Valor Econômico
13/03/2014
Para os criadores do Plano Real, governo petista perdeu o
rumo
FLAVIA LIMA, LUCIANO MÁXIMO E THAIS FOLEGO
Em evento sobre os 20 anos do Plano Real, que reuniu boa parte dos artífices do
plano ontem em São Paulo, o diagnóstico foi de que o governo atual perdeu o rumo e
novos caminhos são necessários. Sobraram críticas à política econômica, desde à
inflação fora do centro da meta ao tamanho excessivo do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDES). Apenas o Bolsa Família foi poupado.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso abriu o encontro - promovido pelo iFHC dizendo que o Brasil vive momento político semelhante ao do lançamento da atual
moeda e que a sociedade brasileira espera "mudanças profundas" que, para se
concretizarem, precisam que o debate político não se reduza a "nós e eles". A data em
que o plano completa duas décadas coincide com o ano de eleições.
Uma das apresentações mais contundentes foi a de Armínio Fraga. O ex-presidente
do Banco Central subiu o tom das críticas, dizendo que o país passa por "momento de
grande frustração e grave perigo". Fraga diz que o país convive, desde o segundo
mandato do governo Lula, com política macroeconômica mais frouxa, muito focada no
consumo e pouco na produtividade. Fraga ressaltou também que o país tem um nível
baixo e frustrante de investimento, além da inflação em torno de 6%.
Ele chamou de "crime econômico e ambiental" o controle de preço dos combustíveis e
das tarifas de energia, com ameaça "seríssima" de apagão e racionamento. "É um
quadro bastante complicado", afirmou.
Fraga disse que a virada da economia ocorrerá com foco em levar a inflação ao centro
da meta e, em seguida, reduzir a meta, que ele considera muito alta. O centro da meta
de inflação é de 4,5%, podendo variar dois pontos percentuais para cima ou para
baixo. Fraga pediu ainda a formalização da autonomia do Banco Central, benefício,
segundo ele, comprovado pela experiência internacional.
No regime fiscal, Fraga afirmou que primeiro é preciso definir metas plurianuais com o
objetivo de estabilizar a relação dívida/ PIB ao longo do tempo. "As despesas
primárias têm de ser definidas sem artifícios, consolidando todos os benefícios",
afirmou.
Pérsio Arida, sócio do BTG Pactual e ex-presidente do BC, disse que os desafios que
poderiam nortear uma nova agenda econômica devem ser equacionados dentro de
uma agenda liberal. O primeiro deles, afirmou, é reduzir juros. "É preciso criar
condições para que o país sustente a meta de inflação sem que para isso tenhamos
altas taxas de juros nominais e reais."
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Segundo Arida, essa plataforma liberal se perdeu nos últimos anos e precisa ser
retomada com visão de longo prazo. Entre exemplos de distorções, citou o FGTS, que,
segundo ele, desincentiva a poupança voluntária em prol de uma poupança
compulsória. Arida também criticou o BNDES, que financia a atividade além do
necessário. O recuo dos financiamentos do banco pouparia recursos do Tesouro,
disponibilizando-os para outros gastos.
Os gastos do Estado receberam críticas do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, que
disse que é preciso ter a clareza de que o nível de gastos no Brasil é alto na
comparação internacional, com composição precária em relação ao consumo e ao
investimento, e eficiência que deixa muito a desejar. "O mesmo se aplica à carga
tributária."
Os impostos que incidem sobre a economia brasileira e a inflação foram dois temas
amplamente discutidos no evento. Um dos integrantes da equipe econômica que criou
o Plano Real, o economista Edmar Bacha, disse que o alto volume de tributos no país
é uma das principais razões para explicar a inflação alta. Para Bacha, "a prioridade" do
primeiro ano do novo governo em 2015 deve ser criar condições para uma reforma
tributária. "O presidente deve apostar não só na redução da carga tributária, mas
também na simplificação de sua complexidade."
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, um dos principais colaboradores da exsenadora Marina Silva (PSB) para a área econômica, disse que, para reconquistar o
"controle do Estado", é necessário revisar o pacto federativo, tendo os entes estaduais
e municipais mais autonomia para tributar e manter o dinheiro arrecadado o mais
próximo de onde é gasto.
Gustavo Franco, ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos, foi enfático
ao dizer que o país não pode fazer concessões sobre a inflação. "É que nem
alcoolismo, não tem cura, só controle." Franco disse que o BC está conduzindo a
política monetária dentro das possibilidades que lhe são dadas. Segundo ele, a meta
de inflação está sendo usada pelo governo de forma um pouco distorcida, buscando
somente não ultrapassar o teto. "O teto da meta é muito próximo de 10%; se
passarmos disso, é ladeira abaixo."
Para Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria, a
flexibilização do cumprimento da meta, a queda forçada da taxa de juros, a adoção de
uma contabilidade criativa, o intervencionismo do Estado na economia e o
protecionismo comercial resultaram em baixo crescimento econômico, perda de
credibilidade e risco de rebaixamento do rating. Ele também mencionou "o uso
abusivo" dos bancos públicos com recursos do Tesouro.
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