Helena Maria Melo Dias Desamparo e Conversão : Questões da Clínica da Histeria Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação do Prof. Dr. Manoel Tosta Berlinck. PUC/SP São Paulo / 2001 Helena Maria Melo Dias Desamparo e conversão : questões da clínica da histeria Mestrado Interinstitucional em Psicologia Clínica PUC-SP/ UFPA/UEPA PUC/SP São Paulo / 2001 À Comissão Julgadora, ______________________________ ______________________________ ______________________________ Agradecimentos Primeiramente, meus especiais agradecimentos ao Professor Dr. Manoel Tosta Berlinck, grande investigador da psicopatologia humana, por seus ensinamentos e orientações que foram essenciais, não só, na realização desta dissertação, mas, principalmente, porque me ajudaram a ultrapassar certos obstáculos pessoais e a manter-me no caminho. Agradeço-lhe, particularmente, pela oportunidade que proporcionou ao permitir-me participar do eminente Laboratório de Psicopatologia Fundamental – PUC-SP, sob sua direção, no qual pude compreender o que significa pesquisar no campo da psicanálise e da psicopatologia fundamental. Agradeço ao meu pai, João Amaral, pelo apoio e colaboração, sem os quais seria muito difícil realizar esse sonho, e a minha mãe, Clarice, (in memorian) que me ensinou o quanto é importante sonhar e lutar pela realização de nossos sonhos. Aos meus filhos, Luana e Raoni, pelo amor que nos une. E, ao meu querido neto, Pedro, pela sua contagiante vivacidade. A amiga de longos tempos, Professora Dra. Ana Cleide Guedes Moreira que sempre iluminou meus caminhos com sua presença fortalecedora. A Cassandra pela cumplicidade que mantivemos na sustentação do nosso projeto de vida chamado mestrado. Agradeço, em especial, a Dra. Joyce Mc Dougall, pela generosa acolhida na supervisão clínica. Sua sabedoria fez-me pensar que o essencial, no campo clínico, é imanente do desejo de vida. Ao Dr. Isaias Melshons pelos ensinamentos da clínica psicanalítica. Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos aos pesquisadores do Laboratório de Psicopatologia Fundamental pela acolhida calorosa durante o estágio na PUC-SP, e também, porque me fizeram compreender, que a produção do conhecimento é uma construção coletiva e ao mesmo tempo singular. Agradeço, particularmente, aos colegas: Isabel Kahn Marin, Daniel Delouya, Paulo Roberto Ceccarelli, Regina M. Guisard Gromann, pelo incentivo. Ao Professor Dr. Reinier Rozestraten, minha gratidão, pelo apoio e colaboração a este projeto acadêmico. Agradeço à CAPES, PUC-SP, UFPA e UEPA que, com seu apoio, permitiram a realização deste mestrado. Resumo O objetivo desta dissertação foi realizar um estudo teórico-clínico da neurose histeria de conversão, o qual ilustro com o caso clínico de um garoto, aqui chamado Breno, que aos treze anos de idade sofria grave histeria. Busquei, então, fundamentada nos estudos de Freud e da Psicopatologia Fundamental, a construção de um logos que representasse, com justeza, o vivido dessa clínica. Desse modo, dois problemas evidenciaram-se: um, relacionado à formação do sintoma de conversão, que culminou com a questão sobre a natureza do processo de conversão, e outro, relacionado à questão do desamparo. Breno expressava, com muita freqüência, um sentimento profundo de desamparo frente ao sintoma de conversão, que o impedia de caminhar sozinho, sem o amparo de um outro. Assim, esta investigação permitiu-me compreender que o processo de conversão é constitutivo do corpo erógeno, que na psicopatologia histérica, torna-se uma defesa contra a angústia do desamparo frente à perda do amor do objeto. Abstract The objective of this dissertation was to do a theoretical study of the Hysterical Neurosis of Conversion Hysteria, which I illustrate with a clinical case of a boy I will call Breno, that suffers serious hysteria at the age of thirteen. Based on the studies of Freud and of Fundamental Psychopathology, I looked for the construction of a Logos that would represent, with justness, the experience of that clinic. That way, two problems were evidenced: one related to the formation of the symptom of conversion, that culminated with the question on the nature of the process of conversion and the other, related to the question of abandonment. Breno frequently expressed feelings of abandonment facing the symptom of conversion that impeded his walking alone, without the help of another person. Thus, this investigation permitted me to understand that the process of conversion is constitutive of the erogenous body, that in psychopathology, hysteria becomes a defense against the anguish of abandonment in facing the loss of the love of the object . Sumário Introdução .................................................................................................. 9 Capítulo I Fragmentos do caso clínico Breno .............................................................16 Capítulo II Teorias da histeria de conversão ................................................................. 20 A histeria como doença ............................................................................... 21 O corpo falante de Elisabeth......................................................................... 29 A oralidade de Dora...................................................................................... 53 Histeria: um intenso desejo sexual ............................................................... 66 Capítulo III Um estudo teórico-clínico da psicopatologia de Breno ............................... 69 Adolescere: uma dificuldade em fazer amor consigo mesmo ......................69 O furo no pé e a angústia de castração ........................................................ 72 Fenômeno transgeracional: a marca do outro ........................................... 85 Conversão: a constituição de um corpo erógeno ....................................... 89 Questões da clínica da histeria: desamparo e conversão ............................ 91 Considerações finais ................................................................................. 97 Referências Bibliográficas ....................................................................... 106 INTRODUÇÃO A origem desta produção segue a tradição psicanalítica de que ―a pesquisa em psicanálise faz parte da atividade clínica do psicanalista, ou melhor, que a clínica psicanalítica é, também, uma intensa atividade de pesquisa em que se engajam paciente e psicanalista‖1. Nesse campo, o que se vislumbra é o inconsciente, e mais precisamente, como a dinâmica psíquica do paciente revela-se na transferência, para que juntos, os dois, paciente e psicanalista, possam compreender a singularidade do sofrimento, pois é a compreensão interna desse sofrimento – insigth – que cria a possibilidade de cura. Ainda, como bem lembra Manoel Berlinck no seu texto, Considerações sobre a elaboração de um projeto de pesquisa em Psicanálise: ―essa atividade de pesquisa não termina quando o psicanalista encerra suas atividades clínicas cotidianas. Ela faz parte, também, da própria formação do psicanalista que, ..., se apóia em sua análise pessoal, em sua atividade de supervisão e nos estudos que empreende‖2. Dessa forma, seguindo essa trilha, a problemática deste estudo emerge a partir de questões que foram sendo levantadas do caso clínico de um garoto, aqui denominado Breno3, que na época do atendimento tinha treze anos de idade. 1 Berlinck, Manoel Tosta. Considerações sobre um projeto de pesquisa em psicanálise. In Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Editora Escuta, 2000, 313. 2 Idem 3 Os nomes citados, no caso clínico Breno, são todos fictícios. Contratransferencialmente, o sofrimento de Breno afetou-me, conduzindo-me a uma busca de maior compreensão da singularidade desse caso, particularmente, da psicopatologia da histeria de conversão e, especificamente, sobre o fenômeno da conversão. Este atendimento durou aproximadamente três meses, tendo sido interrompido por decisão de sua mãe. Embora breve, foi bastante significativo e exemplar, no sentido de pôr em evidência princípios, conceitos e muitas questões relativas à histeria de conversão. Os sintomas de Breno revelam, na contemporaneidade, a clássica histeria de conversão: contraturas intensas, gagueira, grande resistência à medicação interna, um medo muito intenso do outro a quem está subjugado, dentre outros. A presença desses sintomas é interessante, pois surge num momento em que ―a medicina contemporânea, especialmente a psiquiatria que se deixou influenciar pelo CID-10 [Código Internacional de Doenças] e pelo DSM [Manual de Diagnóstico e de Estatística da Associação Psiquiatra Americana] – manuais que servem aos interesses das companhias de seguro norte-americanas – resolveu abolir a histeria de suas clínicas.‖4 As conseqüências desta negação são muito graves para ―os histéricos e histéricas que habitam os hospitais de clínicas com novos nomes – pseudo-epilepsia, desordens somatoformes, desordens de angústias ou ansiedade – e são, muitas vezes, submetidos a cirurgias absolutamente desnecessárias‖5. Esta relutância da área médica em dar reconhecimento à psicopatologia histérica não é atual, Freud já a havia constatado desde os seus 4 5 Berlinck, Manoel Tosta (org.). Histeria . São Paulo: Editora Escuta, 1997, p.7 Idem estudos iniciais sobre a etiologia dos sintomas histéricos, e no artigo Fragmento da análise de um caso de histeria,1905, ele advertia sobre ―as severas exigências que a histeria faz ao médico e ao investigador‖ que ―só podem ser satisfeitas pelo mais dedicado aprofundamento, e não por uma atitude de superioridade e desprezo.‖6 Quer dizer, o que ele ressalta aqui, é que ―os histéricos solicitam uma medicina personalizada e cuidadosa‖, como diz Manoel Berlinck, ―onde o médico não toma a palavra do doente naquilo que ela diz superficialmente, mas se dispõe a interpretá-la a partir do que a fala provoca nele, médico: sensações, imagens, pensamentos.‖7 Nessa perspectiva, a clínica da histeria requer a elaboração de um estudo psicopatológico daquilo que é vivenciado no processo terapêutico. Assim, a clínica do Breno me conduziu à investigação dos processos de formação do seu sintoma de conversão: que processo é este, qual a sua natureza? Ele indagava-se sobre seu sintoma porque este, às vezes, deixava-o muito perdido, muito confuso, dizia: ―aí eu perco a minha noção, todo apoio. Como é que faço isso ou aquilo?‖ Ele não conseguia ficar em pé, nem caminhar, sozinho, pois estava com seus membros braços e pernas inervados. Seus braços estavam rigidamente afastados do corpo e suas mãos, abertas, tipo gancho. Queria entender da impotência a qual condenou partes de seu corpo, particularmente seus genitais. Então, por que este sintoma irrompeu dessa forma e neste momento de sua vida, aos treze anos de idade? Período de vida demarcado por profundas transformações corporais que propulsionam uma efervescência nas pulsões sexuais, remetendo o sujeito à sua sexualidade 6 Freud, S. Fragmento da análise de um caso de histeria (1905). ESB. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1987, 23. (Todas as citações da obra de Freud foram retiradas da Edição Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1987) 7 Berlinck, Manoel T. (org.) Histeria. Editora Escuta: 1997, p.6 genital. Mas Breno, frente a sua genitalidade paralisa; o que ele desejava paralisar? Assim, no capítulo II, apresento alguns fragmentos do caso Breno, a partir dos quais elaboro um estudo teórico-clínico de sua psicopatologia, da qual tratarei no capítulo IV desta dissertação. Para tanto, um percurso de elaboração foi realizado na obra freudiana sobre a teoria da histeria de conversão, no referente às suas primeiras formulações e hipóteses sobre a etiologia da histeria, bem como, no que diz respeito aos fundamentos posteriores à descoberta da sexualidade infantil e do reconhecimento da persistência dos movimentos pulsionais inconscientes. Este tópico, concentra-se na explicitação das operações psíquicas implicadas formação do sintoma de conversão. Acompanhei o estudo freudiano da histeria de conversão, focalizando, particularmente, três artigos: Estudos sobre Histeria,1895; Fragmento da análise de um caso de histeria, 1905 e os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905. Nos Estudos encontra-se a primeira teoria etiológica da histeria, e através do caso Elisabeth, especialmente, busquei investigar sua fundamentação; nos artigos posteriores: Caso Dora e Três ensaios, sua nova concepção da histeria é apresentada, assinalando o sexual e o infantil como constitutivos do sintoma histérico. Destaco, neste trabalho, sua formulação sobre os fatores determinantes na formação do sintoma de conversão. Em relação aos primeiros escritos de Freud, acrescento os importantes comentários de Monique Schneider, do seu livro Afeto e Linguagem nos primeiros escritos de Freud, pois penso que ela faz uma leitura muito esclarecedora destes escritos. Quando Freud trata, nos casos: Elisabeth e Dora, sobre a formação dos sintomas, ele destaca que a conversão forma uma trilha que irá consolidar-se no sintoma. No primeiro caso, a paciente forneceu a explicação quanto ao surgimento de uma zona histerogênica atípica, como era denominada nesta época, assim, seu sintoma de conversão – dores na perna, havia-se formado quando cuidava do seu querido pai que estava muito doente. ―A região da perna direita foi marcada por esse contato e ficou sendo, a partir daí, o foco de suas dores e o ponto de onde elas se irradiavam.‖8 Em Dora, ele demonstrou como os processos de formação dos sintomas obedeciam aos mesmos princípios e mecanismos que regiam a formação dos sonhos, considerando que o processo de conversão instaurava-se a partir das vivências sexuais infantis. Por exemplo, o sintoma de dores estomacais de Dora estava relacionado com suas fantasias sexuais infantis, que suscitavam sentimentos de asco e repugnância. Nos Três Ensaios, quando teoriza sobre a constituição de uma zona erógena, ele reconhece que todo corpo, todo órgão, possuía uma propriedade erógena. Observou, que o sintoma de conversão implicava num excesso de erogenização de um determinado órgão, o qual assumia as características dos órgãos genitais. Assim, ele vai asseverar que as psiconeuroses ―se baseiam em forças pulsionais de cunho sexual‖ que foram recalcadas, e argumenta ―que essa contribuição é única fonte energética constante da neurose e a mais importante de todas.