Reis Advocacia______________________________________________________________________ CRISE NORTE-AMERICANA E (AUTO) REGULAÇÃO DOS INVESTIMENTOS* Adacir Reis O livro Desafio aos Deuses – a fascinante história do risco, de Peter Bernstein nos mostra que na antiguidade o homem achava que o futuro era algo intangível, um capricho dos deuses. Em saborosa narrativa, esse investidor/historiador revela que ao longo dos séculos o homem desenvolveu modelos econométricos e de gestão de riscos, passando a conceber o futuro como algo plasmável, ou seja, uma realidade que pode ser antecipada. Há poucas semanas, o presidente do Banco Central norte-americano (Federal Reserve), Ben Bernanke, foi ao Congresso dos Estados Unidos e disse, com todas as letras, que bancos pequenos poderiam quebrar. Alguns dias depois, não foi um banco pequeno que soçobrou, mas um dos maiores e dos mais antigos, o Bear Stearns, que havia sobrevivido até mesmo à crise de 1929. Tentando reativar a economia norteamericana, já em recessão, Bernanke baixou os juros por seis vezes consecutivas, chegando neste momento a 2,25%, ou seja, juros negativos, já que a inflação dos últimos 12 meses foi de 2,30%. A crise norte-americana, que começou com o segmento subprime do mercado hipotecário e depois se espraiou para todo o mercado financeiro, recoloca dúvidas cruciais sobre nossa capacidade de antecipar situações de crise, como a atual. Há um ano atrás, quem imaginava essa turbulência toda ? Alan Greenspan, que hoje tem sua atuação à frente do Banco Central norteamericano questionada, em recente entrevista para o Financial Times, traduzida para o Valor (edição de 18.03.08), saiu-se com essas reflexões: “O problema essencial é que nossos modelos – tanto os modelos de risco quanto os modelos econométricos – por mais complexos que tenham se tornado, ainda são simples demais para capturar todo o conjunto de variáveis que conduzem a realidade econômica global”. Embora o fatalismo de Greenspan possa ser visto como legítima defesa, suas palavras não são triviais e funcionam como severa advertência. Ao final dessa entrevista, Alan Greenspan, uma ex-autoridade, do alto de seus mais de setenta anos, manifesta o temor de se ter uma onda regulatória que venha a provocar um excesso de intervencionismo do Estado, sufocando a competição e a liberdade. Outra importante opinião é a de George Soros (Financial Times, 22.01.08). Também com seus mais de setenta anos de idade, com tantas façanhas já protagonizadas, Soros, um quase ex-mercado, concorda num ponto com Alan Greenspan: a crise americana atual é a pior desde a 2ª Guerra. Embora reconhecendo também a insuficiência dos modelos de gestão de risco, Soros critica o fundamentalismo de mercado e parece caminhar em direção oposta à de Greenspan, pois afirma estar chocado com a total ausência de responsabilidade, seja dos atores do próprio mercado, como as agências classificadoras de risco, seja especialmente das autoridades governamentais. O megainvestidor sustenta que ao final dessa crise o dólar estará irremediavelmente fragilizado, o que provocará um realinhamento de forças entre as grandes potências. Quais os reflexos disso tudo para o Brasil e, mais especificamente, para os investimentos dos fundos de pensão brasileiros ? No campo dos investimentos, há muitas dúvidas sobre até que ponto os países chamados “emergentes”, entre eles o Brasil, serão atingidos pela economia norte-americana. E no campo regulatório, quais serão os reflexos para os investidores, especialmente os institucionais ? Os surtos regulatórios, conseqüência sempre forçosa Reis Advocacia______________________________________________________________________ dessas crises de quando em quando, devem ser evitados. É a chamada “legislação de pânico”. Os Estados Unidos debatem se o que faltou foi intervenção dos órgãos reguladores. Por ironia da História, é provável que, sob o governo republicano, novas normas de intervenção do Estado sejam editadas, fortalecendo o poder dos órgãos federais. Já se fala em algo como uma Sarbanes-Oxley II, desta vez para o mercado financeiro. No Brasil estamos num estágio diferente da relação do Estado com o mercado. Contrariando os ventos norte-americanos, precisamos avançar no processo de desburocratização e de atribuição de responsabilidades aos diversos atores do mercado. Hoje o Conselho Monetário Nacional (CMN) já comete excessos regulatórios, pois sua competência legal é apenas a de fixar diretrizes para os investimentos dos fundos de pensão. O Conselho é Monetário, e é Nacional. Deve tratar de macroeconomia, e não de sub-limites, contratações e terceirizações, temas que pretensamente se destinam à proteção de interesses dos participantes de planos de previdência e, por isso, estão na alçada do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC) e da Secretaria de Previdência Complementar (SPC). Para neutralizar o risco de algum furacão Katrina no campo regulatório, poderíamos fixar a seguinte agenda: 1) reforçar a transparência dos atos dos diversos atores que integram o mercado financeiro e dos investidores institucionais, de modo a atenuar ou neutralizar conflitos de interesses; 2) lembrar que a gestão de riscos prevista na Resolução CGPC 13/04 é um processo cotidiano de aprimoramento e de renovação; 3) eleger, urgente, alguns temas para a auto-regulação, como exigir das agências classificadoras de risco, em relação aos papéis oferecidos aos fundos de pensão, um padrão de conduta diferente do verificado até agora; 4) avançar na agenda da educação financeira e previdenciária, como bem salientou o Secretário de Previdência Complementar, Ricardo Pena, em seu recente discurso de posse. Com a tendência de diversificação dos investimentos dos fundos de pensão brasileiros, está chegando a hora de rever alguns comandos tipificadores de conduta previstos no Decreto 4942/03, como o art. 64, que hoje, ao estabelecer como ato irregular aplicar em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo CMN, tem um comando muito aberto, dando margem para um perigoso subjetivismo da autoridade estatal. Os Estados Unidos estão se convencendo de que um modelo híbrido, com um pouco mais de responsabilidade do Estado, ajudará o mercado a ser mais eficiente. No Brasil, país cada dia mais conectado ao que acontece no mundo, precisamos lembrar que o modelo híbrido significa um pouco mais de mercado, em contraponto às responsabilidades do Estado. O mercado de capitais brasileiro tem acumulado uma boa experiência no campo da auto-regulação. Já entre os fundos de pensão essa experiência é menor. Há uma boa caminhada pela frente. *Adacir Reis é sócio do escritório Reis Advocacia e presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. Foi Secretário de Previdência Complementar (2003/2006) e membro titular do COREMEC – Comitê de Regulação e Fiscalização dos Mercados Financeiro, de Capitais, de Seguros, de Previdência e Capitalização. Artigo que serviu de base para a exposição do Autor em Seminário sobre Investimentos, realizado em São Paulo, em 19.03.08 , publicado no Assprevisite em 25.03.08.