Mesa Redonda: Sistema Previdenciário Documento Síntese Local do Evento: São Paulo Data: 20 de abril de 2013 Horário: 9h30m às 12h30m Presentes: Conselheiros do IDS: Marina Silva, Guilherme Leal e João Paulo Capobianco. Equipe do IDS: Bazileu Margarido e Fabio de Almeida Pinto Convidados: Larry Beeferman: Fundador e chefe do Pensions and Capital Stewardship Project da Escola de Direito de Harvard, projeto desenvolvido para educar e informar trabalhadores, estudantes, pesquisadores e outros profissionais a respeito de temas de aposentadoria, e a gestão de Fundos de Pensão. Professor Larry é graduado em Direito e Doutor em Física Aplicada pela Universidade de Harvard e autor de inúmeras publicações sobre direito e políticas públicas. José Cechin: Diretor Executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde. Foi Superintendente Executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS, consultor em previdência, Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social e Secretário Executivo desse mesmo Ministério. Fez carreira no serviço público federal. Samuel Pessoa: Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo, é também pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Especialista com ênfase em Crescimento e Desenvolvimento Econômico, publicou artigos acadêmicos ligados ao tema em revistas nacionais e internacionais. Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub: Professor de Direito e Coordenador do Curso de Ciências Atuariais da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP (1998) e Doutor em Direito Previdenciário (2004) pela mesma instituição. Com experiência nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Trabalhista, foi pesquisador convidado em Harvard (2003). José Ernesto Bologna: Consultor, é proprietário da Ethos Desenvolvimento Humano e Organizacional. Ernesto é graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP e Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, sendo conferencista nacional e internacional em psicologia do desenvolvimento aplicada à administração. Álvaro Machado Dias: Professor Adjunto da UNIFESP, Escola Paulista de Política, Economia e Negócios. Atualmente é pesquisador responsável pelo projeto "Novas Ferramentas Automatizadas para Avaliação Neuropsicológica: Processos Cognitivos de tipo Social e Correlatos Cerebrais" (Auxílio Regular à Pesquisa – Fapesp). Pedro Ivo Batista: Graduado em geografia pela Universidade Regional do Cariri (2005) e em Administração pela UFC Cariri. Coordenou a Agenda 21 Brasileira e a Conferência Nacional de Meio Ambiente. Assessorou Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e no Senado Federal e dirigiu o Departamento de Cidadania e Responsabilidade Socioambiental do ministério. Foi membro da Executiva Nacional da CUT, onde coordenou a Comissão Nacional de Meio Ambiente. Introdução O Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS promoveu, no último dia 20 de abril, mesa redonda com objetivo de discutir os principais desafios de gestão do Sistema Previdenciário Brasileiro no decorrer dos próximos anos, valendo-se da presença no Brasil do Professor Larry Beeferman, especialista da Universidade de Harvard. Participaram do evento Marina Silva, Guilherme Leal, João Paulo Capobianco, de especialistas e de convidados, o debate possibilitou que se estabelecesse um paralelo entre as mudanças ocorridas no Brasil, sobretudo a partir da Reforma da Previdência aprovada em 2003, e a situação nos Estados Unidos, onde mudanças semelhantes ocorreram nos anos 80. Inicialmente, foi definida uma estrutura de tópicos para guiar a exposição do Professor Larry e as consequentes discussões que emergissem neste contexto. A estrutura foi assim delineada: Tópico 1- Diferenças entre os modelos brasileiro e americano Sistema Público x Sistema Privado Escolha dos investimentos pelos participantes Proteção dos participantes em relação aos Administradores Tópico 2 – Poupança Interna Relação PIB x ativos de Fundos de Pensão Capacidade interna de investimento em larga escala Crédito interno Tópico 3 – Outros modelos internacionais relevantes Sugestões para o Brasil Tópico 4 – Perspectivas sobre o futuro previdenciário no Brasil Aspectos econômicos e aspectos pragmáticos Questões demográficas brasileiras: janelas de oportunidades Ao longo da exposição, os participantes foram encorajados a intervir e compartilhar suas visões em cada um dos tópicos. Questões polêmicas, como o elevado gasto previdenciário no Brasil e a contribuição dos investimentos dos Fundos de Pensão para a atividade econômica, foram debatidas à luz do que ocorre nos Estados Unidos e no Brasil. Essa mesa redonda representou um marco inicial nas discussões sobre o Sistema Previdenciário