Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito Trabalho de Conclusão de Curso ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL Autor: Anderson Evangelista Silva Orientador: Prof. José Roberto Moraes Marques Brasília - DF 2012 ANDERSON EVANGELISTA SILVA ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. José Roberto Moraes Marques Brasília 2012 Silva, Anderson Evangelista Análise Histórico-Jurídica da Lei da Ficha Limpa e o Princípio da Anterioridade Eleitoral/Anderson Evangelista Silva – Brasília 2012 77f. Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor José Roberto Moraes Marques 1. Análise histórico-jurídica da Lei da Ficha Limpa e o Princípio da anterioridade eleitoral I. Título AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Pedro e Helenice, pela vida e pelo exemplo que me deram. Agradeço à Lucimeire pelo companheirismo e ajuda incondicional. Agradeço ao meu irmão Álefe pelas ótimas gargalhadas de sempre. Agradeço ao meu irmão Alisson por me mostrar que tudo é possível, desde que nunca desista de acreditar. Agradeço ao amigo Tony por todos os seus ótimos conselhos e pela paciência em me ouvir tantas vezes. Agradeço aos meus amigos Diogo e João Paulo pela virtude que vocês transmitem. Agradeço por fim ao professor José Roberto, meu ilustre orientador, por sua disponibilidade em discutir o tema do meu trabalho e compartilhar seus conhecimentos. “Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta...” – Gabriel, o Pensador RESUMO Silva, Anderson Evangelista. ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL. 2012. 77f. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. Este trabalho faz uma análise do contexto histórico-jurídico da edição da Lei Complementar 135, de 2010, a “Lei da Ficha Limpa”. Essa norma surgiu da iniciativa popular e contou com o apoio de mais de 1 milhão de eleitores, tendo sido aprovada no Congresso Nacional em um curto período devido a pressão promovida pela mídia e pela sociedade civil. Publicada alguns meses antes das eleições do ano de 2010, esta lei causou grande repercussão jurídica e popular quanto à sua aplicabilidade. Por meio da analise de decisões judiciais, será contextualizado ao leitor deste trabalho o tema constitucional sobre os direitos políticos. Após, será tratada a aplicação da lei e as decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal. Verificará a obrigatoriedade de se observar o princípio constitucional da anterioridade eleitoral. Palavras-chave: Lei da Ficha Limpa. Lei Complementar 135. Iniciativa popular. Aplicação imediata. Princípio da anualidade eleitoral. Artigo 16 da Constituição.TSE. STF. ABSTRACT Silva, Anderson Evangelista. ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL. 2012. 77f. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. This paper analyzes the historical context of the legal issue of Complementary Law 135 of 2010, the "Law of Clean Record". This rule arose from the popular initiative and with the support of more than 1 million voters and was approved in Congress in a short period due to pressure promoted by the media and civil society. Published a few months before the elections of 2010, this law has caused great repercussions legal and popular as to its applicability. Through the analysis of court decisions, the reader will be contextualized this study the constitutional issue on the political rights. After, it will be treated in law enforcement and the decisions taken by the Superior Electoral Court and Supreme Court. Check the obligation to observe the constitutional principle of prior election. Keywords: Law of Clean Record. Complementary Law 135. Popular iniciative. Immediate Application. Principle annuality election. Article 16 of Constitution. TSE. STF. SUMÁRIO 1. Introdução ..............................................................................................................9 2. Direitos Políticos ..................................................................................................11 2.1. Cidadania..................................................................................................13 2.2. Inelegibilidades .........................................................................................15 2.3. Voto ..........................................................................................................18 2.3.1.Eleições .................................................................................................21 3. Iniciativa Popular – Seu Significado Constitucional .............................................23 3.1. Lei 9.840 de 1999 – Mobilização e Conquista de Iniciativa Popular .........27 4. Lei Complementar 135/2010 - A Lei da Ficha Limpa ...........................................33 4.1. Aplicação da Lei e os entendimentos do Poder Judiciário .................................41 4.1.1 O Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE............................43 4.1.2 O Entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF...........................48 4.1.2.1. Caso Joaquim Roriz – Recurso Extraordinário 630147 ...............49 4.1.2.2. Caso Jader Barbalho – Recurso Extraordinário 631102 ..............58 4.1.2.3. Caso Leonídio Bouças – Recurso Extraordinário 633703............60 4.1.2.4. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC 29 e 30 ..62 5. A Inconveniência da Aplicação da Ficha Limpa Sem a Observância do Princípio da Anterioridade Eleitoral...................................................................................65 6. Conclusão ............................................................................................................69 7. Bibliografia ...........................................................................................................71 9 1. INTRODUÇÃO Com relação aos direitos do homem, o grave problema de nosso tempo é protegê-lo. O direito de ser representado em uma democracia por alguém probo é um desses direitos que merece atenção. Todavia, seja esse direito de todo cidadão, o que se vê, em geral, são os desmandos com o erário. Mensalão, propinas, corrupção em licitações, e tantas outras ilicitudes, que há no Brasil o bordão “quem rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão”. Diante desse quadro político estarrecedor, fez-se necessário introduzir no ordenamento jurídico pátrio uma norma que pudesse retirar da Administração Pública os malversadores dos dinheiros públicos. Graças a esforços conjuntos entre associações, organizações não governamentais e a sociedade civil pode-se apresentar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular ao Congresso Nacional que culminou na promulgação da Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, cognominada Lei da Ficha Limpa. Essa lei chama a atenção por ter alterado a Lei de Inelegibilidades e dar concretude aos princípios elencados no artigo 14, § 9º do texto constitucional, quais sejam, a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Além disso, desde sua sanção, pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ela trouxe muitas polêmicas e dúvidas. Neste trabalho, será feita uma análise histórico-jurídica da Lei da Ficha Limpa frente ao princípio da anterioridade eleitoral, princípio este preceituado no artigo 16 do Texto Constitucional e muito debatido em sede de recursos aos Tribunais Superiores. Verificar-se-á o paradoxo entre os entendimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) frente aos recursos sujeitos a sua competência. Notar-se-á, também, que dentro do mesmo Tribunal há inúmeras divergências entre seus Ministros quanto à aplicabilidade ou não do novel jurídico. O objetivo desse trabalho é conhecer a importância e a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa no cenário democrático nacional com base nas decisões dos tribunais (TSE e STF). Orientando-se no sentido de explicar os institutos eleitorais e constitucionais referentes à elegibilidade, expor a importância da sociedade na feitura das leis de iniciativa popular, apresentar as principais decisões judiciais e 10 identificar as razões jurídicas que impediram a aplicabilidade da LC 135/2010 em seu surgimento. Com o fito de abordar todos os temas propostos, ele está organizado em cinco capítulos. O primeiro capítulo dedica-se a demonstrar a forma de participação do cidadão na esfera política brasileira. O segundo capítulo abordará sobre a iniciativa popular - definição constitucional e importância – como meio eficaz da sociedade participar do processo legislativo. O terceiro capítulo abrangerá do início da iniciativa popular para a elaboração da Lei da Ficha Limpa até o período em que os primeiros recursos contra a lei foram interpostos. No quarto capítulo será examinado os principais recursos interpostos contra a lei da Ficha limpa e os entendimentos dos tribunais para a sua aplicação. O quinto e último capítulo trará algumas considerações finais sobre os entendimentos aplicados a lei e aos casos em concreto. Para chegar ao ponto de vista almejado nesta monografia, de caráter exploratório, buscou-se reconstituir o alvo do movimento que desencadeou na apresentação do projeto e consequente aprovação. Para tanto, optou-se pela utilização de várias fontes de pesquisa, tais como revisão de bibliografia sobre democracia representativa, participação e mecanismos de participação popular; artigos de jornais e revistas, além de material doutrinário e jurisprudencial, todos, com o fim de buscar um caminho sólido para a exposição do tema. O método de abordagem utilizado foi o dialético. Nele pode-se contrapor uma trajetória às ideias, com intuito de alcançar um censo comum entre os temas expostos. O método dedutivo também foi utilizado a fim de que as conclusões a respeito dos tópicos apresentados pudessem partir do geral para o particular. Por fim, o intento buscado foi o exaurimento do assunto abordado, a fim de trazer uma conclusão coerente em relação ao tema exposto. 11 2. DIREITOS POLÍTICOS Os direitos políticos são normas que asseguram ao cidadão a participação nos negócios políticos do Estado, disciplinam a atuação popular e permitem a participação do povo na esfera política. A Constituição Federal, em seus artigos 14 a 16, refere-se aos direitos políticos que nas palavras do mestre José Afonso da Silva são definidas como o “conjunto de normas que regula a atuação da soberania popular”1. Nesta mesma seara, o constitucionalista Alexandre de Moraes conceitua direitos políticos do seguinte modo: É o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Federal. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da 2 cidadania . A cidadania é um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado, delimitando o seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e obrigações perante o Estado. Portanto, a cidadania não diz respeito somente aos direitos políticos, mas ao conjunto de direitos fundamentais, que podem ser constituídos individual e coletivamente. Então, cidadão pode ser conceituado como o indivíduo titular dos direitos políticos de votar e ser votado, adquirindo-se tal atributo com a obtenção da qualidade de eleitor. Entretanto, “esses atributos representam apenas parcialmente todas as possibilidades do que realmente seja o exercício da cidadania3.” Desse modo, podemos subdividir os direitos políticos em: direito de votar e direito de ser votado, respectivamente, cidadania ativa e passiva. A cidadania ativa ou capacidade eleitoral ativa consiste na participação do cidadão na democracia representativa por escolher os seus representantes. Tal ação é feita por meio do voto. Já a cidadania passiva ou capacidade eleitoral passiva trata-se da possibilidade de o cidadão pleitear, mediante eleição popular, determinados 1 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 345. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. rev. São Paulo, Atlas, 2008, p. 225. 3 LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. 2 ed. Leme, SP: Imperium Editora, 2010, p. 216. 2 12 mandatos políticos. Vale salientar que para isso ocorrer é necessário o preenchimento de certos requisitos – os quais serão abordados mais a frente. Não se pode olvidar que a Carta Magna dita os alicerces dos direitos políticos. Entretanto, outros diplomas infraconstitucionais – que regulamentam os dispositivos constitucionais – regem parâmetros a serem observados no direito de cidadania. Entre estas normas há: a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral, CE); a Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidades); a Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos, LOPP); e a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições). Os direitos políticos, segundo a doutrina, são subdivididos em positivos e negativos. Os positivos consubstanciam-se, nas palavras do mestre José Afonso da Silva: Em um conjunto de normas que asseguram o direito subjetivo de participação no processo político nos órgãos governamentais. Eles garantem a participação do povo no poder de dominação política por meio das diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito de voto nos plebiscitos e referendos, assim como por outros direitos de participação popular, como o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos. (direitos previsto na CF: arts. 1º parágrafo único; 5º LXXIII; 14, I a III, §§ 3º e 4º; 27 § 4 4º; 29, XI; 49 XV e 61 § 2º . O sufrágio é um direito público subjetivo democrático, que cabe ao povo nos limites técnicos do princípio da universalidade e da igualdade de voto e de elegibilidade. É um direito que se fundamenta no princípio da soberania popular e no seu exercício por meio de representantes. Já os direitos políticos negativos são entendidos como: Aquelas determinações constitucionais que, de uma forma ou outra, importem em privar o cidadão do direito de participação no processo político e nos órgãos governamentais. São negativos precisamente porque consistem no conjunto de regras que negam, ao cidadão, o direito de eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de 5 exercer função pública . São, assim, regras que privam o cidadão, pela perda definitiva ou temporária (suspensão), da totalidade dos direitos políticos de votar e ser votado, bem como 4 5 SILVA, 2012, p. 349. Ibid., p. 381. 13 daquelas regras que determinam restrições à elegibilidade do cidadão, em certas circunstâncias: as inelegibilidades. Entretanto, o princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado.6 Como já dito anteriormente, o sufrágio é um direito que se fundamenta no princípio da soberania popular e no seu exercício por meio de representantes. A Constituição Federal, no caput do artigo 14, conhece o sufrágio universal, com o voto direto, secreto e com valor igual para todos. Um aspecto a ser salientado é que: Apesar de ser um direito ligado diretamente a um aspecto formal do Estado – tipicamente liberal, pois – vez que diz respeito à possibilidade de os cidadãos influenciarem a vontade estatal, ele não pode ser reduzido ao 7 estreito mecanismo de escolha dos nossos representantes . Nota-se, desse modo, que o direito de sufrágio não se reduz à possibilidade de votar e ser votado, mas permite aos titulares que participem de referendo, plebiscitos e iniciativas populares. 2.1. CIDADANIA A cidadania é vista, no direito brasileiro, como mera condição da pessoa natural que, como membro de um Estado, poder votar e ser votada. Verifica-se tal definição nas palavras do professor Pedro Lenza: Cidadania tem por pressuposto a nacionalidade (que é mais ampla que a cidadania), caracterizando-se como a titularidade de direitos políticos de votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é do que o nacional que 8 goza de direitos políticos . A cidadania é entendida como condição da pessoa natural que faz parte de um Estado membro e participa da vida política do Estado: A nacionalidade é pressuposto da cidadania, uma vez que ser nacional é condição essencial para o exercício dos direitos políticos. Ou seja, todo cidadão deve ser nacional, em que pese o fato nem todo nacional ser cidadão, pois pode não possuir plenitude de seus direitos9. 6 Trata-se de princípio fundamental que figura no artigo 21, I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Toda pessoa tem o direito de participar no Governo de seu país, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos. 7 LULA, 2010, p. 176. 8 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. atual. e ampl. São Paulo. Saraiva, 2011, p. 1022. 9 LULA, 2010, p. 214. 14 Tais noções podem ser equivocadas, uma vez que a definição de cidadania não pode se referir tão-somente a direito políticos, muito menos só a possibilidade de votar e ser votado. A cidadania é, pois, um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado, delimitando o seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e obrigações perante o Estado. Significa, diante disso, “que a importância na conceituação de cidadania, não é o individuo enquanto sujeito de direitos, mas a própria figura do Estado, afinal, a cidadania é dada pelo Estado ao indivíduo através da legislação”10. O constitucionalista José Afonso da Silva ao explanar sobre o tema caminhou no seguinte entendimento: Cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação 11 política . Ela abrange tanto a fruição de direitos civis – direito à liberdade, à igualdade formal perante a lei, por exemplo – quanto de direitos sociais – direito à educação, à saúde, ao trabalho – bem como do direito de sufrágio, que pressupõe o gozo de direitos políticos – direito de participação da vontade do Estado, seja votando ou sendo votado. Isso porque ser cidadão deve significar ter direitos, deveres e o poder de exercitá-los, uma vez que a esfera política não se circunscreve meramente à esfera estatal. A cidadania, portanto, não diz respeito só aos direitos políticos, mas ao conjunto de direitos fundamentais, que podem ser construídos individual e coletivamente. A própria Constituição de 1988 dá sinais de que ela quis se referir à cidadania num sentido mais amplo do que a titularidade de direitos políticos. Assim, a título exemplificativo, o artigo 5º, inciso LXXVII; o artigo 62, § 1º, inciso I, alínea “a” e o artigo 205. 10 11 Ibid., p. 215. SILVA, 2012, p. 346. 15 Destarte, a dimensão do votar e ser votado representa apenas uma face das possibilidades que o exercício da cidadania gera e que é concebida pelo exercício dos direitos políticos. 2.2. INELEGIBILIDADES As inelegibilidades são condições impeditivas do exercício da capacidade eleitoral passiva. Retiram “a condição de ser candidato e, consequentemente, poder ser votado”.12 Obsta à elegibilidade, por isso deve ser entendida de forma negativa, ou seja, circunstância que impede o cidadão de pleitear a representação popular. A Constituição traz algumas hipóteses de inelegibilidade. Prevê em seu artigo 14, § 9º, a criação de uma norma infraconstitucional para deliberar sobre o tema, dispondo, in verbis: § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda 13 Constitucional de Revisão nº 4, de 1994) Em nosso ordenamento jurídico, é conferida a Lei Complementar n.