artigo original
Análise de 153 casos de corpos estranhos esofágicos
Eduardo Felipe Barbosa Silva, Luciana Miwa Nita Watanabe, Denise Bastos Lage Ferreira e Gutemberg de Freitas Rêgo
DOI: 10.14242/2236-5117.2013v49n3a223p296
RESUMO
Objetivo. Descrever características clínicas e abordagens terapêuticas de uma série de pacientes com
corpos estranhos esofágicos atendidos no setor de
pronto-socorro de um hospital público de Brasília,
Distrito Federal.
Eduardo Felipe Barbosa Silva – médico assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília,
Distrito Federal, Brasil. Título de especialista em Pneumologia, Tisiologia
e Endoscopia Respiratória
Luciana Miwa Nita Watanabe – médica assistente, doutora, Unidade
de Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília,
Distrito Federal, Brasil
Método. Estudo descritivo e retrospectivo realizado com base em prontuários de pacientes
com diagnóstico de corpos estranhos esofágicos,
atendidos no setor de urgências da Unidade de
Broncoesofagologia do Hospital de Base do Distrito
Federal durante o período de fevereiro de 2012 a
janeiro de 2013. A amostra foi distribuída em dois
grupos etários: adultos com 18 anos completos ou
mais (grupo A); crianças e adolescentes com menos
de 18 anos (grupo C), para a análise das seguintes
variáveis: sexo, idade, características do corpo estranho (tipo, localização), quadro clínico, fatores
predisponentes à ingestão e impactação do corpo
estranho, tratamento, complicações e mortalidade.
Denise Bastos Lage Ferreira – médica assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília,
Distrito Federal, Brasil. Título de Especialista em Otorrinolaringologia e
Cirurgia Cervicofacial
Resultados. A amostra é composta de 153 indivíduos, com predomínio etário no grupo A de 51
a 60 anos e, no grupo C, de até 2 anos. Os objetos
mais comumente encontrados foram fragmentos
alimentares, nos adultos, e moedas, nas crianças.
O esôfago cervical foi o local de impactação predominante na amostra. O método de tratamento mais
utilizado foi a esofagoscopia, rígida ou flexível, com
taxa de sucesso de 97,6%. Complicações causadas
por eles ocorreram em 7,1% dos casos, e os tipos
mais associados às complicações foram objetos
pontiagudos, em adultos, e baterias do tipo botão,
em crianças. Ocorreu um caso de perfuração esofágica iatrogênica pelo esofagoscópio rígido. Não
houve registro de óbito neste estudo.
Conflito de interesses: os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.
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Gutemberg de Freitas Rêgo – médico assistente, Unidade de
Broncoesofagologia, Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília,
Distrito Federal, Brasil. Título de Especialista em Cirurgia Torácica
Correspondência: Eduardo Felipe Barbosa Silva. Hospital de
Base do Distrito Federal, Unidade de Broncoesofagologia, Setor
de Ambulatórios, Bloco de procedimentos especiais, SMHS Área
Especial, quadra 101, CEP 70330-150, Brasília-DF.
Internet: [email protected]
Recebido em 14-11-2013. Aceito em 20-12-2013.
Conclusões. Os corpos estranhos pontiagudos e
as baterias do tipo botão causaram a maioria das
complicações. O diagnóstico e o tratamento devem
ser precoces e a esofagoscopia, rígida ou flexível, se
mostraram eficazes e seguras no tratamento.
Palavras-chave. Corpos estranhos; esôfago; complicações; tratamento
Eduardo Felipe Barbosa Silva e cols. • Análise de 153 casos de corpos estranhos esofágicos
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Analysis of 153 cases of esophageal foreign bodies
A ingestão de corpos estranhos de forma intencional ou acidental é ocorrência habitual em serviços de pronto-socorros.1 Aproximadamente um
terço deles se impactam no esôfago e têm importância clínica pela morbidade e mortalidade que
podem causar.2
Objective. To determine the clinical characteristics of
patients presenting with esophageal foreign bodies seen
in the emergency ward of a public hospital in Brasília –
DF and to explore the available treatment methods.
