Publicidade e Cultura de Consumo:
Problemas para um Estudo de Recepção
Maria Eduarda da Mota Rocha
Doutoranda em Sociologia na USP
________________________________________________________________
É inevitável. Quem se debruça sobre a recepção, mesmo que inadvertidamente,
esbarra com uma questão-chave para a Sociologia da Comunicação: a articulação entre
processos comunicativos e dinâmicas sócio-históricas mais abrangentes. Este texto
integra um estudo no qual se buscou estabelecer esta conexão, no que concerne os
processos comunicativos acionados pelas mensagens publicitárias e a cultura de
consumo.
A importância da publicidade na promoção da cultura de consumo deve-se ao
fato de que ela explicita os princípios desta cultura em seu projeto comunicativo, sendo
uma interessante porta de entrada para a compreensão daquela como fenômeno mais
inclusivo. A publicidade traduz em imagens e sons um processo mais profundo do que a
difusão de textos publicitários particulares. Ela é um importante mecanismo cristalizador
e difusor das formas simbólicas cujo sentido maior é a promoção de um consumo
estetizado e estilizado.
Partindo de uma extensa pesquisa de campo, este texto discute mais detidamente
o vínculo estrutural entre a publicidade e a cultura de consumo, e os problemas que isto
coloca para um estudo de recepção do discurso publicitário. Não se trata, portanto, de
apontar as conclusões específicas do estudo que fundamenta estas considerações, mas de
discutir em termos mais gerais o papel da publicidade na difusão da cultura de consumo
e, neste percurso, trazer à tona os ganhos e limites de um estudo de recepção de
mensagens publicitárias. Cabe frisar que o que se busca não é tanto o significado
atribuído a anúncios particulares, mas o sentido das práticas de consumo mais
valorizadas pela população e a conexão entre estas práticas e o discurso publicitário.
Este é o cerne da questão da recepção de mensagens publicitárias, no âmbito deste
trabalho.
1
1) Cultura de Consumo e Publicidade
A cultura de consumo define-se como o conjunto de práticas e representações
que estabelecem uma relação estetizada e estilizada com os produtos. O seu nível de
atuação mais decisivo é a difusão ampliada de um certo modo de consumo. Fazendo um
balanço de trabalhos dedicados ao tema1, podemos destacar dois princípios que definem
o modo de consumo predominante nas sociedades contemporâneas. O primeiro deles é a
dilatação da dimensão simbólica do consumo, que podemos chamar de estilização do
consumo, tomando por base a definição de estilo de vida segundo Bourdieu. Para este
autor, o estilo de vida é “um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem,
na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos, mobília, vestimentas,
linguagem ou héxis corporal, a mesma intenção expressiva, (...)”2. Guardemos então a
idéia de um consumo no qual os atributos simbólicos dos produtos são manipulados em
função de uma intenção expressiva. Sob este aspecto, o consumo moderno caracteriza-se
pela proeminência dos atributos simbólicos dos produtos em detrimento de suas
qualidades estritamente funcionais e pela sua manipulação na composição de estilos de
vida. O consumo foi assim convertido no espaço de articulação das distinções sociais,
hierarquizadas em termos de uma distribuição diferencial de prestígio.
O segundo princípio do modo de consumo inerente à cultura de consumo é a
dilatação da dimensão “imagética” do consumo, que podemos tratar como estetização
do consumo. Neste caso, destaca-se a construção de universos imagéticos em torno dos
produtos, através da conversão dos ‘ambientes’ voltados para o consumo em lugares
mágicos onde a experiência é envolvida por fantasias tecnologicamente produzidas.
Porque, então, vincular a publicidade à cultura de consumo. A principal razão
para isto é o próprio papel desempenhado pela publicidade na difusão dos princípios do
consumo moderno, e na sua reconversão à modalidade propriamente contemporânea,
massiva, de consumo. Rosalind Williams demonstra claramente que um dos princípios
estruturantes da nova experiência de consumo vivida a partir de fins do século XIX é o
mesmo princípio definidor da publicidade. Mais do que isto, a experiência do consumo
1
Além dos já citados, ver TOMLINSON, Alan. Consumption, Identity and Style - Marketing,, Meanings
and the Packaging of Pleasure. London: Routledge, 1990 e TASCHNER, Gisela. “Raízes da Cultura de
Consumo”, IN Revista USP – Dossiê Sociedade de Massa e Identidade nº 32, dez.- fev. de 1996-97.
2
BOURDIEU, Pierre. “Gostos de Classe e Estilo de Vida”, in ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu.
São Paulo: Ática, 1982, Coleção Grandes Cientistas Sociais, v. 39, p. 84.