º 64/90 a finalidade acima descrita. Há dois critérios a serem considerados referentes à abrangência das inelegibilidades: a absoluta e a relativa. A inelegibilidade absoluta caracteriza-se pelo impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. A pessoa que se encontra nesta situação não pode concorrer a qualquer pleito até que a situação que a produz seja absolutamente eliminada. Tal característica refere-se aos analfabetos e aos inalistáveis (estrangeiros e conscritos). A inelegibilidade relativa ocorre quando há restrições “a determinados mandados em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão”14. Nesse caso, o relativamente elegível é titular de elegibilidade, a qual não poderá ser exercida em relação a algum cargo ou função eletiva. Temos exemplos de inelegibilidade relativa em razão de motivos 12 MORAES, 2008, p. 233. 13 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2012. 14 SILVA, 2012, p. 390. 16 funcionais, de parentesco, exercício de determinadas funções ou cargos e as definidas em lei. Diante disso, verifica-se que não existe no Brasil a cassação dos direitos políticos. A Constituição veda tal ação e trata do assunto em seu artigo 15, in verbis: Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. Cumpre salientar que o traço distintivo entre a perda e a suspensão é a existência de uma previsão de tempo de duração: Quando a privação ocorre com prazo definido, fala-se em suspensão, mas se não há prazo definido, refere-se à perda. O fato de a perda não ter tempo definido de duração não significa que ela seja perpétua. Haverá sempre a possibilidade de se afastar a causa da perda, restaurando-se os direitos 15 políticos. Desse modo, há vedação expressa à cassação dos direitos políticos. Entretanto, em casos de direitos suspensos por determinado período de tempo ou perdidos, o individuo sofrerá o cancelamento do seu alistamento eleitoral e a exclusão do corpo de eleitores (CE, artigo 71, II). Juntamente, poderá haver o cancelamento da filiação partidária (LOPP, artigo 22, II); a perda de mandato eletivo (CF, artigo 55, IV, §3º); a perda de cargo ou função pública (CF, artigo 37, I, c.c. Lei 8.112, de 1990, artigo 5º, I e III); a impossibilidade de ajuizar ação popular (CF, artigo 5º, LXXIII); o impedimento para votar e ser votado (CF, artigo 14, § 3º, II); e a impossibilidade de exercer a iniciativa popular (CF, artigo 61, §2º). Como já considerado, para alguém concorrer a qualquer mandato eletivo não pode incidir em nenhuma causa de inelegibilidade, seja ela fixada constitucionalmente ou através de lei complementar. Além disso, deve preencher condições de elegibilidade, que estão dispostas no artigo 14, §§ 3º, 4º da Constituição Federal: 15 ALBUQUERQUE, Fabrício Sarmanho. Direito Constitucional Positivo. v. 2. 2 ed. Brasília: Vestcon, 2011, p. 167. 17 Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei: I - a nacionalidade brasileira; II - o pleno exercício dos direitos políticos; III - o alistamento eleitoral; IV - o domicílio eleitoral na circunscrição; V - a filiação partidária; VI - a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. § 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos. Inalistável é aquele que não está apto a integrar o colégio de eleitores, inscrevendo-se e qualificando-se para a participação do cadastro de votantes mantido pela Justiça Eleitoral. O alistamento é um ato jurídico complexo por meio do qual o eleitor procura demonstrar o preenchimento dos requisitos constitucionais e legais para votar (qualificação) e, logrando fazê-lo, vê-se admitido a integrar o cadastro de eleitores (inscrição). Os inalistáveis estão elencados no artigo 5º16 do Código Eleitoral, além dos casos expressos constitucionalmente: os analfabetos, os menores de 16 anos17, os estrangeiros, durante o período de alistamento militar obrigatório, os conscritos18 e os incapazes. Outro caso que gera a inelegibilidade está previsto na Constituição Federal no seu artigo 37 § 4º. É a improbidade administrativa. Ela é caracterizada pela conduta de agentes públicos que agem de modo incorreto, desonesto, ilegal, abusivo e com prejuízo ao erário ou com infringência aos princípios da Administração, enriquecendo ilicitamente. Em nosso ordenamento jurídico, a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, é a responsável pela regulamentação das atitudes que consistem em atos de improbidade administrativa. São estabelecidas três hipóteses, quais sejam: 16 Art. 5º Não podem alistar-se eleitores: I - os analfabetos; (Vide art. 14, § 1º, II, "a", da Constituição/88) II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional; III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos. 17 É válido lembrar que os maiores de 16 e menores de 18 anos, apesar de alistáveis, são inelegíveis. 18 São os convocados, ou melhor, recrutados, para o serviço militar obrigatório. No caso de se engajarem no serviço militar permanente não são conscritos, e, em decorrência, José Afonso da Silva (2012, p. 306) observa que “..soldados engajados, cabos, sargentos, suboficiais e oficiais das Forças Armadas e Polícias Militares são obrigados a se alistarem como eleitores”. 18 os que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º); os que causam lesão ao patrimônio público (artigo 10); e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (artigo 11). Além disso, nos termos do artigo 14, §7º da Constituição Federal, repetido integralmente no §3º do artigo 1º da Lei Complementar 64/90, ocorre os casos de inelegibilidade reflexa. Nesse caso, são inelegíveis no território da circunscrição do titular, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, do Governador de Estado, do Distrito Federal e Território, de Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito, a não ser que seja titular de cargo eletivo e candidato à reeleição. Por derradeiro, existe a obrigatoriedade da filiação partidária para a disputa de cargos eletivos, com a antecedência mínima de um ano antes da eleição. Esse período, porém, a critério do partido, e desde que fixado em estatuto, pode ser superior ao prazo estipulado no artigo 20 da Lei 9.099, de 199519. Assim, aquele que não estiver vinculado a partido político não poderá ser candidato, sendo, por consequência, inelegível. A incidência, portanto, das inelegibilidades ocorrem com o fito de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, levando em consideração a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 2.3. VOTO Desde a antiguidade, já foram encontradas algumas formas de organização social. Tanto na Grécia quanto em Roma, berço do mundo ocidental, isso foi verificado. Os votos aconteciam em assembleias populares, as chamadas comitia e ecclesia: Desde a Antiguidade, o sufrágio era o direito de escolha; o voto, o ato que assegurava e a eleição, o processo dessa escolha. As democracias gregas tinham-nos como das mais relevantes instituições políticas. Os gregos votavam nas assembleias populares levantando a mão ou a lança e, através 19 Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidárias superiores aos previstos em Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos. 19 do voto, exerciam grande papel na vida da cidade. Elaboravam-se as leis, escolhiam-se os titulares das diversas magistraturas, julgavam-se os criminosos e tomavam-se as mais graves deliberações por intermédio do 20 voto. O voto, nessa época, era coletivo, a descoberto e simbólico . O voto, nesse período, era restrito a cidadãos do sexo masculino, maiores, natos e que já houvessem cumprido o serviço militar. Os demais indivíduos eram, pois, excluídos desse direito, quais sejam: mulheres, menores, estrangeiros e os incapazes. Em 1787, na Constituição americana, o sufrágio foi alçado à categoria de direito constitucional, entretanto, o direito de votar continuava restrito. Albergava somente os nacionais com residência mínima de um ano, os maiores de 21 anos, os alfabetizados e os que pagassem o “imposto do voto”. No Brasil, a primeira norma eleitoral foi elaborada em Portugal no fim da Idade Média e aplicada até 1828, as chamadas Ordenações do Reino: Sob a vigência desse “código”, D. João VI, mediante Decreto de 07 de março de 1821, convocou as primeiras eleições gerais, para a escolha de seus representantes às Cortes de Lisboa. Porém, a primeira lei eleitoral feita no Brasil só foi publicada a 19 de junho de 1822; elaborada por determinação de D. Pedro I, tinha como objetivo regulamentar a eleição de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta de Deputados das Províncias do Brasil21. A Constituição do Império de 1824 estabeleceu vários critérios a fim de conferir a alguém o direito de votar. A qualificação e, normalmente, a condição financeira proporcionavam esse direito. A este modelo de voto restrito, atribui-se o chamado voto censitário ou capacitário: (...) estavam excluídos de votar nas eleições para deputados e senadores do Império aqueles que não alcançassem renda líquida anual de cem mil réis. Somente poderia ser eleito deputado se tivesse renda líquida anual de duzentos mil réis22. O primeiro Código Eleitoral brasileiro surge em 1932. Em 1934, com a promulgação da nova Constituição a União recebeu a competência para legislar 20 NASCIMENTO, José Anderson. Tópicos de direito eleitoral: (anotações à Lei 9.504/97). São Paulo: Ícone, 1998, p 11. 21 NASCIMENTO, 1998, p. 13. 22 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 542. 20 sobre matéria eleitoral e estabelecer normas relativas aos eleitores e às inelegibilidades: O Código Eleitoral de 1932 instituiu o voto universal, secreto e obrigatório e criou a Justiça Eleitoral. Incorporou ao eleitorado mulheres e religiosos, mas ainda excluiu os analfabetos, mendigos e praças de pré. (...) O Decreto nº 21.076 regulou as eleições federais, estaduais e municipais e instituiu a 23 representação proporcional . Em 1945 foi editado um novo Código Eleitoral. No ano seguinte, 1946, um novo texto constitucional foi promulgado: A Constituição de 1946, que, entre outros avanços, estabeleceu: a) representação proporcional; b) inelegibilidade dos analfabetos, praças de pré, salvo os aspirantes a oficiais, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior; c) voto obrigatório para maiores de 18 anos de ambos os sexos, sucedeu o quarto Código Eleitoral do Brasil, resultante da Lei nº 1.164, de 24 de julho de 1950. No Código Eleitoral de 1950, o sufrágio e o voto eram como hoje, universal e direto, obrigatório e secreto; havia o sistema proporcional e majoritário; as Juntas Especiais passaram a ser juntas Eleitorais, com competência para apurar as eleições realizadas nas zonas eleitorais sob sua jurisdição; o eleitor tinha que requerer o alistamento, não se procedendo mais de ofício; dedicou-se, pela primeira vez, capítulo próprio para a propaganda partidária, restringindo ou garantindo seu exercício; deu aos juízes eleitorais competência plena em matéria criminal eleitoral, ressalvando apenas a competência originária dos tribunais; autorizou a aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Penal, mas silenciou em relação ao Código Penal24. No período compreendido entre 1964 e 1985 – Ditadura Militar – foram reformuladas as organizações partidárias e extinguiram-se os partidos políticos, por meio do Ato Institucional n.º 2 (AI-2). Neste cenário político surgiram a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 15 de julho de 1965, pela Lei 4.737, instituiu-se, o atual Código Eleitoral (CE). Esse Código trouxe alteração substancial na legislação brasileira, pois passou a cuidar tão-somente da organização dos eleitores e das eleições. Ainda no regime militar surgiram documentos legislativos que merecem menção, como as revogadas Lei 5.453, de 1968, e a Lei Complementar 5, de 1970 – antiga Lei das Inelegibilidades. Tal Código foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a qual dispôs sobre a soberania popular ser exercida por intermédio do voto direto e secreto, 23 24 NASCIMENTO, 1998, p. 15. Ibid., p. 16. 21 universal e com valor igual para todos. Além disso, reconheceu o direito de votar aos analfabetos, ainda que estes não sejam obrigados a exercê-lo. Assim, discriminações entre eleitores em razão de sua qualificação ou situação econômica foram sanadas pela Carta Republicana atual. 2.3.1. Eleições Nem sempre houve eleições livres no Brasil, daí a disputa pelos cargos políticos e a escolha de candidatos sem supressão das liberdades, ser um fenômeno recente. A evolução político-constitucional brasileira foi marcada por percalços e retrocessos. Entre a primeira Constituição, de 1824, outorgada na Era Imperial, e a atual, de 1988, foram editadas outras seis, sem contar com atos institucionais e emendas, algumas das quais, como, por exemplo, a de numero 1 de 1969, que substituiu o texto até então vigente. Contando as oito Constituições, apenas a metade pode ser tomada como originária da vontade popular ou classificada como democrática25. Nos períodos antidemocráticos, os textos constitucionais tratavam as eleições como assunto sem importância. Embora o tema não faltasse em nenhuma delas. A Constituição de 1824 abordava sobre o assunto no artigo 90, estabelecendo que as nomeações de deputados, senadores e de membros de conselhos gerais das províncias seriam feitos por eleições indiretas, cujo processo iniciava com as assembleias paroquiais, nas quais os cidadãos daquele tempo selecionavam os eleitores das províncias e estes escolhiam os representantes das províncias e da nação. A Constituição monárquica estabelecia como requisitos para a aquisição do direito ao sufrágio: a) nacionalidade brasileira; b) idade mínima de 25 anos, salvo para casados, os oficiais militares de 21 anos, os bacharéis formados e os clérigos de ordens sacras; c) renda líquida mínima de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Dividia os eleitores em dois graus, os de assembleias primárias (municípios ou paróquias), e os de assembleias secundárias (conselheiros ou deputados provinciais, deputados e senadores), exigindo para estes renda líquida de duzentos mil 26 réis anuais. 25 São elas a Constituição de 1891, que inaugurou a fase republicana, conduzida pelo militares de então; a de 1934, que cuidou da ordem econômica e social; a de 1946, que se preocupou com a redemocratização, depois do Estado Novo de Vargas; e a de 1988, que pretendeu implantar o paradigma da soberania popular (Lôbo, 2010, p. 9). 26 NASCIMENTO, 1998, p. 14. 22 Superada a Constituição imperial pela primeira da Era Republicana, o texto de 1891 trazia em seu artigo 47 a proposta de eleições diretas, permanecendo a restrição à população de eleitores, excluindo deliberadamente as mulheres e permitindo a participação somente aos maiores de vinte e um anos que se alistassem na forma da lei. Em 1934, após a revolução de 1930, promulgou-se uma nova Constituição, apresentando uma redação muito próxima a da atual e quase igual à de 1946, com traços democráticos jamais vistos e extensa preocupação com os direitos sociais, na qual vinha o artigo 2º: “Todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos.” É nesta Carta que ocorre a inserção da justiça eleitoral entre os órgãos do poder judiciário. Com a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, veio a Constituição de 1937, que concentrava poderes no Presidente da República, que elegia os mandatários. Como era considerado autoridade suprema do Estado, detinha o poder de indicar um dos candidatos à Presidência da República, os quais se submetiam à eleição indireta pelo Colégio Eleitoral. Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, promulgou-se a Constituição de 1946, a quinta da história brasileira. Ela estabelecia que todo poder emanava do povo e em seu nome seria exercido. Estabeleceu no artigo 134 que “o sufrágio é universal e, direto; o voto é secreto; e fica assegurada a representação proporcional dos Partidos Políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer”. Esta Constituição foi substituída pela de 1967, criada para reger o governo dos militares instalado em março de 1934. Sobre as eleições, ela fixava as de deputado e senador em todo país simultaneamente. Enquanto que a de Presidente, assim como a 1937, determinava que o cargo seria provido mediante eleições indiretas, dentre o escolhido pelo Colégio Eleitoral.27 Nesse tempo, a Carta de 1967 foi bastante alterada pela Emenda n. 1 de 1969. Além disso, o país era governado por decretos, um dos quais, denominado Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. O AI-5, como era chamado, fechou o Congresso Nacional e suspendeu as garantias públicas, alterando substancialmente a Constituição em vigor. 27 Esse órgão era composto por membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembleias Legislativas dos Estados, criteriosamente controlados pelos militares no poder (LOBO, p. 13) 23 Após mais de duas décadas de ditadura militar, o Brasil estabeleceu o paradigma do Estado Democrático de Direito. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição cidadã, “a qual alterou a anatomia tradicional dos textos que a antecederam, inclusive em matéria eleitoral”28. Reconheceu a soberania popular exercida pelo povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. Ainda estabeleceu como cláusula pétrea o voto, direto, secreto, universal e periódico. Assim, o modelo da democracia participativa estabelecido pela Carta de 1988 fixou o referente lógico para o exercício das funções estatais básicas, legitimadas pela ampla participação e pelo controle popular. 3. INICIATIVA POPULAR – SEU SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL Iniciativa é um ato que desabrocha o processo legislativo. É aquele que propõe a feitura de um novo direito. É um ato simples, ou seja, ‘um ato emanado por um sujeito ou órgão, no qual está concentrado o poder de editá-lo’. Assim, tal ato: É uma declaração de vontade, que deve ser formulada por escrito e articulada. Ato que se manifesta pelo depósito do instrumento, do projeto, 29 em mãos da autoridade competente. A Constituição Federal de 1988 consagrou, em seu texto, mais especificamente em seu artigo 61, § 2º, a possibilidade de o processo legislativo ser desencadeamento por meio de iniciativa popular. Vejamos: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. (...) § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. Com o advento da Carta Magna de 1988, acresceu-se ao povo esta competência. Ela será exercida pela apresentação de Projeto de Lei de Iniciativa 28 LOBO (2010, p. 14) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 228. 29 24 Popular à Câmara dos Deputados. Há, porém, requisitos a serem considerados para a proposição de um projeto de lei. É necessária a subscrição de no mínimo 1% dos eleitores brasileiros, aproximadamente 1,4 milhão de eleitores que consintam com o projeto. Além disso, é necessário que as assinaturas sejam colhidas, no mínimo, dentre 5 estados brasileiros com não menos de 0,3% de eleitores da respectiva unidade federativa acompanhada do nome completo, endereço e número do título eleitoral. A regulamentação infraconstitucional que trata da iniciativa popular de leis está elencada na Lei 9.079, de 199830: LEI N° 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998. (...) Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de Projeto de Lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. § 1°. O Projeto de Lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto. § 2°. O Projeto de Lei iniciativa popular não poder á ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Art. 14. A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento Interno. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados também discorre, em detalhe, no artigo 252, as condições para a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular: 30 BRASIL. Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do artigo 14 da Constituição Federal. Vade Mecum Universitário de Direito Rideel, 9 ed. São Paulo, p. 1149-1150, 2011. 25 REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS RESOLUÇÃO N° 17, de 1989. TÍTULO VIII DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL CAPÍTULO I DA INICIATIVA POPULAR DE LEI (...) Art. 252. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de Projeto de Lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as seguintes condições: I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral; II – as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara; III – será lícito à entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de Projeto de Lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta das assinaturas; IV – o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao contingente de eleitores alistados em cada Unidade da Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais recentes; V – o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação; VI – o Projeto de Lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das proposições; VII – nas Comissões ou em Plenário, transformado em Comissão Geral, poderá usar da palavra para discutir o Projeto de Lei, pelo prazo de vinte minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da apresentação do projeto; VIII – cada Projeto de Lei deverá circunscrever-se a um único assunto, podendo, caso contrário, ser desdobrado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em proposições autônomas, para tramitação em separado; (Inciso com redação adaptada à Resolução n° 20, de 2004) IX – não se rejeitará, liminarmente, Projeto de Lei de iniciativa popular por vícios de linguagem, lapsos ou imperfeições de técnica legislativa, incumbindo à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania escoimálo dos vícios formais para sua regular tramitação; (Inciso com redação adaptada à Resolução n° 20, de 2004) X – a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao Projeto de Lei de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidos por este Regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicada com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto. No Brasil, até hoje, foram seis as iniciativas populares. Porém, somente 4 projetos de iniciativa popular que cumpriram as exigências constitucionais foram 26 aprovados em lei pelo Congresso Nacional31. São eles: a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei que instituiu o Fundo Nacional de Habitação, a Lei que coíbe a captação ilícita de sufrágio e a Lei da Ficha Limpa. O primeiro projeto de iniciativa popular entregue ao Parlamento foi o PL2710/1992, protocolado em janeiro de 1992, pelo Movimento Popular de Moradia. Entretanto, a sua aprovação ocorreu somente no ano de 2005, ou seja, 17 anos após a sua apresentação. O texto aprovado deu origem à Lei 11.124, de 2005 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. O projeto de lei foi assinado pelo deputado Nilmário Miranda, do Partido dos Trabalhadores (PT-MG), em razão de não ter sido possível ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a pedido da Câmara dos Deputados, proceder a conferência das assinaturas. Uma vez que na época não havia um cadastro unificado de eleitores. O segundo, o PL-4146/1993, foi apresentado após a ocorrência de um fato de repercussão nacional. O assassinato da atriz Daniela Perez, filha da dramaturga Glória Perez. Esta realizou uma grande campanha para coleta de assinaturas que contou com o apoio da Rede Globo de televisão. Todavia, a proposta não conseguiu a quantidade de assinaturas necessárias e o então Presidente da República, Itamar Franco, decidiu subscrever o projeto e encaminhá-lo ao Congresso Nacional como se fosse de sua autoria. Assim, a Lei 8.930, de 6 de setembro 1994 que modificou a Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072, de 1990 foi promulgada. O terceiro projeto de iniciativa popular de lei foi uma petição, sem dados do título de eleitor daqueles que o subscreviam e também tratou sobre o tema da lei de crimes hediondos. Ele foi originado pelos pais do garoto Ives Ota, que aos oito anos de idade fora seqüestrado e assassinado. Na ocasião, recolheram-se, aproximadamente, três milhões de assinaturas para tornar mais rígida a pena para casos similares a esse, e previa o aumentando de 30 para 100 anos de prisão para os assassinos. As assinaturas foram entregues ao Congresso Nacional em treze de maio de 1999, mas o projeto foi considerado inconstitucional e não chegou a tramitar. Em 2010, a mãe do menino, Keiko Ota, foi eleita deputada federal pelo 31 As iniciativas aqui relatadas foram descritas por consulta feita ao site da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br >. Acesso em: 21 set. 2012. 27 PSB-SP e pediu o desarquivamento do projeto. O texto original está sendo alterado para se adequar à Constituição. A quarta iniciativa popular de lei, o PL-1517/1999, tinha por objeto dispor sobre os mecanismos que a Justiça Eleitoral deveria se valer para preservar a lisura dos pleitos. Esse PL resultou na Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999. Por sua pertinência e por ser uma das precursoras da Lei da Ficha Limpa, essa norma será abordada no próximo tópico. A quinta iniciativa popular de lei foi o PL-7053/2006, proposta pelo Movimento ― Gabriela Sou da Paz, criada após a morte de uma adolescente por uma bala perdida no metrô na cidade do Rio de Janeiro. O projeto, entregue em março de 2006 e subscrito por 1,4 milhão de pessoas, tem como objetivo tornar mais rigorosa a pena do condenado por crimes hediondos. As assinaturas também foram colhidas na forma de petição, ou seja, sem os dados de título de eleitor, e foi protocolado por meio do Deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e outros cinco parlamentares. Desde então o projeto segue tramitando na Câmara, agora apensado ao PL4911/05. A sexta, refere-se à apresentação da lei contra a corrupção eleitoral32. Com mais de 1,6 milhão de subscrições, o Projeto de Lei Complementar, PLP-518/2009, foi protocolado pelo Deputado Antonio Biscaia (PT-RJ) juntamente com outros 32 parlamentares, e resultou na Lei Complementar nº 135, de 4 de Junho de 2010, conhecida como Ficha Limpa. Por ser objeto do trabalho, também, será considerada mais a frente. 3.1. LEI 9.840 DE 1999 – MOBILIZAÇÃO E CONQUISTA DE INICIATIVA POPULAR Da mobilização da sociedade civil surgiu a quarta iniciativa popular, mas terceira lei a ser aprovada. A Lei 9.840, de 29 de setembro de 1999 que dispôs sobre os mecanismos de que a Justiça Eleitoral deveria se valer para preservar a lisura dos pleitos. 32 http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/05/ficha-limpa-e-o-quarto-projeto-deiniciativa-popular-se-tornar-lei.html; acessado em 21/09/2012. Exemplo; KELLY, Ross. Electronic publishing at APS: its not just online journalism. APS News Online, Los Angeles, nov. 1996. Disponível em: <http://www.aps.org/apsnews/1196/11965.html>. Acesso em: 13 jan. 2003. 28 Em fevereiro de 1997 a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo sem personalidade jurídica ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”. Em abril do mesmo ano, o projeto foi submetido à deliberação por parte da 35ª Assembleia Geral da CNBB. Após debate, o projeto foi aprovado junto com uma agenda de atividades com o intuito de mobilizar a sociedade brasileira em torno do tema: a compra de votos. Foi realizada pesquisa – pelo Instituto Data Brasil da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro – a fim de se verificar até que ponto a população concordava ou não com a prática da compra de votos. Tal pesquisa foi feita por meio de questionários, compostos de cinquenta questões, encaminhados para espaços da Igreja Católica e pessoas interessadas no projeto. A resposta ao questionário deveria se dar por intermédio de grupos formados para debater as perguntas apresentadas a fim de chegar-se a consensos. Isso – opção pela realização de uma pesquisa prévia e a conjugação de opiniões para a concessão das respostas – era parte da estratégia que contemplava não apenas a construção de um projeto popular de legislação, mas envolvia a própria motivação dos participantes para que 33 assumissem uma postura diante do tema da corrupção eleitoral. Num processo que levou quase um ano, e quase 300 questionários devolvidos à CBJP, foi confirmada a prática, em todo o país (pela distribuição geográfica das respostas), do “toma lá dá cá”, ou seja, a troca de bens e vantagens aos eleitores pelo voto. Nesse momento, iniciaram-se as audiências públicas que aconteceram entre novembro de 1997 e julho de 199834. Em 27 de abril de 1998, apresentou-se aos presentes, na 36ª Assembléia Geral da CNBB, o Projeto de Lei os primeiros resultados da pesquisa. No dia seguinte, os participantes da Assembléia decidiram apoiar o lançamento da coleta de assinaturas para a Iniciativa Popular. A partir daí, várias entidades nacionais, religiosas e civis, foram convidadas a apoiar a Iniciativa Popular. Na lista abaixo, seguem os nomes dos apoiadores da campanha em alguma de suas fases: 33 REIS, Márlon. Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012, p. 44. As primeiras foram realizadas em São Paulo, em 20 de novembro de 1997, e em 29 do mesmo mês, em Petrolina, Estado de Pernambuco. As demais realizaram-se em 1998, em geral combinadas com um debate sobre a questão da corrupção eleitoral: em 2 e 3 de Março em Belém do Pará, em 11 e 12 de maio em Fortaleza, em 15 de maio novamente em São Paulo, em 5 de junho em Curitiba, em 26 desse mesmo mês em Goiânia, em 31 de julho em Santos, São Paulo. Informações do site oficial do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE): http://www.mcce.org.br. 34 29 ABESC - Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas ABI - Associação Brasileira de Imprensa ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais Ação da Cidadania - São Paulo - SP ADI - Associação para o Desenvolvimento da Intercomunicação - São Paulo - SP AEC - Associação de Educação Católica do Brasil AJD - Associação Juizes para a Democracia - São Paulo - SP ANDES - Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior ANDI - Agência de Notícias de Defesa da Criança ANSUR - Associação Nacional do Solo Urbano - São Paulo - SP ASSESSOAR – Assoc. de Estudos, Orientação e Assistência Rural Francisco Beltrão - PR Associação de Entidades do Canal Comunitário de Goiânia - Goiânia - GO Caritas Brasileiras CEARAH Periferia - Centro de Estudos , Articulação e Referência sobre Assentamentos Urbanos - CE CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular - Rio de Janeiro - RJ Centro Cida Romano de Formação de Educadores - São Paulo - SP CERIS - Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais CETRA - Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador Fortaleza - CE CIMI - Conselho Indigenista Missionário CIVES - Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania CJP - Belém - Comissão Justiça e Paz - Regional Norte II CJP - Brasília - Comissão Justiça e Paz - Brasília CJP - Ceará - Comissão Justiça e Paz - Regional Nordeste I CJP - São Paulo - Comissão Justiça e Paz - São Paulo CNL - Conselho Nacional de Leigos CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs CPO - Comissão Nacional de Pastoral Operária CPT - Comissão Pastoral da Terra CRB - Conferência dos Religiosos do Brasil CUT - Central Única dos Trabalhadores DIAP - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Brasília DF FAOR - Fórum da Amazônia Oriental - Belém - PA FASE - Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional Fé e Alegria - Fundação Fé e Alegria - Rio de Janeiro - RJ FENAJ - Federação Nacional dos Jornalistas Força Sindical IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Rio de Janeiro - RJ IBRADES - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento – Brasilia - DF INESC - Instituto de Estudos Sócio-Econômicos – Brasilia - DF JCJC - Movimento Nacional Juventude Comunidade Justiça Cidadania MEB - Movimento de Educação de Base MNDH - Movimento Nacional dos Direitos Humanos Movimento do Ministério Público Democrático Movimento dos Focolares - Região Centro-Sudeste MST - Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OAB - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil PACS - Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – Rio de Janeiro RJ Pastoral Carcerária Pastoral da Criança PJB - Pastoral da Juventude do Brasil PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais POLIS - Instituto Polis - São Paulo - SP 30 PU - Pastoral Universitária SAPÉ - Serviços de Apoio à Pesquisa em Educação - Rio de Janeiro - RJ Sociedade Goiana de Cultura - Goiânia – GO Apesar de todo apoio, até abril de 1999 somente a metade do número de assinaturas havia sido alcançado, cerca de quinhentas mil assinaturas. Entretanto, um escândalo envolvendo vereadores da Câmara Municipal de São Paulo, conhecido como a Máfia dos Fiscais, chamou a atenção da mídia e da população. Com escandaloso caso de corrupção de políticos, vários canais noticiaram os fatos e alertaram a população sobre a campanha: Francisco Whintaker Ferreira telefonou para a Rede Globo de Televisão na cidade de São Paulo para propor uma matéria que ligasse os dois fatos: a corrupção praticada por vereadores eleitos por meio da compra de votos e a campanha para criar uma lei que punisse com mais eficiência os praticantes 35 de corrupção eleitoral. A matéria foi ao ar, primeiramente, no jornal local da cidade de São Paulo. No dia seguinte, uma matéria semelhante foi apresentada no Jornal Nacional, programa de maior audiência no país. Isso resultou em uma procura intensa por parte de novos apoiadores de todos os cantos do país. Tanto que em 10 de agosto de 1999, às 15 horas, o projeto de lei de iniciativa popular foi entregue ao então Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. A apresentação do projeto dependeria da assinatura de mais de um milhão de eleitores ativos, que foram distribuídos da seguinte maneira: 35 REIS, 2012, p. 49. Acre 937 Alagoas 13.362 Amazonas 4.777 Amapá 1.584 Bahia 24.596 Ceará 46.504 Distrito Federal 27.727 Espírito Santo 53.144 Goiânia 24.720 31 Maranhão 5.769 Minas Gerais 173.722 Mato Grosso do Sul 5.348 Mato Grosso 9.642 Pará 24.688 Paraíba 11.713 Pernambuco 16.249 Piauí 10.304 Paraná 92.847 Rio de Janeiro 32.415 Rio Grande do Norte 3.993 Rondônia 2.446 Roraima 98 Rio Grande do Sul 37.632 Santa Catarina 13.420 Sergipe 4.587 São Paulo 393.259 Tocantins 1.895 Diversos 1.797 TOTAL 1.039.175 Os idealizadores do projeto tinham a ideia de aprovar o projeto antes de 30 de setembro de 1999, a fim de que a lei aprovada pudesse ser aplicada nas eleições do ano 2000. O primeiro turno das eleições do ano seguinte ocorreria no dia 1º de outubro. Com o intuito de evitar a contestação da lei oriunda da iniciativa popular, o projeto foi subscrito também por parlamentares. Foram os seguintes deputados subscritores: • • • • • • Albérico Cordeiro – Partido Trabalhista Brasileiro Aldo Rebelo – Partido Comunista Brasileiro Antonio Carlos Biscaia – Partido dos Trabalhadores Antonio Medeiros – Partido da Frente Liberal Arnaldo Faria de Sá – Partido Progressista Brasileiro Cabo Júlio – Partido Liberal 32 • • • • • Fernando Gabeira – Partido Verde Gustavo Fruet – Partido do Movimento DEmocrátivo Brasileiro João Hermann Neto – Partido Popular Socialista Luiza Erundina – Partido Socialista Brasileiro Zulaiê Cobra Ribeiro – Partido do Social Democrata Brasileira. As assinaturas dos parlamentares foram dispostas em ordem alfabética para que nenhum dos subscritores assumisse a responsabilidade pela apresentação do projeto. A Câmara reconheceu, oficialmente, que o projeto foi apresentado por iniciativa popular e parlamentar. Isso pode ser verificado na justificativa do projeto que possui as seguintes considerações: Os Deputados que apresentam este Projeto de Lei, assumindo-o como seu, o fazem no intuito de permitir que o mesmo possa começar imediatamente sua tramitação no Congresso Nacional, considerando que estarão, dessa forma, contribuindo para que o anseio de sociedade brasileira por uma democracia sem distorções possa ser acolhido pleo Congresso Nacional, com a relevância e a urgência que merece o fato de estar sendo expresso por um milhão de brasileiros, de todos os rincões do país, no uso de um instrumento de participação popular extremamente importante, mas ainda pouco utilizado pelos cidadãos brasileiros. Os subscritores deste Projeto convidam os demais Deputados a igualmente o subscreverem, e em seguida deliberarem a seu respeito e o aprovarem no prazo necessário a que a Lei promulgada possa vigiar nas eleições do ano 2000. O Congresso Nacional estará dessa forma marcando o início do novo Milênio com um passo decisivo no esforço em que estamos todos empenhados pela valorização do voto do cidadão e da função parlamentar. A tramitação do projeto iniciou no dia 18 de agosto de 1999, com o número 1.517/1999. O texto foi encaminhado a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e sofreu pequenas alterações. Foi, desse modo, encaminhado para apreciação no Plenário daquela Casa. Foi discutido nos dias 16 e 21 de setembro de 1999. Sendo relevante salientar que, após duas horas da reunião de líderes partidários e do Presidente da Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado no dia 21 (terça-feira) às 14 horas. Uma hora após sua aprovação, ou seja, às 15 horas, o projeto já estava sendo lido no Senado Federal e, imediatamente, encaminhado à respectiva Comissão de Constituição e Justiça, a qual aprovou o texto na manhã do dia 22. Neste mesmo dia, à tarde, o Senado aprovou um requerimento de tramitação em regime de urgência. No dia subseqüente (quinta-feira, 23 de setembro) discutiu-se o projeto e, às 13 horas e 45 minutos o aprovou. A proposição seguiu imediatamente para a sanção do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. 33 A sanção presidencial aconteceu após cinco dias. Nascia a Lei n.º 9.840, publicada em 29 de setembro de 1999 no Diário Oficial da União. É interessante notar a rapidez com que esta lei foi aprovada. Foram 41 dias da apresentação do projeto à Câmara até a sua publicação. Isso destaca a força e o comprometimento das entidades engajadas em munir a Justiça Eleitoral com meios de reprimir e punir a captação ilícita de sufrágio. 4. LEI COMPLEMENTAR 135/2010 - A LEI DA FICHA LIMPA A Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, também chamada “Lei da Ficha Limpa”, surgiu com o fito de alterar a Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990 – Lei das Inelegibilidades – a qual foi criada em conformidade com o artigo 14, §9.º da Constituição Federal. A adequação do projeto se dava por acrescentar ao texto da LC 64/90 os casos de inelegibilidade que protegeriam a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato levando em consideração a vida pregressa do candidato. Vale lembrar que o artigo 1º da Emenda de Revisão n.º 4, de 7 de junho de 1994 acrescentou ao artigo 14, § 9.