Interbio v.2 n.2 2008 - ISSN 1981-3775
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DA AMAMENTAÇÃO AOS AFETOS DA VIDA ADULTA
OF THE BREAST-FEEDING TO THE AFFECTIONS OF THE ADULT LIFE
SILVA, Luciana Codognoto da1; DAUBER, Lia2
Resumo
O presente trabalho objetiva evidenciar o processo de amamentação como fator estruturante dos vínculos
afetivos humanos. Sigmund Freud e sucessores da teoria psicanalítica (Bowlby e Klein) sempre foram unânimes
em reconhecer a importância das primeiras relações objetais como base para o desenvolvimento emocional e
afetivo da criança. Sob esse prisma, o presente trabalho traz considerações referentes ao desenvolvimento
infantil, contrapondo os pontos mais importantes na teoria das relações objetais, bem como aponta o processo
histórico-cultural da amamentação, através do estudo bibliográfico. Por conseguinte, as primeiras relações da
criança com o mundo externo, estabelecidas através da oralidade, contribuirão para o seu desenvolvimento
emocional, possibilitando-lhe firmar os alicerces de sua vida afetiva adulta, culminado no estabelecimento,
manutenção, ou ainda, no rompimento de seus vínculos amorosos e interpessoais. Logo, os sentimentos
ambivalentes de amor e ódio tornar-se-ão partes de um mesmo processo, sendo dirigidos, apenas, aos objetos de
grande significado para a vida humana.
Palavras-Chave: Amamentação, Afeto, Relações de Objeto, Psicanálise.
Abstract
The present work aims at to evidence the breast-feeding process as factor estruturante of the human affectionate
bonds. Sigmund Freud and successors of the theory psychoanalysis (Bowlby and Klein) they were always
unanimous in recognizing the importance of the first relationships object as base for the child's emotional and
affectionate development. Under that prism, the present work brings considerations regarding the infantile
development, opposing the most important points in the theory of the relationships objects, as well as it points
the historical-cultural process of the breast-feeding, through the bibliographical study. Consequently, the child's
first relationships with the external world, established through the oral, they will contribute to his emotional
development, making possible to firm him the foundations of his adult affectionate life, culminated in the
establishment, maintenance, or still, in the breaking of their loving bonds and interpessoais. Therefore, the
ambivalent feelings of love and hate will become leave of a same process, being driven, just, to the objects of
great meaning for the human life.
Key-Words: Breast-feeding, Affection, Relationships of Object, Psychoanalysis.
1
Graduada em Psicologia pela UNIGRAN-Dourados (MS) e Pós-Graduanda em Metodologia do Ensino
Superior pela UNIGRAN. Dedica-se ao estudo das questões infantis, mediante a compreensão da teoria
psicanalítica e da teoria sócio-histórica. Endereço eletrônico: lucodognoto@ hotmail.com. Telefones: (67) 3-4431017 e (67) 8127-8114.
2
Mestre em Psicologia da Saúde e Comportamento Social pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB,
Campo Grande – MS, especialista no Método de Rorschach e Professora de Técnicas de Exame Psicológico e
Psicologia da Personalidade, no curso de Psicologia do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN,
Dourados - MS.
SILVA, Luciana Codognoto da; DAUBER, Lia
Interbio v.2 n.2 2008 - ISSN 1981-3775
Introdução
Nos últimos anos, são freqüentes as
discussões a respeito da alimentação da
criança no primeiro semestre de vida.
Relevantes são os destaques apontando os
benefícios
proporcionados
pela
amamentação, não apenas por suas
propriedades alimentícias e imunológicas,
mas principalmente pelos reflexos que esse
envolvimento gerará no emocional da
criança, possibilitando o estabelecimento e a
manutenção dos vínculos afetivos da idade
adulta.
Na Antigüidade, havia uma grande
preocupação quanto à alimentação do
infante. As mães egípcias e assírias
priorizavam a prática da amamentação como
fator indispensável para o desenvolvimento
saudável do filho. Contudo, nesse período,
ainda eram desconhecidos os efeitos
psicológicos decorrentes do contato maternofilial (ORNELLAS, 2003).
Na Idade Média, utilizando-se da
filosofia e dos ideais de “Liberdade e
Igualdade”
propostos
pela
corrente
iluminista do século XVIII, o filósofo Jean
Jacques Rousseau (1712-1778) acreditava na
importância da amamentação como via de
construção das bases afetivas humanas.