Method. This was a descriptive and retrospective study
based on data from the medical records of patients
diagnosed with esophageal foreign bodies seen at
the emergency ward of the Bronchoesophagology
Unit of Hospital de Base of the Federal District from
February 2012 to January 2013. The sample was
divided into two groups – adults aged 18 years or older
(group A); children and adolescents under 18 years
(group C) – for the analysis of the following variables:
gender, age, characteristics of foreign body (type and
location), clinical findings, predisposing factors for the
ingestion and impaction of foreign bodies, treatment,
complications, and mortality rate.
Results. The sample included 153 individuals. Age
prevalence in group A was 51 to 60 years old and
subjects under 2 years old prevailed in group C. The
objects most commonly found were food fragments in
adults and coins in children. The cervical esophagus
was the main site of impaction in the study. The
most widely used method of treatment was rigid or
flexible esophagoscopy, with a success rate of 97.6
%. Complications occurred in 7.1% of cases and most
of them were associated with sharp objects in adults
and button batteries in children. There was one
case of iatrogenic esophageal perforation by rigid
esophagoscopy. There were no deaths in this study.
Conclusions. Sharp foreign bodies and button batteries
caused most of the complications. Early diagnosis and
treatment are extremely important and rigid or flexible
esophagoscopy is an effective and safe treatment.
Key words. Foreign bodies; esophagus; complications;
treatment
Nesse estudo, propõe-se determinar retrospectivamente as características clínicas e métodos
de tratamento de uma série de pacientes com
corpos estranhos esofágicos atendidos no setor
de pronto-socorro de um hospital público de
Brasília-DF.
MÉTODO
Trata-se de estudo retrospectivo descritivo realizado por meio da coleta de dados obtidos em prontuários de pacientes atendidos no Setor de Emergência
da Unidade de Broncoesofagologia do Hospital de
Base do Distrito Federal, Brasília-DF, com diagnóstico confirmado, por exames radiológicos e ou endoscópicos, de corpo estranho esofágico no período de
fevereiro de 2012 a janeiro de 2013.
Foram excluídos doentes com história de ingestão de corpos estranhos não localizados no esôfago e aqueles cujos dados de prontuários foram
insuficientes (cinco pacientes). Para as análises,
os sujeitos foram distribuídos em dois grupos
etários. Grupo A, adultos com 18 anos completos
ou mais, e grupo C, crianças e adolescentes com
menos de 18 anos de idade. As variáveis analisadas foram sexo, idade, tipo do corpo estranho,
localização, quadro clínico, fatores predisponentes à ingestão e impactação, tratamento, complicações e mortalidade.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Secretaria de Estado de Saúde
do Distrito Federal.
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RESULTADOS
Foram incluídos 153 pacientes, ou seja, 101 adultos
(grupo A) e 52 casos entre crianças e adolescentes
(grupo C). Quarenta e nove indivíduos do grupo A
(48,5%) e 28 indivíduos do grupo C (53,8%) foram do
sexo masculino. A distribuição por idade foi bimodal – o primeiro pico ocorreu em crianças de até 2
anos de idade (n = 25; 48%), e o segundo, em adultos
de 51 a 60 anos (n = 27; 26,7%) (figura 1).
Os corpos estranhos esofágicos mais encontrados
no grupo A foram os de origem alimentar, como
carne e ossos de bovinos e galináceos e espinhas de
peixe (88,1%), e no outro, moedas (44,2% dos casos)
(tabela 1). A maioria deles estava localizada no esôfago cervical – 69,3% (grupo A) e 69,2% (grupo C).
Tabela 1. Tipos de corpos estranhos esofágicos identificados
na amostra estudada
Corpos estranhos
Adultos
n
0-2
Moedas
3-4
7-8
9-10
11-12
13-14
Idade (anos)
0
23
89
9
Baterias do tipo botão
0
7
Fragmentos de metal
1
7
Fragmentos de brinquedo
0
3
Prótese dentária
9
0
Miscelânea
(pedra, lente de óculos, tampa
de caneta, palito
de dente, comprimido).
2
3
101
52
Alimentos (osso, carne)
5-6
Crianças e
adolescentes
n
Totais
15-16
17
As principais queixas clínicas foram dor, disfagia,
odinofagia, sialorreia, recusa alimentar e vômitos
em ambos os grupos.
