ILDA BASSO (Org.)
JOSÉ CARLOS RODRIGUES ROCHA (Org.)
MARILEIDE DIAS ESQUEDA (Org.)
II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO
LINGUAGENS EDUCATIVAS:
PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NA ATUALIDADE
BAURU
2008
S6126 Simpósio Internacional de Educação (2. : 2008 : Bauru, SP)
Anais [recurso eletrônico] / 2. Simpósio Internacional de
Educação / Ilda Basso, José Carlos Rodrigues Rocha,
Marileide Dias Esqueda (organizadores). – Bauru, SP :
USC, 2008.
Simpósio realizado na USC, no mês de junho de 2008,
tendo como tema : Linguagens educativas – perspectivas
interdisciplinares na atualidade.
ISBN 978-85-99532-02-7.
1. Educação – simpósios. 2. Linguagens educativas. I.
Basso, Ilda. II. Rocha, José Carlos Rodrigues. III. Esqueda,
Marileide Dias. VI. Título.
CDD 370
COMO O SENSO COMUM COMPREENDE AS FAMÍLIAS HOMOAFETIVAS.
HOW COMMON SENSE EMBRACES HOMOAFFECTIVE FAMILIES.
A.P.G. AVANTE
Universidade do Sagrado Coração
M. I. MARCHI-COSTA
Orientadora
Universidade do Sagrado Coração
Resumo
No que diz respeito ao âmbito social e civil, a constituição familiar vem sofrendo algumas
transformações, o que tem gerado novas estruturas, como, por exemplo, a família
homoafetiva. Diante dessa realidade, surge o presente estudo, que objetiva conhecer como
o senso comum compreende essa configuração familiar. Foram pesquisadas 13 pessoas do
senso comum, que não se autodefinem como homossexuais. A pesquisa, de caráter
qualitativo, utilizou-se de entrevista semidirigida e instrumentalizou-se pela questão: “O que
você pensa sobre a família homossexual?” O estudo ainda está em andamento, porém
resultados preliminares evidenciaram que 38,4% dos entrevistados não concebem a família
homoafetiva como família, por terem como referência a união heterossexual. Dentre esses,
dois atribuíram a não-aceitação também à lealdade a princípios religiosos. Por outro lado, a
grande maioria (61,6%) considera que a família homoafetiva deve ser legitimada, pois o que
importa são os laços afetivos e não a configuração familiar. Dessa parcela, um entrevistado
justificou tal aceitação com base num olhar religioso ressignificado para a
contemporaneidade, já que acredita na necessidade de revisão dos princípios bíblicos cristãos
que abominam a união homoafetiva, alegando que a bíblia foi escrita num outro contexto
social, político e cultural. Considera que há muita mistura entre o que é vontade de Deus e o
que é construção humana. Segundo ele, para haver aceitação da união afetiva é necessário que
as instituições se transformem, principalmente as religiosas, que vivem envoltas em dogmas.
A pesquisa mostrou que, embora ainda haja resistências, a família homoafetiva,
gradativamente, vem ganhando visibilidade e aceitação no ambiente social.
Palavras-Chave: Família; sociedade; homoparentalidade; homossexualidade.
Abstract
What concerns social and civil ambit, familiar constitution has been going through changes.
New familiar configurations has appeared and among them the homoaffective family. This
study aims at understanding how common sense embraces this familiar configuration.
Thirteen people with common sense, that do not define themselves as homosexual, were
interviewed. The research of qualitative character used semi directed interview and had the
following question as instrument: “What do you think about homosexual families?” The
research has not finished yet and the preliminary results show that 38,4% did not conceive
homoaffective family as family because they have heterosexual family as reference; two of
the interviewed imputed the non acceptance due to loyalty to religious principles; 61,6%
consider this kind of family as a type that must be legitimated because affective bonds are
what really matters and not the familiar configuration. One of the interviewed justified this
acceptance with basis in a religious look resignificated to the present days, once the biblical
principles that loath the homosexual union must be revised because they were written in a
different social, political and cultural context. He still considers that there are a lot of values
of what is God´s will and what is human being´s will. To have acceptance of affective union it
is emphasized that is necessary that the institutions reshape themselves. The most difficult
ones in reshaping themselves are the religious ones, because they think dogmatically. The
research showed that, although there is resistance, homoaffective family has progressively
winning visibility and acceptance.