2
que tem lugar neste século teria sido, de saída, orientada pela publicidade3. Senão
vejamos: o que caracteriza mais profundamente esta experiência? A inserção dos bens
em um “mundo dos sonhos”, responderia Williams. Como esta experiência conquistou
um lugar tão importante nas sociedades contemporâneas? Tudo começou, nas
Exposições e Lojas de Departamento parisienses de fins do século XIX, quando a
divulgação dos bens assumiu uma forma inovadora: obedecia agora aos princípios do
show, da diversão, da excitação, do espetáculo. Ora, estes princípios que pautaram a
publicidade desde seus primórdios são os mesmos que caracterizam o modo de consumo
moderno, em sua fase massiva. Nas fantasias dos consumidores, eles vão buscar o apelo
para as mercadorias, inaugurando a exploração dos sonhos pelo mundo dos negócios de
uma maneira tão intensa e explícita como nunca antes vista. A publicidade e o modo de
consumo a ela articulado inauguram também uma modalidade de interação nos
‘ambientes’ dedicados à exposição dos produtos. Os consumidores agora vagueiam mais
livremente por estes ambientes, penetrando no ‘mundo dos sonhos’ sem se sentirem tão
constrangidos a comprar. O contato visual com os produtos em seus entornos
fantásticos passa a responder por uma parte substancial dos prazeres sensuais do
consumo. O apelo concentra-se no olho, este órgão elevado à condição de principal elo
de ligação entre os indivíduos e as fantasias, pelo movimento de estetização de que
participou o consumo. Mas o peso da estetização na relação com o consumo não pára
por aí. Ele se concretiza no próprio discurso publicitário, no qual impera o desfile de
formas e ritmos, muito mais do que o modo argumentativo de produção do sentido. O
discurso publicitário enuncia encenando, entranhado que está na esfera da estetização.
Mas, e quanto à presença, no discurso publicitário, do outro princípio do modo
de consumo moderno, a estilização do consumo? Ora, não podemos esquecer que uma
parte substancial das fantasias encenadas pela publicidade dizem respeito à composição
de estilos de vida valorizados por segmentos sociais específicos. Nas Exposições de fins
do século passado, o exotismo dos cenários chineses e indianos causava frisson nas
camadas sociais impossibilitadas de transportarem-se fisicamente para a China ou para a
Índia4. Do mesmo modo, muitas fantasias hoje encenadas pela publicidade buscam fazer
dos produtos um substituto convincente de todo um estilo de vida, em seu conjunto,
inacessível para boa parte daqueles expostos aos anúncios. A estetização, ainda que
3
4
Sobre este tópico, ver sobretudo WILLIAMS, Rosalind. Dream Worlds, op. cit., pp. 59, 60, 64.
Rosalind Williams explora este aspecto no capítulo III do livro já citado.
3
contemple sonhos de teor mais individual, também os atrela a estilos de vida desejados
como um todo.
2) Problemas para uma Análise da Recepção do Discurso Publicitário
O longo percurso analítico que vincula a publicidade à cultura de consumo é uma
tentativa de liberar-se de uma análise restrita à relação dos indivíduos com mensagens
específicas, reinserindo a recepção numa perspectiva histórica e cultural, na qual a
publicidade passa a ser tomada como um discurso que compartilha, explicita e
potencializa elementos também presentes em outras dimensões da vida social. Mas é
preciso agora estabelecer algumas relações entre o discurso publicitário e as modalidades
de recepção encontradas na pesquisa de campo5, a partir de sua estreita vinculação à
cultura de consumo.
2.1 - O Discurso Publicitário
A centralidade da publicidade na difusão da cultura de consumo é mais facilmente
demonstrável em um plano geral. Quando se trata de pensá-la localmente, referida a uma
população inscrita em um tempo e espaço físico circunscritos, este seu papel é difícil de
ser apreendido. Isto se deve ao fato de que estamos lidando com um processo de
duração e teor muito mais abrangentes do que mensagens específicas. A publicidade é
um fenômeno de repercussão infinitamente maior do que a promoção de marcas
específicas.
Como foi decisiva na generalização do modo de consumo moderno, assim
convertido em consumo de massa, é interessante tratar da publicidade quando se
pretende analisar a “popularização” do consumo de bens industriais entre camadas
pobres do Brasil. A promoção desse modo de consumo é o plano no qual a publicidade
exerce os seus efeitos mais relevantes, segundo os objetivos deste trabalho. Uma vez que
buscamos a sua influência global, é frutífero deslocar-se de uma semântica textual
5
A pesquisa foi realizada em São Miguel dos Milagres, litoral norte da Alagoas. Além da observação e
de entrevistas em profundidade, realizamos 6 discussões com grupos definidos pelos critérios de gênero
e idade, aos quais eram exibidos intervalos comercias. Este texto pautou-se em um capítulo da
dissertação que resultou desta pesquisa. Para o conjunto do trabalho, consultar ROCHA, Maria Eduarda
da Mota. O Consumo Precário - Pobreza e Cultura de Consumo em um município do litoral nordestino.
Dissertação de Mestrado em Sociologia defendida na USP, em fevereiro de 1999.
4
particularizada, para uma semântica global do discurso6. Sob este ponto de vista, a
análise de textos particulares pode ser posta a serviço da compreensão dos elementos
estruturais do discurso publicitário, tomando os textos como encarnações materiais de
um sistema (o discurso), unidades com organização interna que os converte em um todo
estruturado. Já o discurso é este ente abstrato que se atualiza nos diversos textos através
de uma “escrita” determinada7.