Brasileiro, resultando em pontos que deverão ser aprofundados em novos debates e estudos. Além disso, o evento representou o estabelecimento de um canal de comunicação com grandes especialistas no tema nos Estados Unidos, os quais vivenciaram as mudanças que ocorrem no Brasil com quase 20 anos de antecedência, viabilizando um importante processo de aprendizado para nosso país. Por fim, algumas conclusões e pontos consensuais emergiram do encontro, os quais serão incorporados à Plataforma Brasil Democrático e Sustentável, uma iniciativa do IDS que reúne um conjunto de diretrizes e propostas para inserção da democracia e da sustentabilidade como valores centrais à vida no século XXI. Tópico 1- Diferenças entre os modelos brasileiro e americano Seguindo a estrutura proposta, o Professor Larry apresentou, resumidamente, o Sistema Previdenciário NorteAmericano. Assim como no Brasil, há um sistema central de Previdência Social contributivo, válido para empregados formais e autônomos, cujos beneficiários são aposentados, inválidos, viúvas, órfãos e profissionais impossibilitados permanentemente ou temporariamente de desempenhar seu trabalho. Entretanto, ainda dentro da esfera pública e sem paralelo no modelo brasileiro, o sistema americano ainda conta com o denominado Suplemental Security Income – SSI, que engloba uma ampla gama de serviços, dentre os quais complemento de pensão para idosos. Assim, aposentados que recebem valores considerados insuficientes têm direito ao benefício, cujo cálculo se baseia nos ativos pessoais, na renda e na idade do indivíduo. Além disso, os Estados ainda possuem autonomia para prover outro suplemento ao valor das aposentadorias registradas em sua jurisdição. Passando à esfera privada, ambos os países não exigem adesão a planos de previdência. Entretanto, há setores em que a Previdência Complementar norte-americana está muito consolidada, apoiada em Fundos de Pensão ligados aos sindicatos. Historicamente, metade dos empregados formais nos Estados Unidos recebe a oferta de uma previdência complementar por seus empregadores, predominando o mecanismo de contribuição definida. Destes, ainda segundo o Professor Larry, aproximadamente 80% realizam adesão. Por fim, há um último componente do sistema previdenciário norte americano denominado Individual Retirement Account – IRA, onde o profissional, geralmente autônomo, define sua contribuição a qualquer momento e em qualquer montante, com a vantagem de contar com isenção tributária sobre os ganhos enquanto os recursos se mantiverem aplicados. Obviamente, desde o Social Security Act (1935), que instituiu a Seguridade Social nos Estados Unidos durante a gestão de Franklin Roosevelt, a mesma sofreu uma série de mudanças estruturais. Inicialmente resumida a um Programa de Aposentadoria, não incluía, por exemplo, funcionários públicos e empregados domésticos. Em 1986, durante o governo de Ronald Reagan, houve uma grande reforma do sistema previdenciário norte-americano, que, entre outros pontos, envolveu a inclusão compulsória dos funcionários públicos federais e a possibilidade para que os governos estaduais e municipais decidissem se manteriam seus empregados vinculados a sistemas regionais ou adeririam ao sistema federal. E estes servidores públicos federais, agora incluídos no regime geral da Seguridade Social, foi facultada a opção de aderir a um plano complementar, cuja contribuição é pareada pelo Estado empregador até certo limite (5% do salário). O Professor Arthur, da UNIFESP, ressalta que essa alteração guarda grandes similaridades com as mudanças implantadas no Brasil recentemente. Antes da alteração, os servidores públicos federais possuíam um regime de benefício definido, independente da contribuição, de forma similar ao que ocorria no Brasil, onde estes servidores contavam com aposentadoria integral. Tanto em 1986 nos Estados Unidos quanto agora no Brasil, passa a vigorar o mesmo teto de benefício para esses profissionais que para aqueles do setor privado. Em nosso país, muito embora o pagamento do benefício continue a advir do Tesouro de forma direta, passa a valer o teto do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS para esses servidores, que, com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – FUNPRESP, podem contribuir de forma a garantir um benefício previdenciário futuro mais elevado, contando com contrapartida do Governo até o limite de 8,5% de seus salários. Desta forma, passa-se de um sistema puramente de benefício definido para um sistema de contribuição definida, melhorando a gestão dos gastos públicos previdenciários. O Professor Artur ainda ressalta que o Brasil segue uma tendência mundial, não necessariamente correta, de predominância de um benefício mínimo