SENSO
COMUM
E
CONHECIMENTO
CIENTÍFICO
SENSO COMUM No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um
modo de entender e atuar sobre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não
passam por baixo de escadas, porque acreditam que dá azar; se quebrarem um
espelho, sete anos de azar. Algumas confeiteiras sabem que o forno não pode ser
aberto enquanto o bolo está assando, senão ele "embatuma", sabem também
que a determinados pratos, feitos em banho-maria, devem-se acrescentar umas
gotas de vinagre ou de limão para que a vasilha de alumínio não fique escura.
Como aprenderam estas informações? Elas foram sendo passadas de geração a
geração. Elas não só foram assimiladas mas também transformadas,
contribuindo assim para a compreensão da realidade. Assim, se o conhecimento
é produto de uma prática que se faz social e historicamente, todas as explicações
para a vida, para as regras de comportamento social, para o trabalho, para os
fenômenos da natureza, etc., passam a fazer parte das explicações para tudo o
que observamos e experienciamos. Todos estes elementos são assimilados ou
transformados de forma espontânea. Por isso, raramente há questionamentos
sobre outras possibilidades de explicações para a realidade. Acostumamo-nos a
uma determinada compreensão de mundo e não mais questionamos; tornamonos "conformistas de algum conformismo". São inúmeros os exemplos
presentes na vida social, construídos pelo "ouvi dizer", que formam uma visão
de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma forma usada pelo
homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana. Isso tudo é
denominado de senso comum ou conhecimento espontâneo. Portanto, podemos
dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado pelos homens, de forma
empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, sem se preocupar
com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar os problemas
colocados justamente pelo cotidiano. Portanto, é também um saber ingênuo
uma vez que não possui uma postura crítica. "Em geral, as pessoas percebem
que existe uma diferença entre o conhecimento do homem do povo, às vezes até
cheio de experiências, mas que não estudou, e o conhecimento daquele que
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estudou determinado assunto. E a diferença é que o conhecimento do homem
do povo foi adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com método,
com crítica ou com sistematização. Ao passo que o conhecimento daquele que
estudou algo foi obtido com esforço, usando-se um método, uma crítica mais
pensada e uma organização mais elaborada dos conhecimentos."(LARA, p 56,
1983). Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida de
conhecimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superar
suas necessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos
mesmo não sendo psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos de
pedagogos ou psicólogos são melhor educados. O senso comum é ainda
subjetivo ao permitir a expressão de sentimentos, opiniões e de valores pessoais
quando observamos as coisas à nossa volta. Por exemplo: a) se uma
determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenha um grande valor
profissional, torna-se difícil reconhecer este valor. Neste caso, a antipatia por
esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade;b) os
hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais,
concebemos este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, etc. Por
essa razão os consideramos ignorantes e ridículos, pois tendemos a julgar os
povos, que possuem uma cultura diferente da nossa, a partir do nosso
entendimento valorativo.Levando-se em conta a reflexão feita até aqui,
podemos considerar o senso comum como sendo uma visão de mundo precária
e fragmentada. Mesmo possuindo o seu valor enquanto processo de construção
do conhecimento, ele deve ser superado por um conhecimento que o incorpore,
que se estenda a uma concepção crítica e coerente4 e que possibilite, até
mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, como as ciências sociais.
CONHECIMENTO CIENTÍFICO Os Gregos, na antigüidade, buscavam através
do uso da razão, a superação do mito ou do saber comum. O avanço na
produção do conhecimento, conseguido por esses pensadores, foi estabelecer
vínculo entre ciência e pensamento sistematizado (filosofia, sociologia...), que
perdurou até o início da Idade Moderna. A partir daí, as relações dos homens
tornaram-se mais complexas bem como toda a forma de produzir a sua
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sobrevivência. Gradativamente, houve um avanço técnico e científico, como a
utilização da pólvora, a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia
de Galileu, etc. Foi no início do século XVII, quando o mundo europeu passava
por profundas transformações, que o homem se tornou o centro da natureza
(antropocentrismo). Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a
estrutura do pensamento e rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda
vigentes e defendidas pela Igreja, segundo as quais tudo era hierarquizado e
imóvel, desde as instituições e até mesmo o planeta Terra. O homem passou,
então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seu conhecimento,
podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses e experimentá-las
para verificar a sua veracidade, superando assim as explicações metafísicas e
teológicas que até então predominavam. O mundo imóvel foi substituído por um
universo aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era o nascimento da
ciência enquanto um objeto específico de investigação, com um método próprio
para o controle da produção do conhecimento.Portanto, podemos afirmar que o
conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade, pois tem
apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa prática constante, procurando
afastar crenças supersticiosas e ignorância, através de métodos rigorosos, para
produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta prever
acontecimento e agir de forma mais segura. Sendo assim, o que diferencia o
senso comum do conhecimento científico é o rigor. Enquanto o senso comum é
acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e a tradições conservadoras, a
ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas que produzam teorias que
revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciência produz o
conhecimento a partir da razão. Desta forma, o cientista, para realizar uma
pesquisa e torná-la científica, deve seguir determinados passos. Em primeiro
lugar, o pesquisador deve estar motivado a resolver uma determinada situaçãoproblema que, normalmente, é seguida , por algumas hipóteses. Usando sua
criatividade, o pesquisador deve observar os fatos, coletar dados e então testar
suas hipóteses, que poderão se transformar em leis e, posteriormente, ser
incorporadas às teorias que possam explicar e prever os fenômenos. Porém, é
fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação de verdades
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prontas e acabadas. Neste caso, estaríamos refletindo sobre cientificismo e não
ciência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções e
contestações sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando,
que, o que prova que uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar
ser refutada.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO PARA AUGUSTE COMTE Para Comte, o
conhecimento científico é, baseado na observação dos fatos e nas relações entre
fatos que são estabelecidas pelo raciocínio. Estas relações excluem tentativas de
descobrir a origem, ou uma causa subjacente aos fenômenos, e são, na verdade,
a descrição das leis que os regem. Comte afirma: "Nossas pesquisas positivas
devem essencialmente reduzir-se, em todos os gêneros, à apreciação sistemática
daquilo que é, renunciando a descobrir sua primeira origem e seu destino final".