O discurso é um plano de análise bastante adequado a mensagens que se encenam
como fluxo, como no caso da própria televisão. Este é, para Raymond Williams, o traço
definidor da TV como tecnologia e como forma cultural, resultado de uma experiência
social mais abrangente, de incremento da variabilidade e miscelânea na comunicação de
massa8. Os sistemas de comunicação anteriores promoviam eventos específicos, como
peças musicais, livros, etc. O desenvolvimento do broadcasting marcou um
deslocamento da seqüência como programação para a seqüência como fluxo. A primeira
seria a seqüência temporal dentro da qual operariam a miscelânea, a proporção e o
balanceamento entre os programas. Já a segunda seria uma nova forma de lidar com os
meios de comunicação de massa: não tanto relacionando-se a programas específicos ou
respondendo às diferentes combinações de programas, mas “vendo TV” ou “ouvindo
rádio”9.
Para um estudo de recepção de publicidade, a primeira conseqüência dessa
característica da TV incide sobre o recorte a ser dado para a análise. Se admitimos que a
TV organiza-se e é experimentada, antes de mais nada, como fluxo, qualquer análise que
parta de um segmento específico da programação cometerá uma primeira violência face à
maneira como os receptores lidam com as mensagens. Não se assiste a um “intervalo”
de anúncios publicitários como um segmento específico da programação, tanto porque
6
ECO, Umberto. “Lo que no sabemos de la Publicidad televisiva”. In Publicidad, n. 23, set.-out. de
1972. Eco defende que este é o plano onde a publicidade exerce sua influência mais relevante, no qual
promove o consumismo, que se define como as práticas e representações que fazem do consumo o lugar
privilegiado das vivências mais significativas, nas sociedades contemporâneas. Assim definido, o
consumismo é um aspecto importante do modo de consumo inerente à cultura de consumo.
7
TORNERO, J. M. Perez. Semiótica de la Publicidad. Barcelona: Editorial Mitre, 1982, p. 28.
8
WILLIAMS, Raymond. Television - Technology and Cultural Form. Hanover: University Press of New
England, 1992, p. 80.
9
WILLIAMS, Raymond. Television - Technology and Cultural Form. Op. cit., p. 83. Vale lembrar que
a publicidade comercial foi a principal responsável por este processo, na medida em que impôs uma
mudança na própria noção de “intervalo”. A inserção mais regular e freqüente de anúncios, inclusive
interrompendo os programas, catalisou um novo tipo de comunicação, no qual os trailers dos programas
vêm de par com os anúncios e com os próprios programas, numa profusão de referências que busca
capturar os telespectadores durante toda a seqüência do horário.
5
ele está inserido no fluxo total, como também porque não se constitui como uma unidade
de programação mais extensa e demarcada, ao contrário de um capítulo de novela ou um
programa de auditório. Um intervalo comercial é mais fragmentado do que qualquer
segmento da programação. Os seus fragmentos, os anúncios, são mais curtos do que os
programas e são menos conectados aos elementos anteriores e subsequentes da série, o
que favorece a sua diluição no fluxo. O recurso a recorrências como vinhetas e jingles
busca conferir identidade a textos que são constantemente atraídos para a dissolução no
intervalo. A medida do sucesso desta empreitada é “stopping power” dos anúncios, o
poder de “brecar” uma recepção centrada no fluxo, para que se instaure uma relação
centrada no texto.
Se o discurso publicitário é o mais segmentado dentro do fluxo televisivo, ele é
também aquele no qual a repetição ocupa o lugar mais importante10. Por ser alvo de uma
atenção ainda menos intensa do que a dos demais segmentos, a publicidade precisa
reiterar-se constantemente para que, à custa de uma profusão de aparições, consiga
finalmente estabelecer contato com os receptores (daí também o uso de várias mídias em
algumas campanhas). Esta caracterização do discurso televisivo, em geral, e do
publicitário, em particular, explica como a TV pode ser alvo de uma atenção extensa,
fraca e entrecortada, que muitas vezes não ultrapassa o pouco engajamento da
experiência do fluxo. Vejamos o quanto as características deste discurso devem à
situação no qual ele é recepcionado.
3.2 - TV e Cotidiano: a recepção de mensagens publicitárias
A TV é o principal meio de comunicação de massa e atividade de lazer entre a
população em estudo. Os hábitos de consumo da TV11, no município, confirmam a
suspeita de que boa parte de sua audiência é devida à escassez de alternativas de lazer
10
O gênero não nos parece uma categoria adequada para tratar da publicidade. Por estar fundado em
um reconhecimento bastante imediato, o discurso publicitário pode utilizar-se de temas e figuras
provenientes de diferentes gêneros televisivos. Dentro da publicidade, os formatos industriais (telejornal,
dramatização de situações, videoclip, programa de auditório) são convertidos em embalagens que
recobrem um significado comum: a incitação ao consumo de um dado produto. Este significado último é
o que faz a publicidade ser mais estruturada do que os gêneros televisivos e lhe assegura unidade
enquanto discurso.
11
Como ponto de partida para um estudo de recepção, David Morley sugere a análise dos hábitos de
consumo cultivados em relaçào aos próprios MCM. MORLEY, David. Televisíon, Audiências y Estudios
Culturales. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1996.
6
para as populações pobres. A TV é geralmente referida como algo que serve para
“passar o tempo”.
“Esse negócio aí, eu assisto, assim, mai eu não tô assim... depoi eu saio, num gosto
muito não”. (D. Nice, 54 anos); “Acho que seja um divertimento, né, as vezes para uma
senhora que as vezes não tem tanto canto pra andar...”. (D. Julia, 38 anos); “ Eu só
assisto mermo quando tem um filme legal, que vai passar, aí dá pra assistir. Num tem
nada mermo pra onde ir aqui, né? Nada pra fazer...” (Barnabé, 18 anos).
