TRIBUNAIS DE RUA
Antônio Álvares da Silva - Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
Em São Paulo, no Guarujá, uma mulher foi linchada sob a alegação de ser
sequestradora de crianças. Afirma que a discussão popular sobre os dois fatos se
limitou à culpabilidade do primeiro (ser bandido) e do segundo (ser inocente). Não se
considerou, entretanto, o absurdo de ambos, independentemente da culpa: a prática
da justiça pelas próprias mãos.
O articulista tem razão, mas é preciso ir além do ponto onde ele parou. O julgamento
por terceiro isento, indicado pelo Estado para resolver conflitos, é uma das maiores
conquistas do mundo moderno. A justiça de mão própria é violenta, leva a erros, não
concede o direito de defesa e é sempre parcial. Portanto não é justiça, mas um ato
unilateral e bárbaro praticado sob o fundamento de punir um erro do qual se tem
apenas conhecimento imperfeito.
Mas agora vem a pergunta: por que o povo se utiliza de método tão bárbaro e
primitivo? A resposta é conhecida: o Judiciário não funciona, os criminosos, na maioria
das vezes, nem sequer são presos e, quando são, ganham liberdade com medidas
processuais.
Ver um criminoso andando impunemente na rua ou no bairro onde cometeu crime
indigna a sociedade e a autoridade que o prendeu, despertando ódio e revolta nas
pessoas. O sentido de injustiça ou de justiça não feita sempre revoltou a sociedade de
todos os tempos. Se o Estado não age, o povo reage e assim se cometem dois erros: a
omissão do Estado e a violência popular.
Nada justifica a justiça de mãos própria, mas também nada pode justificar a omissão
do Estado em exercer uma de suas funções principais: punir criminosos e aplicar penas
aos que desrespeitam as leis.
Ver o problema apenas por um lado não mostra sua real extensão e seu significado.
Tão odiosa como a justiça não praticada pelo Estado, é a justiça exercida diretamente
pelo povo. Uma é a consequência da outra. É preciso que o Estado aja, tenha eficiência
na prestação da Justiça, aplique pena aos desrespeitadores da lei. Se não há esta
prestação de serviço público, o povo assume a “justiça” que o Estado prometeu e não
cumpriu. E então se veem atos como o linchamento de um inocente e o de amarrar em
postes públicos quem comete crime.
Este dois fatos são uma advertência pública ao Judiciário que tem a obrigação de se
organizar para praticar justiça: preparar a máquina, diminuir recursos, valorizar o juiz
de primeiro grau e agir prontamente em resposta à violação da lei.
Se assim não for, teremos dois crimes: a omissão do Estado e o linchamento pelo povo.
Ambos indignos da civilização moderna e das conquistas sociais que com muito custo
conseguimos obter.
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