Simulações Internationali Negotia
Assembleia dos Estados Gerais
“Crise francesa de 1789”
InternationaliNegotia
2014
Henrique Sottovia
Sérgio Martins Coelho
Introdução
O final do Século XVIII e início do Século XIX foram marcantes para a
formação da sociedade contemporânea. Nesse período, o mundo testemunhou, a
partir de uma dupla revolução, mudanças profundas em estruturas políticas,
econômicas e sociais que se fazem sentir até os dias correntes.
Por força da revolução industrial, a lógica de produção e da condução da
economia foram profundamente alteradas. Mais do que isso, a revolução industrial
alterou o modo como as pessoas se relacionam, proporcionou uma maior
integração entre as diversas partes do globo e, em seu caráter mais abstrato,
contribuiu largamente para que até mesmo a percepção da passagem do tempo
fosse metamorfoseada.
A dimensão política também se fez sentir na dupla revolução do século XIX.
Nesse sentido, sua grande porta-voz foi, sem dúvida, a revolução francesa. Foi ela
que acabou com as estruturas feudais ainda presentes no seio da sociedade
francesa e, mais do que isso, propagou os ideais de liberdade, igualdade,
fraternidade para o Mundo. Seu modelo de respeito aos direitos do homem e de
fomento à cidadania se faz refletir, até os dias correntes, em constituições ao redor
do globo e, até mesmo em importantes tratados internacionais.
Neste trabalho, buscar-se-á, fazer um breve relato histórico sobre a
revolução francesa, especialmente de sua fase pré-revolucionária, até a convocação
da Assembleia dos Estados Gerais. Far-se-á também uma análise atinente ao
significado político dos processos que se circunscreveram à revolução, sublinhandose a importância que tiveram para o estabelecimento de novos paradigmas na
teoria política.
Por fim, faz-se necessário relembrar que o trabalho que agora se apresenta
não se propõe a ser um estudo aprofundado da revolução francesa. Objetiva-se,
aqui, tão somente, destacar pontos importantes que possam servir à pesquisa.
Trata-se de um guia para pesquisas reconhecendo que o aprofundamento da
questão em toda sua compreensão iria absorver intensos e alentados debates,
extrapolando a singeleza deste ensaio.
1.
A Revolução Francesa: Causas e Processo
O mundo, em 1780, era profundamente diferente do mundo contemporâneo.
Primeiramente, deve-se observar que, naquela época, o mundo era ao mesmo
tempo maior e menor do que ele é hoje 1. Era menor geograficamente, uma vez que
os homens daquela época, mesmo os mais cultos, conheciam apenas partes do
mundo habitado.
Era menor, também em termos humanos: a despeito da baixa
confiabilidade das estatísticas demográficas do período, estima-se que a população
à época era aproximadamente um terço menor do que o é hoje2.
Ao mesmo tempo, “a simples dificuldade ou incerteza das comunicações
faziam-no menor do que é hoje”3. Nesse sentido, muito embora, a velocidade das
comunicações fosse imensamente superior à do período anterior, ela era ainda
bastante limitada quando comparada aos períodos seguintes.
Outro aspecto importante é que o mundo, nos idos de 1789, era
predominantemente rural. Sem ter essa perspectiva em mente, torna-se impossível
o pleno entendimento dos fenômenos precedentes da Revolução Francesa.
Note-se que a dimensão rural era particularmente forte na França durante o
Século XVIII. Na realidade, a estrutura social francesa durante o Antigo Regime era
de natureza inequivocamente feudal. O pagamento das banalidades e a rígida
divisão social em estamentos são exemplos inequívocos dessa condição.
No plano político, todavia, a França passara pela dinâmica de centralização
de poderes na figura de um soberano, isso quer dizer que a França seguia o modelo
organizacional de um Estado Nacional Moderno onde o Monarca, amparado pelo seu
divino direito, detinha ilimitados poderes, de modo tal que a célebre frase “o Estado
sou eu” não é atribuída a um rei francês por mera obra do acaso.