Keywords: Family; society; homoparental; homosexuality
INTRODUÇÃO
A família nuclear é um modelo construído na história da sociedade ocidental. O
questionamento desse modelo torna visível outros tipos de configurações familiares. Houve
um tempo em que as relações familiares – incluindo pai, mãe, filhos, parentes, agregados,
vizinhos, amigos, entre outros – perdiam-se em meio a uma ampla comunidade. As relações
familiares, como a do casal e a dos pais com seus filhos, eram permeadas por relações
comunitárias, consideradas mais importantes, na maioria das vezes.
Essas formas de relações familiares foram se modificando com o passar dos anos.
Segundo (ARIÈS 1986), na Europa, no fim do século XVII e início do XVIII, ocorreu uma
mudança marcante: no lugar da criança e da família, a afeição tornou-se necessária entre os
cônjuges, e entre os pais e os filhos.
Com isso, a família foi se afastando cada vez mais da linhagem e da integridade do
patrimônio. É a partir do século XVIII que os jovens começaram a considerar os sentimentos
para a escolha do cônjuge, desvalorizando aspectos exteriores como propriedade e desejo dos
pais, entretanto o casamento por amor só foi defendido abertamente no século XIX.
Atualmente, é possível perceber que a entidade familiar passa a ser encarada como
uma verdadeira comunidade de afeto e não mais como uma fonte de produção de riqueza
como outrora. O âmbito familiar passa a ser o local mais propício para que o indivíduo venha
a obter a plena realização da sua dignidade como ser humano, porque o elo entre os
integrantes da família deixa de ter conotação patrimonial para envolver, sobretudo, o afeto,
o carinho, amor e a ajuda mútua.
O relacionamento entre os familiares, portanto, ganha uma nova roupagem. Passa a ser
muito mais aberto, democrático e plural, permitindo que cada indivíduo venha a obter, de
fato, a realização da sua felicidade particular.
A Lei Maria da Penha, sancionada pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, ao
o
instituir, no seu art. 5 , II, que a família deve ser “compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa”, acabou se tornando a primeira norma infraconstitucional
a reconhecer categoricamente o conceito moderno de família. Partindo desse princípio, a
família não é constituida por imposição da lei, mas sim por vontade de seus próprios
membros. Frente a isso, o que pensar das famílias homoafetivas?
Diante das mais diversas formas de modelo familiar, neste século tem-se falado muito
na constituição de famílias homoafetivas, ou seja, famílias construídas por um vínculo afetivo
entre duas pessoas do mesmo sexo. Esse fenômeno vem crescendo paulatinamente, fato esse
que tem despertado enorme curiosidade entre a sociedade que ainda, nos dias de hoje,
permanece homofóbica, em sua maioria.
Lidar com questões contemporâneas das diferenças e das desigualdades sociais é um
desafio, pois os “outros”, aqueles que são, ao mesmo tempo, interiores e estranhos à
sociedade ainda são criados (MISKOLCI, 2005).
De acordo com Foucault (1984), desse questionamento da universalidade do modelo
moderno de família, de casamento e de amor, ocorreu – no final do século XX – o início da
ruptura com o formalismo heterocêntrico, que não concedia ao casal formado por indivíduos
de sexos iguais a legitimidade para instituir relações amorosas, matrimoniais e familiares.