Essa relativa apatia face ao consumo de TV deve muito ao fato de que ela não
marca nenhuma ruptura radical com a rotina, pois está inserida no fluxo contínuo da
vida. E, uma vez que as matrizes culturais desta população associam o lazer às festas e
brincadeiras coletivas que marcam uma suspensão momentânea das atividades rotineiras
de trabalho, a TV não é vista como verdadeira “diversão”, mas apenas como “distração”.
Ao contrário, é uma tecnologia comunicacional que, assim como o rádio, pode preencher
o espaço doméstico sem atrapalhar o curso das atividades do lar. O deslocamento da
atenção das mensagens televisivas para outras atividades da vida também é facilitado
porque se trata de duas temporalidades muito semelhantes, ambas repetitivas e
fragmentadas12. A sobreposição e entrecruzamento do fluxo televisivo com o caminhar
da vida cotidiana é a modo como esta população relaciona-se com a TV. À noite,
principalmente os jovens, crianças e homens adultos circulam pelas ruas de São Miguel
dos Milagres. Formam-se alguns grupos de conversa, outros passeiam de bicicleta,
homens jogam dominó. As mulheres geralmente reúnem-se em torno de alguma TV. Mas
os limites entre as salas de visita e as calçadas onde muitos conversam e trafegam são
fracamente definidos. As portas e janelas permanecem abertas. Cadeiras são postas nas
calçadas e, a partir delas, olhares se dividem entre a estante da sala, onde a luz azul da
TV marca presença e o burburinho de passantes e vizinhos nas ruas. A tendência ao
confinamento do lazer ao espaço doméstico, tão presente nas camadas médias e altas
urbanas, aqui encontra uma forte barreira nas matrizes culturais que consagram a rua,
locus da coletividade em São Miguel, como o âmbito privilegiado da diversão13.
12
Esta semelhança entre o tempo da TV e o do cotidiano foi apontada por Barbero. MARTÍNBARBERO, Jesús. De los Medios a las Mediaciones - Comunicación, Cultura y Hegemonía. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 1987, p. 236.
13
Temos aqui uma especificidade do “regime de visão” da TV em São Miguel dos Milagres. Se, como
frisou Ellis, este regime de visão tem no espaço doméstico o seu ambiente de atualização, em São Miguel
as fronteiras entre o espaço doméstico e a rua são mais fluídas do que se pode supor entre as classes
médias urbanas. ELLIS, John. Visible Fictions – Cinema: Television: Video. London: Routledge e K.
7
De tudo isto, podemos extrair as três características fundamentais da situação de
recepção de TV em São Miguel dos Milagres, como tendências presentes entre homens e
mulheres, nos diversos segmentos de idade:
a) a TV é alvo de uma atenção mais extensa do que intensa, prolongada no
tempo, mas pouco concentrada; b) a TV é experimentada grupalmente, seja em família
ou na companhia de vizinhos e amigos; c) a TV é experimentada como um dos elementos
que compõem a vida familiar e social, sendo raramente alvo de atenção exclusiva.
Um traço essencial do discurso publicitário deriva da necessidade de competir
com este contexto de recepção tendencialmente dispersivo. O anúncio precisa, antes de
mais nada, investir-se de um “stopping power”, um poder de chamar a atenção e de
mantê-la ao longo da emissão. E desta necessidade deriva o apelo a elementos como, por
exemplo, o uso do pronome pessoal “você” ou da interjeição “atenção”, numa tentativa
de interpelar diretamente o receptor. Chamar a atenção é o principal desafio para um
discurso redundante14. A publicidade, para Eco, é a manifestação de uma linguagem
convencional, anterior às mensagens concretas, cujo substrato é a promoção global do
consumismo. A sua recepção, portanto, estaria condicionada pelo caráter redundante,
uma vez que o conteúdo último das mensagens refere-se à incitação ao consumo.
Esta interpretação é reforçada pelo pouco interesse despertado pelos anúncios,
nas observações e discussões em grupo. O discurso publicitário não é alvo de uma
atenção mais detida. As conversas e as saídas do recinto onde localiza-se a TV são
intensificadas durante os comerciais. Mas é possível pensar que este desinteresse provoca
justamente o uso de algumas estratégias no sentido de dotar os anúncios de apelo junto
ao público. Na primeira delas este apelo consiste nas informações que, real ou
pretensamente, certos anúncios comportam. No Brasil, esta estratégia se faz presente
sobretudo nos anúncios de casas comerciais, nos quais o preço e as formas de
pagamento são o foco da mensagem. Aqui temos a assunção de que, uma vez que certos
desejos de consumo já estão propagados, a ênfase deve recair nas formas de acesso aos
bens pretensamente capazes de satisfazer aqueles desejos. Este artifício é o mais
conveniente para as casas comerciais, já que não podem ser elas mesmas o alvo do
Paul, 1982.