Um país que congrega aspectos típicos do absolutismo moderno com uma
estrutura de servidão típica do regime Feudal, sem dúvidas, estava fadado a
confluir para um conflito derivado de seus próprios paradoxos estruturais.
1.1.A Sociedade
A sociedade francesa do Antigo Regime era marcada por uma profunda
rigidez e por um caráter inequivocamente estamental. Existiam três grandes
Classes, conhecidas como Estados: O Primeiro Estado, composto pelo Clero; o
Segundo Estado, composto pela Nobreza e o Terceiro Estado, composto pelo
restante da população.
Há de se notar, no entanto, que cada um desses estamentos tinha uma
composição bem menos homogênea do que um exame apressado e superficial
possa sugerir. Na realidade, as dissidências internas eram bastante numerosas e
complexas, de modo que, por razão didáticas, nesse trabalho, adotar-se-á uma
visão simplificada das cisões que existiam em cada um deles.
No primeiro Estado, que comportava os membros da Igreja, a divisão mais
nítida e mais macroscópica se dava entre o Alto Clero e o Baixo Clero. O primeiro
era composto pelos cargos mais altos da Igreja, bispos, arcebispos, cardeais,
dentre outros. Essas altas funções eclesiásticas eram, quase sempre exercidas por
membros de famílias de estirpe nobre e tinham uma importância política
inquestionável. O Baixo Clero, por sua vez, era composto por membros de camadas
mais baixas da sociedade. Eram reservadas ao baixo clero, sobretudo, as paróquias
provincianas.
No segundo estamento, existiam, também, cisões. Havia, nesse sentido,
dois principais grupos de nobres: a nobreza de sangue e a uma “nova nobreza”. A
nobreza de sangue era a mais tradicional, dividida, por sua vez em Nobreza de
Espada e Nobreza de Toga; a nova nobreza, por outro lado era composta de
burgueses, que enriqueceram e conseguiram, por razões diversas, comprar títulos
de nobreza. Eram, portanto, burgueses enobrecidos.
É preciso esclarecer, no entanto, que a maior discrepância estava no terceiro
estamento. Lá, congregavam-se todos aqueles que não eram clérigos ou nobres.
Faziam parte do terceiro estado. Assim sendo, colocavam-se, no mesmo grupo,
grandes comerciantes, camponeses e uma classe de pobres habitantes citadinos
conhecida como Sans Coullote.1
Talvez o mais interessante seja que grande parte dos problemas que se
seguiram à deposição do Rei derivam da heterogeneidade do terceiro Estado. As
parcelas sociais extremamente distintas que o compunham tinham, como objetivo
comum a queda do monarca. Uma vez atingido tal objetivo, vieram à tona os
conflitos internos de interesse, prolongando a revolução até 1799.
1.2.As Crises
Especula-se que, não obstante todos os antagonismos sociais presentes na
sociedade francesa do final do século XVIII, a revolução francesa de 1789 foi
fortemente influenciada por questões econômicas. Albert Soboul chega a afirmar
que ”A revolução de 1789 nasceu de uma crise econômica4”.
1
O nome refere-se à vestimenta utilizada pelos nobres, chamada de Coullote.
O século XVIII foi, em geral, um século de prosperidade5. O apogeu desses
anos de prosperidade situa-se por volta do fim dos anos 60 e inícios dos anos 70,
marcado pela grandeza do Rei Luís XIV, o Rei Sol. Todavia, o reinado do Rei Luís
XVI é tido como o marco de um acentuado declínio do esplendor outrora visto, de
modo que, a partir de 1778, houve uma acentuada regressão na economia,
agravada, no de 1787 por uma intensa crise inflacionária.
A crise foi particularmente sensível no tocante a gêneros alimentícios. Para o
período de 1785 a 1789 a alta de preços é de 66% para o frumento, 71% para o
centeio e 67% para a carne, sendo que, no ponto mais crítico desse período
às
vésperas da revolução, na primeira quinzena de julho de 1789, havia uma alta de
150% no preço do frumento e de 165% no preço do centeio5.