‖9 Este ponto de vista se 8 9 Freud, S. Estudos sobre a Histeria (1895), 184. _________ Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), 153 se mantém até o final de sua obra, e Freud vai problematizando, cada vez mais, esta fundamentação. Com a elaboração da segunda tópica e a formulação do complexo de Édipo e do complexo de castração, ele ampliou sua compreensão do quadro clínico desta neurose, revelando que o sintoma é um mecanismo de defesa do ego para proteger-se do perigo angustiante do conflito pulsional. Esta construção teórica será tratada no caso clínico Breno, no capítulo IV. Neste capítulo, apresento um estudo teórico-clínico da psicopatologia de Breno, esclarecendo que esta análise está fundamentada na metapsicologia da psicanálise e na psicopatologia fundamental, que permitem transformar o vivido da clínica em uma experiência enriquecedora. Portanto, na elaboração desta dissertação não houve uma preocupação maior com um estudo conceptual, os conceitos foram sendo trabalhados a partir do caso clínico para dar conta de sua psicopatologia. Este estudo permitiu-me formular a hipótese de que Breno estava vivenciando uma profunda angústia de castração; ele sentia-se atacado não só na sua imagem física, como também, na sua imagem viril, e como não tinha palavras para nomear seus desejos libidinais, estava sempre invadido pelo medo e pela cólera contra os objetos internos que impunham essa castração. No seu sintoma, essa angústia compareceu impedindo que tocasse seu próprio corpo, revelando, desse modo, uma grande dificuldade de fazer amor consigo mesmo. Mas, por que esse amor causava-lhe tanta angústia? Nessa clínica, revelou-se, também, um profundo sentimento de desamparo. Breno falava com muita freqüência: ―quero ser normal, quero jogar bola, andar de bicicleta‖, mas não sabia como fazer para obter essa conquista de espaço e movimento corporal, pois estava aprisionado no sintoma que o imobilizava e, em relação ao qual sentia-se desamparado. Dessa forma, nesta dissertação, problematizo a formação do sintoma de Breno, supondo que o afeto de desamparo atua como um fator determinante na constituição de sua conversão. Desamparo frente a poderosa força pulsional sexual inconsciente, que dirige os anseios do sujeito em relação ao outro, bem como, desamparo frente a violência vinda do objeto, do seu inconsciente, e como fazer face a ela. Parece que esse investimento objetal retorna para o próprio sujeito trazendo consigo a marca do objeto, que se cristaliza no sintoma. Assim, penso que a conversão de Breno permite trabalhar essa articulação entre desamparo e conversão, que será problematizada no capítulo IV desta dissertação. Assim, nas considerações finais, capítulo V, formulo conclusivamente que a conversão é constitutiva do corpo humano e este processo revela que: ―O psiquismo, o aparelho psíquico é um prolongamento do sistema imunológico. Ele se constitui graças a violência originária e é uma resposta defensiva do organismo a ela. Pathos é sempre somático, ocorre no corpo; e a psique é, na tradição socrática, estritamente corporal não havendo, nunca, solução de continuidade entre essas duas instâncias.‖10 Na histeria de conversão, este processo especialmente construído em função do desamparo. 10 Berlinck, Manoel. Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Editora Escuta, 2000, 23. defensivo, é Capítulo I Fragmentos do caso clínico Breno Apresento, neste capítulo, alguns fragmentos do caso Breno, a partir dos quais realizei o estudo teórico-clínico da sua psicopatologia. Como foi esclarecido, no capítulo introdutório deste projeto, este atendimento clínico manteve-se durante um período extremamente curto, três meses, pois foi interrompido por decisão da sua mãe. Este limite temporal impossibilitou a realização de uma análise mais profunda do conteúdo deste caso; todavia, creio que, embora breve, foi significativo e exemplar no sentido de pôr em evidência princípios, conceitos e muitas questões relativas a histeria de conversão. Ele apresentou a clássica histeria de conversão. Foi tratado com medicamentos neurolépticos, submetido a exercícios de reeducação motora, com barras de ferro, para correção da sua postura. Consultou vários especialistas: neurologista, psiquiatra, fisioterapeuta e professor de reeducação motora, sem obter nenhuma melhora. É importante observar que, em 1888, no seu artigo Histeria, Freud já apontava como uma característica importante do sintoma histérico ―o fato de que um sistema nervoso histérico oferece, em regra geral, uma grande resistência à influência química por meio de medicação.‖11 Breno resistia, tanto à medicação quanto às barras de ferro, e seu professor de reeducação motora, intrigado com o seu sintoma, o encaminhou para avaliação psicológica. 11 Freud, S. Histeria (1888) p. 94. Breno tinha treze anos de idade, quando procurou-me para consulta, acompanhado de sua mãe, porque há dois meses havia furado o pé, e este furo desencadeou uma grave histeria. Apresentava uma conversão que deformava toda estética do seu corpo: a musculatura de seus membros, tanto superiores como inferiores, estavam totalmente inervadas, bem como, a musculatura do seu pescoço. Ele compareceu, pela primeira vez, em meu consultório, com o braço direito apoiado no ombro de sua mãe ele não só estava apoiado, mas sim, totalmente pendurado em seu pescoço, e ela também segurava-lhe pela cintura, demonstrando-se bastante incomodada com o peso do seu filho. Ele caminhava com extrema dificuldade, quase se arrastando, pois suas pernas estavam enrijecidas e arqueadas. Seu braço esquerdo estava curvado e rigidamente afastado do corpo, e com as mãos abertas, em forma de gancho. O pescoço curvado o impedia de olhar de frente o mundo. Sua expressão facial era a de alguém muito tenso. Esta cena causou-me profundo estranhamento! Durante a conversa com sua mãe, que estava muito angustiada, observei, que Breno se mantinha com o olhar fixo em direção à sua genitália, e parecia estar ausente dali. A sós, ele contou-me, de forma nítida e compassada, que tudo começou durante as férias escolares de julho, quando brincava com seu colega no saguão da casa, onde veraneava, e furou o pé. Falou: ―estava eu e meu colega brincando, quando furei o pé no vidro. Aí comecei a ficar com a mão assim, tipo gancho, aí foi piorando, as pernas ficaram duras e os braços também, até que não consegui andar mais sozinho‖. Falou ainda, que sentia muita raiva, por estar assim, principalmente porque o apelidavam de robô, também, sentia raiva e tristeza, quando brigava com as pessoas sem ter motivo. Coloquei-lhe: acho que estás passando por um momento muito difícil. Imediatamente, levantou a cabeça e disse: sim. Logo após, abaixou a cabeça, dizendo: é, hoje, eu estava em sala de aula e comecei a chorar. Indaguei-lhe: e por que tu choravas? Respondeu: não sei. Na sessão seguinte, observei que sua conversão, havia sofrido algumas modificações: ele estava com os braços e as mãos balançando muito, e o ombro não tão arriado. A impressão que tive, era de um corpo pesado, não mais robotizado. Breno contou: ―hoje, na escola me deu uma vontade tão grande de quebrar tudo.‖ Indaguei? Deixar tudo quebrado, por quê? ―Porque sinto raiva de estar assim. Aí comecei a chorar - fez silêncio e exclamou - é tudo emocional!‖ Perguntei: o que é emocional, pra ti? ―Isso que eu tenho. A orientadora me levou pra sala da diretora, e ela perguntou se eu tinha condições de fazer prova, disse que sim. Fui fazer a prova, a professora leu pra mim, porque não dava pra mim escrever. Fiz a prova, tirei oito e meio. A professora falou: como uma pessoa que tira essa nota, pode não ter capacidade?‖ Em seguida, ele falou a respeito dos seus jogos de vídeo game, referindo-se a um personagem: ―ele é um soldado, tem que passar por várias etapas pra chegar no chefão (...) Tem que passar por vários robôs, mas ele tem armadura (...) No jogo, eu sou forte, sou o homem aranha. Já subi muitas paredes, árvores, muros. Ontem, eu subi em cima de casa, fiquei lá. Eu quero que elas vejam que eu sou forte.‖ Perguntei: elas quem? Disse: ―todas. Todas não, uma ou duas.‖ Ainda, nesta sessão, Breno fez alguns desenhos, dentre eles destaquei o desenho do Batman, sobre o qual falou: ―esse é o Batman, tá vigiando a cidade perigosa, tem muita ganância, assassinato a queima roupa. Ele é um herói, é misterioso, tem uma identidade secreta‖. Pensei, e qual seria a sua identidade secreta? Estes fragmentos das sessões iniciais, fizeram-me formular a hipótese diagnóstica de grave histeria de conversão. Mas, qual a sustentação teórica desta hipótese? Esta questão, será trabalhada no capítulo IV desta dissertação. Capítulo II Formulações teóricas de Freud sobre histeria de conversão Neste capítulo, abordo, de forma sucinta, os diferentes pontos de vistas que predominavam no início do estudo da histeria como doença, concentrando-me nas formulações teóricas de Freud: a primeira fundamentada na concepção do acontecimento traumático, como fator etiológico, e a segunda, alicerçada na noção de inconsciente, fantasia e sexualidade infantil. Para tanto, acompanhei suas formulações a partir dos casos clínicos: Elisabeth e Dora, bem como, da teoria da sexualidade infantil, de 1905, concebendo que sua trajetória teórica, desta psicopatologia, culminou com a elaboração do conceito de pulsão, o qual revela a dimensão que o conflito psíquico pode atingir, bem como, revela a complexidade das operações psíquicas envolvidas na formação dos sintomas, como único meio de defesa possível num momento de intenso conflito pulsional. Assim, as ampliações teóricas que sucedem, com os escritos metapsicológicos e com a segunda tópica, baseiam-se nesta premissa maior do conflito pulsional como determinante etiológico desta psicopatologia. Todavia, estas formulações posteriores serão tratadas no capítulo III, dedicado ao estudo do caso clínico. Esta hipótese talvez merecesse um aprofundamento no conceito freudiano de pulsão, todavia, como observei no capítulo introdutório, nesta dissertação não houve uma preocupação maior com um estudo conceptual, os conceitos foram sendo trabalhados para dar conta de dois problemas considerados fundamentais: a formação do sintoma de conversão e o desamparo. Acrescentei, neste estudo, a interpretação que Monique Scheneider fez da primeira teoria freudiana, por considerar que ela esclarece a fundamentação desta produção. Então, neste capítulo, parto do reconhecimento da histeria como doença. A histeria como doença As investigações sobre a histeria datam do século XIX, quando encontra-se toda uma descrição pormenorizada da histeria. Fundamentalmente, estes estudos desenvolveram-se no hospital da Salpêtrière, onde foi criado a primeira cadeira de neurologia, no mundo, sendo, também, o ―palco do nascimento da psiquiatria, com Pinel.‖12 Neste momento, o grande mestre Charcot assume a cadeira da clínica de doenças nervosas. Conforme Etienne Trillat: ―Na época, o traço distintivo que separava as ‗espécies‘, não ocorria entre a epilepsia e a histeria, mas entre alienados e não alienados. Aliás, esse mesmo traço separava os alienistas dos neurologistas.‖13 Assim, Charcot dá o reconhecimento da histeria como doença dos nervos, avançando sua investigação no sentido de caracterizar este quadro clínico, e diferenciá-lo da epilepsia, doença que apresentava sintomas similares aos da histeria. 12 13 Trillat, Etienne. História da Histeria. São Paulo: Editora Escuta, 1991, 138. Idem, 139. Na Enciclopédia Médica Ilustrada Larousse, organizada pelo Dr. Galtier-Boissière, de 1912, há toda uma descrição da histeria: sintomas referentes à pele, às mucosas, às vísceras, à febre histérica, aos distúrbios motores, aos sensórios, aos intelectuais e aos viscerais, e o tratamento usado na época. No comentário que Felipe Lessa da Fonseca tece desse texto, ele diz: ―Podemos notar que embora a ênfase seja dada à descrição dos processos somáticos do paciente, a consideração pelo fator psicológico está presente ao longo do verbete. O desaparecimento abrupto e espontâneo dos sintomas, assim como o papel da simulação e da sugestão, são constantemente apontados pelo autor; no entanto, o detalhamento dos distúrbios em termos motores, sensitivos, intelectuais e viscerais nos dão uma idéia da importância do aspecto neuro-fisiológico nesta abordagem das histerias.‖14 Este campo de pesquisa médica vai se expandir, no sentido de um aprimoramento da técnica de observação, que tem a ―visibilidade como imperativo‖, ou seja, era o olhar clínico do patologista que definia o quadro classificatório anatomoclínicos. das diferentes Assim, Freud enfermidades, aprendeu, na descritos em Salpêtrière, termos com as demonstrações que Charcot fazia com suas pacientes, a identificar algumas das mais importantes características da histeria, dentre estas, a concepção de que: ―A crise [histérica] é eminentemente afetiva: é um drama pessoal que ali é encenado, que se exprime, que se exterioriza e se mostra: esse conteúdo emocional era evidente para Charcot. È esse conteúdo que falta à crise epilética e que o faz dizer que aí: ‗tudo é histérico.‘‖15 14 Fonseca, Felipe Lessa. Larousse Médical Ilustre (1912). In Histeria. São Paulo: Editora Escuta, 1997, 18. 15 Trillar, Etienne. História da histeria. São Paulo: Escuta, 1991, 144 Estes ensinamentos foram fundamentais, todavia, Foucault, no seu livro História da Loucura, assinalou que foi ―Freud, o primeiro a aceitar em sua seriedade a realidade do par médico-doente‖16. Neste sentido, a investigação freudiana acrescentou à ―visibilidade do sintoma‖, a escuta clínica, reconhecendo, dessa forma, a importância do paciente no tratamento pois compreendeu que este detinha os sentidos dos seus sintomas, e cabia ao médico, levá-lo a descoberta desses sentidos. Freud, Nas Publicações Pré-Psicanalíticas, escreveu vários artigos, nos quais observou, com riqueza de detalhes, certos aspectos do sintoma histérico. Por exemplo, em 1888, no artigo A Histeria, apresentou uma série de sintomas da ―grande histeria‖: (1) ataques convulsivos, (2) zonas histerógenas, (3) distúrbios da sensibilidade, (4) distúrbios da atividade sensorial, (5) paralisias. Embora, estes artigos estivessem baseados num ponto de vista neurológico, já apontavam a perspectiva psicológica como fundamental para a compreensão do fenômeno histérico. Na época em que Freud escreveu com Breuer, Estudos sobre histeria, 1895, ele estava preocupado em especificar os casos de neurose comumente incluídos no diagnóstico de histeria, para fazer uma distinção mais precisa entre os quadros clínicos das várias neuroses consideradas, então: neurastenia, neurose de angústia e idéias obsessivas. Dizia ele: ―Refleti que não era certo rotular de histérica uma neurose, em sua totalidade, só porque alguns sintomas histéricos ocupavam um lugar de destaque em seu complexo de sintomas, a histeria é a mais antiga, a mais conhecida e a mais marcante das 16 Foucault, Michel. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978, 502. neuroses em consideração; mas isso era um abuso, pois lançava por conta da histeria muitos traços de perversão e degenerescência.‖17 Assim, desde então, Freud foi guiado pela estrela polar da clínica, que o enveredou nesta laboriosa jornada para desvendar a enigmática histeria de conversão. Uma descoberta fundamental, no início de sua investigação, é que esta neurose tem como característica básica e específica, o sintoma de conversão. Portanto, esta histeria tem como mecanismo psíquico de defesa a conversão. Mas, o que é a conversão? Que operações psíquicas estão implicadas nesta defesa? Como Freud a concebia neste momento inicial? Quais as elaborações futuras? Estas são algumas das questões que tratarei neste capítulo. Ernest Jones, seu biógrafo oficial, argumentou que no artigo Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas, 1893, Freud deixou claras as três principais diferenças entre estas paralisias, ―distinções hoje universalmente aceitas‖, que foram: ―(1) Uma paralisia histérica pode ser completa em uma parte do corpo, como, por exemplo, no braço sem que outras partes sejam afetadas. Onde uma paralisia cerebral é intensa, ela é extensa em distribuição. (2) Alterações sensoriais, especialmente anestesia, são mais acentuadas (isto é paralisia) na histeria; o contrário é verdade quanto à paralisia cerebral. (3) O mais importante de tudo é o fato de que a distribuição da última é explicável pelos dados da anatomia, ao passo que a histeria se comporta, como Freud maliciosamente expôs, como se não existisse algo com a anatomia do cérebro; sua distribuição é puramente ideativa.‖18 Strachey, destacou ―a posição que este artigo ocupa no divisor de águas entre os escritos neurológicos e psicológicos e Freud‖. Para seu 17 18 Freud, S. Estudos sobre histeria (1895), v. II, 256. Jones, Ernest. A vida e a obra de Freud. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1980, p. 240. tradutor, já ―tinham começado a operar – recalcamento, ab-reação, princípio constância – todas elas implícitas quando não nomeadas explicitamente.‖19 Este artigo, fora escrito atendendo a uma solicitação do mestre Charcot, em quem baseava seus estudos iniciais sobre histeria. A concepção de Charcot, sobre as paralisias traumáticas, sustentava a idéia de um trauma mental como causa dos sintomas histéricos. Para ele, assim como para Briquet: ―a histeria era doença produzida pela ação incisiva de uma idéia ou de uma representação psíquica intensamente carregada de afeto. Quando a representação é forte, isto é, quando apresenta uma sensação intensa, excessiva, ela tem o poder de se transpor abruptamente para a realidade do corpo e de aparecer sob a forma de um sintoma somático. (...) Charcot, considerava que a representação patogênica ter-se-ia introduzido no sujeito por ocasião de um incidente traumático, provocado por um agente externo. Para justificar sua asserção, ele praticou o hipnotismo. Assim, demonstrou que a injunção de uma frase ou de uma idéia imposta ao sujeito hipnotizado era suscetível de provocar um sintoma histérico. ‖20 Bem como, de fazer desaparecer o sintoma que o paciente apresentava. No entanto, estes efeitos só eram possíveis sob o estado hipnótico; fora da hipnose, o paciente mantinha o quadro mórbido da sua enfermidade. Pierre Janet, discípulo do Charcot, participava da concepção de que uma idéia, ao ser excessivamente carregada de afeto, traduzia-se, inevitavelmente, numa alteração somática, no entanto, formulará um novo ponto de vista sobre a etiologia da histeria. Seguindo a teoria de Maine de 19 Freud, S. Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas, v. I, 227. 20 Nasio, Juan-David. A Histeria:Teoria e clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1991, 136, 137. Biran e de Leibniz, Janet distinguiu dois planos radicalmente diferentes na vida psíquica que denominou: o plano da consciência e o plano do subconsciente. Esses dois planos ficavam contidos numa instância mais global chamada de eu. Portanto, para ele, a causa da doença residia na fragilidade do eu dos histéricos para efetuar uma síntese mental. Conforme Freud, para esta teoria: ―que leva em conta as idéias dominantes na França sobre o papel da hereditariedade e da degeneração, a histeria é uma forma de alteração degenerativa do sistema nervoso, que se manifesta pela fraqueza congênita do poder de síntese psíquica. Os pacientes histéricos seriam, desde o princípio, incapazes de manter como um todo a multiplicidade dos processos mentais, e daí a dissociação psíquica‖21 Freud não concordava com a suposição de haver uma incapacidade mental nos histéricos, todavia, aceitava a hipótese de Pierre Janet e Joseph Breuer de que havia uma divisão da consciência, acompanhada da formação de grupos psíquicos separados. Assim, no artigo, As neuropsicoses de defesa, 1894, ele vai tratar desta suposição demarcando o que vai diferenciar sua explicação da divisão da consciência, das outras concepções, dizendo: ―De acordo com a teoria de Janet (1892-4 e 1893), a divisão da consciência é um traço primário da alteração mental na histeria. Baseia-se numa deficiência inata da capacidade de síntese psíquica, na estreiteza do ‗campo da consciência (champ de la conscience)‘, que na forma de um estigma psíquico, evidencia a degeneração dos indivíduos histéricos.‖22 Como coloquei, ele não concordava com este ponto de vista, porque sua experiência clínica demonstrava-lhe que os pacientes histéricos, 21 22 Freud, S. Cinco Lições de Psicanálise (1905), 23. _______ AS neuropsicoses de defesa, (1894), 54. mesmo em estado de intenso sofrimento, apresentavam capacidades para realizar determinadas tarefas, `as vezes, bastante complexas; também, no percurso do processo terapêutico o que era observado nestes pacientes, é que recuperavam suas capacidades que tinham sido atingidas pela doença. Portanto, a concepção da histeria fundamentada na hereditariedade e degenerescência não dava conta de explicitar a etiologia da histeria. Breuer, sustentava o ponto de vista de que: ―‗a base e condição sine qua non da histeria‘ é a ocorrência de estados de consciência peculiares, semelhantes ao sonho, com uma capacidade de associação restrita, para os quais propôs o nome de ‗estados hipnóides‘. Nesse caso, a divisão da consciência é secundária e adquirida; ocorre porque as representações que emergem nos estados hipnóides são excluídas da comunicação associativa com o resto do conteúdo da consciência.‖23 No princípio, Freud apoiou esta concepção dos ‗estados hipnóides‘, mas depois, vai argumentar que a divisão da consciência era decorrente do recalcamento. Assim, na discussão do caso clínico da Srta. Elisabeth von R., ele observou: ―Ao relatar o caso da Srta. Elisabeth von R., esforcei-me por entrelaçar as explicações que pude fornecer sobre o caso com minha descrição do curso da recuperação da paciente. Talvez valha a pena reunir mais uma vez os pontos importantes. Descrevi o caráter da paciente — as características que são encontradas com tanta freqüência nas pessoas histéricas e que não há nenhuma desculpa para se considerar como conseqüência da degenerescência: seus talentos variados, sua ambição, sua sensibilidade moral, sua excessiva exigência de amor, a princípio atendida pela família, e a independência de sua 23 Idem natureza, que ia além do ideal feminino e encontrava expressão numa dose considerável de obstinação, combatividade e reserva. Nenhuma mancha hereditária apreciável, segundo me disse meu colega, pôde ser encontrada em qualquer dos dois lados da família. É verdade que a mãe sofrera por muitos anos de uma depressão neurótica que não fora investigada, mas os irmãos e as irmãs da mãe, assim como o pai e a família deste, podiam ser considerados pessoas equilibradas, sem problemas nervosos.‖24 Desta forma, suas investigações clínicas conduzem-no ao ponto de vista, de que divisão da mente era decorrente de ―uma ocorrência de incompatibilidade na vida representativa‖ do paciente, ―seu eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade de pensamento‖25. Embora o aspecto psicológico já venha sendo apontado por outros estudiosos, como ―Bernheim, discípulo de Liébeault, que elaborou ―teoria do hipnotismo a partir de fundamentos psicológicos mais abrangentes e a fazer da sugestão o ponto central da hipnose.‖26 Todavia, são de Freud as investigações teórico-clínica que fundamentaram sua hipótese de que a histeria era decorrente do conflito psíquico, e esta etiologia, no decurso de construção de sua obra, vai se configurando como fator determinante. Mas, quais foram os ensinamentos oferecidos pela clínica que lhe permitiram formular suas teorias da histeria de conversão? 24 __________ Estudos sobre Histeria, (1985), 172 __________ As Neuropsicoses de Defesa, (1894), 55 26 __________ Charcot (1893), 30 25 O corpo falante de Elisabeth Freud declarou-se grato às suas ―geniais histéricas”, por terem ensinado-lhe o caminho das causas da histeria e a necessidade de mudança da técnica terapêutica. Assim escreveu, Peter Gay, sobre os ensinamentos clínicos revelados nos Estudos sobre histeria: ―Esses pacientes – e outros, como ―Cäcilie M.‖ , mencionados apenas de passagem – constituíam-se, para Freud, em um verdadeiro grupo de instrutores, no que então já se estava transformando a técnica psicanalítica. Emmy von N., uma viúva rica de meia idade (...) ensinou a Freud a virtude da paciência: interrompida intermitentemente, pediu a ele, com irritação, que a deixasse terminar a sua estória à sua maneira. ‗Fräulein Elizabeth von R.‘, ensinou-lhe o valor da livre-associação – de se permitir que os pensamentos e a fala do paciente se movam a esmo, sem controle racional – e o de retrabalhar, ou reelaborar, repetidamente, determinados sintomas. ‗Miss Lucy R. (...) fez com que Freud percebesse o que ademais, já suspeitava: que todo o sintoma é significativo, nenhum totalmente arbitrário e absurdo. Mais do que isso, Miss Lucy veio a confirmar a lição anterior de Elizabeth von R.: o valor da livre associação‖27 A riqueza deste trabalho estava na profunda sensibilidade de observação e de escuta clínica, que lhe permitiram descrever com uma riqueza de detalhes seus casos clínicos, demonstrando os fundamentos do diagnóstico de histeria, que em certos aspectos, mantêm-se até hoje. Neste texto, irei determe, no caso da Srta. Elizabeth von R., considerado por Freud ―a primeira análise integral de uma histeria,‖ para examinar a concepção da doença, seu diagnóstico e a terapia empregada nesta época. Na elaboração do seu diagnóstico, Freud argumentou: 27 Gay, Peter. Sigmund Freud: Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1992, 114 ―Não achei fácil chegar a um diagnóstico, mas resolvi por duas razões concordar com o que fora proposto por meu colega, isto é, que se tratava de um caso de histeria. Em primeiro lugar, fiquei impressionado com a indefinição de todas as descrições do caráter das dores fornecidas pela paciente, que era, não obstante, uma pessoa muito inteligente. Um paciente que sofra de dores orgânicas, a menos que além disso seja neurótico, as descreverá de forma definida e calma. Dirá, por exemplo, que são dores lancinantes, que ocorrem a certos intervalos, que se estendem deste lugar para aquele e que lhe parecem ser provocadas por uma coisa ou outra.‖28 A distinção entre o sintoma orgânico e o sintoma histérico já vinha sendo objeto de estudo por Freud, no texto citado acima, Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas, no qual reconheceu que o conhecimento sobre anatomia em nada contribui para compreensão das paralisias histéricas. Em Elisabeth, ele observou a expressividade de seu discurso em relação à suas dores: ela falava de forma indefinida e não calma. Do mesmo modo, para discernir o quadro clínico da histeria e da neurastenia, ele partiu da expressividade do paciente, e assinalou: ―Por outro lado, quando um neurastênico descreve suas dores, dá a impressão de estar empenhado numa difícil tarefa intelectual que ultrapassa em muito suas forças. Suas feições se contraem e se deformam como se ele estivesse sob a influência de um afeto angustiante. A voz torna-se mais aguda e ele luta por encontrar um meio de expressão. Rejeita qualquer descrição de suas dores proposta pelo médico, mesmo que ela depois se revele inquestionavelmente adequada. Percebe-se que ele é da opinião de que a linguagem é pobre demais para que ele encontre palavras para descrever suas sensações e de que essas sensações são algo único e até então desconhecido do qual seria 28 Op. Cit., Estudos sobre Histeria. (1895), 153. inteiramente impossível dar uma descrição completa. Por esse motivo, ele jamais se cansa de acrescentar novos detalhes sem cessar e, quando é obrigado a parar, com certeza fica com a convicção de que não conseguiu se fazer entender pelo médico. Tudo isso porque as dores atraíram toda a atenção dele para elas. A Srta. von R. comportava-se de forma inteiramente oposta, e somos levados a concluir que, já que ela ainda assim atribuía importância suficiente a seus sintomas, sua atenção devia estar em outra coisa, da qual as dores eram apenas um fenômeno acessório — provavelmente, portanto, em pensamentos e sentimentos que estavam vinculados a elas.