A NOVA REGULAMENTAÇÃO DO MICROSSEGURO
Voltaire Marensi
Existe um projeto de lei, que está em fase final de tramitação na
Câmara dos Deputados, que "dispõe sobre a criação das sociedades
seguradoras especializadas em microsseguros".
A nova regulamentação enceta o seu perfil ao definir em seu art. 1º que
as sociedades seguradoras só poderão operar nestes seguros uma vez
constituídas como seguradoras especializadas nesse contrato-tipo, a par de
exigir que o estatuto social dessas entidades coíba a atuação delas em
quaisquer outras modalidades ou ramos de seguro.
Estas novas sociedades que passem a operar com este tipo de seguro,
como sói acontecer, serão fiscalizadas pela SUSEP, assim como caberá ao
CNSP autorizar as Companhias que desejam atuar neste segmento do
mercado de estabelecer regras quanto à constituição, capital social, reservas
e provisões técnicas, bem como margem de solvência e outros requisitos a
critério exclusivo do órgão regulador. Da mesma sorte, as aplicações dos
ativos garantidores das provisões técnicas obedecerão às normas expedidas
pelo Conselho Monetário Nacional - CMN.
Ademais, a natureza jurídica dessas entidades poderá ser regida sob a
forma de mútuas e sob a forma de cooperativas, de acordo com as regras
plasmadas pelo Conselho Nacional de Seguros.
Como é de sabença da cultura jurídica nacional, o saudoso jurisperito
Ovídio A. Baptista da Silva traçava com perfeição definições de institutos
jurídicos que guardavam similitude em suas raízes, mas que empós uma
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análise mais acurada levava um toque singular, que só o grande estudioso
poderia distingui-las.
Dessarte, tratando do tema das mútuas e das cooperativas, ensina:
"Ambas
têm
em
comum
um
elemento
de
extraordinária
importância
econômica e jurídica que as aproxima, sem dúvida, que é a estrutura
associativa da organização de mútua colaboração entre sócios. Mas, em
verdade, não se está em presença de uma ordinária organização societária.
Tanto a cooperativa quanto as mútuas são mais do que simples empresas:
são uma comunidade social. Nelas, ao contrário do que acontece nas
sociedades comerciais, não há uma completa separação entre os patrimônios
de cada sócio e o patrimônio da sociedade cooperativa. A doutrina, e a
própria
declaram
legislação
que
brasileira,
ela
não
ao
passa
conceituar
de
a
sociedade
prolongamento
do
cooperativa,
estabelecimento
cooperado. O contrato de seguro mútuo contém a mesma virtualidade." (In: O
seguro e as sociedades cooperativas: relações jurídicas comunitárias. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 52-53)
Em verdade, o seguro privado tem como base o princípio do
mutualismo e o princípio da repartição dos riscos que são estruturados em
cálculos atuariais fundados na lei dos grandes números, vale dizer, na
ciência atuarial que calcula os riscos e projeta o prêmio em sintonia com a
pulverização destes dois itens em foco.
Já em 1905, Umberto Pipia, professor da Universidade de Milano, ao
cuidar do contrato de seguro, doutrinava com extrema maestria, verbis:
"È
colla
perfezione
del
contratto,
colla
sua
esistenza
giuridica
che
praticamente l'assicurazione si opera e svolge; è dal momento che il contratto
entra in vigore che il rischio dal patrimonio dell'assicurato trapassa a quello
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dell'assicuratore è dal contratto che si rilevano tutti i patti accessori, le
condizioni e clausole che, pure di ordine non essenziale ma secondario,
esercitano tuttavia notevole influenza giuridica ed econômica sull'equilibrio
dell'istituito rapporto consensuale." (In: Trattato delle assicurazioni terrestri.
Roma: Società Editrice Laziale, 1905. p. 293)
Outrossim, para os efeitos deste contrato de microsseguro, os planos
comercializados não poderão ultrapassar prêmios mensais acima da quantia
de R$ 40,00 (quarenta reais), diz um dos artigos deste projeto de lei.