Essa disparada de preços, fez-se sentir de modo penoso nas camadas mais
baixas da população francesa. Estima-se que, no ano de 1789, os gastos com pão
representavam 88% do orçamento de uma família camponesa6. Isso evidencia que
a revolução não se deu tanto pela manipulação burguesa das classes menos
favorecidas da sociedade francesa. Foi, em maior medida, a fome que fez com que
o povo francês pegasse em armas e desse início à grande onda revolucionária de
1789.
É importante traçar aqui as origens dessa crise econômica. A esse respeito,
é incontestável que elementos naturais como a seca de 1785, que dizimou o gado e
a parca colheita de 1788,7 desempenharam importante papel para o colapso do
sistema financeiro francês oitocentista, mas, não se podem negligenciar os gastos
públicos elevados, originários, principalmente da guerra de independência das treze
colônias. A esse respeito, escreve Albert Saboul:
A crise financeira remontava à guerra da América, sustentada
por Necker2 a golpes de empréstimos; Calonne3 recorreu ao
mesmo processo para consolidar a retaguarda. O Relatório
apresentado ao rei em março de 1788 estimava as despesas
em 629 milhões de libras, as receitas em 503, ou seja, um
déficit de 20%. Os juros da dívida exigiam 318 milhões, isto é,
mais da metade das despesas. A crise econômica repercutia
sobre o recebimento dos impostos, aumentava os encargos
2
Necker foi, por três vezes o responsável por conduzir a economia francesa. Em 1776, em 1788 e em
1789.
3
Calonne foi o responsável por conduzir a economia francesa entre os anos de 1783 e 1787.
por motivos das compras de cereais no estrangeiro; atingia o
crédito público. Havendo diminuído o poder aquisitivo das
massas, o imposto, e sobretudo o imposto indireto, não podia
render muito. Restava a igualdade fiscal. Calonne arriscou-se
a propor uma “subvenção territorial” que pesaria sobre todos
os proprietários fundiários sem exceção. A Assembleia dos
notáveis, reunida em 22 de fevereiro de 1787, composta de
aristocratas
por
definição,
criticou
o
projeto
e
exigiu
comunicação das contas do Tesouro. Luís XVI demitiu Calonne
em 8 de abril.
É de se notar, ainda, que economistas do porte de Tourgout, advogavam
reformas estruturais na sociedade francesa e apontavam, como possíveis soluções,
a exploração eficiente da terra, um comércio e uma empresa livres, uma
administração eficiente e padronizada de um único território nacional homogêneo, a
abolição
de
todas
as
restrições
e
desigualdades
sociais
que impediam
o
desenvolvimento dos recursos nacionais e uma administração e taxação racionais e
imparciais7. A recusa do rei e, sobretudo de nobres e clérigos, no tocante à
aplicação dessas reformas das quais fala Tourgout, também foram importantes
eventos que contribuíram para a revolução.
1.3. Os Estados Gerais.
Outro importante desdobramento da reunião da Assembleia dos notáveis foi
a decisão de Luís XVI de convocar os Estados Gerais. Os Estados Gerais eram a
assembleia mais representativa com a qual contava o antigo regime francês. Ela
era composta pelos três estados e tinha por função deliberar acerca de assuntos
relevantes para o Estado e para a Nação. Na prática, todavia, ela representava uma
limitação aos poderes do soberano, razão pela qual Luís XIV, ao longo de seu
reinado, recusara-se a convocá-la, valendo-se, habilmente, de soluções alternativas
que concentrassem nele as decisões.
Luís XVI, não sendo tão hábil quando os dois monarcas que o precederam e
estando em uma situação de crise sem precedentes na França, após uma certa
pressão da Assembleia dos notáveis, decidiu convocar os Estados Gerais.