18-20
21-30
31-40
41-50
51-60
61-70
71-80
0
5
10
15
20
Número de casos
25
30
Figura 1. Distribuição dos corpos estranhos esofágicos de acordo com a faixa etária em 153 pacientes estudados
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Vinte e quatro adultos apresentaram história de:
ausência de elementos dentários (nove casos, 8,9%),
estenose de esôfago cáustica (cinco casos, 4,9%),
estenose de esôfago actínica (um caso, 0,9%), megaesôfago chagásico (um caso, 0,9%), psicopatias
(três casos, 2,9%), epilepsia (um caso, 0,9%), sequela
de acidente vascular cerebral (um caso, 0,9%), síndrome de Down (um caso, 0,9%), neoplasia de laringe (um caso, 0,9%) e houve um paciente presidiário
(um caso, 0,9%). Dois pacientes menores de 18 anos
relataram antecedentes de estenose de esôfago (um
caso, 1,9%) e atresia de esôfago com síndrome de
Down (um caso, 1,9%), fatores que podem ser considerados predisponentes à ingestão e ou à impactação dos elementos deglutidos (tabela 2).
Eduardo Felipe Barbosa Silva e cols. • Análise de 153 casos de corpos estranhos esofágicos
Tabela 2. Fatores concomitantes ou predisponentes à ingestão
e impactação de corpo estranho esofágico
Adultos
n = 24
Crianças e adolescentes
n=2
Edêntulos (n = 9)
Estenose de esôfago (n = 1)
Estenose de esôfago cáustica
(n = 5)
Atresia de esôfago (n = 1)*
Estenose de esôfago
actínica (n = 1)
Megaesôfago
chagásico (n = 1)
Psicopatias (n = 3)
Epilepsia (n = 1)
Sequela de acidente vascular
cerebral (n = 1)
Síndrome de Down (n = 1)
Cinco adultos (4,9%) e seis crianças (11,5%) sofreram complicações relacionadas à impactação do
corpo estranho esofágico (tabela 3) e perfizeram
prevalência global de 7,2%. Um caso de fístula traqueoesofágica, do grupo C, causada por bateria
do tipo botão (figura 2) foi submetido à correção
cirúrgica (esofagorrafia e traqueoplastia) e as demais intercorrências foram tratadas clinicamente
com sucesso. No grupo A, ocorreu perfuração esofágica com o uso do esofagoscópio rígido e houve
necessidade de tratamento cirúrgico, tendo sido
realizadas esofagostomia, cerclagem esofágica e
jejunostomia, associadas à toracotomia e drenagem
torácica, com boa evolução clínica. No grupo C, não
foram observadas iatrogenias. Não houve óbitos.
Neoplasia de laringe (n = 1)
Presidiário (n = 1)
*Criança com síndrome de Down
Nos grupos A e C, a esofagoscopia foi realizada em
94 e 32 casos, respectivamente, sendo 87 (92,5%) e
27 (84,4%) com aparelho rígido; sete (7,4%) e cinco (15,6%), com o flexível. A sonda magnética foi
usada para remoção de moedas em vinte ocasiões.
A bugia foi usada em quatro casos de impactação,
dois por bolo de carne, um por dente de alho e um
por comprimido de medicamento. Um desses pacientes tinha megaesôfago chagásico.
Três adultos (2,9%) foram submetidos à cervicotomia, sendo dois para retirada de prótese dentária e
um para exérese de fragmento ósseo, após insucesso da remoção pelos métodos endoscópicos.
Figura 2. Bateria do tipo botão com sinal do halo
Tabela 3. Complicações relacionadas ao corpo estranho esofágico
Adultos
n=5
Crianças e
adolescentes
n=6
Fístula traqueoesofágica
0
1
Bateria do tipo botãoc
Infecções periesofágicas
2
2
Ossoc, moeda cronicamente impactadac, palitoa,
prótese dentáriaa
Pneumonia por aspiração
0
2
Bateria do tipo botãoc
Perfuração esofágica
3
1
Bateria do tipo botãoc, osso, espinhasa (n = 2)
Complicações
Tipos de corpo estranho esofágico
Adulto. cCriança e adolescente.