‖29 Neste trecho, Freud destacou dois elementos importantes no diagnóstico diferencial: a forma indefinida como a Srta. Elizabeth descrevia suas dores que, em certos momentos, eram tão intensas que impediam-lhe de caminhar, bem como, seu comportamento ao descrever seus sintomas, expressando uma falta de atenção, que o levou a crer que ela estava envolvida por pensamentos e sentimentos vinculadas a elas. Todavia, verificará que este desvio da atenção, bem com o esquecimento, eram inerentes ao próprio processo conversivo, que criava esses desvios de rota, para não lidar com a dor psíquica. Apresentar-se como ―fenômeno acessório‖ ou como uma ―belle indiference‖ era um meio de lidar com este afeto de dor insuportável. Outro ponto, também, foi considerado de grande relevância na formulação de sua hipótese diagnóstica, acrescentou: ―Mas existe um segundo fator que é ainda mais decisivamente favorável a essa opinião sobre as dores. Quando estimulamos uma região sensível à dor em alguém com uma doença orgânica ou num neurastênico, o rosto do paciente assume uma expressão de mal-estar ou de dor física. Além disso, ele se esquiva, retrai-se e resiste ao exame. No caso da Srta. von R., contudo, quando se pressionava ou beliscava a pele e os músculos 29 Idem hiperalgésicos de suas pernas, seu rosto assumia uma expressão peculiar, que era antes de prazer do que de dor. Ela gritava mais e eu não podia deixar de pensar que era como se ela estivesse tendo uma voluptuosa sensação de cócega — o rosto enrubescia, ela jogava a cabeça para trás e fechava os olhos, e seu corpo se dobrava para trás. Nenhum desses movimentos era muito exagerado, mas era distintamente observável, e isso só podia ser conciliado com o ponto de vista de que seu distúrbio era histérico e de que o estímulo tocara uma zona histerogênica. Sua expressão facial não se ajustava à dor evidentemente provocada pela beliscadura dos músculos e da pele; provavelmente se harmonizava mais com o tema dos pensamentos que jaziam ocultos por trás da dor e que eram despertados nela pela estimulação das partes do corpo associadas com esses pensamentos. Observei repetidamente expressões de significado semelhante em casos incontestáveis de histeria, quando se aplicava um estímulo às zonas hiperalgésicas. Os outros gestos da paciente eram, é claro, indícios muito leves de um ataque histérico.30 A experiência freudiana na escola de Salpêtrière já lhe havia revelado quão problemática e complexa era a questão da dor no quadro clínico da histeria: Conforme Manoel Berlinck: As pacientes de Charcot se deixavam perfurar por grossas agulhas de tricô, se beliscar por torturantes alicates e se submetiam à ‗excitação mecânica e elétricas de músculos da face e do corpo durante a letargia hipnótica‘ sem qualquer manifestação de dor. Essas mesmas pacientes, por sua vez, sofriam dores terríveis em órgãos que não estavam sob qualquer estímulo potencialmente lesivo observável.31 Será que a insensibilidade à dor física era decorrente do desvio da atenção da representação afetiva insuportável? Na leitura de Monique Schneider: 30 31 Idem, 153, 154 Berlinck, Manoel Tosta. Dor. São Paulo: Editora Escuta, 2000, 14 ―Freud sublinhará, aliás, que estas representações, às quais o afeto proíbe o acesso, são precisamente ‗aquelas insuportáveis‘, empregando aqui um qualificativo ‗insuportáveis‘ que, capaz de qualificar as representações, apenas pode fazê-lo em relação aos afetos que lhe são solidários.‖32 Então, esta leitura ressalta o caráter afetivo da representação. Será que era esta insuportabilidade que desviava a atenção dos pacientes e permitiam-lhe submeterem-se à experiência de Charcot, mais que a própria hipnose? Mas Freud observou que Elizabeth estava envolvida por outros pensamentos, que pensamentos seriam estes? A explicação, da época, era que eles estariam relacionados ao grupo psíquico patogênico, que dissociados da cadeia de pensamentos, mantinham-se como um traço mnêmico sem força e vitalidade, devido à transformação do afeto correspondente, em sintoma. Porém, o que absorvia sua atenção já que estes pensamentos estavam desafetados? Freud explicou esta dissociação entre afeto e representação através de dois mecanismos: ―o mecanismo de isolamento, no plano das representações, e o mecanismo de desinvestimento, no plano dos afetos.‖33 Estes elementos de análise diagnóstica, ainda hoje, são importantes, pois constatou-se, no percurso deste estudo, que pertencem ao próprio quadro clínico da histeria. Neste sentido, Freud começou a desvendar um dos enigmas essenciais da histeria: a conversão continha uma dor afetiva que era ocasionada por um excesso afetivo paralisante, e se manifestava como dor física, neste caso. E, com base nesta concepção, ele buscava, na terapia, a catarse do afeto encrostado nas representações dolorosas, presumidas como responsáveis pela doença, através da fala. 32 Schneider, Monique. Afeto e linguagem nos primeiros escritos de Freud. São Paulo: Editora Escuta, 1993, 54 33 Idem, 65 Daí formulará: ―os histéricos sofrem principalmente de reminiscências.‖34 Mas, qual a sustentação teórica desta assertiva? Esta asserção fundamentava-se, conforme James Strachey, na principal posição teórica adotada por Breuer e Freud, na ―Comunicação Preliminar‖ em 1893, que sustentava a concepção de que: ―no curso normal das coisas, se uma experiência for acompanhada de uma grande dose de ‗afeto‘, esse afeto é ―descarregado‖ numa variedade de atos reflexos conscientes, ou então vai-se desgastando gradativamente pela associação com outros materiais mentais conscientes. No caso dos pacientes histéricos, por outro lado ( ... ) nenhuma dessas coisas acontece. O afeto permanece num estado ―estrangulado‖, e a lembrança da experiência a que está ligado é isolada da consciência. A partir daí, a lembrança afetiva se manifesta em sintomas histéricos, que podem ser considerados como ―símbolos mnêmicos‖ — vale dizer, como símbolos da lembrança suprimida. Sugerem-se duas razões principais para explicar a ocorrência desse resultado patológico. Uma delas é que a experiência original ocorreu enquanto o indivíduo se encontrava num particular estado de dissociação mental, descrito como ―hipnóide‖; a outra é que o ―ego‖ do indivíduo considerou essa experiência como sendo ―incompatível‖ com ele próprio e, portanto, ela teve de ser ―rechaçada.‖35 Esta concepção sustentará o ponto de vista da teoria da ab-reação, ou seja, de que na histeria o sintoma contém das lembranças recalcadas quais devem ser ab-reagidas. Monique Schneider, as na interpretação que faz dos primeiros escritos de Freud, observou sobre o sentido da fala no tratamento catártico, dizendo: ―A ação da narrativa como um procedimento expulsivo é esclarecido por Breuer: trata-se menos de falar, de ‗se contar‘, como diz a tradução francesa, do que sair de 34 35 Freud, S. Cinco Lições de Psicanálise (1910), 18 _______ Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação Preliminar. (1983), 25 si, esvaziar-se pela fala; sich aussprechen. É uma metáfora semelhante que Breuer recorre para designar este trabalho de esvaziamento que seria a base da terapêutica pela fala: ‗Eu (...) a desvencilhei‘, escreve ele, ‗de todas as reservas de fantasmas acumuladas desde a minha última visita. Para assegurar o sucesso era necessário que fosse a fundo‘. A natureza do mal consistiria então em um ‗muito cheio‘, um excesso de excitação que acharia na fala um meio de se escoar, como se a reminiscência patogênica se tratasse da indigestão, mais do que da ferida interna.‖36 No caso da Srta. Elizabeth, o tratamento foi conduzido, principalmente, no sentido de investigar as experiências que haviam sido rechaçadas pelo ego e que formavam seus sintomas; embora Freud, neste momento, ainda considerasse como importante a noção de ―estados hipnóides‖, elaborada por Breuer. Neste caso, ele constatou que ela realmente havia vivenciado uma série de situações difíceis a um humano, como a morte do pai e da irmã, pessoas que lhe eram muito queridas, sua grande preocupação com a saúde da mãe que freqüentemente adoecia, entre outras. Na época do tratamento, a Srta. Elizabeth tinha 24 anos de idade, e foi encaminhada por um médico, amigo de Freud, pois queixava-se de intensas dores na perna, que às vezes a impossibilitava de ficar em pé, de caminhar e, em alguns momentos, até mesmo deitada não conseguia aliviar-se das dores. Era a mais jovem das três filhas e havia recentemente perdido seu pai, por quem tinha uma grande admiração e amor. Essa identificação paterna gerava-lhe um intenso conflito, pois ao mesmo tempo que se satisfazia em atender aos ideais desse ―homem alegre e experiente conhecedor da vida que costumava dizer que aquela filha ocupava o lugar de um filho e de um amigo com quem ele podia trocar idéias, [também] nessa relação com o pai, 36 Op. Cit., 37 ele não deixava de observar que a constituição mental dela estava, por causa disso, afastando-se do ideal que as pessoas gostam de ver concretizado numa moça‖37, principalmente naquela época vitoriana, quando os ideais de uma mulher deviam restringir-se ao casamento, aos cuidados domésticos e com os filhos, nisso, ―ela se sentia, de fato, muito descontente por ser mulher. Tinha muitos planos ambiciosos. Queria estudar ou receber educação musical e ficava indignada com a idéia de ter de sacrificar suas inclinações e sua liberdade de opinião pelo casamento.‖38 Suas duas irmãs eram casadas e tinham filhos, e isto fazia com que refletisse, ainda mais, sobre a sua situação de jovem solteira. Durante todo o tempo em que seu genitor esteve doente, ela dedicou-se, quase que exclusivamente, aos cuidados com ele, renunciando a seus próprios interesses pessoais e amorosos. Ao recordar, na terapia, deste período de vida extremamente doloroso, no qual vivia com intenso temor a possibilidade de perda deste ente tão querido, cuja a doença era muito grave, Elizabeth lembrou que uma vez se permitiu sair para uma festa em que poderia encontrar o rapaz por quem estava apaixonada, e que há muito tempo não o via, devido a sua abnegação. O encontro deixou-a bastante feliz, mas quando retornou para casa sentiu um profundo remorso por ter saído do lado do pai, que havia piorado, neste ínterim. Para Freud, esta lembrança fora muito importante pois permitiu-lhe compreender uma das causas de suas dores histéricas, escreveu: ―Foi nessa relação, (...), na qual ela atingiu seu auge, que pude procurar as causas de suas primeiras dores histéricas. O contraste entre os sentimentos de alegria que 37 38 Freud, S. Estudos sobre Histeria (1895), 156 Idem. ela se permitira ter naquela ocasião e o agravamento do estado do pai com que deparara ao voltar para casa constituiu um conflito, uma situação de incompatibilidade. O resultado desse conflito foi que a representação erótica foi recalcada para longe da associação e o afeto ligado a essa representação foi utilizado para intensificar ou reviver uma dor física que estivera presente simultaneamente ou pouco antes. Assim, tratava-se de um exemplo do mecanismo de conversão com finalidade de defesa.‖39 Neste momento inicial da teoria, o que é importante ressaltar é que a conversão é uma defesa porque neutraliza os efeitos dos afetos aflitivos condensando-os no sintoma, e a representação desafetada perde seu poder de ação, não importando se fica fora da consciência ou se torna inconsciente, ela fica enfraquecida e pode até ser esquecida, mas sempre deixa um traço na consciência, que pode tanto ser reativado pelas circunstâncias da vida, como também, pela terapia, que visava a justamente reativá-lo para ser eliminado via fala. Nesse sentido, Monique Schneider esclareceu, que: ―Para ignorar uma representação, não é no plano intelectual que é preciso agir; é necessário que esta representação perca seu impacto afetivo. No caso da histeria, esta neutralização afetiva é possível pela conversão somática: toda a carga afetiva ligada ao complexo associativo recusado se transforma em dores, paralisias ou outras manifestações corporais. Achando-se todo potencial afetivo ligado a este amor recusado drenado para o corpo, a representação pode, doravante, subsistir com uma feição exangue.‖40 Assim, surge a noção de que na histeria conversão a repressão é total, porque o sintoma contém a representação afetiva. Por isso, Monique Schneider vai considerar que: ―É, então, em termos de afeto, que a tentativa de recalque ou de defesa recebe de Freud sua primeira formulação: ‗Todo estado de desejo‘, escreve ele, ‘cria uma 39 40 Idem, 161 Op. cit., 66 atração em direção ao objeto desejado e também em direção a imagem mnemônica deste último; todo acontecimento penoso engendra uma repulsão, uma tendência que se opõe ao investimento da imagem mnemônica hostil. Temos aqui uma atração e uma defesa primárias. (...) Em lugar de o afeto de repulsão corresponder somente a uma repercussão que teria, no plano afetivo, o mecanismo ideativo do recalque ele é definido, aqui, como o que o constitui: nestas primeiras formulações, a articulações das representações, entre si, seria, então, submetida a esses movimentos primários de atração ou de repulsão.41 Nesta perspectiva, a noção de conflito, fundamentada na teoria associativa da conversão, não permitia uma leitura mais profunda da dinâmica do conflito psíquico de Elizabeth, pois buscava-se uma correlação de causa e efeito entre a vivência traumática e o aparecimento do sintoma. A oposição, entre a filha querida do pai e a jovem apaixonada, foi apontada como a causa da formação do sintoma. Mas, por que uma dedicação tão ardorosa ao pai? Por que o encontro com sua paixão trouxe-lhe tantos arrependimentos e culpa? Um conflito essencialmente da ordem edípica, e Freud captou não a partir de uma leitura da ordem edípica um certo tipo de relação muito especial entre este pai e esta filha. Ele sugeriu, inclusive, que o pai de Elizabeth tinha uma influência importante na problemática sexual da filha: ―nessa relação com o pai, ele não deixava de observar que a constituição mental dela estava, por causa disso, afastando-se do ideal que as pessoas gostam de ver concretizado numa moça.‖ Então, era uma defesa em relação a um conflito de ordem edípica, com uma ambivalência afetiva muito intensa. De qualquer forma, o que é importante na terapêutica deste período, é que a liberação dessa lembrança erótica, que estava contida no 41 Op. cit., 64 sintoma de conversão, produziu um alívio em suas dores e assim, ela pôde compreender um pouco da sua dinâmica psíquica e colaborar ainda mais com sua terapia, Freud analisou assim esta ab-reação: ―A descoberta da razão da primeira conversão abriu um segundo período profícuo do tratamento. A paciente surpreendeu-me logo depois, ao anunciar que agora sabia por que era que as dores sempre se irradiavam daquela região específica da coxa direita e atingiam ali sua maior intensidade: era nesse lugar que seu pai costumava apoiar a perna todas as manhãs, enquanto ela renovava a atadura em torno dela, pois estava muito inchada. Isso deve ter acontecido uma centena de vezes, mas ela não havia notado a ligação até esse momento. Assim, ela me forneceu a explicação de que eu precisava quanto ao surgimento do que era uma zona histerogênica atípica.