Abriam-se os Estados Gerais no dia 5 de maio de 1789 e, logo no dia
subsequente à abertura, surgiu a primeira grande discussão que permeara a
Assembleia. O terceiro estado solicitou que o voto fosse por pessoa e não por
ordem, como nos ensina Albert Saboul,:
(...) O conflito das ordens começava: o Terceiro
reclamou a verificação em comum, o que implicava o
voto por pessoa e não por ordem. Sua habilidade
tática, a divisão do Clero, deram-lhe a vitória. Em 17
de junho, o Terceiro Estado tomou o nome de
Assembleia Nacional: o que implicava a afirmação da
unidade e da soberania nacionais, verdadeira revolução
jurídica, sancionada por 191 votos contra 89.
Para a simulação que se fará, o importante é entender a função que os
Estados Gerais poderiam ter tido em impedir a revolução e as discussões de mérito
que lá se travaram. Deve-se sublinhar como de especial importância a questão
atinente à taxação da nobreza e do clero, bem como de reformas tendentes a abolir
costumes feudais ainda muito presentes no antigo regime.
Ainda cabe observar que os eventos da fase propriamente revolucionária
não serão pormenorizados neste guia: Furtar-me-ei a apresentar uma cronologia
dos principais eventos da revolução.
2.
Mudanças
Políticas:
Fim
do
Absolutismo
e
ascensão
do
Liberalismo
Primeiramente, cabe destacar que a Revolução Francesa extrapolou as
fronteiras de seu cenário: este marco histórico foi importante para todos os demais
países, não se limitando ao território do país (HOBSBAWN, 1962). Processos
sociopolíticos semelhantes já haviam ocorrido anteriormente na Inglaterra (1640 e
1688) e nos Estados Unidos (1776), porém, foram importantes apenas dentro dos
seus respectivos territórios e não tiveram a força simbólica que a Revolução
Francesa acarretou, tampouco suas cruciais mudanças na estrutura da organização
social e política (NETO e TASIFANO, 2007).
Antes de discorrer sobre as mudanças ocorridas e importantes paradigmas
(modelos) que surgiram durante e após a Revolução Francesa, deve-se entender
como era organizado o Estado francês pré-revolução. O Estado possuía um formato
estamental, ou seja, as posições sociais (e políticas) eram definidas a partir do
nascimento.
Isso conferia
baixa possibilidade de ascensão
social
e pouca
distribuição de privilégios: a título de exemplo, os nobres possuíam renda vitalícia e
isenção de impostos. Basicamente, a França era divida em três estados: o
primeiro estado era constituído pelo clero, que se segmentava em alto claro
(cardeais e arcebispos) e baixo clero (padres). O segundo estado era formado pela
nobreza, tendo esta duas categorias: nobreza de toga (aquela nobreza recente, que
adquiriram o título por elementos ou poder políticos ou econômicos que
conquistaram) ou de espada (aquela tradicional, que possuía o título pelo princípio
da hereditariedade – de família). Por fim, o terceiro estado era formado pelos
demais membros da sociedade que não constituíam nem clero, nem nobreza, sendo
este o mais heterogêneo. Este era formado basicamente por burgueses ricos que
não possuíam o título de nobre, assim como artesãos e camponeses pobres. Todos
os membros deste terceiro estado, do mais rico ao mais pobre, eram responsáveis
pelo pagamento de impostos que sustentavam os demais setores do estado (NETO
e TASIFANO, 2007).
Além dessa divisão social, o Estado Francês era regido por um modelo
absolutista, onde todos os poderes estavam concentrados em apenas um
representante, um soberano: o Rei. Para fins didáticos, pode-se afirmar que esta
forma centralizada de poder nas mãos do Rei era “ilimitado e arbitrário” (BOBBIO,
2010). Estes aspectos sociais e políticos, unidos à crise econômica mencionada
anteriormente, implicaram a chamada revolução francesa. O principal ponto político
e social desta crise é a reivindicação do terceiro estado: os membros deste
buscavam
participar
em
decisões
políticas
tanto
quanto
contribuíam
economicamente para o estado (NETO e TASIFANO, 2007). Desta demanda,
surgiram os maiores ideais da revolução francesa: o liberalismo e a democracia.