Com o advento da psicanálise, Freud
(1915) e sucessores confirmam e difundem a
teoria das relações objetais estabelecidas pela
criança nos primeiros momentos de vida,
através da oralidade, como fator primordial
para o desenvolvimento da afetividade
adulta.
Em vista disso, muitos trabalhos têm
sido realizados pela área médica e pelos
profissionais da saúde, visando propagar os
benefícios incontestáveis do aleitamento
materno. A psicologia, por sua vez, destacase pela ênfase que dá a esse processo,
situando-o como elemento de promoção da
saúde mental humana e, conseqüentemente,
como caminho para o progresso das relações
objetais, culminando no estabelecimento das
emoções e sentimentos do ser humano.
Com os primeiros trabalhos descritos
por
Freud,
muitos
psicanalistas
e
5
pesquisadores
ampliaram
a
teoria
psicanalítica, concordando, ou ainda,
divergindo de alguns de seus pontos,
contribuindo para o surgimento de novas
teorias e pesquisas acerca das relações
objetais.
Nesse sentido, destacamos os trabalhos
de
pesquisadores
psicanalíticos
contemporâneos,
representado
pela
compreensão de Lejarraga (2003) sobre a
noção de ternura, mediante o entendimento
da teoria de Winnicott e Klein, na tentativa
de refletir sobre a construção das relações
amorosas; as palavras de Campos (2004)
acerca dos prejuízos ocorridos pela
ambigüidade dos afetos, mediante a análise
dos conceitos teóricos presentes nas obras de
Sigmund Freud; e os estudos de Pantoja e
Goens (2000) sobre a importância da relação
materno-filial no estabelecimento e curso das
emoções e sentimentos, por meio do estudo
das narrativas aplicado a dados longitudinais
acerca do vínculo mãe-bebê.
Assim, ao realizarmos um estudo
bibliográfico acerca da psicodinâmica da
amamentação, sintetizaremos a relevância do
contexto materno-filial na fase inicial da
vida, considerando o carinho e os cuidados
maternos como elementos insubstituíveis
para
o
desenvolvimento
emocional,
sobretudo afetivo da criança.
Para tanto, este trabalho objetiva
evidenciar a perspectiva histórico-cultural da
amamentação, bem como abordará as
relações de objeto infantis estabelecidas
através da oralidade, utilizando-se da
compreensão psicanalítica freudiana e
sucessores (BOWLBY e KLEIN) e autores
contemporâneos que fazem referência à
amamentação e a formação dos vínculos
amorosos e interpessoais da vida adulta.
Por fim, a compreensão de qualquer
conteúdo psicanalítico requer pesquisa
aprofundada. O estudo dos afetos, na visão
psicanalítica, se justifica não somente por
sua relevância e complexidade, como
também por sua ligação íntima com outros
conceitos propostos pela psicologia e por
áreas afins. Por conta disso, trabalhos
acadêmicos sobre esse assunto são
SILVA, Luciana Codognoto da; DAUBER, Lia
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fundamentais para auxiliar a compreensão da
psicanálise genuína, sobretudo no que diz
respeito à primeira infância, simbolizada
pela interação mãe-bebê, que será sempre
relevante.
Amamentação:
cultural
um
resgate
histórico-
Ao longo do tempo e em diferentes
contextos, o aleitamento materno tem sido
enfatizado como importante fator para o
desenvolvimento físico, sobretudo emocional
da criança. Em cada período, as concepções
acerca do papel desempenhado pela figura
materna sofreram transformações em
decorrência do modelo vigente de sociedade
(PANTOJA; GOENS, 2000).
A alimentação do recém-nascido, no
Antigo Egito, era considerada um importante
fator a ser desempenhado pelas mães, em
especial, o aleitamento dos filhos varões.
Durante a fase Ptolomaica, o aleitamento
materno prolongava-se até o terceiro ano de
vida, inexistindo, nas ruínas da época,
utensílios que pudessem servir de
mamadeira. Entretanto, com a difusão da
cultura Helênica, surgiram alternativas que
visavam proporcionar às mães egípcias
formas mais sofisticadas de alimentar seus
filhos, com o estabelecimento das primeiras
mamadeiras da Antigüidade (ORNELLAS,
2003).
Na cultura hindu, o leite e seus
derivados possuíam grande valor para a
alimentação infantil. As classes aristocráticas
utilizavam amas-de-leite cuidadosamente
selecionadas em relação à idade, casta, cor,
caráter e formatos dos seios e mamilos
(BOSI e MACHADO, 2005).