14
Como bem diz Umberto Eco, “a comunicação publicitária, em muitos casos, fala uma linguagem já
dita antes, e (...) esta é a razão que a torna compreensível. Em definitivo, o anúncio diz de uma maneira
esperada o que os leitores esperavam (como o esperavam de outros produtos)". ECO, Umberto. Apud
8
desejo de consumo. A importância das redes de lojas, para os receptores, é derivada da
capacidade que elas assumem ter na viabilização do acesso aos produtos. Fica claro o
atrativo que esse tipo de anúncio pode ter: “É chata. Mas fica já com a experiência
daquilo. Se for comprar alguma coisa, já sabe” (Marcelo, 12 anos).
A estratégia centrada na informação de preços e formas de pagamento,
fartamente presente nos anúncios locais e regionais, indica também a segmentação do
mercado publicitário brasileiro, e a forma que esta segmentação assume no interior do
próprio discurso. José Mário Ortiz Ramos identificou uma grande diversidade no padrão
de realização dos comerciais no Brasil, que vai dos anúncios de
“varejão” até às
“superproduções”15. Talvez seja possível apontar uma tendência à ênfase na
“informação” nos comerciais do primeiro tipo, uma vez que eles não exigem as mesmas
capacidades técnicas de concepção e realização do que aqueles centrados na mobilização
de recursos mais complexos, cujo apelo reside na forma de apresentar o produto.
Raymond Williams atenta para esta diferença entre os anúncios do primeiro tipo,
mais pobres do ponto de vista técnico, e os do segundo tipo, que mobilizam recursos
segundo diferentes modalidades. Estas modalidades são, segundo Williams: 1) a
dramatização de situações nas quais a resposta para uma necessidade é concentrada no
produto; 2) o uso de técnicas de entretenimento, estilos correntes de dança e música, que
são readequados para as associações e recomendações do produto; 3) o uso de
seqüências de figuras do esporte, lazer e viagens, nas quais o produto é inserido; 4) o
uso de pessoas famosas16. Para nós, o interesse desta classificação reside no fato de que
atenta para os elementos subsidiários utilizados para dotar o anúncio de apelo junto ao
público. A partir destas modalidades de anúncios, podemos traçar uma correspondência
entre estes elementos subsidiários e aqueles que permanecem como referência nas
entrevistas ou nas discussões em grupo, após a exibição do intervalo.
Esta correspondência tem lugar porque o produto é secundário na memorização
e interesse despertado pelo anúncio, como podemos concluir a partir das discussões em
grupo. Segundo Eco, isto faz com que o efeito mais significativo da publicidade não seja
a promoção direta de certas marcas ou produtos, uma vez que a presença destes nos
TORNERO, TORNERO, J. M. Perez. Semiótica de la Publicidad. Barcelona: Editorial Mitre, 1982, p
28 e ss.
15
RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, Publicidade e Cultura de Massa. Petrópolis: Vozes, 1995, p.
84.
16
WILLIAMS, Raymond. Television - Technology and Cultural Form. Op. cit., p. 63 e ss.
9
anúncios é, para o receptor, um pretexto, um veículo através do qual é possível assimilar
ou lembrar outras coisas, como um personagem, uma canção etc.17. A memorização dos
anúncios ancora-se primeiramente, nas pessoas famosas que os referendam. Os textos
publicitários são, por isso, mencionados como “a propaganda do (a)”: Xuxa, Angélica,
Ronaldinho, etc.. Figuras do star system cuja presença na TV extrapola o anúncio em
questão, sendo esta profusão de aparições em diferentes âmbitos um dos fatores que
reforça os liames entre os anúncios e os programas, drenando poder de atração e
legitimidade de uns para outros.
Outros elementos, além de pessoas famosas, são utilizados para incrementar o
apelo de um discurso fadado à redundância quanto ao seu significado último. A música,
sendo central nas matrizes culturais desta população, é um dos suportes mais eficazes
para os anúncios. Dois deles aparecem como os preferidos nas discussões em grupo,
sobretudo em função do apelo de suas canções: o anúncio de verão da Coca-cola
(“quero prazer de sol a sol, sempre Coca-cola”); e o dos biscoitos Delícia (“Ah, ah, ah,
Delícia”).
A comicidade é um outro recurso de forte apelo junto à população de São Miguel
dos Milagres, que reencontra em alguns anúncios o deboche amplamente presente em
seu cotidiano. No intervalo exibido, o comercial da CCAA buscava claramente um efeito
cômico, prontamente correspondido com fartas risadas pelos integrantes das discussões
em grupo. O anúncio mostrava pessoas com uma língua desproporcional, ao som de uma
música que dizia “solta a língua, desembucha, fala logo com o CCAA”. Embora apenas
dois participantes demonstrasse saber com precisão o que é o CCAA, todos riram do
comercial. Ele também lança mão de um outro recurso identificado pelo público: o uso
de efeitos especiais. Nas questões referentes à lembrança de anúncios, os efeitos
especiais eram freqüentemente mencionados, sobretudo pelos jovens: “Eu gosto daquela
que o cara tá num carro, aí passa pela placa assim, shiiii....” (Toninho, 19 anos). Essa é a
descrição de um comercial do creme dental Kolynus, no qual carros transpõem um
outdoor e transformam-se em lanchas. Anúncios com tais recursos são tidos como “bemfeitos”, tendo reconhecida a sua qualidade técnica, tal como os efeitos especiais nos
filmes de ação.