arcado pelo Estado e complementado por uma aposentadoria privada. Dadas as semelhanças, inclusive no que se refere à resistência à mudança entre os servidores, o Professor Larry faz uma análise do sucesso destas alterações nos Estados Unidos durante os anos subsequentes, indicando o que podemos esperar da implantação do modelo brasileiro para o funcionalismo público federal. Neste sentido, o Professor ressalta que a média de contribuição dos profissionais ficou entre 8% e 9%, ou seja, superior ao teto de paridade oferecido pelo Estado. Esse resultado é avaliado como excelente desde o ponto de vista da condição de vida durante a aposentadoria. Atualmente, não há pressão por novas mudanças advindas dos trabalhadores e estatísticas demonstram elevado nível de satisfação geral com o sistema. Entretanto, devido à falta de estudos aprofundados, não se sabe até que ponto esta reforma pode ter comprometido a atratividade dos cargos a profissionais qualificados à época e tão pouco após 20 anos de sua implantação. Consonante a esta linha positiva de pensamento, José Cechin espera que o novo modelo conte com grande adesão por parte dos servidores, sobretudo atraídos pela contrapartida do Governo. Segundo ele: “Não seria uma boa escolha não aderir. Há um sacrifício de 8,5% do salário, frente a 11% que era pago antes. Mas, o contribuinte terá 8,5% proveniente do Estado, que pode ser considerado um salário indireto. Não aderir seria uma péssima escolha”. É importante destacar que, assim como no Brasil, a mudança foi incentivada pelos elevados gastos com funcionalismo público. E, neste sentido, o Professor Larry afirma que a mudança foi muito positiva, atacando dois problemas de forma simultânea. Além de reduzir a parcela da arrecadação do Governo destinada ao Sistema Previdenciário, a reforma aumentou o montante de recursos disponíveis pra investimento nos mesmos. Atualmente, há cerca de US$ 5 trilhões em planos de contribuição definida e outros US$ 5,5 trilhões nos IRAs, cujo valor justificase em grande parte pela possibilidade de trabalhadores desligados migrarem seus planos previdenciários empresariais para esta modalidade individual, com o benefício da isenção de tributos. Este elevado montante de recursos disponível no Sistema Previdenciário demanda uma gestão eficiente e segura dos investimentos por parte de seus administradores. Neste ponto, fazemos a transição para outros 2 subtópicos de grande importância: a escolha dos investimentos pelos participantes e a proteção dos participantes em relação aos administradores. O Professor Arthur lembra que, diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos a gestão de investimentos dos Fundos de Pensão segue regras estritas, e que seus administradores carregam enorme responsabilidade pelo desempenho e prudência em sua atuação. Os gestores são altamente profissionais e especializados. Nesta mesma linha, Samuel Pessoa complementa que a realidade passada contribuía para “encobrir” a falta de profissionalização do setor, dados os juros elevados e as seguidas altas da Bolsa de Valores, que contribuíam para o desempenho favorável de gestores de investimento em geral. A atual conjuntura, entretanto, marcada por taxas de retorno dos ativos mais razoáveis, tende a promover esta profissionalização. Pedro Ivo complementa afirmando que a forte marca sindical em diferentes organizações, como por exemplo bancos com participação estatal, nomeações obedecem a critérios políticos e utiliza-se de recursos previdenciários para questões inapropriadas, como fazer caixa para as instituições. No que se refere ao aparato institucional da governança, José Cechin traz um contraponto, afirmando que a formação de Conselhos de Administração e Fiscal paritários representou evolução extraordinária, a despeito do envolvimento ainda excessivamente passivo dos servidores. Adicionalmente, temos no Brasil experiências igualmente valorosas no que tange a aspectos regulatórios para a Previdência Complementar. No caso da Enron, nos Estados Unidos, sua falência levou ao naufrágio também do Fundo de Pensão de seus empregados. Atualmente, se algo similar ocorre com as maiores empresas e que possuem os maiores Fundos de Pensão do Brasil, estes sobreviverão. Embora seja autorizada uma ampla gama de investimentos, há uma regulação prudencial que estipula limites de concentração de carteira segundo o tipo de risco. No caso da Enron, grande parte dos recursos de seu Fundo de Pensão era aplicada em ações da própria companhia, carregando-o à falência. O Professor Larry destaca que, mesmo depois do caso Enron, não há limites de concentração em ações da própria companhia para regimes de benefício definido, enquanto que para regimes de contribuição definida, esta restrição