Na Idade Média, o filósofo iluminista,
Jean Jacques Rousseau
(1712-1778)
denunciou a maneira como as crianças eram
tratadas, com a prática das mães em entregar
os filhos às amas-de-leite. A partir de suas
idéias sobre a infância, expressas na obra
Emílio de 1762, o autor propõe uma
mudança radical no tratamento que as
instituições do Antigo Regime Francês
dispensavam a este período de vida. Logo, o
6
primeiro índice de uma mudança de
comportamento materno foi o desejo de
amamentar o filho. As mães, aos poucos,
aceitavam a idéia de que os cuidados e o
carinho materno eram fatores insubstituíveis
para a sobrevivência e o conforto da criança
(ROUSSEAU, 1979).
No Brasil, a amamentação passou a ser
ressaltada, com maior ênfase, com o
desenvolvimento da medicina higienista do
século XIX, sendo concebida como relevante
aspecto biológico-social, demarcando um
importante momento na história da Saúde
Pública Brasileira.
Em decorrência do aumento expressivo
da participação da mulher no mercado de
trabalho, a mamadeira constituiu um recurso
favorável para a alimentação da criança do
século XX. Além disso, a comercialização de
leites industrializados apresentava-se como
alternativa segura tanto para a mulher
inserida no mercado de trabalho, quanto para
o infante.
Em contraposição às idéias dominantes
acerca do desmame e da alimentação
artificial, a década de 80 foi marcada pela
mobilização social em favor do aleitamento
materno, com o estabelecimento de normas
de funcionamento de bancos de leite no país
e a criação da licença-maternidade, bem
como a concessão de direitos para
presidiárias de permanecerem os primeiros
meses com os filhos (ALMEIDA, 1999).
Atualmente, a política de saúde infantil
no Brasil tem priorizado ações de promoção,
proteção e apoio ao aleitamento materno,
como estratégia fundamental para a melhor
qualidade de vida das crianças brasileiras.
Por conseguinte, o aleitamento
materno é de suma importância, pois garante
as
condições
necessárias
para
o
desenvolvimento adequado, contribuindo
para o estabelecimento e manutenção da
saúde física e mental da criança.
A Visão Psicanalítica Acerca
Oralidade: em foco Freud e Klein
da
Uma das descobertas mais importantes
da história da humanidade é a constatação,
SILVA, Luciana Codognoto da; DAUBER, Lia
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por Sigmund Freud, em 1915, de que existe
uma parte da mente humana que se
desenvolve na mais tenra idade. Os
sentimentos e as fantasias deixam suas
marcas no núcleo inconsciente da mente,
permanecendo ativas e exercendo uma
influência contínua sobre a vida emocional
do homem.
A Psicanálise sustenta a existência de
uma vida mental inconsciente, propondo-se,
então, estudá-la através de seu método
investigativo, dando relevo à formação dos
vínculos afetivos, estabelecidos por meio da
oralidade, como fator preponderante para a
aquisição da identidade humana.
Sendo assim, Freud, precursor da
psicanálise, ressaltou pela primeira vez o
termo auto-erotismo em uma carta dirigida a
Fliess, em 1899. Segundo ele “o autoerotismo designa o extrato sexual mais
primitivo, agindo com independência de
qualquer fim psicossexual e exigindo
somente sensações locais de satisfação”
(FREUD, 1996, p. 377).
Em sua obra “Os Três Ensaios Sobre a
Teoria da Sexualidade”, escrita em 1905, o
autor retoma o termo auto-erotismo,
caracterizando-o como um estado original da
sexualidade infantil anterior ao narcisismo,
no qual a pulsão sexual, ligada a um órgão
ou à excitação de uma zona erógena,
encontra satisfação sem recorrer a um objeto
externo.
Deste modo, a fase oral será a primeira
etapa de evolução sexual pré-genital, estando
o prazer ligado à ingestão de alimentos e a
excitação da mucosa dos lábios e da
cavidade bucal.
Para Freud (1996) as organizações prégenitais são organizações da vida sexual, nas
quais as zonas genitais não assumiram o
papel preponderante, isto é, a busca do
prazer não está dominada pela função
reprodutora.
Em 1915, com a obra “Os Três Ensaios
sobre a Teoria da Sexualidade” é que a
noção de organização pré-genital infantil
assume um papel mais amplo na teoria
freudiana, abarcando a organização oral,
7
anal-sádica e posteriormente a fálica,
introduzida em 1923.