º, as expressões: “probidade administrativa, moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e a fim de proteger”36, entretanto a Lei de Inelegibilidades não acompanhou as alterações dessa emenda, o que impossibilitou o cumprimento da norma e criou um vazio na legislação. Diante disso, o projeto se mostrava necessário e oportuno a fim de abranger as novas possibilidades impostas pelo texto constitucional. Assim, em 10 de dezembro de 2007, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) deflagrou a “Campanha Ficha Limpa”. No momento em que o MCCE decidiu elaborar a proposta, havia alguns projetos de iniciativa parlamentar com o escopo de alterar a Lei de Inelegibilidades que tramitavam no Congresso. E todos estavam parados no Congresso. 36 A nova redação do artigo 14.§ 9º da Constituição Federal passou a vigorar com a seguinte redação: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. 34 Pode-se citar como exemplo o Projeto de Lei Complementar n.º 203, de 2004, cuja autoria foi dos deputados federais Chico Alencar e Antônio Carlos Biscaia, ambos do Partido dos Trabalhadores do Estado do Rio de Janeiro (PT-RJ), no qual apresentava, na exposição de motivos, a razão da importância de aprovarse aquele projeto de lei que tramitava na Casa: Levantamento do jornal O GLOBO de 5/9/2004, dando conta de que 20% dos candidatos às eleições municipais do Rio de Janeiro (40% na Baixada Fluminense!) respondem a processos, alguns por crimes graves, como homicídio e tráfico de drogas, sensibilizou a opinião pública, que passou a exigir uma tomada de posição, do Judiciário e do Legislativo, no sentido de pôr termo a essa situação esdrúxula. Ante o fato, o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro (TRE-RJ), Desembargador Marcus Faver, alegando que a Constituição estabelecia o princípio da moralidade como requisito à candidatura, anunciou que impugnaria todos os candidatos que estivessem respondendo a processos criminais e que divulgaria a lista com os seus nomes. Como o Direito brasileiro, corretamente, consagra a presunção de inocência até prova em contrário, ou seja, até que o indiciado seja declarado definitivamente culpado, anunciou-se que os candidatos, valendo-se do fato de que sobre eles não pesava sentença transitada em julgado, recorreriam aos Tribunais Superiores para revogarem a hipotética decisão do TRE-RJ. Com isso, poderiam permanecer na disputa e, pior, vitoriosos no pleito, ganhariam imunidade e foro privilegiado, já que a Lei garante esse benefício aos que têm mandato. A polêmica surgida não produziu unanimidade nem consenso entre os juízes do TRE-RJ sobre a tese defendida pelo Presidente daquela corte. Por outro lado, ministros do Tribunal Superior Eleitoral também levantaram óbices à anunciada iniciativa do Desembargador Marcus Faver, o que provocou um recuo, tendo o Presidente do TRE fluminense divulgado uma lista com somente três candidatos impugnados por processos criminais. E desistiu de divulgar os demais nomes, responsabilizando os partidos políticos pelo lançamento de candidatos processados criminalmente. E exortando o Legislativo a estabelecer novas e necessárias vedações, que, 37 obviamente, não são penas criminais. A proposta original elaborada pelo MCCE fundava-se nas premissas de não ser recomendável a candidatura de pessoas que pairem, contra elas, condenações criminais emitidas por certos âmbitos do Poder Judiciário; daqueles que foram parlamentares, mas para fugir de possíveis punições, renunciaram ao cargo para evitar abertura de processo por quebra de decoro ou por desrespeito à Constituição; e daqueles que foram condenados pela compra de votos ou uso eleitoral da máquina administrativa. 37 ALENCAR, Chico; BISCAIA, Antônio Carlos. Projeto de Lei Complementar 203/2004. Câmara dos Deputados Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idP roposicao=264755>. Acesso em: 10 out. 2012. 35 Propunha, ainda, que o período de impedimento da candidatura aumentaria de três para oito anos, além disso, tornar mais célere os processos judiciais sobre abuso de poder nas eleições e que as sentenças proferidas, mesmo que coubessem recursos, fossem imediatamente executadas. Em maio de 2008, o projeto de iniciativa popular foi então apresentado na Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que é uma das integrantes do movimento, e aprovado por unanimidade pelos presentes. A partir daí, iniciou-se a coleta de assinaturas. Utilizando-se o paradigma da campanha anterior – “Combatendo a Corrupção Eleitoral” – o MCCE começou a coletar assinaturas em universidades e igrejas em horário de missa. Publicou folhetos explicativos acerca da temática do Movimento Ficha Limpa e organizou reuniões para dialogar com a sociedade sobre a importância da inserção da população para a aprovação do projeto e o fortalecimento da democracia brasileira: Não é difícil entender o porquê da rápida adesão de centenas de organizações sociais e de milhares de voluntários que, até setembro de 2009, conseguiram obter o número exigido pela Constituição para a 38 apresentação da nova iniciativa popular de projeto de lei. A coleta do correspondente a 1% do eleitorado nacional à época durou aproximadamente um ano e meio e alcançou mais do que o necessário que era 1,3 milhão de assinaturas. A proposição foi recebida na Câmara dos Deputados, em 29 de setembro de 200939, pelo então Presidente, Michel Temer, e autuada como Projeto de Lei Complementar 518, de 2009 (PLP 518/2009). Interessante notar que mesmo após a entrega ao Congresso Nacional, assinaturas continuaram a chegar e somaram mais de 1,6 milhão de subscrições: O Projeto Ficha Limpa, agora Lei Complementar nº 135/2010, nasceu da mobilização da sociedade no sentido de melhorar a qualidade dos quadros políticos no País. Mais de 1,6 milhão de assinaturas presenciais, sem contar as adesões pelo correio eletrônico, elevaram a participação popular ao expressivo número de 4 milhões de cidadãos diretamente empenhados com 40 essa mudança. 38 REIS, 2012, pg. 56. Comemorava-se o 10º aniversário da aprovação da Lei 9.840/99. 40 CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Ficha limpa – a vitória da sociedade: comentários à Lei Complementar 135/2010. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010, p.9. 39 36 Tal número expressivo se deve ao apoio da mídia e da sociedade civil organizada. Entretanto, o uso da internet, sem dúvida, possibilitou o rápido acesso as informações do movimento e o respectivo apoio à proposta. Pela inviabilidade de se conferir as assinaturas, muitos deputados se prontificaram em assinar o projeto. Ao todo 33 deputados subscreveram o projeto que foi protocolado e autuado com o número 518/2009. Os subscritores foram41: 41 • Antonio Carlos Biscaia (PT/RJ) • Arnaldo Jardim (PPS/SP) • Camilo Cola (PMDB/ES) • Carlos Sampaio (PSDB/SP) • Celso Maldaner (PMDB/SC) • Chico Alencar (PSOL/RJ) • Domingos Dutra (PT/MA) • Dr. Rosinha (PT/PR) • Duarte Nogueira (PSDB/SP) • Fátima Bezerra (PT/RN) • Felipe Maia (DEM/RN) • Fernando Chiarelli (PDT/SP) • Fernando Coruja (PPS/SC) • Fernando Ferro (PT/PE) • Hugo Leal (PSC/RJ) • Humberto Souto (PPS/MG) • Ivan Valente (PSOL/SP) • Já Moraes (PCdoB/MG) • Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) • Luiz Couto (PT/PB) • Manato (PDT/ES) • Marcelo Ortiz (PV/SP) • Mendonça Prado (DEM/SE) • Miro Teixeira (PDT/RJ) • Odair Cunha (PT/MG) Os partidos PP, PSB, PTB, PR, PRB, PTC, PMN, PHS e PTdoB não assinaram a proposta. 37 • Osmar Serraglio (PMDB/PR) • Paulo Rubem Santiago (PDT/PE) • Rafael Guerra (PSDB/MG) • Rita Camata (PMDB/ES) • Rodovalho (DEM/DF) • Vieira da Cunha (PDT/RS) • Washington Luiz (PT/MA) • Zenaldo Coutinho (PSDB/PA) Após a entrega, iniciou-se a mobilização para a aprovação do projeto de lei nos termos em que foi entregue ao parlamento. Havia muita rejeição por parte dos parlamentares, haja vista que a aprovação do PL 518/2009 poderia ensejar o afastamento de muitos da vida política. Apesar disso, muitos políticos favoráveis a proposta se engajaram para a aprovação do projeto da Lei da Ficha Limpa. Embora não houvesse consenso entre os deputados para a votação da proposta, a pressão sobre eles não abrandou. Em março de 2010, o MCCE teve a grata surpresa de saber da criação de um grupo, no âmbito da Câmara dos Deputados, composto por deputados de todos os partidos, com a tarefa de debater a matéria e buscar a harmonia necessária para a sua aprovação. A presidência e a relatoria deste grupo ficou a cargo, respectivamente, dos deputados Miguel Martini (PHS-MG) e Índio da Costa (DEM-RJ). Esse grupo apresentou um substitutivo que não descaracterizou o projeto original e ainda solucionou positivamente algumas divergências do texto anterior: O substitutivo elaborado pelo grupo de trabalho propunha algumas modificações no texto original, sendo a mais relevante a que exigia, para a ocorrência da inelegibilidade, que a condenação houvesse partido de um órgão jurisdicional colegiado, abandonando-se a proposição original que 42 fazia menção à condenação oriunda de qualquer órgão Judiciário. A esta altura a mídia cobria a tramitação do projeto. E, além dela, a internet também teve um papel importantíssimo para a pressão e mobilização no que se tratava ao andamento do projeto de lei: Logo, se multiplicaram comunidades nas redes sociais e perfis no microblog Twitter dedicados ao tema. Um dos grupos no Facebook (2010: Todos pela Ficha Limpa) superou a casa dos 17 mil participantes. Segundo uma 42 REIS, 2012, p. 57. 38 empresa de consultoria, em apenas dois dias do mês de abril de 2010 a hashtag #FichaLimpa foi citada em 312 mil mensagens postadas no 43 Twitter. O projeto foi levado ao Plenário da Câmara, no dia sete de abril. Lá apresentou-se o substitutivo e outras emendas. Algumas proposições descaracterizavam o projeto inicial por abordar sobre a ampliação das hipóteses de inelegibilidade, a necessidade de trânsito em julgado de sentença condenatória para caracterização da inelegibilidade, a criação do efeito suspensivo contra decisão que caracterizasse inelegibilidade, redução do prazo de impedimento de oito para cinco anos e a não aplicabilidade da lei a fatos ocorridos anteriormente à sua publicação. Do Plenário, a proposta seguiu para a CCJC onde se acordou com os líderes partidários que se, dentro de um mês, o debate não fosse encerrado no âmbito daquela comissão a matéria seria encaminhada diretamente para deliberação do Plenário. O relator nomeado foi o deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT/SP). Após a análise do projeto e de todas as emendas propostas, foi apresentado um substitutivo que não comprometeu a finalidade primeira do projeto, ou seja, o equilíbrio entre a moralidade no exercício da função pública e o direito de defesa. Houve na comissão um pedido de vistas, mas, com o vencimento do prazo estabelecido no acordo com os líderes o projeto foi encaminhado ao Plenário, no dia 4 de maio, mesmo sem a aprovação do substitutivo pela CCJC. O acordo de dar urgência urgentíssima foi cumprido pelos partidos governistas e no dia 4 de maio a matéria começou a ser votada em plenário. Aprovou-se a subemenda apresentada pelo relator da CCJC, tendo o texto sido aprovado pelos 389 dos 390 deputados presentes a sessão, de acordo com o sítio eletrônico Congresso em Foco44: Dos 513 deputados, 390 participaram da sessão que aprovou o texto-base do projeto Ficha Limpa, aprovado na última noite por 388 votos. O deputado Marcelo Melo (PMDB-GO) foi o único a votar contra. Logo em seguida, ele se justificou alegando que, cansado, se equivocou ao digitar o seu voto. O presidente da Câmara não votou por estar impedido regimentalmente. Outros 123 parlamentares faltaram à sessão. Ainda falta a análise dos destaques para que a proposta siga para o Senado. 43 REIS, 2012, p. 56. FOCO, Congresso em. Quem aprovou o Ficha Limpa: Veja Como os Deputados Votaram. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quem-aprovou-o-ficha-limpa-veja-comoos-deputados-votaram/>. Acesso em: 10 out. 2012. 44 39 Os destaques, 15 no total, foram apreciados, votados e derrubados no dia seguinte e no dia 11 de maio (terça-feira). Alguns deles ameaçavam inteiramente o espírito da lei proposta pelo movimento. A redação final do projeto foi aprovada com votação de 412 presentes, com três abstenções. Encaminhou-se o projeto ao Senado e no dia 14 de maio passou para a CCJC da Casa. O relator escolhido foi o Senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Rejeitaram-se 9 emendas no âmbito desta comissão e aceitou-se uma emenda, de autoria do Senador Francisco Dornelles (PP-RJ). Essa emenda alterava o tempo verbal das hipóteses de inelegibilidade, substituía “os que tenham sido condenados” para ― “os que forem condenados”. Em Plenário, o projeto foi incluído em pauta de votação, no dia 19 de maio, e aprovado com a emenda de redação feita na CCJC do Senado. Estavam presentes 76 senadores e todos votaram a favor do projeto. Encaminhou-se, assim, ao então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que no dia 4 de junho sancionou sem vetos o projeto de lei de iniciativa popular que converteu-se na Lei Complementar n.º 135, de 04 de junho de 2010 – Lei da Ficha Limpa. Cinco dias antes do encerramento do prazo final, em 9 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem, sem vetos nem mudanças, a lei que proíbe a candidatura de políticos com condenação judicial por crimes graves. A lei, conhecida como Ficha Limpa, é resultado de um projeto de iniciativa popular, apresentado na Câmara em setembro do ano passado, com mais de 1,6 milhão de assinaturas. As modificações trazidas pela LC 135/10 em comparação a legislação anterior foram as seguintes: A LC 64/1990 ANTES... ...E DEPOIS da FICHA LIMPA45 (LEGISLAÇÃO REVOGADA) (PROJETO APROVADO) O período de inelegibilidade varia de três a oito anos. Também varia a exigência de sentença transitada em julgado e de decisão colegiada. São inelegíveis os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração 45 O período de inelegibilidade é de oito anos para todos os casos, da decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado. Ficam inelegíveis os que praticarem crimes dolosos contra a economia popular, a Administração Pública, o patrimônio privado e o meio ambiente. Ficam inelegíveis os que praticarem crimes MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O princípio da presunção de inocência e a inconstitucionalidade de sua mitigação para fins de registro das candidaturas políticas: ficha limpa. Em Revista Síntese de direito administrativo. Outubro de 2010, p.1250. 40 pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, por tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais, pelo prazo de três anos, após o cumprimento da pena. São inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargo ou função pública rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário. São inelegíveis os detentores de cargo na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, apurado em processo, com sentença transitada em julgado, para as eleições que se realizarem nos três anos seguintes ao término do seu mandato ou do período de sua permanência no cargo. Como não consta tal proibição na lei, os políticos renunciam ao mandato antes de ser instaurado o processo de cassação evitando, com isso, a inelegibilidade. eleitorais (compra de votos, fraude, falsificação de documento público) e forem condenados à prisão. Ficam inelegíveis os que praticarem crimes de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à proibição para o exercício da função pública. Ficam inelegíveis os que praticarem os seguintes crimes: lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; tráfico de entorpecentes e drogas afins; racismo; tortura; terrorismo; crimes hediondos; prática de trabalho escravo; crimes contra a vida e a dignidade sexual; e delitos praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando. Ficam inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidades configuradas como atos dolosos de improbidade administrativa. Ficam inelegíveis os detentores de cargo na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, que praticarem abuso de poder econômico ou político e se beneficiarem com tal prática ou a terceiros. A inelegibilidade é para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos oito anos seguintes. Ficam inelegíveis o Presidente da República, Governadores, Prefeitos e Parlamentares que renunciarem a seus mandatos, desde o oferecimento de representação ou petição para abertura de processo, pelo fato de infringirem a Constituição e as Leis Orgânicas de Estados, Municípios e Distrito Federal para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura. Ficam inelegíveis os que forem condenados por ato doloso de improbidade 41 De acordo com a lei em vigor, são proibidas as candidaturas de cônjuges para os cargos de Prefeito, Governador e Presidente da República. Também são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, os parentes, consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, dos Governadores e Prefeitos ou de quem os tenha substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Ficam inelegíveis os condenados por terem desfeito ou simulado vínculo conjugal para evitar a inelegibilidade. Ficam inelegíveis os que tenham sido excluídos do exercício da profissão por decisão do órgão profissional competente, em decorrência de infração ética e profissional. São inelegíveis os que tenham sido demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial. Ficam inelegíveis pessoas e dirigentes de empresas responsáveis por doações eleitorais ilegais. Ficam inelegíveis magistrados e membros do Ministério Público aposentados compulsoriamente ou que tenham perdido o cargo devido à exoneração por processo administrativo disciplinar. 4.1. APLICAÇÃO DA LEI E OS ENTENDIMENTOS DO PODER JUDICIÁRIO A Lei da Ficha Limpa surgiu com a possibilidade de proteger de maneira concreta os princípios da moralidade e probidade administrativas contidas no texto constitucional. Mostrou também que a sociedade civil organizada pode, sim, obter vitória e sair fortalecida ao exercer os seus direitos. Prova disso, foi ter conseguido em um pequeno prazo aprovar um projeto de tamanha importância e repercussão como foi o da LC 135/2010. Entretanto, a aplicabilidade da Lei não estava tão clara quanto o seu objetivo. Tanto que logo após sua publicação vieram os primeiros questionamentos sobre a nova legislação, uma vez que ao ano de 2010 abrangia o período de eleições. No mês de junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu a duas consultas que possibilitariam a efetividade demandada pela sociedade. A sociedade organizada e a imprensa esperavam que a lei fosse aplicada no pleito de 2010, uma vez que era a oportunidade de alterar o cenário político nacional que estava manchado por vários escândalos de corrupção. O Tribunal Superior Eleitoral também entendeu, naquele momento, que a Lei da Ficha Limpa deveria ser aplicada de imediato, ou seja, nas eleições de 2010. 