Como afirma Norberto Bobbio, “a história do Liberalismo acha-se intimamente
ligada à história da democracia; é, pois, difícil chegar a um consenso acerca do que
existe de liberal e do que existe de democrático nas atuais democracias liberais...”
(BOBBIO, pp. 686, 2010).
O terceiro estado, que era oprimido politicamente e obrigado a sustentar o
primeiro e segundo estado economicamente buscava maior participação nas
decisões políticas, principalmente depois de dois grandes eventos nos quais a
França se envolveu e que impactaram fortemente e negativamente a economia
francesa: A Guerra dos Sete Anos e a Guerra de Independência dos EUA. Advindos
desta situação de opressão e inferioridade, desejos de maior liberdade social (no
sentido de poder conquistar ascensão, posições, cargos), maior envolvimento na
política, maior distribuição de recursos e mais direitos começaram a eclodir entre o
terceiro estado. (NETO, TASIFANO, 2007). Então, pela primeira vez, surgem os
princípios do liberalismo: direitos mais amplos, igualdade social e perante a lei,
equidade na distribuição de recursos, entre outros ideais ligados também à
democracia. Retoma-se o grande lema da revolução francesa: “Liberté, Egalité,
Fraternité” – Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Como Bobbio afirma, o conceito de liberalismo é amplo e tem visões
diferentes nos diferentes espaços e ao longo do tempo (BOBBIO, 2010). Porém, é
na revolução francesa que o liberalismo tem seu berço, no sentido de que é a partir
deste evento que se pode concretizar o liberalismo em um formato político e de
organização de Estado.
Em termos de estrutura de governo, a França passou de uma monarquia
absolutista, feudal, e com uma nobreza aristocrática para uma monarquia
constitucional com princípios liberais. Após a longa revolução francesa e a reunião
da assembleia constituinte, que perdurou de 1789 até agosto de 1792, uma série
de reformas e mudanças consideráveis ocorreram. Com a promulgação de uma
constituição,
foram
feitas
reformas
nas
áreas
administrativa
e
judiciária.
Primeiramente, vale destacar que ocorreu a descentralização dos poderes e o
reordenamento do território francês para uma configuração de departamentos com
instituições administrativas e jurídicas comuns entre si. Quanto ao Rei, seus
poderes foram limitados pela constituição: o poder Legislativo passou a ser
exercido pela chamada “Assembleia Legislativa”, que era eleita pelo voto censitário
(votavam apenas aqueles que tinham terras, totalizando por volta de 30% da
população apenas de eleitores, excluindo as mulheres). Ademais, foi instituída a
subordinação da Igreja ao Estado, tendo esta todos os seus bens confiscados,
clérigos como funcionários do Estado e eleitos pelo povo, não mais nomeados pelo
papa. Por fim, foram instituídos os princípios liberais como a defesa da liberdade de
opinião e religiosidade e igualdade dos cidadãos perante a lei (NETO, TASIFANO,
2007).
Apesar de extinta a monarquia absolutista que concentrava todos os poderes
nas mãos do Rei, foi instituída a chamada “sociedade liberal burguesa” e fundado o
direito à cidadania na propriedade. Portanto, esta nova organização privilegiava a
participação política apenas daqueles detentores de terras, contrariando os
princípios
de
Liberdade
e
Igualdade
tão
defendidos
durante
o
processo
revolucionário. Esta interpretação veio de que os homens eram todos iguais perante
a lei e à sociedade no momento que nasciam, portanto, aqueles que conquistassem
terras poderiam participar das decisões políticas por mérito, “justificando” o voto
censitário (NETO, TASIFANO, 2007).