Destarte, o conceito de fase, na visão
psicanalítica, implica não somente a
mudança de uma zona erógena, mas também
certo modo de relação do indivíduo com o
seu meio. Na fase oral, esta relação é
caracterizada pelo “comer e ser comido”,
proveniente do contato da criança com o seio
materno (FENICHEL, 2004).
Faz-se necessário ressaltar que, a
princípio, o mundo do bebê estará
centralizado em torno da oralidade, pois os
primeiros desconfortos manifestos serão
tensões provocadas pela fome e pela sede. O
leite satisfaz o estado de necessidade
orgânica advindo com a fome, entretanto, ao
mesmo tempo, ocorrerá um processo
paralelo de natureza sexual caracterizado
pela excitação dos lábios e da língua pelo
seio, produzindo uma satisfação que não se
reduz ao processo de saciedade, apesar de
encontrar nela o seu apoio. Enfim, o objeto
do instinto é o alimento, enquanto o da
pulsão sexual é o seio materno (KLEIN,
1973).
Nos estágios iniciais de vida, não
existe uma diferenciação entre o id e o ego
do bebê. Os dedos e a boca são fontes
importantes de autogratificação para a
criança, consistindo em um estado de libido
autodirigida denominada por Freud de
Narcisismo. A atitude da criança perante os
objetos
do
mundo
externo
será
exclusivamente egocêntrica, pois, nesta fase,
seu interesse estará voltado somente para o
objeto realizador de suas necessidades.
Gradativamente, porém, interessar-se-á pelos
objetos de seu meio, persistindo mesmo
quando não procura a sua satisfação.
Segundo Brenner (1987) o termo
Objeto designa pessoas ou seres inanimados
do
ambiente
externo
que
são
psicologicamente significativas para a vida
psíquica do indivíduo. Assim, o termo
Relações
de
Objeto
refere-se
ao
comportamento do indivíduo perante estes
objetos.
Nesse sentido, as relações objetais têm
início com o amor que a criança dirige ao
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seio
materno,
posteriormente,
esta
reconhecerá a mãe e o mundo externo,
dirigindo aos objetos
o seu amor,
conseqüentemente, desenvolverá as bases
para a sua vida afetiva na idade adulta. Os
primeiros objetos são percebidos pela criança
de maneira parcial e ocasional. Após o
primeiro ano de vida, desenvolve-se a
relação contínua de objeto, isto é, a fusão da
noção de seio bom e seio mau como
provenientes de uma mesma pessoa, a mãe
(SEGAL, 1975).
De acordo com a teoria kleiniana, a
noção de seio bom é caracterizada pelas
experiências gratificantes de amor e de
saciedade recebidas da mãe, ao passo que a
noção de seio mau refere-se às experiências
reais de privação e sofrimento, as quais são
sentidas pelo bebê como forma de
perseguição, expressa na fantasia pelo medo
de ser aniquilado.
Nesse contexto, surge o que Klein
(1973) denominou de ansiedade persecutória,
na qual os impulsos são sentidos de maneira
interna, pelo medo do aniquilamento e
externa, pelo desconforto real da fome. Essa
posição recebe o nome de Esquizoparanóide,
cuja
ansiedade
predominante
é
a
persecutória, na qual o bebê agride, na
fantasia, o seio mau e frustrador através dos
impulsos agressivos orais, coincidindo com o
período de dentição e com os impulsos
uretrais e anais por meio da urina e das fezes.
Para que a posição Esquizoparanóide
ceda lugar gradualmente à posição
Depressiva, a precondição necessária será a
predominância das experiências boas sobre
as más. Quando isso acontece, o ego do bebê
adquire crença na prevalência do objeto ideal
sobre os persecutórios, ocasionando maior
força e capacidade para enfrentar as
ansiedades sem recorrer a mecanismos de
defesa violentos. O medo dos perseguidores
e a cisão dos objetos diminuem, havendo
uma diferenciação do ego em relação ao
mundo externo (KLEIN, 1973).
Durante o segundo trimestre de vida, a
relação do bebê com as partes do corpo da
mãe, antes centralizada no seio, mudará
gradualmente para uma relação enquanto
8
pessoa completa. A criança começa a
perceber que suas experiências de satisfação
e frustração não procedem de um seio, ou
ainda, de uma mãe boa ou má, mas da
mesma mãe que é igualmente fonte do que é
bom e mau.