Podemos então concluir que o mais interessante nos anúncios, longe de ser o
produto ou a possibilidade de seu consumo, é o “jeito de apresentar”, como disse uma
17
ECO, Umberto. “Lo que no Sabemos de la Publicidad Televisiva”. Op. cit., p. 32.
10
das entrevistadas (Luciana, 24 anos). A ênfase no aspecto formal do anúncio, de um
modo geral, aparece como uma certa “pirotecnia” no uso de recursos técnicos cada vez
mais apurados, em um setor que envolve altos custos18. O aumento de investimentos em
publicidade nos anos 70 e a redução no tempo dos comerciais ocorreu de par com uma
mudança na feitura dos anúncios, que hoje têm como principal modelo o comercial
“vinheta”. Segundo Ramos, os anúncios passaram do ‘excesso’ de diálogos e das cenas
articuladas como soap opera para certas experimentações técnicas que enfatizam o
aspecto visual e a concentração da informação19. A exploração destes recursos e a busca
de um ritmo acelerado visam tornar o anúncio atraente. Elas ganharam vazão com o
desenvolvimento do setor publicitário nos anos 60 e 70. Seu contraponto é a ênfase no
“jeito de apresentar” os produtos, presente do outro lado da cadeia comunicativa20.
A ênfase no “jeito de apresentar” coloca alguns problemas para um estudo de
recepção de mensagens publicitárias veiculadas pela TV. O principal deles diz respeito ao
silêncio reinante nas discussões em grupo, logo após as exibições. O que fica de um
intervalo comercial, para os receptores? Além de breves menções às informações
contidas em anúncios de lojas, o silêncio imperava após o intervalo comercial. No grupo
dos homens, este silêncio era quebrado por conversas sobre temas mais estreitamente
ligados à vida em São Miguel, como a situação da Colônia de Pescadores ou a chegada
de um hotel de grande porte no município. Talvez a presença de uma pesquisadora, para
eles, significasse a ocasião de discutir assuntos mais "sérios". Isto indica uma primeira
razão para o silêncio acerca da publicidade: o seu baixo prestígio como objeto de
discussão. Ela não é reconhecida como objeto digno de uma atenção mais detida, que
dirá como merecedora de discussão.
18
Segundo Ramos, um comercial “médio” custava em torno de 30 mil reais, em 1989, podendo uma
superprodução atingir facilmente os 90 mil reais. A proporção de material aproveitado sobre o material
filmado chegava a altíssima casa do 1/60, o que indica a disponibilidade de recursos já mencionada.
RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão, Publicidade e Cultura de Massa. Petrópolis: Vozes, 1995, p.85.
19
RAMOS, José Mário Ortiz. Televisão.... Op. cit., p. 121 e ss.
20
A publicidade é um setor para o qual é especialmente válida a afirmação de Morin, segundo a qual “ a
contradição invenção-padronização é a contradição dinâmica da cultura de massa”. Isto porque, por um
lado, aglutina grandes investimentos que respondem por uma concentração técnico-burocrática,
provocando a racionalização da produção e uma relativa padronização. Por outro lado, a consciência de
lidar com um contexto dispersivo, aliado ao pouco interesse de um discurso essencialmente redundante,
incentiva a inovação formal, pelo menos nos segmentos de ponta, dentro do setor publicitário. No âmbito
da criação publicitária, essa inovação é imediatamente regulada por uma série de exigências inerentes ao
próprio campo publicitário e à sua relação com o mercado mais amplo. MORIN, Edgar. Cultura de
Massa no Século XX - O Espírito do Tempo 1: Neurose. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
11
Mas acreditamos que esta população silencia acerca da publicidade também
porque ela envolve a emergência de novos modos de leitura e organização dos textos.
Raymond Williams põe um primeiro problema que nos ajuda a decifrar este silêncio: a
inadequação de nossas ferramentas descritivas para tratar da experiência do fluxo. “A
maior parte de nosso vocabulário habitual de resposta e descrição foi constituído pela
experiência de eventos discretos. Nós desenvolvemos formas de resposta para um livro
ou uma peça particulares, fundadas em nossa experiência com outros livros e peças(...)
Nossos modos mais comuns de compreensão e julgamento são, portanto, estreitamente
conectados a estes tipos de formas de atenção específicas, isoladas e temporárias”21. É
por isso que o nosso aparato descritivo esbarra na experiência do fluxo. As técnicas de
pesquisa revelam os seus limites na medida em que precisam forçar à fala algo que é, em
primeira instância, fruição sensorial. Os entrevistados desculpam-se pela “falta de
atenção” ou pela incapacidade de formulação que, na verdade, indicam uma outra forma
de atenção e formulação, a qual não estamos aptos a descrever: “Eu espio só por espiar,
mai eu num tô... assim...” (D. Ana, 80 anos). “Tem vez que a pessoa assiste e se
esquece, e quem vê diz que num assiste” (Alessandra, 8 anos).
Um intervalo comercial é substancialmente experimentado como um “fluxo
singular de imagens e sentimentos”22. O que está em xeque é a própria questão da
interpretação diante de novas formas de comunicação que são fluídas e aceleradas, que
põem em dúvida a própria pertinência de perguntar o que “fica” de um discurso marcado
pela instantaneidade. Como diz Fredric Jameson, “o problema da interpretação é
colocado pela própria natureza da nova textualidade: quando esta é predominantemente
visual, parece não deixar espaço para uma interpretação à moda antiga, e quando é
predominantemente temporal, em seu ‘fluxo total’, tampouco sobra tempo para a
interpretação”23.