é de 10% dos recursos do fundo. Rompendo com a questão econômica dos investimentos e vislumbrando a situação desde um ponto de vista da psicologia social, o Ernesto Bologna comenta que muitas vezes aliado ao componente racional, neste caso explicado economicamente, há um componente não racional na formação das decisões individuais e coletivas. A similaridade entre os processos atravessados pelos Estados Unidos há anos atrás e as mudanças recentes implementadas no Brasil, nos permite avaliar e aprender um pouco mais sobre este componente psicológico. Teriam, naquele caso, as decisões seguido as expectativas racionais? No Brasil já tivemos experiências sem sucesso por conta do medo e desconfiança das pessoas, uma mentalidade criada em decorrência da desmoralização da sociedade, que fora atingida por processos lesivos de seu patrimônio. Segundo a visão do Professor Larry, um fator que pode estar relacionado a essas escolhas não racionais é a característica mais solidária e coletivista da sociedade brasileira. Em sua opinião, pelo fato de os Estados Unidos serem um país mais individualista, mudanças como, por exemplo, a imposição de regimes de contribuição definida em lugar de benefício definido, tendem a ser mais bem recebidas que em nosso país, já que cabe à pessoa contribuir ao longo de sua vida na proporção em que desejar ser favorecida nas idades mais avançadas. Outro exemplo deste individualismo é a questão do saque maciço dos recursos aplicados em regimes de contribuição definida quando os indivíduos passam a gozar do benefício, considerando que não há obrigatoriedade de transformação do saldo aplicado em um fluxo de renda contínuo. O Professor se mostra cético quanto ao apetite das pessoas de manter seus recursos aplicados e gerar uma anuidade, em lugar de sacá-lo, embora a administração do Presidente Barack Obama esteja buscando incentivar pessoas a manter seus recursos aplicados, argumentando que a gestão profissional destes recursos tem maior potencial de garantir bem-estar aos aposentados que suas gestões individuais. Uma bem sucedida estratégia de promoção da aos regimes de previdência complementar envolve, inclusive, uma lei aprovada em 2006 que autoriza empregadores a cadastrar automaticamente seus empregados em tais programas, devendo o mesmo solicitar a exclusão posteriormente, caso não seja de seu interesse. Uma característica sofisticada do sistema norte-americana e que sublinha este individualismo é a existência de perfis mistos de investimento. Quando a pessoa é mais jovem, aplicações de maior risco podem ser realizadas, e conforme este indivíduo atinge idades mais avançadas, se aproximando do período de gozo do benefício, opta-se por investimentos mais conservadores. Tópico 2 – Poupança Interna Atualmente, o Sistema Previdenciário norte-americano como um todo soma cerca de US$ 19 trilhões, o que representa mais de 110% do Produto Interno Bruto – PIB do país. No Brasil, este montante representa cerca de 25% de nosso PIB, número este que tende a crescer. É notável que a quantidade de recursos acumulados no Sistema Previdenciário é colossal, podendo contribuir relevantemente com a movimentação econômica. João Paulo Capobianco, nessa linha, levanta a questão das características dos investimentos em si, particularmente a existência de pressão política para que os grandes Fundos de Pensão participem no financiamento de grandes projetos de infraestrutura, sem a devida consideração da relação risco e retorno. A experiência americana, trazida à tona novamente pelo Professor Larry, demonstra, para o caso dos fundos de previdência complementar dos servidores públicos federais, o Governo não tem gerência sobre as aplicações. O que fizeram foi estabelecer taxas de administração reduzidas e permitir 3 formas de investimento: títulos públicos americanos, outros tipos de investimentos internos e investimentos em ações de empresas que compõem o índice S&P500. Posteriormente estas permissões foram expandidas a empresas menores atendendo a certos critérios de elegibilidade e alguns tipos de títulos internacionais. Investimentos de perfil de risco mais arrojado, como atividades de private equity, hipotecas, investimentos em empresas não listadas em bolsa e participação em projetos de infraestrutura em fase inicial, não são permitidos, embora estes últimos sejam alvo de discussões. Ainda assim, dado o enorme volume de recursos disponíveis, o Professor acredita que os critérios são muito simples e podem não levar em conta elementos como liquidez, volatilidade da Bolsa de Valores e, mais que isso, a real contribuição para economia dos investimentos realizados pelos Fundos de Pensão. Compra de ações corporativas raramente representam entrada de recursos para a