PAINEL ARTE CONTEMPORÊNEA NO ENSINO DE ARTES VISUAIS: APROXIMAÇÕES A PARTIR DA COTIDIANIDADE Hertha T. Silva Estudante de Artes Visuais – Licenciatura Bolsista PIBID Orientadora: Profa. Dr. Edna Goya Universidade Federal de Goiás RESUMO: Esta pesquisa apresenta questões referentes ao ensino de arte na contemporaneidade, trazendo reflexões sobre a transição de paradigma e as mudanças pedagógicas na pós-modernidade. Aportando a perspectiva multicultural pela ótica da pedagogia crítica da arte e da cultura visual. Propõe o uso das obras de arte contemporânea na educação por aglutinarem expressões de diferentes grupos culturais ou/e apresentarem posicionamentos político frente a questões do cotidiano. PALAVRAS-CHAVE: ensino de arte; arte contemporânea; ensino pós-moderno da arte. A Arte/Educação vem sofrendo mudanças, tanto no que diz respeito às finalidades, quanto às tendências pedagógicas. Tais transformações provêm de questões amplas, cuja centralidade passa pelas mudanças de paradigmas nas ciências humanas, nas artes e na educação em geral. O que está fazendo com que o ensino de Artes Visuais esteja passando por significativa revisão. Todas essas mudanças desencadeiam uma séria de questões, tanto positivas, quanto negativas. Sabemos que a maioria das escolas não tem estrutura física, nem humana para desenvolver um ensino de Arte direcionado para a valorização dos conhecimentos específicos de cada linguagem. No entanto um fator notável é uma mudança paradigmática no ensino de arte, contrariando a perspectiva tecnicista onde o ensino era descontextualizado e reduzido aos aspectos técnicos (FERRAZ e FUZARI, 1993, apud FRANZ, 2003). A principal meta do ensino de arte hoje é desenvolver habilidades de interpretação crítica de obras de artes, válido tanto para a cultura erudita quanto para tendências e impactos da cultura popular e da arte do cotidiano (EFLAND, 1998 apud FRANZ, 2003). Essa transição para um ensino de Arte cuja finalidade é ajudar os estudantes que passam pela escola a entender criticamente a sociedade e a cultura, é reflexo de uma mudança mais profunda, apontado por muitos teóricos (LYOTARD,1984; HARVEY, 1989) como sintomáticas de um novo período, a Pós-Modernidade. Para Andreas Huyssen (1992), não se pode discutir Modernidade e Pós-Modernidade em termos dicotômicos. É importante compreender que a definição de uma linha divisória clara entre estes dois fenômenos é conceitualmente arriscada uma vez que ambos, em certa medida, se sobrepõem (SILVA, C., 2010, p.30). No entanto quer por negação, continuação ou reformulação, partimos do pressuposto que mudanças estão acontecendo. Conceitos como conhecimento, representação, localização e identidade são importantes para entendermos o pensamento pós-moderno. Com base na autora portuguesa Carolina Carvalho Palma da Silva (2010, p.30-32): 1. CONCEITO DE CONHECIMENTO: a definição modernista se baseava na crença da centralidade da razão para o seu desenvolvimento e reconhecia a possibilidade desta estabelecer uma verdade absoluta que se opunha antagonicamente a ideia de falsidade. Na teoria pós-moderna assistimos ao afastamento da valência objetiva, racional e universal da verdade, passando esta a ser vista como um fato construído socialmente e uma forma parcial de compreensão. Com relação à definição da ideia de verdade destaca-se a contribuição de Michel Foucault (1987) que considera indissociável do conceito de poder. Para Focault a verdade só pode ser validada dentro da especificidade do discurso onde atua. Descreve o poder como um componente integrante na produção da verdade destacando também o seu papel constitutivo no conhecimento. 2. CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO: Qualquer representação é construída social e culturalmente e revela-se apenas como uma possibilidade e não um princípio universal como era defendido na era moderna. Segundo Jean-François Lyotard (1992), o pensamento pós-moderno pode ser descrito como a incredulidade em relação às metanarrativas. 3. CONCEITO DE LOCALIZAÇÃO: Há uma nova concepção de tempo e espaço, ambos relacionados com o conceito de localização. Se antes falávamos de um tempo linear, que servia de cenário ao desenvolvimento progressivo da História, tal concepção tornase gradualmente insustentável e é substituída por uma representação multidimensional. O espaço também deixou de ser considerado como um território finito que encerra nas suas fronteiras uma cultura específica. 