21
WILLIAMS, Raymond. Op. cit., p. 81.
WILLIAMS, Raymond. Op. cit., p. 86.
23
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo - A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática,
1996, p. 19. Entre estes autores, há uma clara percepção da emergência de novas formas de
comunicação, das quais a publicidade televisiva é bastante representativa. Vejamos o que diz John Ellis:
“A experiência de assistir publicidade resume-se a ver segmentos agrupados, excitando uns aos outros.
Os seus sentidos específicos têm relativamente pouco a ver com os outros; o seu sentido geral (uma
relação doméstica e consumista com os objetos) confere a eles uma certa temática comum; mas a sua
organização em conjunto é algo novo para a representação ocidental. Anúncios publicitários (...)
demandam certos momentos de atenção, produzindo uma compreensão que permanece no nível do
segmento envolvido e não precisa ir além; não são feitos para combinar uma montagem de fragmentos
em uma organização de significado mais geral”. ELLIS, John. Op. cit., p. 118.
22
12
No caso do discurso publicitário, a interpretação tem um lugar previamente
assegurado pela sua própria função constitutiva, que garante a certeza quanto ao seu
significado último de incitação ao consumo. Mas, talvez por isso mesmo, os receptores
sintam-se às vezes “liberados” para uma fruição mais sensorial dos textos publicitários,
ou para instaurar o que Roger Odin chama de “modo energético de produção de
sentido”24, no qual as pessoas deixam-se levar mais pelas mudanças de formas e ritmos
do que pelas ações ou diálogos em curso no texto. É verdade que o discurso publicitário
pode acionar modos de produção de sentido muito diferentes, tanto devido à sua própria
diversidade, quanto pelo grau de atenção e interesse que é também condicionado por
atributos inerentes às audiências. O modo energético é instaurado mais intensamente por
anúncios que seguem a segunda e terceira modalidades descritas por Williams, aquelas
que mais se aproximam de uma estética do videoclip. Por outro lado, se admitimos,
como Odin, que a combinatória dos modos de produção de sentido ativada na leitura de
um determinado texto é condicionada pelos contextos de recepção, então podemos dizer
que boa parte da relação com a publicidade articula-se através do modo energético, pela
fruição marcadamente sensorial de sons e imagens a serviço de um significado
previamente conhecido. Isto devido à própria dispersão dos contextos de recepção,
aliada à falta de curiosidade face a um discurso constitutivamente redundante, repetido
várias vezes durante a programação .
Para Odin, o modo energético de produção de sentido não deflagra uma real
produção de sentido, na medida em que limita-se a promover sensações. Neste caso, é
preciso então pensar a publicidade como uma maneira peculiar de pôr em marcha o
modo energético. Nela o trabalho sobre a “energia”, a busca de estímulos sensoriais de
diferentes ordens, está a serviço do modo argumentativo, voltado para o convencimento
dos receptores enquanto consumidores potenciais. Mas, no âmbito da recepção, é difícil
saber o quanto da relação com o discurso publicitário perde-se pelas veredas destas
sensações provocadas pelos ritmos do próprio fluxo total da TV e pelo recurso a
elementos visuais e sonoros que compõem a cadência cuja apreensão é o cerne do modo
energético de produção de sentido. Diante de um anúncio como o da Coca-cola, que
24
O modelo interpretativo no qual se apoiam as considerações a seguir, desenvolvido recentemente pelo
Prof. Roger Odin, encontra-se apenas parcialmente publicado em: ODIN, Roger. “Semiopragmática e
História: sobre o interesse do diálogo”. In Estudos de Cinema, ano I, nº 1. São Paulo: Educ, 1998. As
principais referências foram extraídas da conferência “Por uma Semiopragmática do Cinema e do
Audiovisual”, realizada na PUC-SP, em 2 de setembro de 1997.
13
segue uma estética de videoclip e que fez um grande sucesso nas discussões em grupo, a
expectativa de algum comentário esbarrou na pergunta: “Comentar o quê?” (Regina, 19
anos). Se nosso aparato descritivo está limitado à interpretação de eventos discretos,
então a leitura de mensagens publicitárias encontra fortes barreiras para ser verbalizada.
Fluxo, segmentação, visualidade, energia, são termos que indicam a presença, no
discurso publicitário, do princípio da estetização que compõe o modo de consumo
moderno. Eles atestam o primado do espetacular no domínio da publicidade e no modo
como o discurso publicitário é recepcionado. Por ter uma função constitutiva que lhe
confere um caráter redundante e pouco atrativo, a publicidade vê-se compelida a jogar
com o “jeito de apresentar” os produtos. Temos, assim, uma indicação de como os dois
aspectos centrais da publicidade são apreendidos pela população de São Miguel dos
Milagres. De um lado, como conteúdo bastante conhecido, já que a cultura do consumo
educou esta população para um consumo estilizado e estetizado. De outro lado, como
estímulos sensoriais provocados pela profusão de imagens e sons, dentro de um fluxo
mais amplo do que o intervalo comercial25.