42 Apesar de toda a euforia em torno da aplicação da lei, surgiu um entrave para que isso ocorresse. Havia de se observar o princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral consagrado no artigo 16 da Constituição da República Federativa do Brasil que diz: Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993). O princípio da anterioridade eleitoral é uma proteção outorgada à sociedade contra casuísmos que possam surgir na esfera política. Decorre do princípio da segurança jurídica fundamental para que o exercício dos direitos políticos não se veja embaraçado em face de eventuais alterações que possam ocorrer. É um mecanismo de defesa, pois protege tanto partidos políticos quanto candidatos de mudanças que possam gerar desigualdades. Os Ministros do TSE com o intuito de fundamentar a aplicação imediata da norma entenderam que ela não se enquadrava no princípio previsto no artigo 16 da Constituição Federal. Usou-se como argumento a afirmação de que “o prazo de um ano para a aplicação da lei só se justifica nos casos em que houver deformação do processo eleitoral. Ou seja, nos casos em que desequilibra a disputa, beneficiando ou prejudicando determinadas candidaturas”.46 Considerava, desse modo, que as novas regras estabelecidas pela LC 135/2010 tratavam-se de unicamente de conteúdo – direito material, pois. Com isso, se aplicava indistintamente a todos e não interferia no processo eleitoral. Esse entendimento gerou uma profunda divergência na hermenêutica da norma e vários políticos foram barrados pela lei da Ficha Limpa. Com isso, vários recursos forma interpostos e por meio de liminares conseguiram concorrer às eleições, até que seus recursos fossem julgados em definitivo. Diversos recursos e questionamentos (inclusive quanto à constitucionalidade) foram encaminhados ao Pretório Excelso, por isso fazer uma análise em separado do entendimento dado pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se faz pertinente. 46 GARCIA, Maria. Interpretação da Constituição e a “Lei da Ficha Limpa”. Em Revista de Direito Constitucional e Internacional RDCI. Revista dos Tribunais: São Paulo, Ano 20. Vol. 78. Janeiro a Março de 2012, p. 341. 43 4.1.1. O Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE Como já citado anteriormente, no mês de junho de 2010, o TSE respondeu a duas consultas que geravam questionamentos sobre a aplicação da LC 135/2010. A primeira, Consulta 1.120-26/DF, de 10 de junho de 2010, cuja relatoria ficou a cargo do Ministro Hamilton Carvalhido, foi encaminhada pelo Senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), se referia sobre a aplicabilidade da “Lei Ficha Limpa” para as eleições que ocorreriam em outubro daquele ano (2010). O TSE, por seis votos a um, reconheceu a aplicabilidade das normas da Ficha Limpa para a eleição que ocorreria nos próximos meses, uma vez que a convenção dos partidos, que ocorre de 10 a 30 de junho de ano eleitoral, não tinha, até aquele momento, acontecido. O entendimento do TSE firmou-se no sentido de que não havia violação ao princípio da anualidade ou anterioridade anual a aplicação, de pronto, da Lei Complementar 135/2010, uma vez que as alterações trazidas por esta norma não alteravam o processo eleitoral e, não violava o texto constitucional. Dada sua importância, faremos uma descrição analítica do teor do julgamento desta Consulta. O eminente Ministro Hamilton Carvalhido em seu voto, enfatizou “que as inovações trazidas pela Lei Complementar 135, de 2010, têm a natureza de norma eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral. Para o referido ministro, o processo eleitoral não abrange, por maior que seja o sentido que lhe é dado, todo o direito eleitoral, mas tão-somente os atos que estão diretamente ligados às eleições. Fundamentou esse entendimento, na lição do ministro Moreira Alves, do STF, que, quando da edição da Lei das Inelegibilidades (LC 64, de 1990), afirmou: A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com Direito Eleitoral, parte que é dele, deve-se entender aquela expressão não como abrangente de todas as normas que possam refletir-se direta ou indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento das eleições por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do Direito eleitoral –, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas às eleições. (...) Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às eleições, e não as normas materiais que a elas de alguma forma se 44 prendam. Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado a 47 expressão mais restrita que é “processo eleitoral”. O relator, ao comentar o conteúdo do artigo 14, § 9º da Carta Política, teceu esclarecimentos relativos a seu voto, na Consulta 1.120-26/DF, para firmar sua posição no sentido de que a: Vida pregressa, no sistema de direito positivo vigente, abrange antecedentes sociais e penais, sendo, por isso mesmo, de consideração necessária a presunção de não culpabilidade insculpida no artigo 5º, inciso LVII, também da Constituição Federal, enquanto diz com o alcance da norma constante do artigo 14, § 9º da Lei Fundamental. A garantia da presunção de não culpabilidade protege, como direito fundamental, o universo de direitos do cidadão, e a norma do artigo 14, § 9º, da Constituição Federal restringe o direito fundamental à elegibilidade, em obséquio da probidade administrativa para o exercício do mandato, em função da vida pregressa do candidato. A regra política visa acima de tudo ao futuro, função eminentemente protetiva ou, em melhor termo, cautelar, alcançando restritivamente também a meu ver, por isso mesmo, a garantia da presunção da não culpabilidade, impondo-se a ponderação de valores para o estabelecimento dos limites resultantes à norma de inelegibilidade. Fê-lo o legislador, ao editar a Lei Complementar nº 135/2010, com o menor sacrifício possível da presunção de não culpabilidade, ao ponderar os valores protegidos, dando eficácia apenas aos antecedentes já consolidados em julgamento colegiado, sujeitando-os, ainda, à suspensão cautelar, quanto à inelegibilidade. Tratando-se efetivamente de norma material como exsurge de todo exposto, não há falar na incidência do princípio da anualidade, insculpido no artigo 16 da Constituição Federal. Pelo exposto, respondo afirmativamente, no sentido de que a Lei 48 Complementar n° 135/12010 tem aplicação imediata . O próximo membro do TSE a proferir o voto foi o Ministro Arnaldo Versiani. Ele acompanhou o voto do eminente relator, ministro Carvalhido, no sentido de que a ficha limpa deveria ser aplicada de imediato. Entretanto, o entendimento do Ministro era o de que qualquer norma que estabelecesse novas condições na legislação eleitoral deveriam observar o princípio da anualidade do artigo 16 da Carta Magna. [...] Fico apenas com a ressalva do meu ponto de vista. A minha interpretação continua sendo esta: o artigo 16 da Constituição Federal se aplica a qualquer legislação que trate a respeito desse assunto, tanto ordinária quanto complementar e quanto a emenda constitucional. A alteração do processo eleitoral, a meu ver, ocorreu, rompendo o equilíbrio, estabelecendo novas condições de candidaturas, e até prejudicando outras 47 MALHEIROS, Arnaldo. Inelegibilidades nas eleições de 2010: Lei Complementar 135/2010. Em Revista do Advogado. Agosto de 2010, p. 22. 48 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro de 2010. 45 candidaturas que já estejam lançadas, inclusive, para o processo eleitoral que, a meu ver, já iniciou, embora as convenções estejam marcadas a partir de hoje. Ressalvando meu ponto de vista, considerando esse novo entendimento ou até o entendimento que prevaleceu para maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, pelos acórdãos que visualizei, acompanho o relator. A terceira a votar e que acompanhou o voto do relator foi a ministra Cármen Lúcia, a qual integra o STF. Teceu explanações a respeito do processo eleitoral. E afirmou que a aplicação da Ficha Limpa, nas eleições de 2010, proporcionava a máxima efetividade constitucional: No curso de aplicação da Constituição, o que se pretendeu sempre e que se reafirmou com essa nova lei, foi dar a máxima efetividade constitucional - o que hoje o próprio Supremo Tribunal Federal e a sociedade como um todo tem pretendido - e, neste caso, dar a maior legitimidade eleitoral. E isto é obtido exatamente por uma lei que apenas desdobra aquilo que se contém no § 9º do artigo 14 da Constituição Federal. [...] a segurança do processo político-eleitoral é um dado, a segurança jurídico-eleitoral é outro dado, e ele não é comprometido, a meu ver, com o advento desta lei. Bem ao contrário. O que se tem, o ministro relator já mencionou, é o princípio da proteção constitucional, exatamente o de se garantirem todos os princípios constitucionais ou os valores constitucionais, 49 na palavra do professor Paulo Bonavides . O primeiro e único voto contrário a consulta foi o do ministro Marco Aurélio, também membro do STF. Para ele o objeto da consulta deveria ser analisado na seara do controle abstrato de constitucionalidade, uma vez que o pronunciamento do Tribunal poderia influir nas convenções dos partidos políticos que aconteciam naquele momento: O que se quer saber é se há - e já, agora, diante de um ato normativo devidamente formalizado - harmonia quanto à observância imediata deste ato normativo com a Carta da República. E nem mesmo o Supremo Tribunal Federal exerce o controle abstrato, o controle concentrado no campo administrativo. Somente o faz no campo jurisdicional. Se entendermos que a Lei nova não se aplica às eleições, estaremos assentando que a interpretação no sentido da aplicabilidade imediata é inconstitucional. Isso, para mim, se resolve no campo do controle abstrato de constitucionalidade. Ao concluir seu voto vencido àquele ponto considerado no TSE, não reconhecendo a aplicabilidade da norma, o ministro permitiu prever qual seria seu entendimento quando voltasse a analisar o tema no STF. 49 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro de 2010. 46 A cláusula vedadora é categórica: não se aplicando, desde que altere o processo eleitoral – e para mim, a mais não poder, a nova Lei, quanto à escolha e quanto ao deferimento de registro a candidatos, modifica o processo eleitoral –, à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. [...] incide, na espécie, o disposto no artigo 16 da Constituição Federal e que, portanto, a recente Lei Complementar nº 135/2010 entrou em vigor imediatamente, como previsto na primeira parte do citado artigo, mas não alcança a eleição que se avizinha, a de 2010, principalmente porque o processo eleitoral já está em pleno curso, tendo em vista a escolha dos 50 candidatos. Aldir Passarinho Junior foi o próximo ministro da justiça eleitoral a se posicionar. Ele também acompanhou o voto do relator. Ressaltou em seu voto que os direitos e condições para que alguém seja candidato somente podem ser verificadas com a legislação em vigor ou até o registro das candidaturas51: No caso, não vejo, efetivamente, óbice à aplicação imediata, seja porque o texto da lei complementar é bastante claro a respeito seja porque entendo que o processo eleitoral, nessa hipótese, para efeito de candidatura, ainda não teve início. O sexto a se pronunciar foi o ministro Marcelo Ribeiro que em seu voto acompanhou o voto nos mesmo termos do eminente ministro relator, Hamilton Carvalhido. Por fim, no âmbito do TSE, se pronunciou o então presidente daquela Corte, ministro Ricardo Lewandowski. Em seu voto, concluiu pela aplicabilidade imediata da lei, vejamos: Na verdade, existiria rompimento da denominada “paridade de armas” caso a legislação eleitoral criasse mecanismos que importassem em um desequilíbrio na disputa, prestigiando determinada candidatura, partido político ou coligação em detrimento dos demais. Isso porque o processo eleitoral é integrado por normas que regulam as condições em que se trava o pleito, não se incluindo entre elas os critérios de definição daqueles que podem ou não apresentar candidaturas. Tal afirmação arrima-se no fato de que a modificação das regras relativas às condições regedoras da disputa eleitoral daria azo à quebra da isonomia entre os contendores. Tal não ocorre, todavia, com a alteração das normas que definem os requisitos para o registro de candidaturas. Neste caso, elas direcionam-se a todas as candidaturas, sem fazer distinção entre candidatos, não tendo, portanto, o condão de afetar a 52 necessária isonomia . 50 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro de 2010. 51 De acordo com o artigo 8º da Lei 9.504, de 1997 as convenções partidárias ocorrem de 10 a 30 de junho do ano eleitoral. Já o artigo 11, estabelece que o prazo limite para o registro das candidaturas ao pleito que se avizinha é o dia 5 de julho do ano eleitoral. 52 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro de 2010. 47 Para o ministro Lewandowski, a lei não trouxe nada que pudesse romper com as regras atuais do processo eleitoral. A ficha limpa criou apenas uma nova regra que aplicar-se-ia a todos sem exceção, de sorte que “a Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos, indistintamente não se pode afirmar que ela interfira no processo eleitoral.53” O Ministro Lewandowski afirmou também que não havia de se falar em ofensa ao princípio da anterioridade, porquanto ele considerar que: [...] só se pode cogitar de afronta ao princípio da anterioridade quando ocorrer: i) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; ii) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; iii) a introdução de fator de perturbação do pleito, ou iv) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico [...]. Não há o rompimento da igualdade das condições de disputa entre os contendores, ocorrendo, simplesmente, o surgimento de novo regramento normativo, de caráter linear, ou seja, de disciplina legal que atinge 54 igualmente todos os aspirantes a cargos eletivos . Assim, o eminente ministro terminou seu voto, afirmando que a Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, teve em mira proteger valores constitucionais que servem de arrimo ao próprio regime republicano, abrigados no § 9º do artigo 14 da Constituição, que integra e complementa o rol de direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Lei Maior. A segunda, Consulta 1.147-09/DF, sendo relator o ministro Arnaldo Versiani, foi feita pelo deputado federal Ilderley Cordeiro (PPS-AC). Questionava se a lei se aplicava as condenações e renúncias de mandado pretéritas ou tão-somente àquelas que viessem a ocorrer após a aprovação da medida. No dia 17 de junho, novamente por seis votos a um, o TSE decidiu que, por não se tratarem de normas penais, a lei deveria abranger a todas hipóteses de inelegibilidade abarcando, até mesmo, “aqueles que se julgavam aptos a participar de pleitos por haverem sido declaradas inelegíveis por prazo inferior do definido na nova legislação”.55 Nos termos do voto do relator: [...] considero irrelevante saber o tempo verbal empregado pelo legislador complementar, quando prevê a inelegibilidade daqueles que "forem 53 54 GARCIA, 2012, p. 342. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro de 2010. 55 REIS, 2012, p. 58. 48 condenados", ou "tenham sido condenados", ou "tiverem contas rejeitadas", ou "tenham tido contas rejeitadas", ou "perderem os mandatos", ou "tenham perdido os mandatos". Estabelecido, sobretudo, agora, em lei, que o momento de aferição das causas de inelegibilidade é o da "formalização do pedido de registro da candidatura", pouco importa o tempo verbal. (Grifo no original) As novas disposições legais atingirão igualmente a todos aqueles que, repito, "no momento da formalização do pedido de registro da candidatura", incidirem em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas. Concluídas as votações no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, deu-se a impressão de que a aplicação da LC 135/2010 às eleições de 2010 representava o sentimento de toda a sociedade brasileira. O sentimento de que um basta seria dado às candidaturas de pessoas que não possuem perfil para gerir recursos públicos e representar o povo no Parlamento. Entretanto, o desrespeito ao princípio da anterioridade e, consequentemente, à Constituição nos coloca numa situação de alerta. Já que aceitar a relativização de uma regra constitucional em troca de valores sociais mais elevados pode-se levar ao equivoco de entender que, em tudo, pode haver uma exceção, mesmo que esteja diante da Carta Magna. A aplicação imediata da Lei Complementar 135, de 2010, provocou insatisfações no cenário político, uma vez que vários candidatos às eleições de 2010 seriam alcançados pelas novas inelegibilidades previstas no novel jurídico. Como já era previsível, a questão chegou ao STF. Foram três os recursos extraordinários profundamente debatidos e de repercussão geral no âmbito do Pretório Excelso, os quais serão tratados nas próximas páginas. 4.1.2. O Entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF Como previu o Ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto na Consulta 112026/DF, a questão chegou ao STF. Muitos candidatos que se sentiram prejudicados de concorrer ao pleito em 2010 recorreram ao Supremo, a fim de impedir que as novas regras introduzidas pela “Lei da ficha Limpa” e corroboradas pelo TSE fossem aplicadas às eleições daquele ano. No âmbito do STF, alguns ministros deferiram pedidos de medidas liminares, mesmo antes da apreciação do mérito, gerando o direito de registro junto à justiça eleitoral e a participação nas eleições de 2010. Tem-se como exemplo disso o RE 49 281.012/PI, cuja relatoria ficou a cargo do ministro Gilmar Mendes, e no AI 709.634/GO, em que o relator foi o ministro Dias Toffoli: A urgência da pretensão cautelar parece evidente, ante a proximidade do término do prazo para o registro das candidaturas, a ocorrer no próximo dia 5 de julho de 2010, data antes da qual não será possível a continuidade do julgamento deste recurso perante a Segunda Turma do Tribunal, devido ao fato de a última Sessão da Turma neste semestre ter recorrido no último dia 29 de junho de 2010, e tendo em vista que o período de férias forenses se inicia no próximo dia 2 de julho de 2010. Ante ao exposto, defiro o pedido e determino que o presente recurso seja imediatamente processado com efeito suspensivo, ficando sobrestados os efeitos do acórdão ocorrido. Após o término do período de férias forenses, encaminhem-se os autos para ser referendado pelo órgão colegiado, nos termos do art. 21, V, do RISTF e do art. 26-C da Lei Complementar nº 135/2010 (RE 281.012/PI, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes). É notório o periculum in mora, tal como demonstrado na petição inicial. A proximidade da data final para o registro de candidaturas poderá inviabilizar o exercício de direito constitucional da requerente, caso não seja emprestada eficácia suspensiva ao recurso extraordinário. Ressalte-se que o deferimento desta liminar não implica juízo direito sobre a inelegibilidade, mas o reconhecimento indireto de que a decisão atacada pelo RE não poderá ser utilizada para os fins da declaração de incompatibilidade da situação jurídica da requerente com o exercício do ius honorum. Como obter dictum, aponto que a própria adequação da Lei Complementar nº 135/2010 com o texto constitucional é matéria que exige reflexão, porquanto essa norma apresenta elementos jurídicos passíveis de questionamentos absolutamente relevantes no plano hierárquico e axiológico. Ante ao exposto, recebo a petição como medida cautelar, impondo-se as anotações de estilo e defiro a liminar para que se dê eficácia suspensiva ao recurso extraordinário destrancado por força do AgRg 709.634 (AI 709.634/GO, relatoria do Ministro Dias Toffoli). A aplicabilidade da LC 135/2010 foi pacificada na abrangência de jurisdição constitucional do STF. Três recursos extraordinários (RE 630147, RE 631102 e RE 633703) serviram de parâmetro ou modelo, devido à repercussão geral reconhecida pelos ministros de nosso órgão de cúpula. 