O conhecimento científico positivo, que estabelece as leis que regem os
fenômenos de forma a refletir o modo como tais leis operam na natureza, tem,
para Comte, ainda, duas características: é um conhecimento sempre certo, não
se admitindo conjecturas, e é um conhecimento que sempre tem algum grau de
precisão. Assim, Comte reforça a noção de que o conhecimento científico é um
conhecimento que não admite dúvidas e indeterminações e desvincula-o de todo
conhecimento especulativo. "Se, conforme a explicação precedente, as diversas
ciências devem necessariamente apresentar uma precisão muito desigual, não
resulta daí, de modo algum, sua certeza. Cada uma pode oferecer resultados tão
certos como qualquer outra, desde que saiba encerrar suas conclusões no grau
de precisão que os fenômenos correspondentes comportam, condição nem
sempre fácil de cumprir. Numa ciência qualquer, tudo o que é simplesmente
conjectural é apenas mais ou menos provável, não está aí seu domínio essencial;
tudo o que é positivo. isto é, fundado em fatos bem constatados, é certo - não há
distinção a esse respeito".
CIÊNCIA E VIDA O termo ciência vem do latim, scientia, de sciens,
conhecimento, sabedoria. É um corpo de doutrina, organizado metodicamente
que constitui uma área do saber e é relativo a determinado objeto. O que
caracteriza cada ciência é seu objeto formal, ou seja, a coisa observada, porém, o
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desdobramento dos objetos do saber científico caminhou progressivamente para
a especialização das ciências (ato que marcou sobremaneira o século XIX com o
advento da técnica e da industrialização). Isto culminaria na perda da visão
totalitária do se4r e na sua conseqüente fragmentação. O saber científico
necessita de objetividade, na busca da verdade, e também deve possuir método
próprio, responsável pelo cumprimento de um plano para a observação e a
verificação de qualquer matéria. Entretanto, esse caráter objetivo da ciência,
que corresponde aos dados e variáveis coletados, traz consigo uma gama
irrestrita de pensamentos, teorias e paradigmas que nos remete para a reflexão
bioantropológica do conhecimento, bem como para a reflexão das teorias nos
aspectos culturais, sociais e históricos. Não se pode perder de vista que o
cientista que investiga as ciências é um ser humano falível e é preciso que as
ciências se questionem acerca de suas estruturas ideológicas. Nesse contexto, a
questão "O que é ciência?" ainda não conta com uma resposta científica,
considerando que todas as ciências, incluindo as físicas e biológicas, são
também sociais. Portanto, têm origem, enraizamento e componente biofísico, o
que seu campo de estudo procura renegar, na tentativa de expressar, através de
sua especialização, a estrutura do pensamento linear do conhecimento
científico. Ou seja, a ciência, com suas teorias e metodologias "salvadoras", não
dispõe da habilidade de refletir-se para o autoconhecimento. Dessa forma, não é
científico tentar definir as fronteiras da ciência. Não é científico, porque não é
seguro, e qualquer pretensão em fazê-lo tornar-se-ia irresponsável.
Renato Rodrigues http://www.sle.br
ATIVIDADE
1. Fale sobre a importância do senso comum.
2. Como os gregos na Antiguidade buscavam explicações para seus
questionamentos?
3. Segundo o texto, qual era a visão de Aristóteles?
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4. Descreva o nascimento da ciência, baseado na leitura do texto.
5. Cite diferenças básicas entre senso comum e ciência.
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Senso comum e conhecimento cientfico