a
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DISCUSSÃO
A ingestão acidental ou intencional de corpos estranhos em todas as idades é ocorrência comum em
serviços de pronto-socorro.1 A maioria dos pacientes
necessita somente de orientações quanto à eliminação espontânea daqueles pelas fezes. Porém, 10% a
20% dos casos necessitarão de procedimentos médicos para tratamento e controle de complicações
decorrentes dele ou da terapêutica adotada.1
No presente estudo, a impactação ocorreu com
maior frequência em pessoas do sexo masculino,
entre crianças e adolescentes, e em pacientes femininos entre os adultos. O predomínio da impactação dos corpos estranhos esofágicos de acordo com
o sexo variou conforme os estudos, especialmente
ao analisarmos os maiores de 18 anos.3
Em relação à idade, a maior ocorrência na faixa de
até dois anos está provavelmente relacionada à fase
oral do desenvolvimento1,4 e, nos adultos, os eventos predominaram em pacientes da sexta década de
vida, podendo estar relacionadas à diminuição da
visão, do controle da deglutição e da sensibilidade
oral e ainda do uso de próteses dentárias.5
Quanto ao tipo de objeto deglutido, os mais comuns
neste estudo foram moedas, em crianças e adolescentes, e os de origem alimentar, como fragmentos
de carne, ossos e espinhas de peixe, em adultos, conforme também observado em trabalhos prévios.1,4,6
queixas foram recusa alimentar, sialorreia, disfagia, odinofagia e vômitos, compatíveis com achados de outros autores.1,6
A ocorrência de fatores predisponentes à ingestão
ou impactação de corpo estranho esofágico foi maior
nos adultos e concorda com estudos anteriores.1,6,8
A esofagoscopia, com aparelho rígido ou flexível, é
o tratamento de preferência, tendo sido usada em
cento e vinte e seis pacientes, com taxa de sucesso de 97,6%. Cabe ressaltar que, na casuística dos
autores do presente estudo, a esofagoscopia flexível se mostrou mais indicada em casos, como, por
exemplo, em doentes com rigidez cervical. Em outros, o aparelho rígido foi superior nos casos com
corpo estranho esofágico volumoso e ficou evidente que os métodos se complementaram.
Procedimentos não endoscópicos foram úteis em
24 pacientes. A sonda magnética9 forneceu grande
auxílio na remoção de moedas, com taxa de sucesso
em 86,9%, e as bugias foram usadas para promover
a progressão de objetos não cortantes para o estômago. Com essas técnicas não foram registradas
complicações. Um paciente era portador megaesôfago chagásico. A desimpactação de corpo estranho esofágico com a utilização de bugias é método
discutível no meio médico devido à possibilidade
de não diagnosticar afecções esofágicas que predispõem ao evento e à perfuração.1
A impactação do corpo estranho ocorre predominantemente nos estreitamentos anatômicos
do esôfago, como esfíncter esofágico superior, a
compressão do arco aórtico, bifurcação traqueal e
esfíncter esofágico inferior, além de regiões com
estenoses patológicas. Independentemente da faixa etária, houve, no presente estudo, predomínio
de impactação na porção cervical desse órgão em
conformidade com a literatura.5-8
Complicações como perfuração, infecção, fístula
e migração podem ser causadas por corpo estranho esofágico, assim como pelo seu tratamento.10-13
Neste estudo, a maioria delas esteve relacionada
ao próprio objeto e correspondeu à taxa global
de 7,2%. Estas estão relacionadas a tipo, forma e
tempo de permanência do corpo estranho.1,5,14-16
Baterias do tipo botão em crianças e adolescentes
e objetos pontiagudos em adultos foram os principais responsáveis por eventos adversos.
Usualmente crianças maiores, adolescentes e adultos informam a ingestão, o tipo e localização do
corpo estranho, diferentemente de crianças menores e indivíduos com distúrbios neuropsiquiátricos.
Em ambos os grupos etários avaliados, as principais
Na presente casuística, ocorreu um caso de perfuração iatrogênica com o esofagoscópio rígido em
um adulto (0,85%), incidência aceitável de acordo
com a literatura (0,11% a 3,2%).1-5,15,17-19 Não ocorreu óbito entre os casos estudados, mas alguns
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Eduardo Felipe Barbosa Silva e cols. • Análise de 153 casos de corpos estranhos esofágicos
estudos mostram taxa de mortalidade que varia
de 0,05% a 0,2%.2,17,20
Conclui-se que os corpos estranhos pontiagudos e
as baterias do tipo botão causaram a maioria das
complicações. O diagnóstico e o tratamento devem
ser precoces, e a esofagoscopia, rígida ou flexível,
se mostraram eficazes e seguras no tratamento.
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