Assim, considerar a família no contexto das relações amorosas estáveis entre pessoas do
mesmo sexo, talvez seja, para esse autor, uma oportunidade ímpar para a compreensão dos
limites e possibilidades de construção de uma família plural, dessencializada de qualquer
determinação ‘natural’, na qual a diversidade de formas possíveis de estruturação dos vínculos
familiares tenha como substrato comum não apenas a preocupação com a reprodução
biológica da espécie, mas, especialmente, a criação de condições que assegurem o bem-estar
físico e emocional dos seres humanos em interação (ALMEIDA NETO, 1999).
O presente estudo apresenta como tema a pesquisa que vem sendo realizada com
pessoas de ambos os gêneros, cujo objetivo é o de compreender o que pensam as pessoas do
senso comum sobre a família homoafetiva.
Tem-se percebido que algumas famílias homoafetivas, quando buscam os serviços
profissionais de um psicoterapeuta, normalmente objetivam um trabalho preventivo ou
interventivo, motivadas por questões relacionadas à conjugalidade.
De acordo com Mello (1994), a família está organizada de maneira diferente, segundo
as suas necessidades peculiares, porém, não desorganizada. Considera que há polimorfismo,
uma vez que a família não corresponde ao modelo idealizado. Ou, nos termos definidos por
Vaitsman (1994),
A família não acaba ao dissolver-se o seu núcleo original. Ela muda de lugar,
desloca seus significados, reconstitui seus conteúdos, rearranja suas formas e,
flexivelmente, redefine suas fronteiras e redes de apoio. (VAITSMAN, 1944, p.168)
Considera-se que uma das possíveis fontes geradoras de sofrimento psíquico a essas
famílias é a comunidade próxima que, muitas vezes, age com preconceito que pode culminar
em gozações, dIscriminações, violência e exclusões.
Bourdieu (2002) ratificou essas questões quando mencionou a violência simbólica de
que são vítimas os homossexuais, categoria marcada, estigmatizada e que nos faz pôr em
questão a ordem simbólica vigente.
A falta de estudos a respeito da homossexualidade gera muitas interrogações a respeito
da família homossexual, especialmente quando envolve filhos. Embora conscientes de que a
família está em processo de transformação, algumas indagações ainda ficam sem respostas,
pois, de maneira geral, o modelo de família heterossexual é ainda o que rege os caminhos da
saúde mental. O preconceito e a impotência ainda se fazem presentes, mesmo que de forma
invisível.
Diante de todo o contexto apresentado, é possível perceber a grande necessidade de se
trabalhar junto a essa sociedade na tentativa de ampliar seus conhecimentos, a fim de
minimizar o preconceito e patologizações sobre esse fenômeno que vem sendo cada vez mais
comum na comunidade.
OBJETIVO:
Geral
Conhecer como o senso comum compreende a família homo afetiva.
Específicos
O que pensam sobre a:
•
conjugalidade;
•
família homoafetiva como um modelo de família.
METODOLOGIA
Esta pesquisa, que está em andamento, é de caráter qualitativo e utilizou-se de
entrevista semidirigida para o levantamento dos dados, tendo como questão estimuladora a
seguinte: “O que você pensa sobre a família homoafetiva?” As entrevistas foram realizadas
individualmente e pessoalmente com os participantes. Foi utilizado um gravador digital para
gravar a fala dos participantes, a fim de manter a fidedignidade das respostas, e também foram
feitas algumas perguntas no sentido de ampliar ou melhor, compreender o que estava sendo
dito pelo entrevistado. Optou-se por esse instrumento por acreditar que
possibilite aos
participantes discorrerem mais livremente sobre suas experiências, propiciando a emergência
dos conteúdos de forma espontânea e singular.
Participaram dessa pesquisa, 13 pessoas de ambos os sexos que não se
autodenominam como homossexuais, escolhidas aleatoriamente. Foram entrevistados
médicos, padres, pastores, professores, assistentes sociais, estudantes de psicologia, terapeuta
ocupacional, agentes de saúde e farmacêuticos.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas qualitativamente sob o
referencial da literatura consultada.
Para a discussão dos resultados, foram usados nomes fictícios dos entrevistados,
quando se fizer necessário alguma menção a eles.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O homossexualismo não é um fenômeno social novo, em dois sentidos principais.