4.1.2.1. Caso Joaquim Roriz – Recurso Extraordinário 630147 Em 24 de setembro de 2010, foi julgado o Recurso Extraordinário 630147 interposto pelo ex-senador Joaquim Roriz (PSC-DF) que, pela coligação Esperança Renovada, candidatava-se a governador do Distrito Federal nas eleições de 2010. O RE buscava reformar a decisão em Recurso Ordinário do TSE, que indeferia sua candidatura fundamentando-se na lei da ficha limpa. 50 Ocorre que nas eleições do ano de 2006, Joaquim Roriz foi eleito para o Senado Federal pelo PMDB.Porém, em seu primeiro ano de mandato (2007), renunciou com o intuito de fugir de uma provável cassação por quebra de decoro, uma vez que era suspeito de ter cometido vários atos de corrupção. Nas eleições de 2010, ele surgiu como candidato a governador da coligação Esperança Renovada. A coligação pediu ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal – TRE-DF o registro da candidatura de Joaquim Roriz a governador do DF. O pedido de registro foi negado pelo TRE-DF fundamentando-se no artigo 1º, I, “k”, da Lei das Inelegibilidades, Lei Complementar 64/1990, a qual foi alterada pela Lei Complementar 135, de 2010: Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura. Com a negativa do registro, o candidato e sua coligação interpuseram Recurso Ordinário no TSE. Entretanto, a decisão do tribunal a quo foi mantida. Diante dessa situação, a interposição de Recurso Extraordinário frente ao STF se fez necessária. O ponto em questão levantado nesse recurso foi a desconsideração do princípio da anterioridade, elencado no artigo 16 da Carta Cidadão de 1988, e a defesa à renúncia ao cargo de Senador, uma vez que constituía ato jurídico perfeito, albergado no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Desse modo, a renúncia não poderia ensejar a inelegibilidade. O procurador-geral da República (PGR), Roberto Gurgel, ao se pronunciar tentou refutar as teses apresentadas pela defesa. O PGR argumentou que a inelegibilidade não tem a natureza jurídica de sanção penal. E que, por isso, não haveria a incidência do princípio da irretroatividade legal. Para Gurgel, inelegibilidade é limitação temporária à possibilidade de candidatar-se, durante certo tempo. Quanto ao princípio da anterioridade eleitoral, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entendeu que a lei da ficha limpa não ofende o artigo 16 51 da Carta Magna, pois o novel diploma apenas deu cumprimento aos preceitos do artigo 14, § 9º da Carta Política, ao proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato. Quanto à alegação de que a renúncia de Roriz seria ato jurídico perfeito, cujos efeitos não poderiam ser atingidos pela lei da ficha limpa, o PGR afirmou que o ato de renúncia sofre efeitos futuros, e assim ser erigido à condição de causa de inelegibilidade. O ministro Ayres Britto, relator, foi o primeiro a votar e a não prover o recurso. Ele ratificou a constitucionalidade da alínea “k”, do inciso I, do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/1990, dispositivo introduzido pela Lei Complementar 135, de 2010. E motivou seu voto com fulcro no artigo 14, § 9º da Carta de 1988, afirmando que: Foi o Texto Magno mesmo que, ao falar da inelegibilidade num contexto de proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato popular, mandou que a lei complementar considerasse a vida pregressa do candidato. E claro que vida pregressa é vida passada [...] (grifo no original) Destacou, ainda, em seu voto, que a lei decorrente da iniciativa popular não feriu a Constituição Federal em seu artigo 16, pois “ela foi publicada em data anterior à das convenções partidárias e todos os partidos políticos e seus filiados tiveram tempo suficiente para deliberar em igualdade de condições quanto à escolha dos respectivos candidatos.” Ressaltou que a razão de existir o princípio da anterioridade se deve a fim de evitar casuísmos em períodos próximos à eleição, mudanças que poderiam ferir a democracia representativa e quebrar os modelos ético-igualitários de uma competição eleitoral. Além do mais: [...] o chamamento da lei complementar para introduzir no sistema jurídico brasileiro novas causas de inelegibilidade a partir da vida pregressa dos candidatos remonta a 7 de junho de 1994. Que foi a data de edição da Emenda Constitucional de Redação nº 4. A legitimar o juízo de que, em verdade, essa positivação infraconstitucional de certos aspectos da vida pregressa como causa de inelegibilidade chegou com 16 anos de atraso. Com respeito à alegação de que o acórdão do TSE não respeitou o texto constitucional por, segundo a tese de defesa, ter tornado um ato jurídico perfeito, que não era causa de inelegibilidade, em um ato que ensejaria a 52 inelegibilidade de acordo com uma legislação posterior, o relator em seu voto magistral entendeu que: [...] a renúncia ao mandato de Senador da República não tem por efeito imunizar o renunciante contra a incidência de causas de inelegibilidade. (grifo no original) Outro fundamento do recorrente foi o de que a presunção de inocência, do artigo 5º, LVII da Carta de 1988, foi ferida uma vez que ‘somente uma conduta ilícita poderá ser objeto de tipificação como causa de inelegibilidade’. Mais uma vez o ministro-relator discorreu que a aplicação desse princípio se dá na esfera do Direito Penal já que as condições de elegibilidade não estão ligadas necessariamente a algum ato lícito ou ilícito. Vale lembrar que muitas das condições de inelegibilidade não se caracterizam pela prática de algum ato ilícito e sim por alguma condição impeditiva naquele momento. O ministro Dias Toffoli se pronunciou após o relator. Deu provimento ao recurso extraordinário e votou contra a aplicação da LC 135/2010 às eleições de 2010. O julgador entendeu ser constitucional o artigo 1º, inciso I, alínea k, da Lei Complementar nº 64/1990, introduzido pela Lei da Ficha Limpa que traz mais uma situação de inelegibilidade. A aplicabilidade da lei não poderia ocorrer de imediato, pois, conforme seu entendimento e de diversos doutrinadores citados em seu magistral voto, a utilização da lei para dirimir as causas de inelegibilidades naquele momento iria afetar, alterar, interferir, modificar e perturbar o processo eleitoral em curso. Entendeu que deve ser cumprida a regra constitucional do artigo 16 sobre a alteração do processo eleitoral. A lei deverá entrar em vigor na data de sua publicação, mas aplicar-se-á tãosomente à eleição que ocorrer até um ano da data da sua vigência, ou seja, não deveria ser aplicada ao pleito de 2010: Em nome de princípios moralizantes, que restringem a participação de indivíduos no processo eleitoral, não podemos esquecer que deixamos de lado um princípio abstrato e impessoal, veiculado no artigo 16, CF/1988, que protege a própria Democracia contra o casuísmo, a surpresa, a imprevisibilidade e a violação da simetria constitucional dos postulantes a cargos eletivos. Se admitirmos a eficácia imediata da Lei Complementar 135/2010, no que se refere exclusivamente ao caso dos autos, abriremos as portas para mudanças outras, de efeitos imprevisíveis e resultados desastrosos para o concerto político nacional. (grifo no original) 53 Quanto ao argumento de que lei posterior não poderia alcançar a renúncia efetuada pelo recorrente em 2007, por se tratar de ato jurídico perfeito, o ministro Dias Toffoli assentou que a lei não retroagiu para desconstituir ou modificar o ato de renúncia, mas apenas criou um novo requisito para aqueles que quisessem exercitar o direito de candidatar-se a algum cargo eletivo: [...] não há direito adquirido a regime jurídico de condições de elegibilidade, muito menos se pode falar em ato jurídico perfeito de renúncia, capaz de gera ao registro de candidatura por efeito de renúncia. (grifo no original) [...] Ao optar pela renúncia, ato necessariamente incondicionável e estritamente unilateral, ele dispôs legitimamente de seu mandato, fazendo com que sua condição de renunciante produzisse todos os efeitos compatíveis com seu ato. Ele simplesmente passou à condição de renunciante a mandato eletivo de Senador da República.(grifo no original) Com a nova causa de inelegibilidade, não houve retroação para desconstituir, interferir ou modificar o regime jurídico do recorrente. Criou-se um novo requisito para o exercício do direito de candidatar-se a cargo eletivo. A próxima a votar foi a ministra Cármen Lúcia, que já havia se debruçado sobre o tema no TSE e posicionou-se no mesmo sentido, ou seja, pela aplicação da Lei Complementar 135, de 2010, nas eleições de 2010. Em seu voto acompanhou o relator, o que deixou a votação em 2 a 1 a favor da aplicação imediata. Em seu voto, ela conjecturou que a referida lei entrou em vigor em 7 de junho de 2010, antes das convenções partidárias, desse modo, ela entende que: Não procede o argumento de que a lei alterou o processo eleitoral, pois foi promulgada antes de iniciado o prazo para convenções partidárias que escolhem os candidatos e antecipam o período eleitoral para apresentação dos registros de candidatura. O quarto a se manifestar foi o ministro Joaquim Barbosa que optou pela aplicação da Lei Complementar 135/2010 nas eleições daquele ano, acompanhando integralmente o voto do ministro Ayres Britto, relator. A votação ficou em 3 a 1 para a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O ministro Barbosa, em seu voto, ressaltou o avanço que a Lei da Ficha Limpa trouxe para a esfera política de nosso país, por ressaltar a importância da moralização daqueles que se dispõem a representar a sociedade. Para ele, seu voto seguiria a direção da vontade popular, ou seja, o desenvolvimento e a consolidação da democracia brasileira. 54 Para ele, a análise do conteúdo da Lei da Ficha Limpa deve ser entendida como instituto de proteção aos direitos de toda a coletividade e que ratifique a moral e a honestidade administrativa: A LC 135/2010 tem objetivo moralizador, tem fundamento constitucional e, no que tange às causas de inelegibilidade, não desestabiliza o processo eleitoral em curso e não fere o princípio da isonomia e da segurança jurídica, tampouco tem conotação casuística, pois incidirá sobre todos os pleiteantes a cargo eleitoral de forma igual. O quinto ministro a se pronunciar foi Ricardo Lewandowski. Ele manteve o mesmo posicionamento manifestado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, do qual era presidente, e negou provimento ao RE 630147. A votação em favor da aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 estava de 4 a 1. O Ministro em seu voto magistral lembrou que a alínea k, do inciso I do artigo 1º da LC 64/90, alterada pela LC 135/2010, vinha para suprir um vácuo existente na legislação que possibilitava a um candidato renunciar a seu cargo a fim de driblar potencial perda de mandato e consequente inelegibilidade. Justamente nesse ponto reside a finalidade da norma sob exame. Partindo do pressuposto de que eventual condenação leva não apenas à perda do mandato, mas também à inelegibilidade, a LC 135/2010 veio suprir uma lacuna decorrente de renúncia com o propósito de contorná-la. [...] A nova disposição legal, com efeito, impõe a inelegibilidade justamente àqueles que abdicam do mandato, antes da instauração do processo, de modo a impedir eventual inelegibilidade que poderia advir de uma futura condenação. Em outras palavras, a citada alínea k, ao invés de fazer oposição ao dispositivo constitucional em tela, acaba por prestigiá-lo. O ministro Gilmar Mendes foi o sexto a votar. Ele votou pela não aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições daquele ano (2010) e deu provimento ao RE 630147. Com seu entendimento ele deixou a votação em 4 a 2 para a aplicação imediata. Para ele é cláusula pétrea o princípio da anterioridade eleitoral trazido no artigo 16 da CF/1988. É uma garantia a todos: cidadão, eleitor e partidos políticos. Em seu voto o ministro Mendes analisou a LC 135/2010 diante do princípio da anterioridade eleitoral: A LC 135/2101 foi editada para regulamentar o art. 14, §9º, da Constituição e, dessa forma, fixou novas causas de inelegibilidade que levam em conta fatos da vida pregressa do candidato. 55 Tendo em vista os parâmetros fixados na jurisprudência do STF, trata-se de uma lei complementar que claramente está abrangida pelo significado do vocábulo “lei” contido no art. 16 da Constituição, isto é, é uma lei complementar que possui coeficiente de autonomia, generalidade e abstração e foi editada pelo Congresso Nacional no exercício da competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral. Na medida em que legislou sobre causas de inelegibilidade, a LC 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência do STF como a fase pré-eleitoral. Não há dúvida, portanto, que a alteração de regras de elegibilidade repercute de alguma forma no processo eleitoral. Frisou ainda que o processo eleitoral se inicia com a filiação partidária, ou seja, no ano anterior às eleições. Nesse ponto, ele se contrapôs ao entendimento de a Ficha Limpa ter sido publicada antes de ser iniciado o processo eleitoral: Todos sabem que a escolha de candidatos para as eleições não é feita da noite para o dia. A Lei Complementar 135/2010 interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como fase pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das candidaturas pelos partidos políticos, que vai até o registro das candidaturas na Justiça Eleitoral. E frise-se: esta fase não pode ser delimitada entre os dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem início com a própria filiação partidária do candidato, que tem início em outubro do ano anterior. A ministra Ellen Gracie foi a sétima a se posicionar. Ela votou pelo não provimento do RE 630147 e acompanhou integralmente o voto do relator. Considerou que o disposto no artigo 16 da Constituição da República, que trata da anualidade da lei eleitoral não foi violado pela Lei da Ficha Limpa. A votação estava com o placar de 5 votos a 2 para a aplicação da ficha limpa às eleições de 2010. Em seu voto, a Ministra teceu observações no sentido de que a matéria trazida a baila pela LC 135/2010, não infringia o artigo 16 do Texto Constitucional: [...] a Lei Complementar 135/2010 não incide o comando do art. 16 da Constituição Federal, uma vez que tratou aquele diploma de matéria que não se volta para o processo eleitoral, mas para sua exclusiva diretriz constitucional, que é o regime de inelegibilidades estabelecido no art. 14 da Carta Magna. O oitavo voto proferido foi o do ministro Marco Aurélio que decidiu pelo provimento do RE 630147, e deixou o placar da votação em 5 a 3 a favor da imediata aplicação da LC 135, de 2010. Vale lembrar que o voto do eminente ministro já era de certa forma previsível, uma vez que, em sessão no TSE, ele proferiu na Consulta 1.120-26/DF, de 10 de 56 junho de 2010, o voto vencido naquela ocasião pela não aplicabilidade de lei em comento. O Ministro Celso de Mello votou pelo provimento RE 630147, e apertou o placar, deixando em 5 votos a 4 em favor da aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa. Segundo ele, qualquer que seja o marco temporal a ser considerado no caso em tela – início das convenções partidárias para escolha de candidatos ou o dia da realização das eleições – ele se situaria a menos de um ano da data em que foi publicada a Lei Complementar 135, de 2010, que ocorreu no dia 7 de junho de 2010. Além disso, ressaltou que a eficácia plena dada à lei naquele período se dava por uma interpretação inconstitucional do Egrégio TSE: Com efeito, tenho para mim que a Lei Complementar n.º 135, de 04/06/2010, que alterou regras materiais e formais inerentes ao processo eleitoral, foi alçada pela incidência restritiva do postulado da anterioridade eleitoral, eis que mencionado diploma legislativo – que entrou em vigor na data de sua publicação (07/06/2010) – foi editado dentro do período constitucionalmente vedado, dentro, portanto, do período a que alude o art. 16 da Carta Política. Só se fez aplicável, desde logo, no curso do processo eleitoral ora em andamento, impregnado de plena carga eficacial, por força da interpretação inconstitucional que lhe deu o E. Tribunal Superior Eleitoral, eis que sequer decorrido, quanto a tal diploma legislativo, o prazo de um ano a que se refere o art. 16 da Constituição da República. Para o decano do STF, Celso de Mello, o exame à regra de inelegibilidade, fundada na alínea “k”, do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90, introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010, fazendo-a aplicável desde logo às eleições de 2010, implicou vulneração ao princípio constitucional do ato jurídico perfeito: Cabe enfatizar, portanto, Senhor Presidente, que as normas de ordem pública encontram, no postulado tutelar inscrito no art.. 5º, XXXVI, da Lei Fundamental, um obstáculo político-jurídico absolutamente insuperável, a significar que não podem desconstituir consequências jurídicas resultantes de situações pretéritas nem imputar, a fatos lícitos ocorridos no passado, efeitos novos limitativos de direitos, ainda mais se se tratar de direitos fundamentais, como o direito de participação política, fundamento legitimador da prerrogativa de ser candidato. Assim, asseverou que, ao verificar se as inelegibilidades podem ser consideradas penas, considerou que a situação prevista no artigo siso citado caracteriza-se como uma sanção, mas não de natureza penal, por configurar a denominada “inelegibilidade cominada”, “não obstante o caráter plenamente lícito do 57 ato [renúncia ao mandato] que foi tipificado como causa geradora dessa nova modalidade de privação da cidadania passiva”: É fato irrecusável que ela traduz uma gravíssima limitação ao direito fundamental de participação política, pois impõe severa restrição à capacidade eleitoral passiva do cidadão, o que o priva e o destitui do direito de participação no processo político e também nos órgãos governamentais. O último voto proferido foi o do ministro Cezar Peluso, então presidente do STF. Ele se posicionou pelo provimento do RE 630147, entendendo que a Lei Complementar 135, de 2010, altera o quadro dos competidores, modificando, assim, o processo eleitoral. De acordo com o ministro, a aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa não estaria em consonância com o artigo 16 da Carta Magna, que tem o escopo de não permitir casuísmo, garantindo os bons trabalhos e segurança eleitorais. O presidente do Supremo tratou a inelegibilidade como uma sanção, e por tal motivo não poderia retroceder para alcançar situações passadas. [...] a despeito de esse inciso como tal não violar nenhuma norma constitucional, só pode tolerar interpretação de que alcança fatos que venham a suceder depois de um ano de entrada em vigor da lei, e, ainda assim, fatos praticados depois do seu início de vigência. Após horas de debates, a sessão de votação no plenário do Supremo Tribunal Federal foi encerrada como o empate de 5 votos sobre o provimento ou o não provimento do RE 630147. Os ministros que votaram pelo não provimento, ou seja, pelo indeferimento da candidatura de Joaquim Roriz foram os ministros: Ayres Britto (relator), Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie. No sentido contrário, votaram pelo provimento os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. O empate gerado após o julgamento do RE 630147 fez com que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidisse pela suspensão da proclamação do resultado, uma vez que o Regimento Interno do STF não prevê uma solução para casos de empate quanto há vacância de ministro56. Alguns dias após o julgamento, o candidato a governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, e a coligação Esperança Renovada requereram, diante da iminente 56 O STF julgou o recurso com apenas 10 Ministros. O Ministro Eros Grau havia se aposentado e nenhuma nomeação para a vaga em aberto havia sido feita. 