultando o diagnóstico.
Referências:
1. Lambertucci JR. Febre. In: Lopez M, Laurentys-Medeiros J (eds) Semiologia Médica – As Bases do Diagnóstico Clínico. Livraria e Editora
Revinter, Rio de Janeiro.
2. Petersdorf RG, Beeson PB. Fever of unexplained origin: report of 100 cases. Medicine 40: 1-30, 1961.
3. Whitehead TC, Davidson RN. Pyrexia of unknown origin: changing epidemiology. Current Opinion in Infectious Diseases 10: 134-138, 1997.
4. Bleeker-Rovers C., et al. A prospective multicenter study on FUO: the yield of a structured diagnostic protocol. Medicine
(Baltimore) 2007;86(1):26–38.
5. Hsieh M.-S., et al. Features and treatment modality of iliopsoas abscess and its outcome: a 6-year hospital-based study. BMC Infectious
Diseases.
6. Alan C. et al. Xanthogranulamatous pyelonephritis with psoas abscess: 2 cases and review of the literature. International Urology and
Nephrology. 2004
7. Mallick I. H., Thoufeeq M. H., Rajendran T. P. Iliopsoas abscesses. Postgraduate Medical Journal.2004
8. Dauchy FA, et al. Association between psoas abscess and prosthetic hip infection: a case-control study. Acta Orthop 2009
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Relato de Caso: Febre de Origem Indeterminada: Abscesso de Psoas