O vôo solo dos banqueiros
| 19.04.2007
Cresce o número de executivos que, após ganhar fortunas nos bancos tradicionais, fundam butiques especializadas em grandes fusões
Por Malu Gaspar
A carreira de um banqueiro de investimentos segue um ritmo ímpar, capaz de gerar fascínio
mesmo entre os executivos mais bem-sucedidos. Funciona mais ou menos da seguinte forma.
Recém-formado, ele já ganha mais que um gerente de empresas tradicionais. Aos 20 e poucos
anos, juntou seu primeiro milhão (de dólares, evidentemente). Com 30, se tudo der certo, nosso
banqueiro já tem fortuna suficiente para sustentar cinco gerações. É depois disso que começam os
problemas e se chega a uma encruzilhada. O que fazer? Como ganhar ainda mais dinheiro? Como
subir ao topo na hierarquia das instituições mais competitivas do mercado financeiro? Nessa hora,
muitos banqueiros americanos optaram por fundar o próprio negócio -- criando as chamadas
butiques, empresas de investimento especializadas em assessoria de fusões e aquisições ou
aberturas de capital. Com o crescimento do volume desse tipo de negócio no Brasil e a maior
sofisticação do mercado local, o fenômeno começa a se repetir por aqui. E o último banqueiro a
entrar no clube dos que voam solo é o italiano Corrado Varoli, ex-presidente do Goldman Sachs
para a América Latina. Aos 46 anos, ele acaba de fundar a G5 Advisors.
EXAME
Além de mais recente, Varoli é o mais famoso membro da turma. Apesar de nunca ter morado no
Brasil (só agora ele está se mudando para São Paulo) e de tropeçar no português, foi aqui que
Varoli fez alguns de seus melhores negócios. Sua fama também foi catapultada pela rumorosa
despedida do Goldman, no ano passado: Varoli foi acusado pelo ex-patrão de usar seu cartão
corporativo para fins pessoais, o que provocou frisson no mundinho formado pelos banqueiros de
investimento. Além de Varoli, há brasileiros que ganharam destaque ao abandonar os grandes
bancos. O mais conceituado deles é o curitibano Percio de Souza, fundador da Estater. Depois de
uma carreira de dez anos no Itaú-BBA, ele decidiu criar sua butique -- e assessorou o maior
negócio do ano até agora, a compra da Ipiranga por um consórcio formado por Petrobras, Braskem
e Grupo Ultra.
Corrado Varoli,
fundador da G5 Advisors
Idade
46 anos
Carreira
Diretor-geral do Morgan Stanley de 1987 a 1999 e
diretor para a América Latina do Goldman Sachs
de 1999 a 2006
Negócios que assessorou
Fusão da Ambev com a Inbev, aquisição da
petrolífera argentina Perez Companc pela
Petrobras e da cimenteira Loma Negra pela
Camargo Corrêa e venda da CP Cimentos para a
Votorantim
Desafios
Encontrar talentos com experiência para formar
sua equipe e disputar mandatos com os bancos de
investimento tradicionais
O crescimento das butiques brasileiras segue uma tendência observada em países desenvolvidos,
onde os grandes bancos de investimento vêm passando por uma transformação sem precedentes.
Se antes os bancos se contentavam em assessorar transações, hoje atuam também cada vez mais
como investidores. Ou seja, abre-se espaço para brutais conflitos de interesse entre, por exemplo,
um cliente que pretende comprar uma empresa e o braço de private equity de seu banco de
investimentos -- que pode se interessar pela mesma aquisição. Como são especializadas em
assessoria, as butiques não entram em conflitos como esse, dando origem a firmas como a
Evercore, que fatura mais de 200 milhões de dólares por ano e responde por 5% do volume de
fusões e aquisições nos Estados Unidos.
Ao deixar o emprego garantido num banco de investimentos tradicional para abrir seu negócio, o
fundador de uma butique costuma ter garantias de que alguns dos principais clientes seguirão
com ele. Foi o que aconteceu quando Percio de Souza saiu do BBA. Ele havia assessorado o Pão de
Açúcar em diversas negociações, entre elas a entrada dos franceses do Casino no controle
acionário da empresa. E mesmo após deixar o BBA continuou à frente das operações da empresa
de Abilio Diniz. A esperança de Varoli é repetir o sucesso da Estater -- sua lista de clientes inclui as
Organizações Globo, que continuaram com a assessoria do italiano mesmo após sua saída do
Goldman Sachs. "Ele entende nossas prioridades, e não focaliza apenas no ganho imediato", diz
Roberto Irineu Marinho, presidente da Globo. Ao deixar o Goldman, o banqueiro italiano levou
também o mandato de venda da CP Cimentos, comprada pela Votorantim no fim do ano passado.
E é quando fecha um grande negócio que as vantagens de ser dono do próprio banquinho ficam
evidentes: em vez de repartir as gordas comissões com centenas de sócios, o fundador da butique
fica com quase tudo. Numa fusão, por exemplo, a comissão média é de 1% do total negociado -ou seja, num negócio de 1 bilhão de dólares, pode-se ganhar 10 milhões de dólares. Embora a
bolada seja grande, o maior risco é a ausência de uma fila de mandatos. Bancões de investimento,
como Citigroup e Credit Suisse, têm listas imensas de operações em andamento, o que não
acontece com as butiques. Antes da venda da Ipiranga, a Estater passou quase dois anos sem
fechar nenhum grande negócio -- algo que pode gerar problemas para sustentar a empresa. Uma
das saídas, curiosamente, é deixar de lado a especialização e diversificar, criando áreas de gestão
de recursos e fortunas. "Esse modelo pode fazer com que as butiques se transformem nos
próximos grandes bancos de investimento nacionais", diz Winston Fritsch, diretor da Rio Bravo.
Para chegar lá, porém, as butiques vão precisar daquele que é o mais importante ativo de um
banco de investimentos -- talento. O sonho dos que voam solo é repetir a trajetória do lendário
Bruce Wasserstein, um dos ícones do mercado financeiro americano. Nos anos 80, ele deixou o
comando do First Boston para fundar uma butique. Sua força era tamanha que quase toda a
equipe saiu com ele. A transição de Corrado Varoli não tem sido tão fácil. Nenhum banqueiro do
Goldman o seguiu e outros altos executivos do setor recusaram seus convites para entrar na
sociedade. Ele espera, nos próximos meses, anunciar novidades nesse quesito. Varoli deve ter
como sócio Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central e seu ex-colega de Morgan Stanley. Ele
também negocia uma parceria com a americana Evercore. "Espero contratar de dez a 20 pessoas
até o final do ano", diz. "Mas essa é a parte mais difícil de meu trabalho." Seu desafio será provar
que trabalhar numa butique é um bom negócio -- e não apenas para o banqueiro que a fundou.
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