58 eleição, a desistência do Recurso Extraordinário perante o STF. O candidato Roriz renunciou à sua candidatura e colocou para concorrer em seu lugar à vaga de governador do Distrito Federal sua esposa, Weslian Roriz. Assim, acabou-se extinguindo o processo, mas reconhecendo a repercussão geral do dispositivo da Lei da Ficha Limpa que torna inelegível quem tenha renunciado ao cargo. A repercussão geral permitiria que a decisão tomada pudesse ser aplicada, automaticamente, a outros recursos que tratassem de questão idêntica ao recurso que vier a ser julgado. 4.1.2.2. Caso Jader Barbalho – Recurso Extraordinário 631102 O STF foi novamente provocado a se manifestar sobre a aplicação da Lei Complementar 135 às eleições de 2010, no RE 631102, cujo relator foi o Ministro Joaquim Barbosa. O recorrente do Recurso Ordinário do TSE era o candidato ao cargo de senador pelo estado do Pará, Jader Barbalho. O Recurso Extraordinário tentava impugnar decisão do TSE que havia cassado o registro de sua candidatura com fundamento em inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. Jader Barbalho, em 2010, concorreu ao cargo de Senador da República e obteve mais de um milhão de votos, o que permitia que exercesse o mandato no Senado Federal representando o estado do Pará. Entretanto, os votos obtidos não foram considerados válidos, pelo candidato ter tido o registro de sua candidatura impugnado. A impugnação da candidatura se deu sob o argumento de inelegibilidade decorrente da renúncia ao mandato de senador, ocorrida no ano de 2001. O Ministério Público Eleitoral do Estado do Pará fundamentou a impugnação pelo artigo 1º, inciso I, alínea “k”, da Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), modificada pela Lei da Ficha Limpa. O ministro relator, Joaquim Barbosa, assim como no RE 630147, votou pelo não provimento do recurso, fundamentando-se que a Lei Complementar 135 deve ser aplicada de imediato, já nas eleições de 2010. [...] na ponderação entre os valores concernentes aos interesses políticos individuais e valores de direitos políticos em sua dimensão coletiva, os primeiros devem ceder pontualmente em face de um princípio de maior envergadura constitucional que é a própria democracia, que não passa de um mero conceito vazio, se não estiver revestida de legitimação. 59 [...] a renúncia é ato de quem não se preocupa com a sua biografia, mas de quem leva em consideração apenas a chance, agora obstada, de conseguir, mais uma vez, ser reeleito e de fazer uso das inúmeras prerrogativas e benefícios que a condição de parlamentar propicia. Assim, como ato reprovável que é, a renúncia tática para fugir ao esclarecimento público do comportamento parlamentar merece, sim, ser incluída entre os atos que maculam a vida pregressa do candidato. Acompanharam integralmente o voto magistral do eminente relator em negar provimento ao recurso os ministros: Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, ambos também membros do TSE naquele período, bem como os ministros Ayres Britto e Ellen Gracie. Todos mantiveram seus posicionamentos no mesmo sentido do apresentado no RE de Joaquim Roriz. Do outro lado, os mesmos cinco membros do STF que foram a favoráveis ao provimento do RE de Roriz também mantiveram seus posicionamentos no sentido de prover, ou seja, acatar o pedido de deferir o registro da candidatura de Jader Barbalho. Foram os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso. O ministro Marco Aurélio salientou, em seu voto, que a alínea “k” do art. 1º, I, da Lei n.º 64, de 1990, modificada pela LC 135, de 2010, não decorre da iniciativa popular, pois a renúncia foi elevada a causa de inelegibilidade por emenda ao projeto de lei. O ministro Celso de Mello, ressaltou a importância do princípio da segurança jurídica no processo eleitoral: [...] que a garantia da anterioridade eleitoral ganha relevo e assume aspecto de fundamentalidade, subsumindo-se ao âmbito de proteção das cláusulas petreas, cujo domínio - a partir de exigências inafastáveis fundadas no princípio da segurança jurídica e apoiadas no postulado que consagra a proteção da confiança do cidadão no Estado – impede que qualquer ato estatal, ainda que se trate de emenda à Constituição (ou, até mesmo, de interpretação judicial), descaracterize o sentido e comprometa a própria razão de ser do postulado inscrito no art. 16 da Constituição da República. Novamente o Supremo Tribunal Federal se viu diante de um empate. Todavia, diferentemente do que aconteceu no julgamento do RE 630147, STF entendeu que a decisão do TSE é que iria prevalecer. Para chegar a essa solução, aplicou-se por analogia, o artigo 205, parágrafo único, inciso II, do Regimento Interno do STF. Desse modo, o recurso foi desprovido e a decisão do TSE, de impugnar a candidatura de Jader Barbalho ao cargo de Senador, foi mantida no Pretório 60 Excelso, com fundamento na inelegibilidade prevista na alínea "k", da Lei da Ficha Limpa. 4.1.2.3. Caso Leonídio Bouças – Recurso Extraordinário 633703 Embora o STF tenha achado uma solução para o julgamento do RE 631102, por prevalecer as decisões do TSE, muitas insatisfações ainda surgiam no cenário político nacional. Assim, pela terceira vez a Corte Suprema foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e produção de seus efeitos nas eleições de 2010. No entanto, diferentemente dos outros casos analisados, a vaga deixada pelo ministro Eros Grau, aposentado em agosto de 2010, foi preenchida. O novo ministro do STF, indicado pela presidenta Dilma Rousseff, foi o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux. Sua posse se deu em 3 de março de 2011. Agora, com nenhuma vaga a ser preenchida, o RE 633703 ajuizado por Leonídio Henrique Bouças, poderia ser julgado de acordo com o entendimento da maioria dos ministros do STF. Leonídio Bouças, candidato nas eleições de 2010, ao cargo de deputado estadual do estado de Minas Gerais, teve o registro de sua candidatura negado, em razão de condenação por improbidade administrativa no ano de 2002 pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos termos do artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar 64/90,com redação dada pela Lei Complementar 135/2010. O relator do RE 633703 foi o ministro Gilmar Mendes, que, em seu voto, destacou, assim como no RE 630147 e 631102, que o princípio da anterioridade eleitoral, previsto no artigo 16 da Carta Magna, é uma garantia constitucional das minorias e constitui cláusula pétrea: Com efeito, a inclusão de novas causas de inelegibilidade diferentes das inicialmente previstas na legislação, além de afetar a segurança jurídica e a isonomia inerentes ao devido processo legal eleitoral, influencia a própria possibilidade de que as minorias partidárias exerçam suas estratégias de articulação política em conformidade com os parâmetros inicialmente instituídos. O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores, candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um sistema de normas que conformam o que se poderia denominar de devido processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso, estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las. 61 O ministro Luiz Fux, mais novo membro da Suprema Corte, votou após o relator fundamentando o seu voto no princípio da anualidade, na proteção da segurança jurídica e na proteção da confiança, ou seja, contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. Desse modo, o voto do ministro Fux consolidou o entendimento do plenário do Supremo, por 6 votos a 5, no sentido de que a Lei Complementar 135 só poderia ser aplicada efetivamente nas eleições de 2012: À Suprema Corte brasileira descabe simplesmente reescrever o art. 16 da Constituição Federal, no sentido de que, onde se lê “não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, seja lido como marco temporal a data da realização das convenções partidárias, ou a data em que ocorrido o registro da candidatura, porquanto já tomada a decisão, pelo legislador constitucional, a respeito do marco inicial para a segurança jurídica no processo eleitoral, qual a inteireza do ano em que ocorrem as eleições. O ministro salientou que as novas causas de inelegibilidades alteram o processo eleitoral, visto que restringem direitos dos candidatos a cargos eletivos: A restrição do âmbito de legitimados a concorrem no pleito, veiculada por normas de inelegibilidade, como fez a LC nº 135/10, configura inequívoca alteração no processo eleitoral, entendido como a série concatenada de atos dirigidos à definição dos mandatários políticos através do jogo democrático. Entendimento diverso conduziria ao paradoxo de consentir fosse dado aos titulares do poder a edição, em conflito com o princípio do pluralismo político (CF, art. 1º, V), de regras de exceção restritivas do ponto de vista subjetivo, interferindo na igualdade de chances de acesso aos cargos públicos. A regra do art. 16 da CF, ao concretizar o princípio da segurança jurídica no domínio eleitoral, definiu um marco claro e preciso para a eficácia de novas leis que pretendam alterar o processo eleitoral, qual seja: a lei não pode atingir as eleições que ocorram no mesmo ano em que iniciada sua vigência. E um ano, evidentemente, não é igual a quatro meses, espaço de tempo que medeia entre o mês de junho (entrada em vigor da LC nº 135/10) e o mês de outubro (mês de realização das eleições). O eminente ministro Luiz Fux enfatizou os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, para fundamentar seu voto no sentido da não aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa: O princípio da proteção da confiança, imanente ao nosso sistema constitucional, visa a proteger o indivíduo contra alterações súbitas e injustas em sua esfera patrimonial e de liberdade, e deve fazer irradiar um direito de reação contra um comportamento descontínuo e contraditório do Estado. A aplicação imediata da novel lei agride o princípio da proteção da confiança, dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica, tornando incerto o que certo, instável o que o texto constitucional buscou preservar. Como corolário do dispositivo, todo e qualquer candidato ou eleitor não 62 esperavam ser afetados pelas mudanças encartadas na LC nº135/10 em relação às eleições de 2010. 4.1.2.4. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC 29 e 30 Embora o STF tenha definido sobre a não aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa nas eleições gerais do ano de 2010, a sua constitucionalidade ainda não havia sido objeto de discussão e julgamento no Plenário do Pretório Excelso. Foi somente no ano de 2012, pela relatoria do Ministro Luiz Fux, que isso ocorreu. Chegou-se ao entendimento de que a Lei é, realmente, constitucional. Por meio da análise conjunta das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC 29 e 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578) prevaleceu o entendimento, por maioria de votos (7 x 4), a favor da constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010. Os ministros do STF ainda decidiram que a lei aplicar-se-á a partir das eleições de 2012 e alcançará atos e fatos ocorridos antes da sua vigência. A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) propôs, em março de 2011, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4578 – questionando o artigo 1º, inciso I, alínea “m” da Lei Complementar 64/90, alterada pela LC 135/2010 – Lei da Ficha Limpa. Para a confederação o dispositivo em questão sofria de chapada inconstitucionalidade. Em seu entender, os conselhos profissionais são órgãos de estrita fiscalização da atividade profissional, por isso as sanções que, eventualmente, fossem aplicadas a seus fiscalizados não poderiam transbordar de seu universo corporativo. Desse modo, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo era pedida com esse argumento. Já, em abril de 2011, o Partido Popular Socialista – PPS – pediu o reconhecimento da validade da Lei da Ficha Limpa à Corte, com o fito de que ela se aplicasse ao pleito de 2012 abrangendo fatos ocorridos antes de sua vigência. A Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 29 – pretendia ratificar os dispositivos da LC 135/2010 referentes às inelegibilidades, aplicando-os a fatos anteriores à vigência da norma, sem que, com isso, causasse qualquer prejuízo aos princípios da irretroatividade das leis e da segurança jurídica. Argumentou que os dispositivos da Ficha Limpa, apenas, dão cumprimento ao que é determinado na Constituição no artigo 14, parágrafo 9º. Por isso, poder-se-ia aplicar as restrições a atos e fatos anteriores a vigência da lei. Além disso, discorreu que o aparente 63 conflito com o princípio da irretroatividade da lei penal não se caracteriza, uma vez que não se trata pena, mas sim, uma mera restrição ao direito de ser votado. A outra Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 30 – foi ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em maio daquele ano. Pedia a declaração de constitucionalidade de todo o texto da Lei da Ficha Limpa. Na ação, a OAB afirmou que a Lei da Ficha Limpa, quando estabeleceu as novas hipóteses de inelegibilidade, não feriu aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Alegou que a aplicabilidade da norma a atos e fatos passados não ofendia aos princípios da coisa julgada, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ainda, frisava que inelegibilidade não se tratava de pena, pois, não impunha punição a quem quer que fosse. Uma vez que as regras e sanções previstas na Lei da Ficha Limpa são de natureza unicamente eleitoral. O julgamento das três ações iniciou–se no dia nove de novembro de 2011. O primeiro a proferir o seu voto foi o Ministro relator, Luiz Fux. Ele considerou improcedente a ADI 4578, todavia declarou a parcial constitucionalidade da norma. Fez uma ressalva no sentido de que havia na lei uma desproporcionalidade na fixação no prazo de oito anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena. Para ele, esse tempo deveria ser descontado do prazo entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença. Além disso, fez uma análise histórica do princípio da presunção da inocência, firmando o seu entendimento de que esse princípio no âmbito do direito eleitoral, deve ser flexibilizado, diferentemente do direito criminal. Além disso, disse acreditar que a norma respeita o tripé adequação, necessidade e proporcionalidade. O segundo a se manifestar foi o ministro Joaquim Barbosa, entretanto pelo seu pedido de vista o voto só foi apresentado em 1º de dezembro. Em seu voto-vista apontou que a Lei da Ficha Limpa está harmonizada com o parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal. Destacou a importância do estabelecimento dos princípios da Lei da Ficha Limpa e o quão árduo foi o caminho percorrido para chegar àquela norma. Salientou ainda que até a Lei Complementar 64 mostrou-se inapta, por estabelecer exíguos prazos de inelegibilidade e a exigência de trânsito em julgado de sentença condenatória. Quanto a ADI 4578 ele a julgou improcedente lembrando que a condenação por infração ético-profissional macula a vida pregressa do candidato a cargo eletivo, demonstrando a sua inaptidão para interferência na gestão da coisa pública. 64 O terceiro ministro a votar foi Dias Toffoli. Ele também pediu vistas do processo, suspendendo o julgamento. Somente no dia quinze de fevereiro de 2012 o julgamento foi retomado. Ele baseou o seu voto no princípio da presunção de inocência. Salientou que a inelegibilidade só poderia abranger ao cidadão que tivesse sua condenação transitada em julgado conforme o artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. Sobre a retroatividade da lei, o ministro Dias Toffoli votou pela sua aplicação a fatos ocorridos anteriormente à sua edição. A próxima a proferir o seu voto foi a ministra Rosa Weber. No seu entendimento a Lei da Ficha Limpa é inteiramente constitucional. Segundo ela a norma se caracteriza pelo esforço da sociedade brasileira em trazer a seara política uma norma moralizadora. Afirmou que as regras constitucionais sobre inelegibilidade são para assegurar a soberania popular em sua plenitude e que não há nessas regras caráter sancionador ou natureza jurídica de sanção penal. A ministra Cármen Lúcia foi a próxima a emitir o seu voto e a defender a constitucionalidade da lei. Frisou que a democracia representativa demanda uma representação ética. A ministra disse entender que os que questionam a lei partem de uma premissa da qual ela não adere, no sentido de que a inelegibilidade seria uma forma de pena. Quanto a ADI 4578, a ministra acompanhou o entendimento do relator, ou seja, pela improcedência da ação. O sexto ministro a votar foi Ricardo Lewandowski, que votou pela total constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Ressaltou que a norma foi de iniciativa popular, aprovada em unanimidade nas duas Casas Legislativas e sancionada sem qualquer veto por parte do Presidente da República. Quanto ao princípio da não culpabilidade, o ministro explicou que o trânsito em julgado cabe para os casos de sentença penal condenatória e que o princípio da presunção de inocência não pode ser interpretado de forma ampla, para toda e qualquer situação restritiva de direito e decorrente de ato jurisdicional. O ministro Ayres Britto foi o sétimo a se manifestar. Ele votou favoravelmente à Lei Complementar 135/2010 por entender que a Lei da Ficha Limpa tem a ambição de mudar uma cultura perniciosa, de malversação da coisa pública, para implantar no país o que se poderia chamar de qualidade de vida política, pela melhor seleção, pela melhor escolha dos candidatos, candidatos respeitáveis. O oitavo ministro a proferir seu voto foi Gilmar Mendes. Para ele, a lei não pode retroagir para alcançar candidatos que já perderam seus cargos eletivos. 