‖42 Esta explicação, neste momento, foi fundamental porque ele buscava, justamente, compreender como se forma o processo de conversão: ―A região da perna direita que foi marcada por esse contato ficou sendo, a partir daí, o foco de suas dores e o ponto de onde elas se irradiavam. Formou uma zona histerogênica artificial. ( ... ) Na verdade, quando não existem essas conexões tão numerosas, o sintoma histérico não se forma, pois a conversão não encontra nenhuma trilha aberta para ela.‖43 Então, neste caso, a conversão resultava de uma conexão associativa entre dor física e afeto psíquico: esse toque na perna produzia uma excitação nesta região que associada a idéias eróticas, que provavelmente afloravam nestes momentos, despertavam sentimentos de repúdio, que se transformavam em dores. É interessante Freud observar a formação de uma zona histerogênica como constitutiva da conversão e, em Elizabeth, os traços mnêmicos das idéias recalcadas se manifestavam pela via da dor, uma dor 42 43 Op. cit., 162 Idem, 184 afetiva. Mas, qual seria essa dor? Ele a interpretou como sendo decorrente do conflito entre uma jovem apaixonada e uma filha ardorosamente dedicada ao cuidados do pai. No entanto, seu pai não a proibiu de ir à festa, ao contrário, incentivou-a, mas ela sentiu um profundo remorso e culpa por estar feliz e seu genitor haver piorado. Este objeto de amor – pai, era uma figura determinante na sua vida, ela sentia-se afetada como mulher por atender aos desejos desse pai. E ele piorou quando ela o deixou. Nessa perspectiva, não é válido pensar nessa trama familiar incestuosa. Essa coisa inconsciente, não elaborada que se propaga e aparece no sintoma de Elisabeth, não contém a marca dessa relação objetal? O insight que ela teve sobre a formação de suas zonas histerogênicas, após a ab-reação da lembrança traumática, não revelaria essa ambivalência edípica? Bem, mas este achado sobre as pernas doloridas tornou-se um elemento essencial na dinâmica do processo de transferência. Assim, Freud sublinhou: ―Além disso, suas pernas doloridas começaram a ‗participar da conversa‘ durante nossas sessões de análise. O que tenho em mente é o seguinte fato notável: em geral, a paciente estava sem dor quando começávamos a trabalhar. Se então, por meio de uma pergunta ou pela pressão na sua cabeça, eu despertava uma lembrança, surgia uma sensação de dor, e esta era comumente tão aguda que a paciente estremecia e punha a mão no ponto doloroso. A dor assim despertada persistia enquanto a paciente estivesse sob a influência da lembrança; alcançava seu clímax quando ela estava no ato de me contar a parte essencial e decisiva do que tinha a comunicar, e com a última palavra desse relato, desaparecia. Com o tempo, passei a utilizar essas dores como uma bússola para minha orientação: quando a moça parava de falar mas admitia ainda estar sentindo dor, eu sabia que ela não me havia contado tudo e insistia para que continuasse sua história, até que a dor se esgotasse pela fala. Só então eu despertava uma nova lembrança.‖44 A escuta do corpo falante de Elisabeth, como o próprio Freud nos revelou, constituiu-se num elemento importante no tratamento, e nos fez pensar que esse aspecto comunicativo do sintoma revela que ele, o sintoma, estava endereçado a um outro. Por isso mesmo, era preciso ultrapassar a barreira do afeto doloroso para que a atividade representativa pudesse pronunciar- se. Mas, Freud foi bem preciso ao afirmar que não bastava lembrar o acontecimento descrevê-lo, pois traumático e ―uma lembrança desprovida de carga afetiva é, quase sempre, totalmente ineficaz,‖45 no tratamento. Ele enfatizou a importância do processo afetivo, nesta abordagem econômica e dinâmica da histeria, fundamentada nos princípios de inércia, de constância e de prazer ―que inscreve, com modalidades divergentes seguindo o fundamental do princípio organismo correspondente, esta tendência visando a regulação, ou a anulação da excitação. Trata-se, então, conforme Monique Schneider, ―de um postulado sem o qual nenhum esquema do aparelho seria concebível.‖46 No prefácio do artigo Estudos sobre histeria, James Strachey, destacou a argumentação de Breuer sobre os afetos. ―Em sua discussão (...) argumenta ele que os afetos devem sua importância na etiologia da histeria ao fato de serem acompanhados pela produção de grandes quantidades de excitação, e de estas, por sua vez, exigirem uma descarga, de acordo com o princípio da constância. De modo semelhante, também as experiências traumáticas devem sua força patogênica ao fato de produzirem quantidades de excitação grandes 44 Idem, 162, 163 Op. cit., 23 46 Idem, 18 45 demais para serem tratadas da maneira normal. Assim, a posição teórica essencial subjacente aos Estudos é que a necessidade clínica da ab-reação do afeto e os resultados patogênicos que surgem quando ele fica estrangulado são explicados pela tendência muito mais geral (expressa no princípio da constância) a manter constante a quantidade de excitação.‖47 Strachey sublinhou, também, que já, nesta época, ―o ‗princípio da constância‘ ( ...) pode ser definido nos termos empregados pelo próprio Freud em Além do Princípio do Prazer: ‗O aparelho mental esforça-se por manter a quantidade de excitação nele presente em um nível tão baixo quanto possível, ou pelo menos por mantê-la constante‘.‖48 Desde então, a concepção de que existem princípios reguladores do funcionamento psíquico se mantém no conjunto da obra freudiana. Nos seus estudos, Monique Schneider comentou sobre a relevância dos afetos neste momento teórico freudiano: ―O afeto aparece, primeiro, como signo de uma vulnerabilidade inerente ao sujeito face a uma realidade exterior que o agride e o extravaza. Se, em seguida, Freud é levado a interiorizar cada vez mais o ponto nevrálgico por onde o ser é abordado, o ataque externo sendo somente perturbador pela sua conjugação com um ataque interno e pulsional, os primeiros relatos sobre a experiência catártica insistem sobretudo no poder alienante da exterioridade capaz de fazer irrupções em mim, de me ferir. (...) o afeto perturbador estaria no cruzamento entre o sujeito e a realidade exterior encarada sobretudo no seu poder de agressão e de transbordamento. É a hipótese traumática que fornece o modelo inicial e o traumatismo em que consiste ‗o pavor‘ é, então, esta irrupção que faz no ser o ‗incidente desencadeador‘, esta penetração no sujeito de uma exterioridade insustentável.‖49 47 Op. cit., 26 Idem, 19 49 Op. Cit., 15 48 O traumático é da ordem do excesso, daquilo que o sujeito não consegue lidar, e em relação ao qual fica subjugado. Assim, a defesa, segundo a autora, surge contra o excesso de afeto. Diz ela: ―Várias vezes, o afeto aparece neste texto como o que proporciona a solução mórbida ou a solução sã, sendo ele, na seqüência, conservado ou liquidado. Eliminar o afeto e reparar a ferida infligida pelo incidente que, passando a um modo puramente representativo, cessa de ser perigoso e paralisante. Lá onde estava o afeto deve advir a representação para que os processos psíquicos parem de ser entravados. Neste estágio da análise, uma apresentação dualista dos fenômenos parece difícil de ser evitada para evitar este combate (entre as potências escravizantes do afeto e as tentativas verbais) para reencontrar as representações perdidas.‖50 Nesta perspectiva, a maneira de Freud abordar uma paciente histérica partia em busca de uma correspondência precisa entre uma dor de qualidade afetiva e um acontecimento que a teria causado. A Srta. Elizabeth lembrou de uma série de episódios em sua vida que envolviam suas dores na perna, provocando a formação da sua astasia-abasia, característica primordial do seu sintoma conversivo. E esta constatação dará consistência a sua suposição de que ―um sintoma é determinado de vários modos, é ‗sobredeterminado.‘‖51 No artigo A psicoterapia da histeria, Freud, assim o definiu: ―Não costumamos encontrar um sintoma histérico único, mas muitos deles, em partes independentes uns dos outros e em partes ligados . Não esperamos encontrar uma lembrança traumática única e uma idéia patogênica única como seu núcleo; devemos estar preparados para sucessões de traumas parciais e concatenacções de cadeiais patogênicas de idéias.‖52 50 Idem, 20 Op. cit., 281 52 Idem, 279, 280 51 Penso que esta sobredeterminação tem a ver com a trilha formada pelas diversas conexões entre as representações afetivas incompatíveis, que irão configurar-se na singularidade do sintoma de conversão. Dentre as lembranças de Elizabeth, destaca-se aqui a idéia que formulou após a morte do seu pai – de que atribuía-se a responsabilidade de proporcionar uma nova vida para sua família, especialmente para a sua mãe que vinha sofrendo muito com o falecimento do marido. Ela ficou obstinada por essa idéia e, no entanto, seu intento não podia ser concretizado em virtude do sintoma de conversão. No processo terapêutico, Freud observou que , ―ela nunca se cansou de repetir que o doloroso nelas [pernas] tinha sido seu sentimento de desamparo, o sentimento de que não podia dar um único passo à frente.‖53 O porquê de a idéia paralisar, na época, Freud não analisava o caso a partir do efeito do complexo de Édipo, nem da relação prégenital, mãe-filha, na qual poderia ver delinear-se o problema da bissexualidade das fantasias histéricas. Mas, ele fica atento ao fato de que era uma idéia perigosa a integridade do ego e o único recurso possível para defender-se dessa idéia angustiante era a conversão. Porém, essa proteção era dolorosa e causava-lhe um profundo sentimento de desamparo ao ver-se imobilizada, sem poder dar um único passo a frente. ―Nessa ocasião, Elisabeth sentiu de maneira intensa seu desamparo, sua incapacidade de proporcionar à mãe um substituto pela felicidade que perdera e a impossibilidade de levar a cabo a intenção que tivera quando da morte do pai.‖54 Freud observou que seu sintoma de imobilidade retratava a elaboração simbólica de sua impotência. 53 54 Idem, 166 Idem Essa questão do sintoma como defesa, como único recurso possível para aliviar a intensa dor psíquica, é muito importante e complexa. Pois, ao mesmo tempo em que se constitui uma defesa, constitui-se, também, uma ameaça que produz um profundo sentimento de desamparo, de impotência, frente ao desconhecido, que nesta época, Freud denominava grupo psíquico isolado, separado da consciência, grupo de representações incompatíveis, recalcadas. E, não será, que é justamente, por que produz um sentimento de intenso desamparo, de impotência, que o paciente vai em busca de seu tratamento? Será essa a dialética do sintoma? Na discussão do caso, Freud esclareceu que sobre o motivo da divisão de consciência de Elisabeth: ―O motivo foi o de defesa – a recusa, por parte de todo ego da paciente , a chegar um acordo com esse grupo representativo. O mecanismo foi de conversão, isto é, em lugar das dores mentais que ela evitou, sugiram as dores psíquicas. Desse modo, efetuou-se uma transformação que teve a vantagem de livrar a paciente de uma condição mental intolerável, embora, é verdade, à custa de uma anormalidade psíquica – a divisão da consciência que se efetuou – e de uma doença física – suas dores, sobre as quais se desenvolveu sua astasia-abasia.‖55 Então, o sintoma como defesa vai-se delineando e revelando sua complexidade pois, ao mesmo tempo em que Freud, o identificava como uma defesa frente a idéias que suscitavam excessos de excitação, daí a grande resistência para enunciá-las, ao mesmo tempo, ele gerava um grande sentimento de desamparo, frente a impossibilidade do paciente realizar seus desejos, e não saber o porquê disso. Descobriu que, na realidade, ―o ‗não saber‘ do paciente histérico seria, de fato, um ‗não querer saber,‘‖56 devido 55 56 Idem, 177 Idem, 265 ao processo psíquico de resistência. A compreensão da resistência como manutenção dessa defesa emergiu justamente com a mudança na técnica terapêutica que a clínica solicitava, a própria Elizabeth colocou uma série de objeções a hipnose, exigindo de Freud uma adequação ao caso: ―A história que a Srta. Elisabeth me relatou de sua doença foi cansativa, composta de muitas experiências penosas diferentes. Enquanto fazia o relato, ela não ficava sob hipnose, mas eu a fazia deitar-se e conservar os olhos fechados, embora não me opusesse a que os abrisse ocasionalmente, mudasse de posição, se sentasse e assim por diante. Quando ela ficava mais profundamente emocionada do que de costume com uma parte da história, parecia cair num estado mais ou menos semelhante à hipnose. Ficava então imóvel e mantinha os olhos bem fechados.57 Assim, com este procedimento, outro desejo de Elizabeth extremamente conflitante revelava-se: seu grande amor pelo cunhado, marido de sua segunda irmã, que veio a falecer repentinamente. Ela sentia-se muito ameaçada por esse desejo inconsciente e o tratava com muita resistência. Freud já suspeitava desse desejo amoroso e buscava recursos terapêuticos que possibilitassem a sua liberação, dentre estes, mandou-a visitar o túmulo da irmã, pois ―não hesitava em colocá-la em situações projetadas para despertar novas lembranças.‖58 Todavia, pareceu-lhe que este recurso não era muito eficaz e durante muito tempo a paciente não dava-se conta desse desejo, mas seu sintoma nunca deixava de evidenciá-lo. Conforme Freud: ―constatou-se ainda, sem qualquer sombra de dúvida, que suas dores ao andar e ao ficar de pé eram, de início, aliviadas quando ela se deitava. As dores só passaram a se relacionar com o ficar deitada quando, após ter notícia da doença da irmã, ela viajou de volta de Gastein [loc. cit.] e foi atormentada durante a noite tanto pela 57 58 Idem, 163 Idem, 165 preocupação com a irmã quanto por dores lancinantes, tendo ficado estendida e insone no vagão de trem. E por muito tempo depois disso, deitar-se foi, na realidade, mais doloroso para ela do que andar ou ficar de pé.