A relação com o discurso publicitário estabelece-se, antes de tudo, como um
contato com formas simbólicas que materializam os princípios da cultura de consumo. O
substrato comum aos hábitos de consumo mais divulgados pela publicidade televisiva e
aqueles presentes em São Miguel dos Milagres é este modo de consumo eminentemente
moderno, marcado pela estilização e estetização na relação com os produtos. Já
mostramos a presença, no discurso publicitário, do movimento de estetização do
consumo. Cabe, agora, discutir um pouco como a publicidade promove o segundo
princípio do consumo moderno, a saber, a estilização do consumo. Ela envolve a
manipulação de atributos simbólicos dos produtos como forma de articular uma
identidade social mais favorável. Esta é a atuação da publicidade no que concerne a
manifestação, através do consumo, da assimetria das relações entre os segmentos sociais,
25
A partir das entrevistas, da observação e das seis discussões em grupo realizadas, não pudemos
estabelecer nenhuma relação direta e imediata entre uma dada mensagem e o consumo do produto por
ela promovido. Esta ausência de comprovação de uma conexão imediata já havia sido apontada por
Barwise e Ehrenberg. BARWISE, Patrick, EHRENBERG, Andrew. Television and its Audience.
London: Sage, 1988, p. 168. A discussão sobre a eficácia de um anúncio publicitário na promoção de
produtos específicos tem lugar, hoje, dentro do próprio campo do marketing. Ver, por exemplo, um
artigo cujo título é emblemático das indagações que se instauraram a este respeito: “Advertising:
strongly persuasive or nudging?”, de BERNARD, Neil e EHREMBERG, Andrew, publicado no Journal
of Adverstising Research. Vol. 37, n° 1, Jan-fev. de 1997. As principais conclusões dos autores vão no
sentido de pôr em dúvida este suposto efeito persuasivo direto de anúncios publicitários específicos.
14
no Brasil. Se a estetização do consumo transparece no jogo de formas que marca o
discurso publicitário e sua recepção, a estilização tem seu reforço e expressão mais fiel
no mecanismo básico da publicidade: a denominação. Através dela, a estilização do
consumo organiza o discurso publicitário. Segundo Peninou, a denominação é a primeira
operação do discurso publicitário e consiste em “dar um nome próprio” ao produto que,
através de marcas de individualidade que nele são depositadas, antropomorfiza-se
26
.
Esta operação insere o produto no circuito da persona27 e organiza o discurso
publicitário segundo a lógica de um consumo estilizado. Dela resulta que os produtos
são convertidos em vitrines de atributos que, por definição, seriam humanos28.
Podemos concluir sugerindo uma conexão entre o “regime de visão” da TV, a
ênfase no “jeito de apresentar” os produtos, nos anúncios, e o processo de estilização do
consumo. Uma vez que o “regime de visão”29 da TV é aquele de uma atenção extensa,
pouco concentrada mas prolongada no tempo, a ênfase no “jeito de apresentar” os
produtos é bastante adequada por não exigir concentração em busca de um significado
ulterior. Por outro lado, se um mínimo de significado é garantido no plano da
identificação do discurso como sendo publicidade, a exploração de formas e ritmos é um
modo de tornar atrativo um discurso cujo significado último está dado de antemão.
Ainda mais importante para os fins deste trabalho é sugerir uma relação de
reciprocidade entre a ênfase no aspecto formal presente nos anúncios e a estilização do
consumo. O destaque de formas e ritmos permite reforçar os simbolismos que se busca
associar ao produto, inserido-o como componente de estilos de vida particulares. O
“jeito de apresentar” o produto é mais importante do que suas qualidades funcionais para
fazer dele a expressão de um “jeito de ser” de seu portador. Desse modo, a ênfase no
aspecto formal dos anúncios permite uma identificação entre o produto e estilos de vida
que dispensa a mediação das qualidades funcionais do produto. A estereotipia é este
modo rápido e relativamente seguro de promover códigos através dos quais o consumo
de produtos é acionado na construção de uma imagem adequada à identidade
pretendida. No discurso publicitário, a estereotipia tem a função de inserir o produto em
26
PENINOU. Apud TORNERO, J. M. Perez. Op. cit., p. 89.
PENINOU. Apud TORNERO. J. M. Perez. Op. Cit., p. 89.
28
. A publicidade “tem que traduzir enunciados provenientes do mundo das coisas como, por exemplo,
que um carro fará tantas milhas por galão de combustível, em uma forma que signifique algo em termos
humanos”. WILLIANSON, Judith. Decoding Advertising - Ideology and Meaning in Advertising.
London: Marion Boyars, 1985, p. 12.
29
ELLIS, John. Op. cit, p. 116 e ss.
27
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códigos de construção da auto-imagem dos consumidores, ao mesmo tempo em que
reforça estes códigos. Ora, a codificacão, em sua dupla face de demonstração e leitura, é
uma dimensão essencial do estilo de vida. O estilo de vida e a ênfase nas formas e ritmos,
nos anúncios publicitários, convergem para fazer da auto-imagem construída através do
consumo de produtos a expressão máxima das identidades sociais. O reconhecimento
visual destas identidades através dos bens consumidos é o procedimento que articula a
estilização e a estetização do consumo no interior do discurso publicitário.
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