companhia (salvo em IPOs ou emissões secundárias), de forma que o real potencial destes investimentos de movimentar a economia é questionável. Ademais, investimentos por profissionais qualificados, devem vir acompanhados de avaliação socioambiental do impacto de aplicação destes recursos, posto que resultados adversos nestes campos influenciarão seu bem-estar no futuro, este representativo da principal justificativa para a existência do sistema previdenciário. Este tema é parte fundamental da pesquisa do Professor Larry. Guilherme Leal endossa a posição de que tais investimentos devem ser usados de forma racional na economia, inclusive para fomento de infraestrutura e suporte de uma economia real com forte base socioambiental. Segundo ele, “estamos pensando na qualidade de vida das pessoas, que é mais longa hoje em dia. Então, como é que elas formam a sua poupança e como esse recurso é gerido para poder promover a qualidade de vida sustentável?” Nesta mesma sintonia, Samuel Pessoa ressalva que o ponto da discussão é que os fundos entram em etapas de project finance onde os riscos são muito elevados, fases iniciais que não atraem a iniciativa privada. João Paulo Capobianco e Guilherme Leal veem uma contrariedade neste contexto, já que os Fundos de Pensão acabam por ter uma função de viabilizador do projeto, muito mais que investidor visando a uma relação de risco e retorno atrativa. Por vezes, estimulado por calendário eleitoral, o governo utiliza de sua pressão política sobre essas fundações para promover a entrada posterior da iniciativa privada, transferindo uma carga de risco descabida aos que dependem dos recursos aplicados para garantir sua aposentadoria. Curiosamente, nos Estados Unidos a infraestrutura é raramente financiada iniciativa privada nos níveis estaduais e municipais. Dada a solidez fiscal dos Municípios e Estados, aliada à segurança jurídica no país, tais investimentos são realizados sobretudo através da emissão de dívida pública, cujos títulos emitidos são isentos de tributação. Esta isenção estimula a compra dos papéis entre pessoas físicas, geralmente com taxas de remuneração abaixo das tradicionais aplicações tributadas, obtendo resultado final equivalente ou superior. Como os Fundos de Pensão também contam com isenção sobre ganhos de capital, não lhes resulta interessante adquirir tais títulos, que possuem taxas menos atrativas que aqueles tributáveis para a maior parte dos agentes econômicos. A fim de “corrigir” esta situação indesejada, a administração de Barack Obama aprovou uma lei segundo a qual os Estados e Municípios podem emitir títulos tributáveis e o governo lhes retorna o valor equivalente ao subsídio. Esta manobra resulta em uma elevação da taxa de juros paga pelos papéis, de forma que pouco muda para pessoa física, por exemplo, porém tem grande impacto na participação dos Fundos de Pensão, que agora adquirem papéis com remuneração mais atraentes, favorecidos por suas isenções fiscais. É um sistema sofisticado, que tem dado frutos interessantes no sentido de promover o financiamento infraestrutural indireto, sem comprometer o nível de risco a que estão expostos os futuros beneficiários. Ainda assim, em função do elevado déficit do Governo Federal norte- americano, segue havendo forte discussão no sentido de permitir o financiamento direto de projetos pelos Fundos de Pensão. Em relação ao impacto da gestão previdenciária nas taxas de poupança, Samuel Pessoa afirma que uma mudança nas generosas regras do Sistema Previdenciário Brasileiro pode tornar mais atrativa a poupança. Antagonicamente, a gestão mais eficiente dos Fundos de Pensão pode fazer com que pessoas deixem de lado formas de poupança mais ineficientes para aplicar em previdência complementar. Questionado por Marina Silva a respeito dessa consideração de generosidade, Pessoa apresentou importantes dados. “Quando olhamos para o orçamento público, hoje o Brasil gasta 12% do PIB com a Previdência Social. Países com a mesma estrutura etária gastam 4% do PIB, então, nós gastamos três vezes mais que países com características similares. Nós temos esse gasto excessivo em previdência pública, financiada pelo tesouro, porque no passado nós concedemos benefícios e criamos critérios de elegibilidade descabidos. Isso é uma coisa do passado.” Um grande exemplo dessa generosidade previdenciária é a pensão por morte, com a qual gastamos, isoladamente, 3% do PIB. O gasto nacional com investimentos é de 2% do PIB. Países com a mesma estrutura gastam cerca de 0,5% do PIB com pensão por morte, impactado pela integralidade do benefício e critérios de elegibilidade brandos. José Cechin ilustra essas regras inapropriadas com um exemplo muito claro. “Um casal recém-casado, vinte e poucos