‖59 Essa evidência transparecia no sintoma: a conversão assumia a forma nítida do desejo doloroso mas, também, prazeroso e, à medida em que a oposição entre esses pólos desejantes intensificava-se, mais ele aflorava na sessão terapêutica. E, numa das sessões: ―A paciente, mergulhada em suas lembranças acridoces, não parecia notar para onde se estava encaminhando e continuou a reproduzir suas recordações. Passou a falar de sua visita a Gastein, da ansiedade com que aguardava cada carta e finalmente das más notícias sobre a irmã, da longa espera até o anoitecer, que foi o primeiro momento em que puderam partir de Gastein, e então da viagem, feita numa torturante incerteza, e da noite insone — tudo isso acompanhado por um violento aumento das dores. Pergunteilhe se durante a viagem havia pensado na possibilidade deplorável que depois se concretizou. Respondeu-me que evitara cuidadosamente pensar nela, mas acreditava que desde o início a mãe havia esperado o pior. Suas lembranças passaram então à chegada a Viena, à impressão que lhes causaram os parentes que as esperavam, à curta viagem de Viena até a estação de veraneio próxima onde morava a irmã, à chegada à noite, à caminhada apressada pelo jardim até a porta da casa ajardinada, ao silêncio que reinava em seu interior e à escuridão opressiva. Lembrou que o cunhado não estava lá para recebêlas e que ficaram diante da cama, olhando para a irmã morta. Naquele momento de terrível certeza e que a irmã amada estava morta sem ter-lhes dito adeus, e sem que ela lhe tivesse aliviado os últimos dias com seus cuidados, naquele exato momento outro pensamento atravessou a mente de Elisabeth, e agora se impunha de maneira irresistível a 59 Idem ela mais uma vez, como um relâmpago nas trevas: Agora ele está livre novamente e posso ser sua esposa.60 Um aspecto importante, desta sessão, foi que Elizabeth pôde mergulhar nas suas lembranças e seguiu livre-associando até chegar no ponto máximo da origem de suas dores ao deitar-se. Estas experiências da clínica conduziram Freud a um afastamento cada vez maior da hipnose e à formulação do método da livre-associação como meio mais eficaz para superação das resistências, que constituíam-se no grande entrave terapêutico. Assim: ―foi o abandono do hipnotismo que ampliou ainda mais sua compreensão dos processos mentais. Esse abandono revelou a presença de mais um obstáculo – a ‗resistência‘ dos pacientes ao tratamento, sua relutância em cooperarem na própria cura. Como se deveria lidar com essa relutância? Deveria ser suprimida com gritos ou afastadas com a sugestão? Ou deveria, como outros fenômenos mentais, ser simplesmente investigada? A opção de Freud por esse segundo caminho levou-o diretamente ao mundo desconhecido que iria passar a vida inteira explorando.‖61 Este conflito foi considerado como ―ponto central da história da doença,‖62 em Elizabeth. Pareceu-lhe que, a partir dessa revelação, as trilhas amorosas que formavam o conteúdo da conversão tornaram-se mais flexíveis, e ela pode seguir sua vida com mais satisfação pela possibilidade de compreender com mais discernimento o que ocasionava seu sofrimento. Freud explicou assim esse conflito: ―Tudo ficou claro então. Os esforços do analista foram ricamente recompensados. Os conceitos de ―rechaço‖ de uma representação incompatível, da gênese dos sintomas histéricos através da conversão de excitações psíquicas em algo físico e da 60 Idem, 169 Idem, 259 62 Idem, 175 61 formação de um grupo psíquico separado, através do ato de vontade que conduziu ao rechaço — todas essas coisas, naquele momento, apareceram diante de meus olhos de forma concreta. Assim, e de nenhuma outra maneira, as coisas haviam ocorrido nesse caso.‖63 Por que este amor pelo cunhado era tão repudiado? Por que tanto temor em mergulhar nas lembranças amorosas que exigiu do analista esforços? Pensamos que a argumentação de Monique Schneider nos ajuda a clarear muitas indagações. Diz ela: ―quando Elisabeth está em condições de ‗admitir‘ nela a idéia de que ama seu cunhado, não seria ela conduzida a uma constatação de impotência? Isto de que toma repentinamente consciência, não é o espetáculo constituído pelo amor que é o seu. Encontra-se, de repente, presa nele, invadida por ele, descobrindo, como seu, um movimento que ela queria poder olhar como uma simples possibilidade. (...) O objetivo da resistência era, na verdade, manter a ilusão da exterioridade, permitindo ao sujeito evitar esta queda em si, este abandono em que consiste o ‗reconhecimento da realidade‘. (...) Para Elisabeth, reconhecer seu amor pelo cunhado não é efetuar uma constatação, é correr o risco de se deixar levar, já que a Annahme é, indissoluvelmente, reconhecimento e adoção. É nisto que a admissão de uma representação constitui um movimento indissoluvelmente representativo e afetivo.‖64 Freud observou que quando ela, com muito esforço, admitiu o seu amor pelo cunhado, algo mudou: ―A frieza de sua natureza começou a ceder e ela admitiu para si mesma sua necessidade do amor de um homem.‖ 65 Neste ponto, a admissão por parte do eu implica numa modificação profunda, já que esse reconhecimento é da ordem do desejo, um desejo que é próprio do sujeito. Sendo assim, Monique Scheneider acrescenta: 63 Idem, 169 Op. Cit., 73 65 Op. cit., 282 64 ―E é, igualmente, sobre este plano corporal que deverá realizar a admissão da representação. Modificação corporal que terá seu ritmo e lentidão próprios. (...) Adotar uma representação não é, então, simplesmente adotar uma idéia, mas integrar o movimento corporal que lhe é correlativo, movimento que, convertendo-se em afeto, tornar-se-á suscetível de uma aceitação psíquica.‖66 Essas formulações são importantes para Freud situar-se a respeito do sintoma na vida de seus pacientes, assim, reavalia sua concepção em A psicoterapia da histeria: ―Dissemos que esse material se comporta como um corpo estranho, e que também o tratamento atua como a remoção de um corpo estranho do tecido vivo. Estamos agora em condições de ver onde essa comparação fracassa. Um corpo estranho não entra em qualquer relação com as camadas de tecido que o circundam, embora as modifique e exija delas uma inflamação reativa. Nosso grupo psíquico patogênico, por outro lado, não admite ser radicalmente extirpado do ego. Suas camadas externas passam em todas as direções para partes do ego normal; e, na realidade, pertencem tanto a este quanto a organização patogênica. Na análise, a fronteira entre os dois é fixada de maneira puramente convencional, ora num ponto, ora em outro, sendo que em alguns lugares não pode em absoluto ser estabelecida. As camadas internas da organização patogênica são cada vez mais estranhas ao ego, porém mais uma vez sem que haja nenhuma fronteira visível em que se inicie o material patogênico. De fato, o organização patogênica não se comporta como um corpo estranho, porém muito mais como um infiltrado. Nesse símile, a resistência deve ser considerada como aquilo que se infiltra. E o tratamento também não consiste em extirpar algo — a psicoterapia até agora não é capaz de fazer isso — mas em fazer com que a resistência se dissolva e assim permitir que a circulação prossiga para uma região que até então esteve isolada.67 66 67 Op. Cit., 78 Op. cit., 282 Embora, reconheça, neste artigo, o sintoma como algo que se infiltra, ele retomará, nos seus trabalhos posteriores, a noção de corpo estranho. Monique Schneider ressaltou a relevância do caso Elisabeth, na elaboração da primeira teoria freudiana, dizendo: ―É o estudo de Elizabeth que marca a reviravolta mais nítida, e Freud abandona, por sua causa, as metáforas anais por metáforas orais. Assimilar em vez de expulsar o que era então visto como aporte essencialmente de origem externa, pois que acidental. O amor de Elisabeth pelo cunhado, mesmo que adivinhado em circunstâncias acidentais e dramáticas, não poderia ser compreendido sob a forma de um ‗incidente desencadeador‘ do qual bastaria se livrar, tal como se remete ao exterior um agressor, ele mesmo externo. A agressão é, aqui, interna, pulsional e nenhuma fuga eficaz poderia evitála. Nenhuma via de salvação fora do reconhecimento, da adoção. Nesta passagem da teoria do traumatismo à de uma agressão pulsional, Freud se acha compelido a abandonar tanto sua metáfora do corpo estranho, externo, quanto a da terapêutica com rejeição: (...) A terapêutica não consiste em extirpar (...), mas se esforça em fazer cessar a resistência para permitir, assim, a livre circulação em uma via até então barrada.‘‖68 É com base, no ponto de vista econômico e dinâmico, que Freud elabora sua primeira concepção teórica da histeria e, assim, o método terapêutico empregado – método cartático – corresponde a esta teoria. O processo terapêutico era conduzido no sentido de desvendar esses grupos de representações consideradas incompatíveis ao ego. Nesse caminho, logo foi identificado um processo de resistência que dificultava a revelação do conteúdo dessas representações via a fala, reconhecida, desde então, como 68 Op. cit., 77, 78 meio próprio para ab-reagí-los. Contudo, Freud indagava-se sobre o porquê da resistência, já que a ab-reação proporcionava um alívio ao sofrimento. Dedicou-se, então, a pesquisar e analisar o conteúdo dessas representações e a dinâmica do conflito psíquico. A análise do material clínico de seus pacientes, das representações inadmissíveis à consciência, ou seja, ao ego, revelou ―uma característica universal de tais representações: eram todas de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura e dor psíquica, além do sentimento de estar sendo prejudicado; eram todas de uma espécie que a pessoa preferiria esquecer‖.69 É importante sublinhar que a análise dessas lembranças não fundamentava-se, ainda, numa investigação da sexualidade, embora Freud, já reconhecesse a natureza erótica de seus conteúdos. Mas, o que evidencia-se aqui é um conflito: ―Entre o seu amor pelo cunhado e o conjunto de suas concepções morais há, para Elisabeth, uma relação de incompatibilidade ou de contradição. (...) Se o conflito destroça a paciente é porque opõe, não simples idéias, mas movimentos passionais no interior dos quais ela está profundamente engajada. Para designar o motivo desta dissociação à qual Elisabeth recorrerá, Freud se referirá a fatores afetivos e não lógicos ou representativos: ‗A defesa, a revolta de todo o eu contra a aceitação deste grupo de representações, era o motivo, ou seja, a repulsão de todo o eu em se acomodar a este grupo de representações‘. É, então, essencialmente o caráter penoso do afeto – repulsão, vergonha, revolta – que está na origem da cisão que a paciente vai tentar introduzir no plano das representações.‖70 E, são estes fatores que nortearão o caminho da investigação freudiana conduzindo-o ao reconhecimento de que o sexual e o infantil são os determinantes das psiconeuroses, e este fundamento só foi possível construí- 69 70 Op. cit., 264 Op. cit., 63 lo com a descoberta do inconsciente. A análise do caso Dora permite compreender esta nova concepção. A oralidade de Dora Dos Estudos sobre histeria (1895) ao Fragmento da análise de um caso clínico (1905) há uma vasta e rica produção freudiana que lhe possibilitou uma compreensão mais refinada e aguçada da estrutura interna da histeria. As elaborações clínicas, deste período, encaminharam-no, através das fantasias e dos sonhos, ao enigmático campo psíquico do inconsciente. Auxiliado por sua auto-análise e por sua clínica, Freud começou a duvidar da veracidade da sua teoria da sedução, pois reconheceu que ―no inconsciente não há indicações da realidade, de modo que não se consegue distinguir entre a verdade e a ficção que é catexizada com o afeto.‖71 Ele já tratava desta questão, no Projeto para uma psicologia científica,1895, quando distinguiu os processos primário e secundário, postulando que o estado de desejo, que é próprio do inconsciente, cria uma idéia imaginária que não corresponde a uma realidade, porém esta explicação atém-se mais a uma visão neurológica do problema. Assim, foi sendo conduzido a reconhecer que: ―somente com a introdução das fantasias histéricas é que se tornaram inteligíveis a textura da neurose e seu vínculo com a vida do enfermo; evidenciou-se também uma analogia realmente espantosa entre essas fantasias inconscientes 71 Freud, S. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess (1950), 358. dos histéricos e as criações imaginárias que, na paranóia, tornam-se conscientes como delírios.‖72 Nesse sentido, observou o erro da teoria da sedução, dizendo ter supervalorizado a realidade e subvalorizado a infância. Anunciou esse acontecimento a Fliess, ―e sua descoberta quase simultânea do complexo de Édipo, feita em sua auto-análise, (...) levou inevitavelmente ao reconhecimento de que as moções sexuais atuavam normalmente nas crianças da mais tenra idade, sem nenhuma necessidade de estimulação externa.‖73 A partir dessa perspectiva, Freud começou a fazer, da realidade psíquica e do mundo das fantasias, o campo específico da pesquisa psicanalítica. Pode-se considerar, que sua obra prima, A interpretação dos sonhos, 1900, constituiu-se, num marco histórico-conceptual, deste novo campo de pesquisa. Para ele, ―a interpretação dos sonhos é na realidade a estrada real para o conhecimento do inconsciente, a base mais segura da psicanálise.‖74 Apresentou, então, neste trabalho, sua primeira tópica, concebendo o aparelho psíquico como sendo constituído por três sistemas psíquicos: o inconsciente, o pré-consciente e o consciente, especificando que cada um desses sistemas possuía um modo próprio de funcionamento, que Freud denominou processo primário e processo secundário. Caracterizou o sistema inconsciente com sendo regido pelo processo primário que tinha o deslocamento, a condensação e a sobredeterminação como fatores determinantes na dinâmica de seu funcionamento. Identificou que o conteúdo inconsciente era infantil e sexual e, por isso mesmo, gerador de intensos conflitos. 72 _______ Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses (1906), 258 _______Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), 121 74 _______ Cinco Lições de Psicanálise. (1910), 32. 73 Todavia, esta nova formulação teórica só pode ser concebida com a concomitante mudança na técnica analítica. Dessa forma, afirmou Freud, no seu artigo Fragmento da análise de um caso de histeria,1905: ―... desde os Estudos, a técnica psicanalítica sofreu uma revolução radical. Naquela época, o trabalho [de análise] partia dos sintomas e visava esclarecê-los um após o outro. Desde então, abandonei essa técnica por achá-la totalmente inadequada para lidar com a estrutura mais fina da neurose. Agora deixo que o próprio paciente determine o tema do trabalho cotidiano, e assim parto da superfície que seu inconsciente ofereça a sua atenção naquele momento (...), a nova técnica é muito superior à antiga, e é incontestavelmente a única possível.