65 Segundo o ministro, a lei não pode retroagir para alcançar atos e fatos passados, sob pena de violação ao princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5º, inciso XXXVI). O Ministro Marco Aurélio se manifestou favoravelmente à constitucionalidade dos dispositivos da Lei Complementar 135. O ministro julgou totalmente procedente a ADC 30 e improcedente a ADI 4578. Quanto à ADC 29 votou pela improcedência da ação. Para ele a lei não pode retroagir para alcançar atos e fatos jurídicos pretéritos da entrada em vigor da norma, ou seja, junho de 2010, em estrita observância ao princípio da segurança jurídica. O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, foi o décimo a votar e se manifestou pela inconstitucionalidade da regra da Lei Complementar 135/10, que prevê a suspensão de direitos políticos sem decisão condenatória transitada em julgado. Além disso, assim como o Ministro Marco Aurélio, ele entende que a norma não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos. A aplicação dessa norma iria de encontro ao artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, que integra o chamado “núcleo duro” da Carta Magna e tem como objetivo impedir formulações casuísticas de lei. Por derradeiro, o ministro Cezar Peluso votou. Segundo seu juízo, a Lei Complementar 135/2010, ao dispor sobre inelegibilidade, não poderia alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência. O ministro Peluso disse concordar com o argumento de que o momento de aferir a elegibilidade de um candidato é o momento do pedido de registro de candidatura. Ele frisou que o juiz eleitoral tem que estabelecer qual norma vai aplicar para fazer essa avaliação. Para o ministro, deve ser uma lei vigente ao tempo do fato ocorrido, e não uma lei editada posteriormente. 5. A INCONVENIÊNCIA DA APLICAÇÃO DA FICHA LIMPA SEM A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL A Lei da Ficha Limpa, sem dúvida, significou ao nosso ordenamento jurídico um importante meio de combate a corrupção política de nosso país. Ela significou a evolução de um povo indignado com as mazelas e impunidade de muitos políticos corruptos. A regra visa, acima de tudo, proteger a democracia representativa. O movimento para a aprovação da Lei da Ficha Limpa com aproximadamente 1,6 milhão de assinaturas comprova isso. 66 Entretanto, apesar de toda importância da lei, não se pode olvidar que há princípios constitucionais que devem ser considerados independentemente do caso e da vontade popular. Estamos a falar do princípio da anterioridade ou anualidade eleitoral. Tal princípio, juntamente com o da segurança jurídica, proporcionam ao cidadão, aos candidatos e aos partidos políticos, enfim, a todos, a garantia de que não existirão alterações eleitorais há menos de um ano da eleição. A desconsideração do artigo 16 da Constituição Federal de 1988 pode nos fazer retroceder ao início da história política brasileira, na qual as regras eleitorais eram definidas por leis casuístas e parciais, que alimentavam sistemas autoritários. Como exemplo, embora não seja objeto deste trabalho e apenas para suscitar a respeito do tema, podemos citar o ocorrido no ano eleitoral de 2002. O Tribunal Superior Eleitoral mudou entendimento pacificado sobre as coligações partidárias. Decidiu que as coligações deveriam, obrigatoriamente, ser seguidas em todas as esferas. Com esse entendimento, o TSE desconsiderou o princípio da anualidade eleitoral naquele ano. Quanto ao cerne deste estudo, aqueles que defendiam a imediata aplicação da Lei Complementar 135, de 2010, ao pleito que ocorreria naquele ano, prendiamse ao argumento de que as inovações trazidas pelo novel jurídico não abrangiam a alterações ao processo eleitoral. Tal interpretação, dada inclusive pela maioria dos ministros do TSE, contrariava o conceito de processo eleitoral dado pelo STF e, posteriormente, ratificado no julgamento do RE 633703: Não se discute aqui a conveniência da adoção desta ou daquela regra de inelegibilidade, notadamente num cenário em que é unânime o diagnóstico quanto à necessidade de aperfeiçoamento de nosso sistema eleitoral. O que se anota é a surpresa quanto á redução do universo de aplicação objetiva da regra do art. 16 da CF, de modo a permitir que, no lugar dessa garantia constitucional, atue um juízo “caso a caso” que o TSE reservou a si para aplicar no exercício de uma atividade “moderadora”, semelhante 57 àquela reservada ao Imperador no Brasil, na Constituição de 1824 . Entendemos, utilizando das palavras do Dr. Arnaldo Malheiros, que a dilapidação ao principio da anterioridade eleitoral dada pelo TSE, no caso da Lei da Ficha Limpa, não se adequava à realidade, uma vez que as alterações trazidas pela lei interferiam no processo eleitoral e não apenas em matéria de direito: 57 PENTEADO (2010, p. 110) 67 É cediço que as normas sobre inelegibilidade são de direito material, e não instrumental, e mais óbvio ainda que não são processuais, caso em que vigorariam desde a sua introdução no sistema legal (...). A lei nova é inaplicável ao pleito [de 2010] exatamente porque no momento da sua publicação já haviam ocorrido vários atos necessários ao funcionamento das eleições: (...) - Os pretendentes a cargos eletivos que ocupavam determinados cargos ou funções ou exerciam mandatos eletivos no Poder Executivo de qualquer esfera administrativa já se desincompatibilizaram ou estão inelegíveis se não o fizeram; - Desde 6.4.2010, os órgãos de direção nacional dos partidos políticos teriam de publicar, no Diário Oficial da União, as normas para a escolha e substituição de candidatos e para a formação de coligações, na hipótese de 58 omissão dos respectivos estatutos (Lei n°9.504/1997 , art. 7°, § 1°) (...) . O Supremo Tribunal Federal decidiu pela não aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa no ano de 2010, pois, por não ser observado o princípio da anterioridade eleitoral, o princípio da segurança jurídica também era ferido. Com esta decisão vários recursos foram interpostos na Corte Suprema com pedido liminar para antecipação de tutela para a diplomação no cargo para àqueles que foram eleitos. O ex-Senador Jader Barbalho interpôs embargos, no RE 631102, no sentido de que houvesse o juízo de retratação da Corte. Como houve uma decisão do STF RE 633703 entendendo pela inaplicabilidade da LC 135/2010 ao pleito de 2010 abriu precedente para que o embargante pudesse tomar posse na vaga de Senador do Estado do Pará. Entretanto, mais uma vez o Plenário do Supremo não estava completo devido à vaga deixada pela aposentadoria da Ministra Ellen Gracie. Ao votarem houve, novamente, empate no Plenário da Corte. Foram 5 votos rejeitando os embargos – declarados pelos Ministros Joaquim Barbosa (Relator), Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto – e os acolhendo, conforme entendimento dos Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso (Presidente). Os Ministros novamente entenderam que seria necessário haver a posse do novo ministro para que a decisão definitiva fosse tomada àquele caso. Contudo foi apresentada, pelo Presidente, a questão de ordem, suscitada pelo requerente, solicitando a conclusão do julgamento pela aplicação do voto de qualidade, conforme verificado no Regimento Interno daquela Casa, no artigo 13, inciso IX, letra “b”59. Por unanimidade os ministros encerraram o julgamento, em 14 de novembro 58 59 MALHEIROS, 2010, p. 24. Art. 13. São atribuições do Presidente: 68 de 2011, e acolheram os embargos de declaração com o voto do Presidente, Ministro Cezar Peluso: (...) Estou colhendo agora essa manifestação. E não podemos ouvir o eminente Relator, porque Sua Excelência está de licença médica, de modo que vou encerrar o julgamento proclamando o resultado: o Tribunal deliberou encerrar o julgamento com a aplicação do artigo 13, inciso IX, letra “b”, do Regimento Interno, acolhendo os embargos e atendendo, por conseguinte, ao requerimento agora apresentado. Ficará com o acórdão, para Relator, o Ministro Dias Toffoli, de quem foi o primeiro voto nesse 60 sentido. Neste caso, Jader Barbalho foi empossado Senador em 28 de dezembro de 2011, para o exercício de duas legislaturas, ou seja, até o ano de 2019. Embora o sentimento da sociedade fosse o de que a LC 135/2010 tivesse de ser de pronto, imediatamente, o STF manteve o entendimento – não julgando contra a sociedade, mas, sim, baseando-se no ordenamento jurídico vigente – e exercendo a sua função precípua de guardar o texto constitucional. Notamos que cada Ministro se valeu de um pensamento diferente, e por vezes, contraditórios, por negar ou conceder alguns recursos, mas, o que vale é considerado é o entendimento da maioria para aplicação de uma norma. Utilizandome das palavras do Ministro Cezar Peluso nos autos dos embargos de declaração no RE 631.102 que bem define o que é o julgamento de um órgão de Cúpula: O colegiado não é uma orquestra em que todos devam executar a mesma melodia. Pode ser que determinados sons para a plateia sejam dissonantes, mas essa é a mecânica do julgamento colegiado. Apesar de o respeito ao princípio da anterioridade eleitoral, no caso da Ficha Limpa, trazer a possibilidade de candidatos “Ficha Suja” tomarem posse como representantes do povo, entendemos que garantias e princípios constitucionais devem ser inteiramente respeitados, uma vez que a relativização de princípios e garantias podem abrir um perigoso precedente de cairmos no terreno do jogo dos abusos e casuísmo legislativo. IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de: (...) b) vaga ou licença médica superior a trinta dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro licenciado. 60 Estavam ausentes, justificadamente, Ministro Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa. 69 6. CONCLUSÃO É fato que apenas uma lei não é capaz de tornar todo o sistema político honesto ou mudar a mentalidade dos eleitores em nosso país. Entretanto, não se pode negar que um projeto de lei de iniciativa popular que tratou especificamente de um tema diretamente ligado à escolha dos nossos representantes, revela muito mais do que uma simples mobilização social. Mostra evolução, sobretudo, da consciência e respeito ao que realmente significa a democracia. A Lei da Ficha Limpa surgiu para viabilizar a aplicabilidade das causas de inelegibilidade que se mostravam inaptas à proteção dos mais elevados valores emanados da nossa Constituição. Os exíguos prazos de duração da inelegibilidade em relação à duração dos mandatos eletivos aliado à exigência de trânsito em julgado de decisões condenatórias fragilizavam o sistema e tornavam esses preceitos praticamente inaplicáveis. Ao levar-se em conta a vida pregressa dos candidatos, foi preciso que a sociedade brasileira, num raro momento de efetiva mobilização, reunisse número suficiente de assinaturas para apresentar um projeto de lei complementar destinado a, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. A Lei surgiu da sociedade que lutava pela moralização da política brasileira, com o intuito de não permitir que a manipulação ou engodo com falsas promessas ou artimanhas políticas. Foi um sinal da consciência popular, que juntamente com a mídia, foram capazes de forçar a aprovação pelo parlamento de uma lei desse calibre. Apesar a Lei da Ficha Limpa ter sido de suma importância para regrar um parâmetro para aqueles que se dispõe a concorrer a um cargo eletivo, ela trouxe novas situações jurídicas que, por isso, impediu a sua aplicabilidade imediata. E toda alteração legislativa que possa mexer com a isonomia do processo eleitoral deve se atentar para o princípio da anterioridade ou anualidade eleitoral. Tal princípio trata-se de proteção à coletividade, por definir que as regras do jogo, ou seja, os preceitos estabelecidos para o pleito eleitoral serão preservados. E o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, teve um papel de suma importância em estabelecer que os princípios constitucionais fossem 70 respeitados, mesmo que a vontade da sociedade, em geral, fosse de encontro às garantias constitucionais. A atuação judicial se deu para a melhoria e aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras. Uma vez que o Pretório Excelso julgou a lei dentro dos parâmetros e ditames estabelecidos na Constituição Federal. Não dando brecha para expor-la a avaliações discricionárias e promover fissuras na base democrática e ordenamento jurídico de nosso país. Portanto, a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de não aplicar a Lei da Ficha Limpa, conforme entendimento dado pelo Tribunal Superior Eleitoral à Lei, no pleito de 2010, respeitando o princípio do artigo 16 do Texto Constitucional, da anterioridade ou anualidade eleitoral, mostrou-se acertada. Assim como declarar a constitucionalidade da Lei integrando-a de vez no ordenamento jurídico brasileiro. 71 7. BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Fabrício Sarmanho. Direito Constitucional Positivo. v. 2. 2 ed. Brasília: Vestcon, 2011. ALMEIDA, João Batista de. Ficha Limpa: A Lei veio para ficar. Em Consulex Revista Jurídica. Março de 2011. BARROS, Francisco Dirceu. A Constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Em Revista de Administração Pública e Política. Consulex. Ano XII, n.º 146. p. 6-12. ago. 2010. BEZERRA, Ademar Mendes. Ficha Limpa. Em Suffragium – Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Vol. 6. n. 10. Julho a Dezembro de 2010. CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Ficha limpa - a vitória da sociedade: comentários à Lei Complementar 135/2010. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. 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Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990 . Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 maio 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em 02 set. 2012. BRASIL. Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997 . Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1º out. 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504.htm>. Acesso em: 20 set. 2012. 73 BRASIL. Lei n° 9.840, de 28 de setembro de 1999 . Altera dispositivos da Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, e da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 29 set. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9840.htm>. Acesso em: 02 set. 2012. BRASIL. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 19 jul. 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. Acesso em: 15 ago. 2012. BRASIL. Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do artigo 14 da Constituição Federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 19 nov. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm>. Acesso em: 02 set. 2012. BONIN, Robson. Ficha Limpa é o quarto projeto de iniciativa popular a se tornar lei. Disponível em: <http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/05 /ficha-limpa-e-o-quarto-projeto-de-iniciativa-popular-se-tornar-lei.html>. Acesso em: 29 set. 2012. FOCO, Congresso em. Quem aprovou o ficha limpa: veja como os deputados votaram. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quemaprovou-o-ficha-limpa-veja-como-os-deputados-votaram/>. Acesso em: 10 out. 2012. JORNAL DO BRASIL. TSE: 138,5 milhões de eleitores votarão em outubro. Disponível em: <http://www.jb.com.br/eleicoes-2012/noticias/2012/07/30/tse-1385milhoes-de-eleitores-votarao-em-outubro/>. Acesso em: 29 set. 2012. 74 ANEXO JURISPRUDENCIAL A. CONSULTA. ALTERAÇÃO. NORMA ELEITORAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. APLICABILIDADE. ELEIÇÕES 2010. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL. OBSERVÂNCIA DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PRECEDENTES. - Consulta conhecida e respondida afirmativamente. (Consulta nº 112026, Acórdão de 10/06/2010, Relator(a) Min. HAMILTON CARVALHIDO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 30/09/2010, Página 20-21). B. ELEIÇÃO 2010. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO. ARTIGO 1º, I, l, DA LC Nº 64/90, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 135/2010. CONDENAÇÃO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RECONHECIMENTO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. (Recurso Ordinário nº 213689, Acórdão de 25/11/2010, Relator(a) Min. HAMILTON CARVALHIDO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/11/2010). C. Consulta. Inelegibilidades. Lei Complementar nº 135/2010. 1. No julgamento da Consulta nº 1120-26.2010.6.00.0000, o Tribunal assentou que a LC nº 135/2010 tem aplicação às eleições gerais de 2010. 2. A LC nº 135/2010, que alterou as causas de inelegibilidade, se aplica aos processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada em vigor, nos quais tenha sido imposta qualquer condenação a que se refere a nova lei. 3. A incidência da nova lei a casos pretéritos não diz respeito à retroatividade de norma eleitoral, mas, sim, à sua aplicação aos pedidos de registro de candidatura futuros, posteriores à entrada em vigor, não havendo que se perquirir de nenhum agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato no momento de registro da candidatura. 4. Exsurge da nova lei que a incidência de causas de inelegibilidade em face de condenações por órgão colegiado, sem exigência de trânsito em julgado, resulta da necessidade de exigir dos candidatos vida pregressa compatível para o exercício de mandato. Consulta respondida afirmativamente e, em parte, prejudicada. (Consulta nº 114709, Acórdão de 17/06/2010, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/09/2010, Página 21). D. As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre todas as hipóteses nela contempladas, ainda que os respectivos fatos ou condenações sejam anteriores à sua entrada em vigor, pois as causas de 75 inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, não havendo, portanto, que se falar em retroatividade da lei. Tendo sido condenado pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado, por captação ilícita de recursos de campanha, com a cassação de diploma, é inelegível o candidato pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição em que praticado o ilícito, nos termos da alínea j do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, na redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010. Recurso ordinário a que se nega provimento. (Recurso Ordinário nº 413721, Acórdão de 14/09/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14/09/2010). E. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2010. SENADOR. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, j DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. CONFIGURAÇÃO. 1. A Lei Complementar nº 135/2010, que alterou a Lei Complementar nº 64/90, tem aplicação imediata aos pedidos de registro de candidatura das Eleições 2010, segundo entendimento firmado por maioria nesta c. Corte. 2. Considerando que o recorrente Cássio Cunha Lima foi condenado, por decisões colegiadas proferidas pela Justiça Eleitoral (AIJE nº 215 e AIJE nº 251), pela prática de condutas vedadas aos agentes públicos, incide na espécie a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, j da LC nº 64/90 com redação dada pela LC nº 135/2010, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição de 2006. 3. Recurso ordinário improvido para manter o indeferimento do registro de candidatura do recorrente ao pleito de 2010. (Recurso Ordinário nº 459910, Acórdão de 21/10/2010, Relator(a) Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 21/10/2010). F. AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO 76 JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico. 7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal. 10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico 77 brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé. 11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. 12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado. 13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral). (ADC 29, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)