anos, ambos trabalhando. Um é procurador federal e o outro é fiscal de rendas, salários de 15 mil reais cada um. Saindo em lua de mel, por uma fatalidade um deles falece. O outro leva para vida uma pensão integral. É jovem, trabalha, não tem filhos, não tem nada”. Esse tipo de situação, reforça Bazileu Margarido, leva à existência de uma indústria de casamentos, em que pessoas idosas arranjam casamentos com jovens, por vezes até da mesma família, os quais almejam a pensão e que negociam com seus advogados parte do benefício. Ademais, em sua opinião, não se mexe em temas gritantes como a pensão por morte para evitar um conflito com militares e juízes. Neste sentido, Guilherme Leal ressalta que investir 3% em previdência e 5% em educação pode ser um norte de comunicação para o Estado. “Queremos investir nas crianças ou nós queremos investir nessa indústria de usufruto do Governo e da Sociedade?” Ao longo do debate, também foram tratados outras limitações da previdência social, como a aplicação fatiada da Reforma da Previdência e o elevado índice de profissionais sem carteira assinada no país. Samuel Pessoa argumenta que o custo político das mudanças na previdência social pode ser elevado, fazendo com que a reforma seja adotada paulatinamente. O número de profissionais sem carteira é outro ponto sensível na discussão de temas previdenciários. Se, por um lado, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS é visto como uma conquista social, por outro, o fato de 40% da População Economicamente Ativa – PEA do Brasil não ter carteira assinada, quando os índices de desemprego são muito inferiores a essa proporção, revela-se um protesto implícito ao elevado custo da contribuição previdenciária. Seria uma questão de escolha: tolerar essa informalidade e manter o elevado custo dessa conquista social, ou reduzir seu custo e trazer mais gente para dentro do sistema, aumentando assim o potencial de investimentos dos Fundos Previdenciários. Tópico 3 – Outros modelos internacionais relevantes A despeito da heterogeneidade dos sistemas previdenciários mundiais, observam-se grandes similaridades em seus pontos centrais. Adicionalmente, conforme já citado, é notável uma tendência de um benefício mínimo garantido pelo Estado, complementado por uma aposentadoria privada. Entretanto, há alguns países que realmente desenvolveram características próprias que merecem destaque na comparação com outros países da região e até do mundo. No Chile, por exemplo, na esteira de reformas que se iniciaram em 1983, com a filiação obrigatória para atividades abrangidas pelo sistema oficial e adesão voluntária para os que já estavam no antigo sistema, sucederam-se mudanças inovadoras em relação à participação do trabalhador na gestão dos ativos previdenciários. Uma lei aprovada em 2002 criou um peculiar sistema de multi-fundos, cuja grande diferenciação é a de permitir que o indivíduo faça suas escolhas de investimento, transferindo parte da responsabilidade pela rentabilidade dos recursos aplicados ao futuro beneficiário. Modelo similar em termos de complexidade é adotado na Austrália. Ao redor do mundo, ainda são minoria os planos em que o beneficiário toma as decisões de investimento de acordo com um leque de opções pré-determinado para o setor. Os volumes de recursos nos Sistemas Previdenciários mundiais também variam substancialmente. Os Estados Unidos possuem valor equivalente a mais de 110% de seu Produto Interno Bruto – PIB, a Austrália, superior a 140%, Inglaterra, mais de 100%, e a Suíça, cerca de 200%. O Chile, mencionado anteriormente, acumula valor equivalente a 80% de seu PIB. Tópico 4 – Perspectivas sobre o futuro previdenciário no Brasil O Professor Larry faz ressalva que, por vezes, é importante dar um passo atrás e pensar não somente na questão da aposentadoria, mas no que ela deveria garantir, que é o bem-estar durante idades avançadas. De uma conversa informal com Samuel Pessoa e José Cechin, emergiram discussões sobre os sistemas de saúde, que representam um dos grandes desafios da terceira idade. Se não há provisão de serviços e medicamentos de forma pública ou a preços acessíveis, o problema pode não estar na renda (aposentadoria), mas no aumento do nível de gastos. Além disso, quando se fala em políticas de aposentadoria, deve-se pensar também na questão da habitação, que tem dimensões financeiras diferentes durante a vida ativa e posteriormente. Em relação à gestão dos recursos aplicados nos Fundos Previdenciários, a tendência de crescimento do montante de recursos, aliada à demanda de investimentos infraestruturais no país, poderia resultar em uma situação de fomento econômico através dos recursos previdenciários. Se feito da forma correta, esse casamento pode gerar