Então, o bebê descobrirá o seu
desamparo e sua dependência em relação à
mãe, conseqüentemente, sentir-se-á culpado
pela ambivalência de amar e odiar a mesma
pessoa, dando início à Posição Depressiva,
na qual a ansiedade predominante é a de que
os impulsos destrutivos tenham destruído
não apenas a pessoa que ele ama e depende,
mas também o seu próprio ego, por meio do
processo introjetivo, mobilizando na criança
o desejo de compensar os danos cometidos
aos objetos em sua fantasia onipotente, pois
acredita que seus ataques destrutivos tenham
sido os responsáveis pela destruição do
objeto amado e, conseqüentemente, com o
seu amor, acredita que poderá desfazer os
efeitos de sua agressividade. Logo, o conflito
predominante na posição Depressiva será a
luta constante entre a destrutividade, o amor
e a ação dos impulsos reparadores do bebê
em relação ao seio materno (KLEIN, 1973).
Portanto, conforme a teoria kleiniana, a
relação com o seio amado e odiado será a
primeira relação de objeto do bebê com o
mundo
externo.
Nesse
sentido,
a
amamentação possui um papel fundamental
para a construção da afetividade humana,
sendo o seu início estabelecido nas relações
da criança com a sua mãe, ou ainda, com o
primeiro representante do mundo externo
que lhe ofereça o carinho e a segurança
necessária, sendo obtido por meio da
sobrevivência da figura materna na fantasia
infantil.
Da Amamentação aos Afetos
O termo afetividade é denominado por
Ferreira (2001) como um sentimento de
apego sincero a alguém, expresso na amizade
e no amor.
Para Bock e colaboradores (2002) o
afeto é caracterizado pela tonalidade
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emocional dirigida a um acontecimento
externo.
Bowlby (1987) define o vínculo
afetivo a partir de uma atração dirigida ao
objeto, inexistindo, por conseguinte, vida
desprovida de tonalidade afetiva.
Assim sendo, a vida humana será
regida por dois afetos básicos: o amor e o
ódio. Eles se encontram presentes na vida
psíquica,
nos
pensamentos
e
comportamentos emitidos pelo homem.
As emoções caracterizam-se por serem
expressões afetivas acompanhadas de
reações orgânicas intensas, em resposta a um
acontecimento externo inesperado. Logo, a
paixão, uma das manifestações mais intensas
da emoção, caracteriza-se por ser um estado
extremo de amar, isto é, há um investimento
libidinal excessivo depositado no objeto de
desejo, ficando o ego empobrecido, a ponto
de seguir e fazer tudo o que o Outro desejar.
Faz-se
necessário,
portanto,
o
estabelecimento de mecanismos de defesa do
ego, a fim de haver um investimento da
libido em si próprio. Assim, haverá um
amadurecimento do estado emotivo da
paixão para a manifestação do sentimento de
amor, ou seja, uma transformação de entrega
total para um investimento libidinal com
enriquecimento do próprio ego.
Logo, as emoções serão momentos de
tensão em um organismo, ao passo que as
reações
orgânicas
serão
descargas
emocionais emitidas pelo homem, visando
atingir a homeostase de seu estado físico e
psicológico
(BOCK,
FURTADO
e
TEIXEIRA, 2002).
Os estados sentimentais diferem das
emoções por serem mais duradouros,
havendo uma atenuação das reações
orgânicas. A princípio, o ser humano dirige
seus sentimentos mais profundos de amor e
ódio a sua mãe, representada pelo seio.
Posteriormente, com o amadurecimento
físico e o desenvolvimento das relações
afetivas com a figura materna, a criança
passará a investir o seu amor e o seu ódio às
pessoas mais próximas: pai, irmãos e pessoas
de seu convívio, dando início aos
sentimentos de amizade e de carinho
9
dirigidos aos novos objetos do mundo
externo (KLEIN, 1973).
Para isso, será necessário que o bebê
saiba lidar de forma satisfatória com os
sentimentos conflitantes de amor, ódio e
culpa em relação à pessoa amada. Se a
criança consegue estabelecer internamente a
mãe boa e prestativa, esta exercerá influência
benéfica para o seu desenvolvimento,
contribuindo para a formação de futuros
vínculos amorosos; se os conflitos, porém,
tornam-se
insuportáveis,
com
a
internalização do objeto mau e frustrador, os
futuros vínculos estarão prejudicados, pois as
primeiras relações com a figura materna
foram insatisfatórias.