Primeiro, porque é indiscutível que, ao longo da história humana, sempre existiram casais de
igualdade biológica, que se elegeram como parceiros afetivo-sexuais: foi apenas a partir do
final do século XX que um número expressivo de homens e mulheres homossexuais começou
a estabelecer relações amorosas estáveis, fundadas na reciprocidade e no livre consentimento,
cujas práticas sexuais não mais estavam dissociadas de uma vinculação emocional substantiva
ou vice-versa. Segundo, porque, apenas nos anos mais recentes, essas mesmas relações
começaram a sair do anonimato e do ostracismo a que estiveram condenadas, ganhando uma
visibilidade social inédita, proporcionada por seus próprios protagonistas, principalmente,
após o advento da epidemia de HIV/AIDS, o que tem gerado uma discussão coletiva sobre
sua legitimidade social (GROSSI, 2003).
Nos dias atuais, é possível perceber uma maior visibilidade em relação ao
homossexualismo, entretanto, observa-se que as pessoas que formam o sistema social ainda
apresentam grande dificuldade em opinar em relação à conjugalidade de casais homossexuais,
fato que se configura na dificuldade sentida pela pesquisadora, em conseguir voluntários para
entrevista, ao divulgar o tema. Diante dos resultados, foi possível perceber que 61,6 % dos
entrevistados concordam com a formação de famílias homoafetivas, porque as consideram
como uma família que deve ser respeitada, sendo, que o que importa são os laços afetivos e
não a configuração familiar formada por um pai e uma mãe heteros. Para essa maioria, as
famílias homoafetivas devem ser legitimadas, pois cada pessoa tem o direito de fazer suas
escolhas, entretanto com cuidado e planejamento, da mesma forma como nas famílias
heterossexuais. O olhar religioso, ressignificado para a contemporaneidade, também foi
trazido por um dos entrevistados.
O conceito de família não é mais como uma família tradicional homem mulher e
filhos,é um grupo de pessoas que possuem uma relação afetiva entre eles, um bem querer
mútuo, ao mesmo tempo uma necessidade de sobrevivência de todos. A união homossexual se
encaixa perfeitamente nesse conceito de família e deve ser respeitada e legitimada (Bento).
Não tenho nada contra, só a favor, cada um tem sua opinião, mas a escolha deve ser
feita com cuidado, com planejamento, tanto quanto a família heterossexual (Mariana).
O mais importante não é a constituição dessa família com um homem e mulher e sim o
laço afetivo (Felícia).
É uma família que deve ser reconhecida pela sociedade, porque é uma família
legítima (Bento).
o
Segundo Alves (2006), é o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1 , III da
Constituição) o principal marco de mudança do paradigma da família. A partir dele, tal ente
passa a ser considerado um meio de promoção pessoal dos seus componentes. Por isso, o
único requisito para a sua constituição não é mais jurídico, e sim fático: o afeto.
Nessa esteira, observa-se que a entidade familiar ultrapassa os limites da previsão
jurídica (casamento, união estável e família monoparental) para abarcar todo e qualquer
agrupamento de pessoas, no qual permeie o elemento afeto (affectio familiae). Em outras
palavras, o ordenamento jurídico deverá sempre reconhecer como família todo e qualquer
grupo no qual os seus membros enxergam uns aos outros como seu familiar (Alves 2006).
Segundo a desembargadora Maria B. Dias, 2003(citada por Luiz Motta, 2006), o fato
de não se assegurar qualquer garantia nem outorgar quaisquer direitos às uniões homoafetivas
infringe o princípio constitucional da igualdade, revela discriminação sexual e violação aos
direitos humanos, pois afronta o direito ao livre exercício da sexualidade, liberdade
fundamental do ser humano que não admite restrições de quaisquer ordens.
