Franz Kafka Praga & HARALD SALFELLNER Franz Kafka Praga & HARALD SALFELLNER 1ª edição TRADução ANDRé DELmoNTE coLAboRAção DE JuLiANA Lugão 1 Kafka com cerca de 30 anos SUMÁRIO Prefácio 8 I. Resumo biográfico 13 II. A Praga de Franz Kafka 28 III. Os primórdios da família Kafka em Praga 56 IV. Itinerário de Kafka em Praga 63 1 A praça da Cidade Velha 63 2 O local de nascimento na antiga Niklasgasse (rua Nicolau) 71 3 O edifício Sixt na Zeltnergasse (rua Zeltner) 73 4 O edifício Zur Minute (Ao Minuto) na praça da Cidade Velha 75 5 A Escola Primária Imperial e Real para meninos, com aulas ministradas em alemão, na Cidade Velha de Praga 77 6 O Ginásio Imperial e Real, com aulas ministradas em alemão, na Cidade Velha de Praga 82 7 O edifício Zu den Drei Königen (Dos Três Reis) na Zeltnergasse 91 8 A ponte Carlos 98 9 A Universidade de Praga 102 10 O Clementinum 110 11 O Salão de Leitura e Palestras dos Universitários Alemães em Praga 112 12 O café Louvre na antiga Ferdinandstraße (rua Ferdinand) 118 13 O salão de Berta Fanta na praça da Cidade Velha 120 14 O Tribunal Civil Nacional no Obstmarkt (Mercado de Frutas) 123 15 O edifício Zum Schiff (Ao Navio) na antiga Niklasstraße 2 Vista sobre os telhados da Cidade Baixa, também conhecida como Malá Strana, e o Castelo de Praga (rua Nicolau) 16 A Assicurazioni Generali na praça Venceslau 124 134 V. Passear por Praga 234 VI. Praga e a Boêmia nas obras de Kafka 251 VII. A Boêmia amada por Kafka 266 Notas 316 Tabela de equivalências 342 159 Referências bibliográficas 351 22 O Novo Teatro Alemão 163 Referências de imagens 357 23 A Deutsche Haus (Casa Alemã) no Graben 167 24 A redação do Prager Tagblatt 173 25 O café Savoy na antiga Ziegenplatz (praça das Cabras) 176 26 A Sinagoga Velha-Nova 179 27 A Prefeitura Judaica 182 17 O prédio da antiga Academia de Comércio Alemã 139 18 O Instituto de Seguros contra Acidentes de Trabalho do Reino da Boêmia 142 19 O café Arco na Hibernergasse (rua Hibernia) 149 20 A fábrica de amianto Prager Asbestwerke Hermann & Co. 153 21 A Escola Civil de Natação à margem do rio Moldava, na Cidade Baixa 28 O hotel Erzherzog Stephan (Arquiduque Stephan) na praça Venceslau 187 29 A casa da família de Max Brod na Schalengasse (rua das Conchas) 190 30 O apartamento do escritor Oskar Baum na Mánesgasse (rua Mánes) 195 31 O edifício Oppelt na praça da Cidade Velha 197 32 O apartamento da Bílekgasse (rua Bílek) 200 33 O edifício Zum Goldenen Hecht (Ao Peixe Dourado) na Langegasse (rua Larga) 209 34 A casinha na viela Dourada 212 35 O Palácio Schönborn na Cidade Baixa 219 36 A casa de Milena Jesenská na antiga Obstgasse (rua das Frutas) 225 37 O Novo Cemitério Judaico 227 38 O monumento a Franz Kafka 231 PREFÁCIO vir de um clã tradicional era, na maioria das vezes, crucial. A própria obra corria o risco de ser considerada uma literatura nacional nos cafés, no Concordia e no Arco, pelo público dos teatros e por frequentadores de concertos. Teria demorado ainda mais para que a grandeza da obra de Franz Kafka pudesse ser de fato reconhecida, se seu amigo Max Brod não tivesse preservado sua obra e percebido seu significado literário. Ainda assim, é incontestável o fato de que os escritos de Kafka, após sua morte, tiveram uma recepção bastante negativa num primeiro momento. Naquela nação ainda jovem, os escritores alemães tinham Quando Franz Kafka foi levado ao sepulcro por um pequeno grupo lugar garantido nos círculos literários que defendiam suas respecti- de parentes e amigos, não se imaginava nem de longe - nem mesmo vas ideologias e ainda podiam contar com a imprensa e o público a nos círculos em que era conhecido em sua cidade natal - que um dos seu dispor. Se fossem como Rilke, Werfel, Kraus et tutti quanti, que já grandes nomes da literatura do século morria ali. Foi feita uma ho- estavam havia tempo em Viena, Munique e na Suíça, ou, como Egon menagem à sua memória no teatro Kleine Bühne, à qual comparece- Erwin Kisch, que estava sempre viajando, poderiam ser convidados a ram alguns amigos e colegas, mas eles também não conseguiram cha- falar em sua terra natal e teriam um público literário no Continental, mar muita atenção. Os contemporâneos tchecos receberam a notícia e, quem sabe até no café Slavia, depois do teatro. de sua morte através de poucas linhas assinadas por Milena Jesenská. Ainda demoraria muito para que houvesse algum interesse por De onde vem, então, o fenômeno em que se transformou a obra Franz Kafka em Praga. É provável que esse despertar tenha ocorrido de Kafka? Teria vindo de suas condições de vida, semelhantes às de no outono de 1931. Em uma palestra com bastante público, o vivaz e tantos outros talentos daquela cidade e daquela região? Viria de seu teatral professor doutor Herbert Cysarz, germanista da Universidade destino, que ele dividira com tantos outros provenientes de Praga, Alemã, respondeu à pergunta vinda da plateia “E Kafka?” em tom de Brünn [Brno], Reichenberg [Liberec] ou de Ostrau [Ostrava], na profecia literária e certeza absoluta: “Um clássico judaico”. Morávia e que, de início, não tiveram o reconhecimento e a valori- Foi preciso que a Segunda Guerra Mundial tomasse a