Nesse sentido, os conflitos não
solucionados
da
primeira
infância
desempenham importante papel na ruptura
dos relacionamentos afetivos. Situações
primitivas de desejos insatisfeitos, de
voracidade e ciúmes poderão estar presentes
nos
relacionamentos
desarmoniosos,
culminando
em
sentimentos
de
possessividade e exigência extrema para com
os objetos.
Bowlby (1987) salienta que alguns
indivíduos apresentam uma ligação ansiosa,
seja para com o seu cônjuge, seja em uma
troca interpessoal. Estas pessoas realizam
constantes exigências de amor e atenção,
apresentando uma solicitude compulsiva
para com o objeto, por meio de
ressentimentos latentes de não serem
apreciadas e amadas pelas pessoas,
caracterizando modelos inconscientes de
compensação a antigas privações infantis.
A idealização, por sua vez, será a
precursora das boas relações de objeto.
Assim, a crença na bondade dos objetos do
mundo externo, somado à própria confiança,
proporcionada pela internalização do objeto
bom, serão as precondições para a formação
de ideais sociais e políticos, bem como
permitirá ao homem estabelecer vínculos
amorosos com os novos objetos de sua vida,
influenciando
positivamente
nos
relacionamentos atuais (BOWLBY, 1987).
Enfim, as manifestações inconscientes
advindas da primeira infância determinarão o
SILVA, Luciana Codognoto da; DAUBER, Lia
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curso
da
afetividade,
atuando
no
estabelecimento, manutenção, ou ainda, no
rompimento dos vínculos amorosos e
interpessoais da idade adulta.
Considerações Finais
Realizamos
partir
das
idéias
fundamentadas pela literatura psicanalítica
das relações objetais, uma reflexão acerca do
processo de amamentação como fator
estruturante dos vínculos afetivos humanos.
A perspectiva histórico-cultural foi
abordada através da retomada de aspectos
que contribuíram ou impediram a prática da
amamentação, bem como refletimos sobre as
diversas estratégias utilizadas em diferentes
épocas e contextos sociais e suas
repercussões na decisão das mulheres em
oferecer o leite materno como alimento para
seus filhos.
Sob esse prisma, constatamos que a
formação, manutenção e o rompimento dos
vínculos
afetivos
decorrem
dos
acontecimentos da primeira infância. Assim,
o ciúme, a voracidade e a agressividade,
antes dirigidos ao seio materno, se
estenderão
para
os
relacionamentos
interpessoais da idade adulta, culminando
nos sentimentos de possessividade e
exigência extrema, caracterizados por serem
elementos
perturbadores
dos
relacionamentos afetivos, no qual se
realizará constantes exigências de amor e
atenção ao objeto de desejo atual na tentativa
de suprir antigas privações infantis.
Podemos perceber, ao longo da
pesquisa, que os sentimentos ambivalentes
de amor e ódio, antes dirigidos ao seio
materno e, posteriormente expressos nos
relacionamentos amorosos e interpessoais,
farão parte de um mesmo processo, a medida
em que o ódio será destinado ao objeto
amado e até então, investido pela libido.
Além disso, quando mencionamos a
palavra Mãe, nos referimos não somente à
figura biológica, mas, sobretudo à pessoa
que oferecerá à criança o carinho e os
cuidados
necessários
para
a
sua
sobrevivência. Logo, o mais importante na
10
estruturação da saúde mental humana e
principalmente da afetividade será não o
mundo que objetivamente falamos ou
observamos,
mas
o
mundo
que
subjetivamente apreendemos. Neste caso,
será determinado principalmente pelas
primeiras relações que a criança estabelece
com o seu representante materno.
Por outro lado, a amamentação em
nosso olhar, não designa somente o
aleitamento materno exclusivo, mas a forma
pela qual será oferecido o alimento e o
carinho necessário à sobrevivência da
criança, visto que o essencial para o bebê
será a qualidade da relação estabelecida na
fase inicial da sua vida com os representantes
do mundo externo, tornando-se a base para a
estruturação da sua vida afetiva adulta.
Por fim, Alberoni (1988) salienta que
não se pode odiar aquilo que não se tem
valor e nem importância. Deste modo, o ódio
será destinado aos objetos mais significativos
da vida humana e àqueles que, de alguma
forma, serão depositários dos sentimentos de
amor pelo ser humano. Logo, amamos e
odiamos aquilo que nos é importante, sendo
iniciado na primeira infância, a partir das
frustrações ocorridas durante o processo de
amamentação.
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SILVA, Luciana Codognoto da; DAUBER, Lia
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