frutos muito positivos para o país e para os beneficiários. Quando questionado por Marina Silva sobre qual seria essa forma certa de se fazer e o nível de risco a que estariam expostos estes beneficiários em função do caráter de longo prazo dos investimentos e sua capacidade de absorção de tais riscos, e o Professor Larry ressalta que essa questão de prazo casa com as características esperadas das contribuições previdenciárias. Quanto ao risco, o Professor argumenta que há de se ter em mente que os mesmos estão presentes como em qualquer investimento, em maior ou menor grau. A forma correta de se dependerá da capacidade absolvição desses riscos através de uma carteira equilibrada e de uma elevada escala de beneficiários, que viabilize a pulverização destes riscos, além da implantação de sistemas de gestão profissionalizados e que garantam a devida prudência por parte dos administradores dos Fundos. Os participantes devem entender o contexto da aplicação de seus recursos e sentir que não se está tirando vantagem excessiva desses recursos em prol de projetos que não lhes trazem ganhos substanciais no longo prazo. Todos os presentes na mesa de discussões indicaram concordar com a possibilidade de os Fundos de Pensão realizarem investimentos em infraestrutura, desde que respeitados estes preceitos de responsabilidade objetiva. Porém, um ponto muito sensível levantado pelos participantes em relação à possibilidade de Fundos de Pensão investirem em infraestrutura, é a segurança institucional e jurídica dos contratos. Da mesma forma que medidas políticas como a renegociação do contrato das companhias concessionárias do setor elétrico repele o apetite da iniciativa privada por projetos em setores com forte regulação estatal, este comportamento representa um risco para a potencial participação destas poupanças institucionais concentradas. Renegociações de contratos como a ocorrida podem ter grande impacto social, de forma que é fundamental que se garanta a segurança jurídica desses investimentos, a fim de garantir a participação de pessoas que dependerão de fluxo de recursos futuros estimados e esperados para garantir seu bem-estar. E, de forma alguma, conforme destacado por Guilherme Leal e José Cechin, tais investimentos devem deixar de seguir uma lógica de risco versus retorno coerente, remunerando o capital em níveis reduzidos, por vezes insuficientes inclusive para cumprir metas atuariais, em contrapartida a um risco moderado a alto. Conclusões Diante do elevado nível do debate promovido, algumas conclusões gerais emergiram. Inicialmente, há uma percepção geral de que é um momento apropriado para o Brasil debater e prover soluções à questão previdenciária. Dentre as principais razões para esta conclusão, estão o elevado custo do sistema para o Estado em relação ao Produto Interno Bruto – PIB, a possibilidade de participação de Fundos de Pensão em investimentos que elevem a competitividade de nossa economia e, por fim, o fato de podermos aprender com os erros e desafios enfrentados por outros países que realizaram reformas semelhantes há mais tempo. Neste sentido, a exposição do Professor Larry revelou similaridade entre os Sistemas Previdenciários brasileiro e norte-americano em muitos aspectos. Um grande exemplo é a transição do funcionalismo público federal a um regime de previdência complementar baseado no regime de contribuição definida, mudança que ocorreu nos anos 80 nos Estados Unidos e que acaba de ser implantada no Brasil com a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – FUNPRESP. Os resultados obtidos naquele país também podem balizar em muito nossas expectativas quanto às recentes alterações do sistema brasileiro. O Professor Larry destaca que tanto desde o ponto de vista individual, com a aplicação de recursos em volumes inclusive superiores ao teto de contrapartida do Estado, quanto em um nível mais amplo, com a redução dos gastos públicos e o crescimento dos recursos aplicados em previdência complementar, os resultados são altamente favoráveis. Entretanto, há de se ressalvar, como levantado por Ernesto Bologna, que, embora a racionalidade econômica indique ao mesmo caminho, o comportamento social pode diferir e gerar tomadas de decisão influenciadas por aspectos não racionais. Neste sentido, o Professor destacou o comportamento mais individualista dos norte-americanos, favorecendo a aceitabilidade do sistema de contribuição definida, o qual pode encontrar maior resistência em uma sociedade mais solidária como a brasileira. É importante ressaltar que, em ambos os casos, as mudanças tiveram a motivação principal de reduzir os gastos públicos com o Sistema Previdenciário. Entretanto, como já falado, um efeito secundário e de grande valia