‖75 O tratamento de Dora foi realizado em 1900, e teve pouco tempo de duração, três meses, ―tendo sido interrompido por vontade própria da paciente depois de chegar a certo ponto.‖76 Logo após a interrupção, Freud o redigiu, mas só o publicou em 1905. Conforme James Strachey, este artigo ―é um fragmento de análise de um caso de histeria em que as explicações se agrupam em torno de dois sonhos. (...) Contém ainda resoluções de sintomas histéricos e considerações sobre a base sexual-orgânica de toda a enfermidade‖77 Este artigo ―forma um elo entre A Interpretação dos Sonhos e os Três Ensaios.”78 É muito interessante essa articulação do pensamento freudiano, na construção desse conjunto teórico, há uma seqüência: da descoberta da fantasia de sedução, ele vai afastando-se do acontecimento da realidade externa e penetrando no caminho obscuro dos sonhos, desvendando, 75 _________ Fragmento da análise de um caso de histeria (1905), 20. Idem 77 Idem, 13 78 Idem. 76 assim, a dinâmica psíquica do processo inconsciente. Nessa trilha, ele deparou-se com o infantil e o sexual humano, reconhecendo estes, como determinantes etiológicos do fenômeno psicopatológico. O caso Dora vem revelar os fundamentos clínicos desta hipótese, levando-o à elaboração de sua teoria da sexualidade infantil. Para o editor inglês, os ―Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, juntamente com A Interpretação dos Sonhos, figuram sem dúvida como as contribuições mais significativas e originais de Freud para o conhecimento humano.‖79 Desse modo, neste trabalho, vou fundamentar esta investigação da segunda teoria etiológica freudiana da histeria de conversão, no estudo do caso clínico Dora e da sua teoria da sexualidade infantil. Dora, uma jovem inteligente e perspicaz, tinha 18 anos quando fez sua análise com Freud. Era a filha mais nova do casal, e tinha um irmão, um ano e meio mais velho que ela. Mantinha uma relação de muita admiração e devoção ao pai, principalmente, quando este, que tinha uma saúde muito frágil, adoecia. Porém, com sua mãe, a relação era hostil. Neste aspecto, Dora e a Srta. Elisabeth, eram muito parecidas. As duas jovens eram dedicadas aos cuidados com seus pais, os quais tinham uma influência marcante na formação de suas filhas. Todavia, Freud, na análise de ambos casos, não atentou-se para a relação mãe-filha com mais profundidade. Neste artigo, bem como, na Interpretação dos Sonhos, Freud fez uma pequena referência à trama edipiana na relação entre pais e filhos. Nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade vai abordar o complexo de Édipo, revelando sua importância na vida do sujeito. Mas, a complexidade desse fenômeno, tomou sua forma 79 Idem mais consistente com o estudo sobre a interdição do incesto e a elaboração da fase fálica, na organização sexual infantil. Freud investigou a história da doença de Dora e descobriu que seus sintomas neuróticos datavam desde sua infância, já aos oito anos passou a sofrer de dispnéia crônica e o médico da família diagnosticou o ―distúrbio como puramente nervoso.‖80 Seu psicanalista, distinguiu algumas de suas manifestações sintomáticas, como: ―dispnéia, tussis nervosa, afonia e possivelmente enxaquecas, junto com depressão, insociabilidade histérica e um taedium vitae.‖81 No entanto, devido o curto período do tratamento, apenas alguns poucos sintomas puderam ser elucidados na psicoterapia; outros, Freud fez especulações a respeito da sua possível origem e formação mas, muitos permaneceram incompreendidos. Embora, a formulação do inconsciente, houvesse trazido à luz uma nova compreensão muito mais profunda das bases etiológicas da histeria, alguns importantes pontos da primeira teoria mantiveram-se. Assim Freud, pontuou no caso Dora: ―Desde então tenho visto inúmeros casos de histeria, ocupando-me de cada um por vários dias, semanas ou anos, e em nenhum deles deixei de descobrir as condições psíquicas postuladas nos Estudos, ou seja, o trauma psíquico, o conflito dos afetos e, como acrescentei em publicações posteriores, a comoção na esfera sexual.‖82 Entretanto, neste novo ponto de vista, o próprio conceito de trauma ampliou-se. O incidente traumático, nesta perspectiva, tanto podia ser provocado por um agente externo, quanto por ―influências ou impressões que 80 Idem, 28 Idem, 30 82 Idem, 31 81 pudessem ter surtido efeito análogo ao de um trauma.‖83 Por exemplo, Freud considerou: ―A experiência de Dora com o Sr. K – suas propostas amorosas a ela e a conseqüente afronta a sua honra – parece fornecer, no caso de nossa paciente, o trauma psíquico que Breuer e eu declaramos no devido tempo (Na Comunicação preliminar), ser a condição prévia indispensável para a gênese de um estado patológico. Mas este novo caso também mostra todas as dificuldades que depois me fizeram ir além dessa teoria ... o trauma que sabemos ter ocorrido na vida do paciente não basta para esclarecer a especificidade do sintoma, para determiná-lo.‖84 A cena do beijo na loja do Sr. K., que ficou mantida em segredo até o momento de sua revelação na análise, produziu três distintos sintomas, a partir dos quais, Freud elaborou sua explicação quanto ao processo de formação dos sintomas, neste caso. ―Vale ressaltar que, aqui, três sintomas — a repugnância, a sensação de pressão na parte superior do corpo e a evitação dos homens em conversa afetuosa — provinham de uma mesma experiência, e somente levando em conta a inter-relação desses três signos é que se torna possível compreender o processo de formação dos sintomas. O nojo corresponde ao sintoma do recalcamento da zona erógena dos lábios (mimada demais em Dora, pelo sugar infantil). A pressão do membro ereto provavelmente levou a uma alteração análoga no órgão feminino correspondente, o clitóris, e a excitação dessa segunda zona erógena foi fixada no tórax por deslocamento para a sensação simultânea de pressão. O horror aos homens que pudessem achar-se em estado de excitação sexual obedece ao mecanismo de uma fobia destinada a dar proteção contra o reavivamento da percepção recalcada.‖85 83 Idem, 34 Idem, 33 85 Idem, 36. 84 Nessa perspectiva, a formação dos sintomas obedecem aos mesmos princípios e mecanismos que regem o processo de formação dos sonhos, ou seja, condensação, deslocamento e sobredeterminação, com a diferença de que, observou seu teórico: “O sonho é, em suma, um dos desvios por onde se pode fugir ao recalcamento, um dos principais recursos do que se conhece como modo indireto de representação no psíquico.‖86 O conceito de recalcamento está presente na obra freudiana desde os primórdios de sua investigação da histeria, no primeiro momento, o recalcamento era utilizado como equivalente de defesa, o ponto de vista era de que o recalque transformava uma representação poderosa numa representação fraca, retirando-lhe o afeto, ou seja, a idéia recalcada persistiria como um traço mnêmico fraco, de pouca intensidade, enquanto, o afeto dissociado da idéia seria utilizado para inervação somática. No artigo Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa, de 1894, Freud questionava-se sobre por que das representações de conteúdo sexual serem recalcadas. Respondeu, enfatizando ―o tipo de relação invertida entre a experiência real e a lembrança‖ esta parecia ser ―a precondição psicológica para a ocorrência de um recalcamento.‖87 Ressaltou, então, que a lembrança produzia um efeito excitatório muito mais intenso que a própria vivência. Contudo, neste novo caminho da investigação psicanalítica, ou seja, da investigação da sexualidade infantil inconsciente, a teoria do recalcamento tem uma nova dimensão, tornou-se muito mais complexa, acentuando os fatores constitucionais e hereditários como determinantes do processo do recalque. 86 87 Idem, 23. _________ Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896), 158. No artigo, Minhas teses sobre o papel sexualidade na etiologia das neurose, de 1905, ele esclareceu: ―Assim, as influências acidentais recuaram ainda mais em contraste com o ―recalcamento‖ (como comecei a dizer em lugar de ―defesa‖). Não importavam, portanto, as excitações sexuais que um indivíduo tivesse experimentado em sua infância, mas antes, acima de tudo, sua reação a essas vivências — se respondera ou não a essas impressões com o ―recalcamento‖. Viu-se que, no curso do desenvolvimento, a atividade sexual infantil era amiúde interrompida por um ato de recalcamento. Assim, o indivíduo neurótico sexualmente maduro geralmente trazia consigo, da infância, uma dose de ―recalcamento sexual‖ que se exteriorizava ante as exigências da vida real, e as psicanálises de histéricos mostraram que seu adoecimento era conseqüência do conflito entre a libido e o recalcamento sexual, e que seus sintomas tinham o valor de compromissos entre as duas correntes anímicas.‖88 A psicanálise de Dora foi muito produtiva no sentido de mostrar a intensa vivência sexual nos primeiros anos de vida, bem como, permitiu uma maior compreensão a respeito da formação dos sintomas. Por exemplo, o sintoma de pressão no tórax, que surgiu logo após a cena do beijo, estava associado ao sentimento de repugnância que Dora sentiu ao ser beijada. Mas, por que a repugnância frente à excitação sexual? Na sua análise, Freud partia da premissa de que ele ―tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em que uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos.‖89 E, neste caso, tornava-se mais evidente ser um sintoma histérico, pelo fato de ela, em diversos momentos da análise, ter revelado seu 88 89 Op. cit., 260. ________ Fragmento da análise de um caso de histeria (1905), 35. interesse por este homem. Sendo assim, foi possível identificar que seus sintomas de conversão haviam-se formado através de dois mecanismos: a inversão do afeto e o deslocamento da sensação. Freud havia descrito a repugnância, como um afeto que produzia uma intensa sensação de desprazer, que ele considerou ser própria da membrana mucosa da entrada do tubo digestivo. Assim, ele interpretou a sensação inocente de pressão no tórax de que Dora falava, Disse ele: ―Vale ressaltar que, aqui, três sintomas a repugnância, a sensação de pressão na parte superior do corpo e a evitação dos homens em conversa afetuosa de uma mesma experiência, e somente levando em conta a inter-relação desses três signos é que se torna possível compreender o processo de formação dos sintomas.‖90 Assim Freud, vai elucidando o processo de conversão. Em Elisabeth, ele já havia tratado sobre a formação de uma zona histerogênica, com Dora, vai associando, o sintoma com a sexualidade, o que dará origem ao conceito de zona erógena. Aprofundou-se na história de sua paciente e descobriu que, essa área da boca e dos lábios, constituíam-se, para ela, numa zona erógena, por ter sido altamente estimulada na sua infância. Escreveu: ―Ela lembrava muito bem de ter sido, na infância, uma chupadora de dedo (...) autogratificação pelo ato de chupar (...) a intensa atividade dessa zona erógena em idade precoce constitui, portanto, a condição para a complacência somática posterior do trato da membrana mucosa que começa nos lábios (...) para substituir, na situação de satisfação, o mamilo imaginário e o dedo que fazia às vezes dele pelo objeto sexual atual, o pênis. Assim, essa fantasia perversa e sumamente escandalosa de chupar o pênis tem a mais inocente das origens (...) impressão pré-histórica de sugar o seio da mãe ou da ama – 90 Idem, 36. uma impressão comumente revivida no contato com crianças que estejam sendo amamentadas.‖91 Nos Três Ensaios, Freud caracterizou uma zona erógena, dizendo: ―Trata-se de uma parte da pele ou da mucosa em que certos tipos de estimulação provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade.‖92 Reconhecendo, dessa forma, a existência de uma propriedade erógena do corpo que permite a qualquer parte corporal, qualquer órgão, transformar-se em zona de prazer. No entanto, existem algumas áreas que estão predestinadas a serem uma zona erógena, como: os lábios, o anus, os genitais, que ele chamou de zona erógena primária. Mas, verificou que é somente a intensa atividade dessa zona, em idade precoce, que constrói a trilha da conversão que, neste texto, foi denominada de complacência somática. Essa complacência somática pode ser ―fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado.‖93 Dessa forma, o processo de conversão instaura-se através das vivências sexuais infantis e, é esta característica que possibilita a formação do mecanismo de sobredeterminação do sintoma, quer dizer, ―um sintoma corresponde simultaneamente a diversos significados,‖ mas, também, ―há como que um traço conservador no caráter das neuroses‖94, dirá Freud: ―e é tão raro dispor-se da complacência somática necessária à conversão, que o impulso para a descarga da excitação vinda do inconsciente utiliza, tanto quanto possível, qualquer via de descarga já transitável. Muito mais fácil do que criar uma nova conversão parece ser a produção de vínculos associativos entre um novo pensamento carente de descarga e o antigo, que já não precisa dela. Pela via assim facilitada flui a excitação da nova fonte excitante para o antigo ponto de descarga, e o sintoma se 91 Idem, 55. _______ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade infantil, 171. 93 Op. cit., 45 94 Idem, 56 92 assemelha, segundo as palavras do Evangelho, a um odre velho repleto de vinho novo. Por estas observações, a parte somática do sintoma histérico parece ser a mais estável e a mais difícil de substituir, enquanto a psíquica se afigura como o elemento mais variável e mais facilmente substituível. Todavia, não se deve pretender inferir dessa relação nenhuma hierarquia entre os dois elementos. Para a terapia psíquica, a parte psíquica é sempre a mais significativa.‖ 95 A conexão entre a expressão sintomática de Dora e seus pensamentos inconscientes revelou, claramente, que suas inclinações perversas advinham da infância, a mucosa da boca havia-se constituído numa zona erógena privilegiada por uma intensa atividade prazerosa. Seus sintomas conversivos – afonia, tosse – indicavam haver neles, as características de exclusividade e fixação, que definiam a perversão. Era inevitável, então, o reconhecimento de que ―as forças impulsoras da formação dos sintomas histéricos não prov[inham] apenas da sexualidade normal recalcada, mas também das moções perversas inconscientes.