Paulo Veras, Amavida | www.amavida.info |
AS LÁGRIMAS DO SENADOR
Vestindo seu terno novo feito sob medida para a ocasião, diante do espelho do seu riquíssimo
closet, o velho senador ensaiava o melhor sorriso com que receberia os netos vindos da Suíça,
para as esperadas férias do fim de ano. Da sua mansão, cercada por altos muros, seguiu para o
shopping e ordenou que o motorista estacionasse. Foi, em pessoa, comprar o maior urso de
pelúcia da loja para a neta Clarissa e uma colorida prancha de surfe para o seu querido
herdeiro, que tinha também o seu nome, Alfonsus Craveiro de Almada Neto. Escreveu para
cada um sua mensagem de boas-vindas à terra natal. Assinou, carinhosamente. Refletiu-se
feliz na vitrine da loja. Seguiu em frente.
No aeroporto, dirigiu-se para a sala VIP. Lá encontrou os amigos Nogueira Mendes e Lourival
Soterno. Felicitou o primeiro pela recente ascensão ao Colégio de Desembargadores;
cumprimentando o segundo pela aposentadoria da Superintendência de Obras
Aeroportuárias.
- Agora, felizmente, os caros amigos juntam-se a mim no fatigante mister da ociosidade
remunerada, comentou o Senador Craveiro.
- Regiamente remunerada, completou Lourival.
- Sei não..., retrucou o Juiz, parece que ainda terei alguns processos complicados a relatar
como Desembargador.
- Por enquanto, propôs o Senador, façamos um brinde para comemorar o sucesso das nossas
carreiras.
O garçom serviu o uísque, enquanto os três velhos camaradas folgavam, descontraidamente, a
feliz casualidade daquele encontro. - Ao nosso sucesso! - Ao nosso sucesso!
- Vim buscar meu filho mais velho, o Mendes Júnior, que acaba de concluir o seu Doutorado
em Direito Internacional, defendendo uma belíssima tese na secular Salamanca.
- E tu, Lourival? Indaga o Senador.
- Está chegando aí minha filha mais nova com seu segundo marido, um Suíço; vêm com o meu
primeiro netinho. Chama-se Edwin Soterno Jung, vou conhecer agora, tem apenas cinco
meses. Achei loucura viajarem com um bebê tão pequeno, mas, fazer o quê, a Lucíola não via a
hora de pegar um bronze.
- Eu vim receber minha filha e meus dois netos. Todo ano eles vêm aliviar a minha solidão.
Quando voltam é aquela tristeza! Suspirou o velho político.
Após erguerem o segundo brinde, o Senador sussurrou - Se estas paredes falassem, hem,
Lourival? Suei muito para conseguir aquelas Emendas.
- Cada tijolo, um milhão! A pista de pouso ficou um pouco curta, mas valeu a expansão das
nossas reservas bancárias lá fora, concluiu o burocrata.
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- É, ponderou o Juiz, mas eu continuo achando que o meu risco, salvando vocês daquele
rumoroso processo, foi maior que os míseros dólares recebidos em troca.
- Qual nada, concilia o Senador, todos nos demos foi muito bem. A prova é que estamos os três
hoje aqui, sãos e salvos, ricos, respeitados, famílias bem encaminhadas... Fizemos o que todos
fazem, só que soubemos fazer.
O microfone do aeroporto anuncia a chegada do vôo internacional. Os velhos companheiros
terminam suas doses de uísque e, enquanto seguem para a plataforma de espera... Ouve-se um
tenebroso estrondo.
Segue-se um pandemônio total. Correria. Gritos. Fumaça. Sirenes...
O avião chegara ao fim da pista, houve tentativa de arremeter, mas espatifou-se no solo. Fim
da tragédia. Todos os passageiros e tripulantes da aeronave mortos.
Na mansão do Senador, agora, o relógio de parede, com doze solenes badaladas, anunciava o
fim daquele fatídico dia. O ancião Alfonsus Craveiro de Almada sentado à cabeceira tem, ao
lado direito da sua imensa mesa de jantar, uma prancha de surfe; à esquerda, um grande urso
de pelúcia; no outro extremo, um grande buquê de rosas do campo. A governanta taciturna
serve o seu vinho do Porto costumeiro, deixando-o só com os seus sentimentos e a sua
solidão. A pequena taça aderna, tingindo de rubro a toalha, antes impecavelmente branca.
Correm pela face do experimentado homem público duas lágrimas grossas, arroxeadas.
Chegam lentas ao canto da boca. Uma tem gosto de sal e terra, outra de sangue podre com fel.
A primeira, ele associa à dor de uma saudade eterna, que não poderia suportar. A segunda
lembrou-lhe, sabe Deus, pela primeira vez na vida, o gosto amargo da corrupção. Como
estarão meus colegas, agora? Pensava cabisbaixo, retirando-se para morrer no silêncio do seu
closet.
Em 19 de julho de 2007
PAULO Fernando Torres VERAS
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