para a economia, é o aumento dos recursos disponíveis para investimento em grandes Fundos de Previdência Complementar. Atualmente, os Estados Unidos possuem valor equivalente a 110% de seu Produto Interno Bruto – PIB em seu Sistema Previdenciário, enquanto no Brasil este montante é próximo a 25%, com tendência de crescimento a partir das mudanças recentemente implantadas. Assim, se fortalece um poderoso agente econômico com potencial de investimento elevado. A partir deste ponto, a discussão rumou para a forma de gestão desses investimentos para garantir, ao mesmo tempo, o cumprimento de sua função social de bem-estar aos aposentados e a contribuição para o desenvolvimento sustentável do país. Muito se discutiu em torno da pressão política para que Fundos de Pensão viabilizem grandes projetos de infraestrutura de cunho eleitoral. Neste quesito, com a contribuição de Guilherme Leal, Samuel Pessoa e José Cechin, foi questionada a relação risco versus retorno esperada para estes fundos em tais projetos, bem como a segurança institucional e jurídica de setores com intensa regulação estatal, fatores estes que repelem a iniciativa privada de participação em fases de viabilização dos empreendimentos. Há sentido em transmitir esse risco a pessoas que aplicam seu dinheiro esperando um retorno seguro e constante no futuro? Na opinião do Professor Larry, faz sentido que os Fundos de Pensão invistam em projetos de infraestrutura no Brasil, desde que esse investimento seja feito de maneira apropriada, isto é, respeitar um sistema rígido de governança, a profissionalização de gestão, definições de critérios de concentração e exposição a riscos de natureza similar e uso de recursos em larga escala que permita pulverização de risco para contribuintes. Seguindo todos esses parâmetros e olhando de forma sistêmica para o modelo, o mesmo pode garantir resultados ótimos que unem a garantia de desenvolvimento sustentável com a otimização do bem-estar intergeracional. O Professor ressalta que essa não é prática comum nos Estados Unidos, cuja participação da iniciativa privada nos investimentos infraestruturais é baixa, porém que é uma discussão emergente diante do elevado déficit do Governo Federal. Por fim, foi ressaltado que a sequencia da reforma da previdência deve também envolver as regras para pensão. O Brasil gasta 12% do PIB com a Previdência Social, dos quais 3% com pensões por morte, o que representa montante superior aos investimentos feitos pelo Governo Federal. Prevalecem critérios brandos para atribuição destas pensões, como a desconsideração de idade, renda e número de filhos, o que leva à existente de uma indesejada indústria de casamentos entre idosos e jovens que vislumbram obter esse benefício. A informalidade no emprego atinge 40% da População Economicamente Ativa – PEA, diante dos elevados custos previdenciários do emprego formal. Enfim, os desafios são muitos e de grande complexidade, porém o país encontra-se em um momento propício para esse debate, cujos resultados de longo prazo poderiam ser muito expressivos. Pontos a serem aprofundados futuramente Custo do sistema previdenciário para o Estado. Como melhorar a eficiência de sua gestão, garantindo os devidos benefícios e conquistas sociais, ao mesmo tempo em que se assegura a viabilidade econômica do modelo. Critérios de elegibilidade para investimentos de Fundos de Pensão em projetos de infraestrutura. Como e até que ponto os Fundos de Pensão avaliam os impactos socioambientais de seus investimentos. Os resultados preliminares da implantação do regime de contribuição definida e da FUNPRESP para os servidores públicos federais. Definição dos gastos públicos com investimento em educação versus previdência social pode ser um grande norteador dos objetivos sociais governamentais. Consensos ou conclusões que possam ser incorporadas à Plataforma Fundos de Previdência Complementar podem e devem realizar investimentos que favoreçam o desenvolvimento sustentável no país, sob critérios institucionais e de governança que garantam a segurança dos beneficiários dos planos previdenciários. Os interesses político-eleitorais e sindicais devem respeitar limites de risco e retorno aceitáveis definidos pelos Fundos de Pensão, visando à prudência no investimento dos recursos dos participantes. Conquistas sociais devem ser valorizadas, mas o debate sobre o custo da Previdência Social no Brasil e os critérios para gozo de benefício devem ser reavaliados, a fim de evitar o uso inadequado do sistema e o comprometimento de recursos que poderiam ser destinado ao desenvolvimento do país. Deve ser estimulada uma gestão mais participativa nos Fundos de Previdência Complementar, cujos volumes acumulados tendem a crescer consideravelmente.