Europa e zação do próprio talento em terra natal? O fato de terem alcançado que os alemães de Praga, sempre ávidos por conhecimento, sumis- sucesso fora de suas fronteiras fez com que, durante muito tempo, sem daquela região para que o interesse pela obra de Franz Kafka 9 do prêmio Kleist, que Kafka recebeu, na cena literária de Praga? Ali, • dizia-se que eram austríacos. Qual era, àquele tempo, o significado 8 PREFÁCIO não fossem vistos como praguenses: em Viena, Zurique ou Berlim, HARALD SALFELLNER: FRANZ KAFKA & PRAGA PREFÁCIO na então Tchecoeslováquia era muito limitado. Depois da queda do e entre eles estavam cidadãos americanos, emigrantes e novos auto- muro, verificou-se nos documentos que esses especialistas eram to- res. Eles visitavam Praga e traziam sempre novas informações sobre dos alvos da polícia secreta. Kafka. Visitavam a neta da empregada da casa de Kafka, suas babás Além disso, Max Brod morava em Tel Aviv, muito longe de Pra- e uns poucos sobreviventes do holocausto. Bastaram as visitas dos ga. Era impossível naquela época pensar na participação dele como especialistas ocidentais para que a entrada da obra do autor nos anais responsável pelo legado do escritor. Só em 1964, pouco antes da Pri- literários ficasse comprometida. Kafka era um autor de origem tche- mavera de Praga, ele colocou os pés na cidade para falar, diante de co-judaica que escrevia em alemão e que tivera educação alemã. Ele centenas de leitores e amigos, sobre a obra de Kafka e a conjuntu- certamente falara sobre seu idioma materno, o alemão, mas também ra literária na cidade natal do autor. O antigo funcionário público de sua compaixão sincera por seus compatriotas. Do lado tcheco, a Max Brod fez sua palestra, proferida no salão nobre do monastério reação era de reserva. Os argumentos contra ele eram os mais varia- Strahov, em tcheco. Ele foi coberto de elogios e começou-se a falar dos. Além do mais, não era o momento de fazer de Praga um reno- em levar de volta a obra de Franz Kafka para sua cidade natal. Mais mado centro literário. Informações sobre uma possível aliança po- tarde, quem viveu naquele tempo disse que aquele dia teria sido um lítica entre Berlim Oriental e Praga foram responsáveis por manter dos precursores da Primavera de Praga de 1968. uma distância fria, até mesmo certa rejeição a Kafka. Os discursos Para quem viveu a época, não é nenhum espanto que um jovem giravam sempre em torno das palavras “decadência” e “alienação”. intelectual de Graz se sentisse em casa como escritor e editor em Fazia parte dos absurdos da época o fato de a burocracia do regime Praga, a cidade natal de Kafka. A origem do ex-médico Harald popular-democrático de Praga permitir que Berlim Oriental tivesse Salfellner é austríaca. Por isso, ele não sofre da enorme distância que influência legítima até sobre escritores. deixa tantos historiadores alemães da literatura um pouco perdidos. Certamente, a obra de Kafka e sua importância não se deixaram Pois foi Max Brod mesmo quem disse certa vez que ele e Kafka eram esquecer - nem mesmo em Praga. Várias conferências aconteciam, austríacos de Praga. Fazendo as vezes de autor e editor, Salfellner basta considerarmos a de Liblice, na qual juízes e advogados debate- perpassou toda a cena literária da capital da Boêmia. Ele aprendeu ram a obra do autor. Quantas horas de deliberações intermináveis do o idioma tcheco e o utiliza. Seu livro sobre Franz Kafka e Praga não partido governante não eram necessárias para determinar o número é um novo guia turístico ou manual literário, nem um vade-mécum de participantes e até os lugares na mesa na conferência! da indústria do turismo, tão em voga. É um caminho pessoal, 1 Debates acalorados tentavam definir se germanistas estrangeiros percorrido com Kafka, rumo aos locais da vida do escritor em que falassem no idioma de Kafka seriam aceitos. Por outro lado, os Praga. Harald Salfellner traz consigo a bagagem que falta a muitos especialistas tchecos, que certamente sabiam alemão, eram proibidos dos estudiosos da obra de Kafka. É a trajetória do idioma tcheco, 11 ros intérpretes apareceram na Alemanha Ocidental no pós-guerra, • de usar o idioma. O número de estudiosos da obra de Franz Kafka 10 pudesse voltar a ser despertado na terra natal do escritor. Os primei- HARALD SALFELLNER: FRANZ KAFKA & PRAGA da linguagem cotidiana do mundo em que viveu Franz Kafka, que precisa ser entendida. O trabalho de Salfellner como editor em Praga está relacionado ao tipo de produção literária que já era comum no país desde o tempo de Rodolfo II - e que não é, e não era, necessariamente voltada para o visitante estrangeiro. Nas bibliotecas dos estudiosos tchecos de todas as áreas, o espaço para literatura em alemão não é nada insignificante. E é assim até hoje. É aí que está a simbiose secreta desta cidade. Fazem parte dela os grandes mestres dos dois idiomas - Pavel Eisner, Otakar Fischer, Otto Pick, O.F. Babler. É assim também que começa o livro de Harald Salfellner, que nos leva para uma dimensão indispensável à compreensão da obra de Franz Kafka. Ele nos ensina a ver Praga como Franz Kafka a enxergava. Hugo Rokyta, Praga, 1998