Apesar de não terem conseguido conquistar imediatamente ou plenamente
as maiores reivindicações por liberdade e igualdade, os membros do terceiro estado
certamente marcaram a história do liberalismo, instituindo estes princípios,
inspirando outros a buscá-los e, principalmente e mais importante para a análise
política, provocou profundas alterações na estrutura do aparelho estatal. Por si só,
a revolução conseguiu convocar uma assembleia constituinte que, mais tarde,
reorganizou a disposição do estado (transformação de províncias feudais para
departamentos com instituições administrativas e jurídicas iguais entre si), eliminou
os privilégios do antigo primeiro estado, conquistou a separação e descentralização
dos poderes e, ainda que na sua maioria só participassem os burgueses donos de
terras, conquistou-se maior influência nas decisões políticas.
Cabe ressaltar que estes princípios liberais nasceram e se concretizaram
pela primeira vez com a revolução francesa e influenciaram diversos pensadores
como Robert Dahl, Joseph Schumpeter, Nancy Fraser, entre outros importantes
nomes da teoria política contemporânea e teóricos da justiça como John Rawls.
Concluindo, apenas para fins de teoria, enfatiza-se que a revolução francesa, como
afirmou Eric Hobsbawn, transcendeu as fronteiras da França e alcançou outros
territórios ao longo do tempo. Uma implicação lógica disto é que em diferentes
sociedades e culturas e, ainda, ao longo do tempo, o liberalismo se transformou e
ganhou novas dimensões e interpretações. Por isso, o liberalismo aqui estudado
não é, necessariamente, o mesmo de hoje em dia. Para os fins deste guia de
estudos, considerar-se-ão os princípios supracitados.
3.
A
Assembleia
dos
Estados
Gerais:
Estrutura,
Época
e
Funcionamento.
Assembleia pode ser definida como “qualquer tipo de reunião de várias
pessoas para discutir ou deliberar sobre questões comuns” (BOBBIO, 2010). No
aspecto público, a assembleia deve indicar “o corpo representativo de toda a
entidade coletiva” (BOBBIO, 2010). Neste sentido, em 1788, no mês de julho, o Rei
Luís XVI convocou os Estados Gerais para uma assembleia que reuniria os
representantes dos três estados em Versalhes. O objetivo inicial da reunião era
apenas debater sobre a situação financeira do país devido à crise econômica pela
qual passava e buscar uma solução para esta, apesar de este não ter sido o
resultado final da assembleia. Estruturalmente, a assembleia era dividida entre os
três Estados (primeiro, segundo e terceiro) e os representantes de cada estado
seriam eleitos pelos seus membros. Inicialmente, Luís XVI pretendia fazer valer o
regime da assembleia geral anterior, ocorrida em 1614, onde os votos não eram
computados individualmente, mas sim, um voto por estado. Desta maneira, Luís
XVI permitiu que o terceiro estado possuísse 610 representantes (uma vez que era
o estado mais numeroso no país), número este que representa a soma dos
deputados eleitos do primeiro e segundo estados.
Inicialmente, o grande impasse entre os Estados e o Rei era a pauta da
reunião: enquanto o Rei e os membros do alto clero e da nobreza de espada
queriam apenas debater a crise financeira que necessitava de uma solução urgente,
os membros do terceiro estado, do baixo clero e da nobreza togada pretendiam
buscar soluções mais profundas e mudanças na estrutura política. Além disso, outro
impasse importante e polêmico foi a maneira de computar os votos. Se os votos
fossem computados por Estado, após deliberação entre seus membros, o Rei, que
possuía a nobreza de espada e o alto clero alinhados com seus interesses, teria
certeza da aprovação de suas medidas e propostas. Caso os votos fossem
computados individualmente, o terceiro estado, junto aos membros do baixo clero e
nobreza togada, que possuíam interesses similares, conquistariam suas demandas.
Ou seja, o modelo de votos que seria seguido definiria, por sua vez, qual dos dois
polos teria condições de traçar as diretrizes da economia do país e, possivelmente,
transformações na estrutura do Estado e política (NETO, TASIFANO, 2007).