Os entrevistados que defendem a união homoafetiva questionam a posição cristã
diante desse fenômeno:
Vive-se numa cultura cristã, então as várias religiões, não só a católica, abominam a
união. A Cultura cristã aceita o homossexual, mas não aceita a homossexualidade, ou seja, a
prática homossexual, portanto, não aceitaria a união homossexual também. Veria isso como
uma ofensa a Deus e como um pecado (Bento).
Tem-se raízes judaico-cristãs e essas raízes estão num livro chamado bíblia ,e na
bíblia temos alguns trechos que condenam a união de pessoas do mesmo sexo. As igrejas
terão que mudar sua mentalidade. A igreja deverá reconhecer que nem tudo que está na
bíblia deve ser reconhecido como palavra de Deus, como vontade de Deus. A bíblia é um
livro arqueológico e tem muito da cultura semita e uma cultura da antiguidade. O semita não
aceitava de forma alguma a união homoafetiva, abominava esse tipo de união, enquanto os
gregos já aceitavam muito bem. Os semitas não aceitavam porque não havia procriação e
isso ficou e tornou-se uma nova moral com uma conotação divina. E isso deve mudar e é
claro que, para boa aceitação da união homoafetiva, é necessário que as instituições se
transformem (Bento).
Para nós, cristãos, seria o resumo dos dez mandamentos. Que seria: amar a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. Amar o próximo como a ti mesmo já é
uma expressão de amor a Deus, é a única expressão de amor a Deus concreta que já tivemos.
O mandamento do amor, que é amar o outro como a mim mesmo, é um mandamento que
exige que as pessoas pensem, ora, se eu tenho que amar o outro como a mim mesmo, eu, em
primeiro lugar, tenho que me amar, agora o que é me amar é me conhecer em primeiro lugar.
A partir daí, eu posso reconhecer o outro como ser humano com seus lados positivos e
negativos, ajudar o ser humano a integrá-lo e respeitar o ser humano nas suas diferenças, eu
também sou diferente. (Bento).
Dos entrevistados, 38,4% não conceberam a família homoafetiva como família, por
terem como referência a família heterossexual, sendo a homo considerada um mau exemplo
para os filhos de casais heterossexuais. Outros não aceitam, porém se flexibilizam, já que é
uma realidade que deve ser compreendida e apoiada, pois, com a união homoafetiva, sofrerão
ainda mais preconceito do que quando se assumiram como homossexuais.
A questão religiosa é, portanto, um fator bastante relevante para essa postura, segundo
a opinião de dois dos entrevistados,
Deus criou o homem e mulher para constituir uma família (Ellen).
No pressuposto teológico bíblico cristão, não existem famílias compostas por pessoas
do mesmo sexo. Em termos de estrutura familiar biblicamente não há nenhuma abertura para
que se constitua uma família homossexual, essa contraria a vontade de quem instituiu a
família, ou seja, o próprio Deus. Contrariando o princípio bíblico, resolvem viver como um
casal, ou melhor, pares, pois, não é casal (Marcio).
Nessa pesquisa, a questão da interferência da religião que se coloca contra a
constituição de uma família homossexual apareceu em apenas dois dos entrevistados, o que
vem comprovar o que diz Almeida Neto (1999), quando destaca que, atualmente, o exercício
da sexualidade está se dissociando cada vez mais das esferas da conjugalidade e da
reprodução: antes de tudo, como uma conseqüência do desenvolvimento científicotecnológico
e da diminuição da influência religiosa, particularmente a cristã, no imaginário social
dominante no Ocidente.
A idéia da constituição de famílias homoafetivas preocupa os que se posicionam
contra, os quais se apóiam na idéia da constituição familiar convencional, tradicional ou seja,
heterossexual.
Se um casal vive junto e adota uma criança não deve ser considerado família, e nem
casamento-Casal é um homem e uma mulher. (Camilo).
A definição de família, se recorrermos aos dicionários, exclui o homossexual da
estrutura familiar, então se você pensar em família, você terá que pensar no pai sendo
homem, na mãe e nos filhos. (Marcio).