4. CONCEITO DE IDENTIDADE: Os conceitos de conhecimento, representação e localização influenciam o conceito de identidade. Se a identidade modernista era fortemente apoiada na unicidade de indivíduo, no tempo pós-moderno anuncia a perda de um „sentido em si‟ integrado e estável. Stuart Hall (2006) fala de um duplo deslocamento. Por um lado, a descentração dos indivíduos do seu lugar no mundo social e cultural e, por outro lado, de si próprios. Este fenômeno conduz à descontinuidade e a fragmentação do sujeito. Deixamos por isso de falar de significados fixos para falar de identidades hibridas em que o universalismo moderno e substituído pelo heterogêneo, o diverso, o subjetivo, o relativo e o fragmentário. Pensando a partir destes conceitos, estenderemos nossa reflexão para a Arte. Hoje vivemos um novo panorama artístico. “Dissipa-se a crença no caminho único e no desenvolvimento linear e esboçam-se as primeiras linhas do pluralismo”. Não há mais a negação do passado, “entende este gesto de recuo como uma mais valia para o seu desenvolvimento” (SILVA, C., 2010, p.33). Segundo Clarck (1996) pode considerar que a inspiração, a originalidade e a pureza da forma se perderam enquanto palavras de ordem, dando lugar a apropriação, colagem e justaposição de significados. Retratando a passagem de um tempo de certeza para um de incerteza. A ideia de artista gênio é substituída pelo artista como produtor cultural, onde o ato criativo passa a ser um processo coletivo de apropriação para o qual concorrem diferentes fatores e intervenientes (FEHR, 1994 apud SILVA, C., 2010, p.34). A ênfase se dá agora pelo interesse no conteúdo e na interpretação do significado. Huyssen (1994) afirma que o Pós-modernismo atua num campo de tensão, dissipando a possibilidade de relações dicotômicas ou modelos binários substituídos agora por modelos conectivos que refletem mais corretamente a natureza multifacetada da existência humana. Uma das dicotomias mais notáveis no modernismo era entre a Arte Erudita e as formas de Arte não Erudita, onde a primeira era preponderante à outra. No Pós-modernismo estes dois domínios são válidos de maneira equitativa para a produção e apreciação artísticas. E a implicação dessas mudanças no pensamento e na prática do ensino de Artes? Como já foi mencionado houve uma transição de paradigmas, mas importa fazer referencia a esse conceito, definido por Carrol (1997:171 apud SILVA C., 2010, p.36) como “um conjunto de valores, leis e práticas que governam uma comunidade de praticantes. Um paradigma é análogo a uma visão de mundo”. O paradigma Modernista os conceitos de progresso e mudança eram definidos como características positivas e representativas de superação. Segundo Arthur Efland, Kerry Freedman e Patricia Sthur, (...) a aceitação da mudança como fenômeno de melhoria prejudicou várias gerações de professores, pois estes eram constantemente confrontados com a crítica de estarem errados e serem antiquados o que os obrigava a um esforço constante para estar a par da novidade (apud SILVA C., 2010, p.38). As premissas modernistas de mudança pedagógica se esgotaram pela fragilidade da ideia de ruptura como forma de superação. No Pós-modernismo transitamos de um território de certezas para o domínio da ambivalência. Os momentos de transição passam a ser considerados como uma parte importante do discurso de reforma, pois não refletem apenas o consenso, mas ilustram conflitos de consciência. Nesse sentido mais do que a promoção de consenso entre professores e alunos, uma reforma educativa pós-moderna deve procurar o uso do conflito como uma ferramenta de ensino (EFLAND, FREEDMAN E STUHR, 1996 apud SILVA C., 2010, p.39). Ainda com base em Efland, Freedman e Sthur (1996, apud SILVA, C., 2010) identificamos três características do pensamento pós-moderno que se propagaram para o ensino de Arte: conhecimento como construção social e cultural; fragmentação e descentramento do sujeito; Arte como produção cultural. 1. CONHECIMENTO COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL E CULTURAL: o conteúdo do ensino de Arte deixa de estar apenas dependente dos especialistas (artistas, críticos, textos, etc.). Nenhum conteúdo é visto como uma verdade absoluta, mas está histórica e culturalmente enquadrado pelo contexto e necessidade de alunos e professores. 2. FRAGMENTAÇÃO E DESCENTRAMENTO DO SUJEITO: o processo de ensino/aprendizagem deixa de ser considerado como algo linear. A subjetividade da experiência de cada indivíduo é valorizada sendo que o professor e o aluno são vistos como interpretes, criadores e tradutores do conteúdo educativo. 