Estas divergências paralisaram os trabalhos da assembleia por muito tempo,
até quando, em junho de 1789, os membros do terceiro estado declararam aquela
Assembleia, outrora dos Estados Gerais, agora Nacional, auto intitulando-se
representantes de toda a nação e com poder de deliberação política. Isto levou os
membros da nobreza de espada a incitarem o Rei a fechar a assembleia, o que
acarretou as drásticas ações daquilo que viria a ser a Revolução Francesa (NETO,
TASIFANO, 2007).
*Nota dos Diretores: Esta assembleia compreenderá justamente o período
no qual foram convocados os representantes dos Estados Gerais e já instaurado o
debate sobre o modus operandi de votação e a deliberação das questões que
deveriam ser abordadas: se somente deviam-se discutir os problemas financeiros
do país, ou também uma reforma na estrutura política estatal. Os representantes
deverão valer-se de manobras políticas e negociações intensas, elaborar propostas
e soluções para evitar que sejam paralisados os trabalhos, ou travá-los e correr o
risco de uma revolta.
4.
Posicionamento de Representantes
4.1.
Nobreza (Segundo Estado)
4.1.1.
Nobreza Provincial
Os membros desta categoria da nobreza viviam nos campos e exploravam o
trabalho de camponeses e servos para obter seus recursos. Ao contrário da nobreza
cortesã, não viviam para se dedicar a atividades administrativas ou militares, muito
menos tinham acesso à convivência com a corte real (NETO, TASIFANO, 2007).
4.1.2.
Nobreza Cortesã
Esta nobreza se subdividia em mais dois segmentos. Primeiro, a nobreza
tradicional, que possuía título conferido pelo princípio da hereditariedade: herdeiros
de nobres são nobres por direito e sangue. Também chamada de nobreza de
sangue, recebia diversos privilégios do estado, entre eles a isenção de impostos e
altas pensões. Ocupavam altos cargos da administração e do exército, além de
recolher impostos senhoriais dos camponeses. Já a nobreza togada era, no geral,
formada por burgueses que conquistaram o título por sua grande influência no
comércio exterior e doméstico ou por deter poder econômico. A nobreza tradicional
não aceitava confortavelmente a ideia de que burgueses sem sangue nobre
desfrutassem dos mesmos prestígios, havendo certo atrito entre estas duas
segmentações. Justifica-se assim, o alinhamento desta aos interesses do terceiro
estado durante a revolução (NETO, TASIFANO, 2007).
4.2.
Clero (Primeiro Estado)
Representado pela Igreja, este Primeiro Estado era subdividido em
dois segmentos: O Alto Clero e o Baixo Clero, ambos com diferenças
fortes entre si.
4.2.1. Alto Clero
O alto clero constituía-se de membros da nobreza e famílias com alto poder
econômico, sendo estes subsidiados pelos impostos recolhidos do terceiro Estado,
sobretudo, de setores camponeses. Os membros do alto clero ocupavam altos
cargos, como arcebispos e cardeais (NETO, TASIFANO, 2007).
4.2.2. Baixo Clero
Já o baixo clero era formado por membros mais ordinários da Igreja, como
os padres, advindos das camadas mais populares da sociedade. Recebiam menos
recursos e cultivavam, além da vida religiosa, atividades agrícolas para subsidiar o
restante de suas necessidades (NETO, TASIFANO, 2007).
4.3.
Terceiro Estado
Este estado concentrava a maioria da população francesa e era
responsável pela produção de alimentos, produtos e de toda a
economia da França (NETO, TASIFANO, 2007).
4.3.1. Burgueses
Os burgueses eram um setor pouco heterogêneo, havendo os pequenos
burgueses, responsáveis por vendas ou eram artesãos. Também existia uma
“camada média”, constituída por profissionais responsáveis por comércios maiores,
advogados, médicos, servidores recrutados para a administração pública (sem
privilégios como os da nobreza), entre outros. Por fim, a alta burguesia era
composta por grandes banqueiros e comerciantes que possuíam negócios com o
exterior, desta forma, detendo grande poder econômico e político (NETO,
TASIFANO, 2007).