Aplicar-se-á, de acordo com a nova regulamentação deste novel tipo
securitário, ordinariamente, as regras do Decreto-Lei nº 73/66, enquanto o
Conselho Nacional de Seguros Privados editará resolução em um prazo de
até 180 dias a partir da publicação da lei, dispondo sobre a atividade do
corretor, assim como dos requisitos essenciais para a habilitação e seu
registro profissional.
De outro giro, como ressaltei alhures, segundo os economistas, esta
situação passará, obrigatoriamente, pela redução da carga tributária.
De outra banda, em obra de minha autoria, abaixo identificada,
ressaltei que, eles, os economistas, dizem que este é um mercado potencial
de 100 milhões de pessoas com renda da ordem de US$ 170 bilhões.
Pois bem, ótimo.
Neste sentido, seguramente é imperioso um desenvolvimento deste
segmento pela redução da carga tributária. Mas, também, é necessário uma
educação e conscientização de todas as camadas sociais, a fim de que o
seguro seja mais conhecido por todos (referia-me, ao azo, ao seguro
DPVAT).
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Só assim, data venia, se conseguirá um avanço mais significativo em
tão importante segmento de mercado. Para que o seguro cresça, é preciso
investimento. Investir quer dizer abrir mão de lucros estratosféricos que,
hoje, por exemplo, as instituições financeiras têm sem dar nada em
contraprestação.
A ganância do volume de recursos financeiros projetados em balanços
"faraônicos" deixa a população revoltada e, de consequência, mais relegada
ao oblívio no sentido de que o homem deve ser o produto central da atividade
econômica.
Sem este pensamento, a roda da fortuna pode aumentar, mas o povo
também tem o direito de postular os enunciados consagrados na Revolução
Francesa, de igualdade, fraternidade e liberdade (In: MARENSI, Voltaire
Giavarina. O seguro, a vida e sua modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008. p. 121).
Talvez atenta a estes postulados, a seguradora líder dos consórcios do
seguro DPVAT, em comunicado estampado no Correio Braziliense, datado de
17 de março de 2010, redigiu a seguinte mensagem à população, verbis:
"Justamente com a finalidade de ampliar e facilitar o acesso da população a
este importante instrumento de proteção social, foi iniciada uma ampla
campanha de divulgação institucional do seguro DPVAT em todo o país em
novembro de 2009, bem como a ampliação da rede de atendimento através
do projeto parceiro DPVAT iniciado no segundo semestre de 2009.
A seguradora líder DPVAT, responsável pela administração das
operações dos consórcios do seguro DPVAT, dos quais participam 65
seguradoras, tem como compromisso assegurar à população, em todo
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território nacional, o acesso aos benefícios do seguro DPVAT, administrando
com transparência os recursos que lhe são confiados com a utilização de
modernos métodos de gestão, além de apoiar ações que contribuam para a
redução dos acidentes de trânsito." (Vide Caderno Economia)
Tanto isto é verdadeiro, que na fundamentação deste projeto de lei de
autoria do Deputado Federal Adilson Soares, do PR/RJ, o sobredito
parlamentar afirma que "pelo menos 100 (cem) milhões de pessoas estão
fora do mercado de seguro no Brasil, o que é algo inaceitável". E arremata:
"Na Índia e na França, p. ex., o microsseguro é um verdadeiro sucesso e
atinge milhões de pessoas, sendo naqueles países um instrumento de
inclusão social e expansão da economia" (In: Fundamentação do PL, abr.
2008).
Aliás, o Código de Seguros francês, neste particular, enfatiza:
"Art. L 121-6. Toute personne ayant intérêt à la conservation d'une chose
peut la faire assurer. Tout intérêt direct ou indirect à la non-réalisation d'un
risqué peut faire l'objet d'une assurance."
Em comentários a este dispositivo legal, Bernard Beignier e JeanMichel ressaltam "que a relação jurídica entre a pessoa e o elemento
patrimonial não caracteriza o interesse primordial do seguro", o que vale
dizer que pequenos seguros encontram cobertura na legislação francesa
(vide, notadamente, V. J. Kullmann in Lamy Assurances 2006, n. 33. Apud
Code des Assurances, LexisNexis, Litec, 2008. p. 152).
A hora chega, e com ela seus benefícios atrelados à obrigação de um
melhor aprimoramento de nossas instituições!
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