3. ARTE COMO PRODUÇÃO CULTURAL: o foco passa estar na construção de significado e não na análise formalista. O conteúdo escolar não se resume apenas à Arte dos museus e galerias, mas também inclui as produções artísticas de grupos minoritários e culturas não ocidentais. O impacto dessas premissas sobre o ensino de Arte foi (está sendo) lento e defasado do seu desenvolvimento enquanto fenômeno social e estético. Um dos fatores apontados para esse atraso é o conservadorismo dos professores, cujos mecanismos de defesa tendem a atuar contra as novas propostas educativas, uma vez que esta se afasta da prática já legitimada e enraizada no passado (FEHR, 1994; CLARCK, 1996, apud SILVA, C., 2010, p.40). Diante dessas transições surgem propostas para o currículo pós-moderno no ensino de Arte, considerando que o “currículo pode ser definido como o catalisador da mudança, pois concretiza a transição entre pensamento e prática” (SILVA, C., 2010, p.40). O processo ensino/aprendizagem é cada vez menos unidirecional, sofrendo diferentes influências. Para Henry Giroux (1991) “ao combinar os melhores insights do modernismo e pós-modernismo os educadores podem aprofundar e ampliar o que é geralmente definido como pedagogia crítica”. (...) à combinação do enfoque modernista na capacidade dos indivíduos para usar a razão crítica no seu quotidiano e o interesse pós-moderno em perceber como vivenciamos o poder num mundo composto por diferenças. A consequência dessa metodologia crítica é oposta à tendência universalista moderna e resulta no entendimento do resultado do processo de ensino/aprendizagem como fluidos e não fixos (SILVA, C., 2010, p.41). Hoje no Brasil, acompanhando tendências estadunidenses e europeias, há uma concepção do ensino de arte como conhecimento, defendendo a ideia de arte na educação com ênfase na própria arte, denominada por Eisner (2002) como “essencialismo” no ensino de arte (apud SILVA, E. e ARAÚJO, s.d., p.11). Dessa forma, a compreensão de arte como uma área de conhecimento, como uma construção social, histórica e cultural é trazer a arte para o domínio da cognição. Ao longo de mais de duas décadas, teorias e estudos, tais como os trabalhos de Pillar (2001), de Barbosa (2002) e de Parsons (1992), entre outros, buscam explicar os processos de ensinoaprendizagem dos conhecimentos artísticos. É nessa re-significação de paradigma que nasce no Brasil, a Tendência Pós-Moderna de ensino de arte. O currículo pós-moderno recusa de modelo e estrutura e apresenta-se como um conjunto fluido de possibilidades; os seus conteúdos são agora mais democráticos na medida em que não são regidos por um cânone prescrito que apresenta a Arte desvinculada do seu contexto; a apreciação e produção artísticas são reinterpretadas aproximando das práticas dos artistas contemporâneos (SILVA, C., 2010, p.44). As obras de arte contemporâneas se tornam essencial no ensino, pois aglutinam diferentes grupos culturais ou apresentam posicionamentos político frente a questões do cotidiano. Segundo Luciano Buchmann(s.d.) a arte contemporânea é portadora de discursos artísticos que a potencializam como educativas (p.178). Na atualidade o campo da criação artística foi estendido ao corpo, à natureza, à cidade, a ingredientes de diferentes culturas, entre outros (ARCHER, 2001, p. 61), o que pode nos permitir análise e interpretações diversas. Para Buchmann uma das possibilidades da arte contemporânea na educação advém do choque entre diferentes culturas presentes em algumas obras (p.179), como a do artista baiano Marepe, que tomam como referência o cotidiano e a funde com a cultura “mais instruída”. Obras com esse teor pode articular a sociedade e a cultura em várias perspectivas (Buchmann, s.d., p.180). Essa ampliação de olhares possibilitada pela arte na contemporaneidade permite uma abordagem diferenciada que pode articular aspectos culturais aproximando o universo dos estudantes do universo artístico, tornando-se significativo. SOM DA BAHIA – Marepe As “Cabeças acústicas” são uma homenagem à música de Salvador. Esta pesquisa está sendo financiada pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Doscência – PIBID. REFERÊNCIAS ARCHER. M. Arte Contemporânea: Uma História Concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ARAÚJO, Clarissa M. de, SILVA, Everson M. A.. Tendências e concepções do ensino de Arte na educação escolar brasileira: Um estudo a partir da trajetória histórica e sócioepistemológica da arte/educação. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/grupo_estudos/GE01-3073--Res.pdf Acessado em 20/06/2011. BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e Mudanças no Ensino de Artes. São Paulo: Cortez, 2002. BUCHMANN. Luciano Pereira. O ensino de arte na contemporaneidade. Disponível em: www.ppgav.ceart.udesc.br/turma1_2005/luciano/LUCIANO_BUCHMANN_CAP-6.pdf . Acessado em 10/06/11. FRANZ, Terezinha. Educação para uma compreensão crítica no ensino fundamental: finalidades e tendências. Disponível em: www.ceart.udesc.br/.../TEXTO_ENSINO_FAUND%5B2%5D%20Tere.doc. Acessado em 01/06/11. HARVEY, D. A Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. HUYSSEN, Andreas(1992). “Mapping the Postmodern”. In Charles Jencks (ed.), The PostModern Reader. New York: St Martin‟s Press, 42-69. PILLAR, Analice Dutra. A Educação do Olhar no Ensino das Artes. Porto Alegre: Mediação, 2001. SILVA, Carolina C. P.. A Cultura Visual na Educação Artísitca: “Entre Sila e Caridbes”. Disponível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/2354/2/ULFBA_TES360.pdf. Acessado em 02/07/2011.