4.3.2. Camponeses
Os membros do campesinato totalizam cerca de 20 milhões de pessoas e
trabalhavam na produção de alimentos e matérias-primas para abastecer os
diversos setores da sociedade. Pagavam altos impostos para os senhores, aqueles
que detinham a propriedade na qual trabalhavam. Era destes membros que o
grande conjunto de membros da nobreza provincial, entre outros, cobravam os
impostos (NETO, TASIFANO, 2007).
4.3.3. Sans-culottes
Os sans-culottes (do francês, sem culotes4, tradução livre) eram
trabalhadores das cidades sem profissão definida, constituíam um grande grupo de
pobres marginalizados (NETO, TASIFANO, 2007).
5.
Regras de Procedimento
Os representantes da Reunião da Assembleia dos Estados Gerais estarão em
reunião na presença do Rei da França, Vossa Majestade Luís XVI, ao lado de seu
Primeiro Ministro das Finanças, Jacques Necker, que presidirão as sessões desta
Assembleia alternadamente. Ao início de cada sessão, os Estados disporão de uma
sessão fechada para cada um, onde poderão deliberar individualmente e traçar
suas estratégias. Durante a plenária da Assembleia, os estados disporão de uma
lista de oradores que será automaticamente aberta pelos ministrantes das sessões
4
Culotes eram uma espécie de vestimenta, calções justos, era uma peça típica da nobreza da época.
em seu início. Além disso, os instrumentos que poderão alterar a dinâmica do
debate serão explicados a seguir. Os instrumentos deverão ser propostos pelos
representantes e estão sujeitos a sanção por parte dos moderadores. Além disso,
demais regras ou mecanismos estão sujeitos à imposição pelos moderadores.
5.1.
Ao
requerer
Requerimento para debate em alternância
esta
modalidade
de
dinâmica,
o
representante
deverá
apresentar proposta de tempo total da dinâmica, tempo individual de cada discurso
e uma razão plausível para que seja passada à deliberação da mesa. O moderador
pode decretar automaticamente este requerimento, negá-lo, ou consultar os
representantes por meio de votação. Nesta dinâmica, serão reconhecidos os
membros dos três estados alternadamente, ou seja, o moderador reconhecerá um
número determinado de discursos por estado e cada estado será reconhecido
alternadamente (primeiramente, o Clero, seguido da Nobreza e, por fim, o Terceiro
Estado). Na vez de cada estado, o moderador requererá àqueles representantes
que queiram se pronunciar para que se manifestem e escolherá dentre estes. Ao
fim do tempo determinado, o debate retomará seu fluxo normal, que é a lista de
oradores padrão.
5.2.
Requerimento para Debate Livre
Nesta dinâmica, o representante requerente deverá apresentar uma razão e
tempo total para tal, não podendo exceder o limite de 30 minutos por
requerimento. Durante esta modalidade de debate, os representantes de todos os
estados estarão livres para debater sem interferência do moderador, porém,
mantendo a devida ordem, disciplina e decoro. Esta dinâmica está sujeita a ser
encerrada pelo moderador antes de sua vigência caso o devido decoro e disciplina
não sejam mantidos.
6.
Anexo II: Documentos úteis
Declaração
dos
direitos
do
homem
e
do
cidadão:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=180.
7.
Bibliografia
HOBSBAWM, Eric J; A Era Das Revoluções, Europa 1789-1848; tradução de
Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel, Rio de janeiro, Paz e Terra, 1977.
Original em inglês: The age of Revolution. Europe 1789-1848.
NETO, J. TASIFANO, C; História Geral e do Brasil. 2007. Ed. Harbra
BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicolas; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário
de política. 2010.
SABOUL, Albert, A Revolução Francesa; tradução de Rolando Roque Silva ,
9 edição – Rio de Janeiro: DIFEL, 2007. Original em Francês: La révolution
française.
Download

Assembleia dos Estados Gerais