A visão conservadora que tem como diretriz a escritura receberá um homossexual
com amor, carinho, procurará conhecer as causas dessa orientação e procurará orientar
para deixar esse hábito de vida pra que ele consiga se enquadrar no contexto. (Márcio).
Não concordo, não aceito, acho errado. Se a justiça oficializar essa união , aí vai ser
pior ainda, pois vão querer ter direito a ter filhos. (Vicente).
Fazer do casamento e da maternidade/paternidade experiências possíveis no âmbito da
homossexualidade ainda parece significar, para muitos, uma inaceitável e ameaçadora
usurpação de instituições e de valores, os quais ancestralmente têm sido utilizados como
confirmadores do modelo e da norma heterossexual (FLEISCHER, 1998).
Essas questões nos reportam ao conceito de pânico moral, cujo foco de investigação
sociológica é a dinâmica de mudança social e como ela se dá em um processo no qual está em
disputa a determinação dos limites morais da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deve-se ressaltar que a aceitação social crescente das relações amorosas estáveis entre
gays e lésbicas parece estar sendo influenciada também pela nítida diferenciação
entre papéis conjugais e parentais, presentes nas representações e práticas sociais relativas à
família, a qual decorre, em grande medida, da generalização do divórcio e da
monoparentalidade. Por outro lado, torna-se cada vez mais aceito o entendimento de que a
procriação não é o objetivo único do casamento, valorizando-se, em contrapartida, a relação
de companheirismo, apoio e ajuda mútua entre os cônjuges.
A pesquisa mostrou que, embora ainda haja resistências, a família homoafetiva,
gradativamente, vem ganhando visibilidade e aceitação no ambiente social. Diante desse
ganho, é viável pensarmos que não devemos ser mantenedores das forças e do poder e que,
por isso, é preciso pensarmos na legitimação das diferenças na intenção de minimizar os
preconceitos em relação a essa realidade cada vez mais presente na sociedade.
Essa realidade de novos casais e de novas famílias homossexuais poderia estar
influenciando o processo geral de transformação das representações e práticas sociais
relacionadas à sexualidade, ao amor, ao casamento e à família, e isso tem colaborado para
uma maior aceitação da conjugalidade homossexual e também para a construção de uma
sociedade em que as pessoas possam escolher a melhor forma de amor e de desejo sexual,
sendo, independentemente de sua escolha, respeitadas e valorizadas.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA NETO, L. M. (1999). Família no Brasil dos anos 90: um estudo sobre a
construção social da conjugalidade homossexual. Tese de Doutorado, Programa de PósGraduação em Sociologia, Universidade de Brasília. Brasília, DF.
ALVES, L. B. M. A constitucionalização do direito de família. In: JusNavigandi, Teresina, a.
6, n. 52, nov. 2001, disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2441;
acesso em 08/05/08.
GROSSI, M. P. (2003). Gênero e parentesco: famílias gays e lésbicas no Brasil. Em H.
B. Almeida
MELLO, J. L. P. L. (1994). A gestão do amor: domesticação e disciplina. Tese de
Doutorado. Faculdade de Antropologia, Universidade de Brasília. Brasília, DF MISKOLCI,
R. Pânicos morais e controle social. Reflexões sobre o casamento gay. São Carlos: UFSCar.
MOTTA, L. Homo-afetividade e direitos humanos. Rev. Estud. Fem. vol.14 no.2
Florianópolis May/Sept. 2006.Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v14n2/a11v14
n2.pdf; acesso em 08/05/08
VAITSMAN, J. (1994) Flexíveis e plurais: identidades, casamento e família em
circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Rocco.
ARIÈS, P. (1986). História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara.
BOURDIEU, P. (2002). A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
FLEISCHER, S. (1998). Uma crítica ao heterocentrismo nos estudos de parentesco: o “novo
parentesco” nos casamentos lésbicos. Brasília: UnB. Mimeo.
FOUCAULT, M. (1984). História da sexualidade III: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal .
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como o senso comum compreende as famílias homoafetivas.