‖96 Outra fonte de grande conflito na vida de Dora era sua forte predisposição homossexual. Freud já havia observado, sua preocupação excessiva com o relacionamento de seu pai com a Sra. K. Ela falava de uma seqüência de fatos e acontecimentos, que justificavam sua suposição da relação amorosa entre eles. Freud já havia observado que, uma ―seqüência hiperintensa de pensamentos deve seu reforço ao inconsciente‖. Em geral, ―um pensamento é consciente com hiperintensividade, enquanto sua contrapartida é recalcada e inconsciente. Essa relação entre os dois pensamentos é um efeito do processo de recalcamento.‖97 Esse processo de 95 Idem, 56, 57. Idem, 54 97 Idem, 58 96 reforçamento do pensamento consciente para manter afastado o pensamento inconsciente foi chamado de reforço reativo ou pensamento reativo. Mas, por que tanta resistência à suposição desse amor? A análise freudiana caminhou, inicialmente, pela vertente amorosa entre pai e filha, a interpretação do sonho de Dora, no qual seu pai a salva do fogo, foi feita com base no pressuposto de que ―o desejo que cria o sonho sempre provém da infância e sempre tenta retransformá-la em realidade, corrigir o presente segundo a infância.‖98 Nesse sentido, ―seu equivalente ali foi a invocação do amor infantil pelo pai como proteção contra a tentação atual.‖99 Essa conduta ciumenta representava um enamoramento da infância. Todavia, essa seqüência hiperintensa de pensamentos ocultava, também, a sua predisposição homossexual, ou seja, seu amor pela Sra. K., que se revelou no sonho com a caixinha de jóia de sua mãe. Essa inclinação de Dora provinha de suas experiências masturbatórias. Essa rica experiência clínica, bem como, suas elaborações teóricas, o levaram a advertir: ―Precisamos aprender a falar sem indignação sobre o que chamamos de perversões sexuais – essas transgressões da função sexual tanto na esfera do corpo quanto na do objeto sexual.‖100 Na realidade, a sexualidade humana se compõe dessas transgressões que se manifestam, com maior ou menor intensidade, de acordo com a história sexual infantil do sujeito. Na sua clínica, as moções anímicas revelavam que: ―todos os psiconeuróticos são pessoas de inclinações perversas fortemente acentuadas, mas recalcadas e tornadas inconscientes no curso de seu desenvolvimento. Por 98 Idem, 72 Idem, 87 100 Idem, 53 99 isso suas fantasias inconscientes exibem um conteúdo idêntico ao das ações documentadas dos perversos (...) As psiconeuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões.‖101 No resumo de seus estudos sobre a sexualidade, ele vai acrescentar, o ponto de vista de que, há uma ―tendência uniforme a toda sorte de perversões algo que é universalmente humano e originário.‖102 Ou seja, ela não é específica apenas nas psicopatologias, nestas, elas apresentam-se de forma mais acentuada e constituem sua base etiológica. Outro ponto importante, é a vinculação da pulsão sexual aos processos afetivos, por exemplo, no caso Dora, ao interpretar a cena do beijo na loja, Freud compreendeu porque a repugnância se inclui nas manifestações afetivas da sexualidade, dizendo: ―a sensação de nojo parece ser, originalmente, uma reação ao cheiro (e depois também a visão) dos excrementos. Mas os órgãos genitais, e em especial o membro masculino, podem lembrar as funções excretoras, porque aqui o órgão, além de desempenhar a função sexual, serve também a de micção. Na verdade, esta é a primeira das duas a ser conhecida, e é a única conhecida durante o período pré-sexual.‖103 Desde a Comunicação Preliminar, já se destacava a relevância dos processos afetivos na formação dos sintomas, e parece-nos que na trajetória teórica freudiana, este ponto de vista vai-se consolidando e ampliando sua dimensão, assim, nos Três Ensaios, Freud dirá: ―Do estudo das perversões resultou-nos a visão de que a pulsão sexual tem que lutar contra certas forças anímicas que funcionam como resistências, destacando-se entre elas com máxima clareza a vergonha e o asco. É lícito conjecturar que essas forças contribuam para circunscrever a pulsão dentro dos limites considerados normais.‖104 101 Idem, 54 _______ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905), 179 103 ________ Fragmento da análise do caso Dora (1905), 37 104 ________ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 152 102 Ainda, numa nota acrescentada neste artigo, em 1915, ele ressaltou a importância dessas forças na psicogênese da humanidade, dizendo: ―Por outro lado, nessas forças represadoras do desenvolvimento sexual – asco, vergonha e moral – deve-se ver também um sedimento histórico das inibições externas que a pulsão sexual experimentou na psicogênese da humanidade. No desenvolvimento de cada um, observa-se que elas emergem no momento apropriado, como que espontaneamente, a um sinal da educação e da influência externa.‖105 Histeria: um intenso desejo sexual Neste caso, a fonte de todas as psiconeuroses baseia-se no conflito entre uma necessidade sexual desmedida e uma excessiva renúncia do sexual, isso devido ao processo de recalcamento que produz uma cisão e forma esses pares de opostos. Por exemplo, Freud apontou como uma das características da histeria a manifestação intensa de asco em relação à genitália e pressupôs ―que a força da pulsão sexual [gostava] de se exercer na dominação desse asco.‖106 Neste estudo, uma característica importante da histeria foi revelada: ―nessa neurose, o recalcamento afeta sobretudo as zonas genitais propriamente ditas, e estas transmitem sua excitabilidade a outras zonas erógenas, de outro modo relegadas na vida adulta, que então se comportam exatamente como genitais‖107 105 Idem Idem, 142 107 Idem, 172 106 Para tanto, destacou dois conceitos considerados imprescindíveis na composição deste estudo, que são: as zonas erógenas e as pulsões parciais. Freud, assim definiu pulsão: ―Por ‗pulsão‘ podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do ‗estímulo‘, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico.‖108 As investigações sobre as aberrações sexuais e as perversões fomentaram a concepção de pulsões parciais. A intensa atividade excitatória num órgão suscitava a formação de uma zona erógena. A pulsão parcial partia desse órgão erogenizado exigindo uma descarga. O processo de conversão contém esse processo de descarga, através da condensação e deslocamento, presentes no sintoma. Em relação à neurose, as zonas erógenas: ―se comportam em todos os aspectos como uma parte do aparelho sexual. Na histeria, esses lugares do corpo e os tratos de mucosa que partem deles transformam-se na sede de novas sensações e de alterações da inervação – e mesmo de processos comparáveis à ereção -, tal como os próprios órgãos genitais diante das excitações dos processos sexuais normais.‖109 108 109 Idem, 157, 158 Idem, A neurose histérica permite identificar um grau de recalcamento sexual que ultrapassa a medida normal. Eis a enigmática contradição da histeria: uma necessidade sexual desmedida e uma excessiva renúncia ao sexual. Com Dora, assistimos Freud apresentar o que corresponde ao essencial de sua concepção a aversão do neurótico à sexualidade, ou seja, sua incapacidade de amar, um traço psíquico que nomeou como recalcamento, como insistiu em reiterar em 1905. Capítulo III Um estudo teórico e clínico da psicopatologia de Breno ―A psicopatologia parte do vivido na clínica e busca a construção de um logos que represente, com justeza, esse mesmo vivido, sem se prender a outras exigências, a outros amores.‖110 É baseada nesta concepção que a psicopatologia fundamental se posiciona, que irei desenvolver o estudo teórico do caso Breno, buscando construir um logos que represente, com justeza, esse mesmo vivido. Na apresentação desse caso clínico, no capítulo II, destaco alguns fragmentos que me levaram à suposição de que se tratava de uma grave histeria de conversão; neste capítulo irei trabalhar na fundamentação desta hipótese, enfatizando, dois pontos: a formação do seu sintoma de conversão e o afeto de desamparo na origem da constituição do sintoma. Adolescere: uma dificuldade em fazer amor consigo mesmo Primeiramente, é importante compreender quando o sintoma paralisante se manifesta, aos treze anos de idade, na efervescente adolescência e com todos os fantasmas dos impulsos sexuais que foram engendrados na infância, particularmente aqueles suscitados pela masturbação, que parecem aflorar com toda sua intensidade nesse momento. 110 Berlinck, Manoel Tosta. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. III, nº 4, dezembro de 2000, 9 Freud, na elaboração de sua teoria sexual reconheceu que: ―Com a chegada da puberdade introduzem-se as mudanças que levam a vida sexual infantil a sua configuração normal definitiva. Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica; agora, encontra o objeto sexual. Até ali, ela atuava partindo de pulsões e zonas erógenas distintas que, independendo umas das outras, buscavam um certo tipo de prazer como alvo sexual exclusivo. Agora, porém, surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões sexuais se conjugam, enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da zona genital.‖111 Porém, ele reconheceu também, que: ―Como em todas as outras ocasiões em que se devem realizar no organismo novas combinações e composições que levam a mecanismos complexos, também aqui há uma oportunidade para perturbações patológicas, caso essas reordenações não se realizem. Todas as perturbações patológicas da vida sexual devem ser consideradas, justificadamente, como inibições do desenvolvimento.‖112 Então, quais as inibições de Breno que se manifestavam no seu sintoma indicando uma enérgica rejeição à masturbação? A análise freudiana do caso Dora permitiu- lhe identificar que uma das razões de seu sofrimento era a masturbação, ela apresentava vários sintomas como catarro vaginal, dores estomacais, que apontavam primordialmente para esse ato prazeroso. Num exame mais detalhado da masturbação, ele verifica que sua origem está no auto-erotismo infantil, mais especificamente, na fase fálica, quando a criança fica horas devaneando no manuseio de seus genitais. Essa fase é muito significativa no processo de evolução da libido, na qual os genitais assumem maior relevância na vida sexual infantil. Todavia, observou: 111 112 Idem, 195 Idem, 195, 196 ―os sintomas histéricos quase nunca se apresentam enquanto as crianças se masturbam, mas só depois, na abstinência; constituem um substituto de satisfação masturbatória, que continua a ser desejada no inconsciente até que surja alguma outra satisfação mais normal, caso esta ainda seja possível.‖113 Também verificou que em virtude das transformações da puberdade, essas pulsões auto-eróticas retornam, vindo com elas a masturbação que se constitui uma característica marcante da sexualidade adolescente pois é delas, que procedem os motivos da escolha objetal do adolescente. Mas, a conversão de Breno o impedia de tocar seu corpo, de sentir sua pele e seu sexo, revelando um grande repúdio ao desejo de fazer amor consigo mesmo. O tesão do Breno não estava no pau que devia ficar duro, mas nos outros membros, visto que eram os braços e as pernas que ficavam duros. Nesse sentido, a teoria freudiana especifica que ―nesta neurose, o recalcamento afeta sobretudo as zonas genitais propriamente ditas, e estas transmitem sua excitabilidade a outras zonas erógenas.‖114 Freud, assim, caracterizou uma zona erógena: ―trata-se de uma parte da pele ou mucosa em que certos tipos de estimulação provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade.‖115 Quer dizer, qualquer parte do corpo ou órgão possuem a propriedade erógena e podem converter-se numa zona erógena. Assim, a conversão implica num considerável investimento de libido concentrada na zona erógena que é eleita na vivência da sexualidade infantil. Para ele, no inconsciente dos psiconeuróticos demonstrar, como formadoras do sintoma, todas as é possível tendências à transgressão anatômica. Por isso, ele vai asseverar que o sintoma de 113 _______ Fragmento da análise de um caso de histeria (1905), 79 _______ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), 172 115 Idem, 171 114 conversão é a atividade sexual do histérico, ele contém um gozo, mas um gozo que traz em si uma enérgica aversão à sexualidade. Em Breno, quais os fatores determinantes do seu intenso conflito entre: uma necessidade sexual desmedida e uma excessiva renúncia ao sexual? O furo no pé e a angústia de castração narcísica Penso que o incidente traumático, o furo no pé, permite-me vislumbrar essa questão. Breno falou da dor que sentiu quando furou o pé, essa dor tem a ver com os seus fantasmas do pé furado, a respeito dos quais, não fala nada, mas faz-me supor que foram tão fortes, que tomaram a forma paralisada. Sabe-se, pela lenda do Édipo que esse furo no pé contém uma representação simbólica significativa que esta relacionada ao fenômeno do complexo de Édipo, o qual foi considerado por Freud, no artigo A dissolução do complexo de Édipo, 1923, como ―o fenômeno central do período sexual infantil.‖116 Desde o início de suas investigações sobre a etiologia da histeria, Freud identificou uma relação de cunho erótico entre pais e filho. No caso Elisabeth, por exemplo, que tratarei no capítulo seguinte desta dissertação, ele observou uma dedicação extremada dessa filha ao pai, que renuncia aos desejos amorosos para cuidar do seu genitor, esta e outras experiências clínicas fizeram-lhe formular a sua teoria da sedução, a qual sustentava que 116 _________ A dissolução do complexo de Édipo (1924), 217 que o trauma psíquico era decorrente de abusos sexuais infantis, geralmente praticados por adultos, especialmente o pai. Esclareceu este ponto de vista, no artigo, Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa, 1896, dizendo: ―Para causar a histeria, não basta ocorrer em algum período da vida do sujeito um evento relacionado com a vida sexual e que se torne patogênico pela liberação e supressão de um afeto aflitivo. Pelo contrário, tais traumas sexuais devem ter ocorrido na tenra infância, antes da puberdade, e seu conteúdo deve consistir numa irritação real dos órgãos genitais (por processos semelhantes à copulação).117 Ele acreditava, firmemente, na ocorrência de um acontecimento real de agressão sexual na infância como causa da predisposição à neurose. Considerou como um determinante específico da histeria – a passividade sexual durante o período pré-sexual. A posição passiva diante do abuso sexual, ocorrido antes da puberdade, seria o fator determinante da escolha da neurose. Nesta primeira teoria sobre a psicogênese da neurose, Freud vai articular três conceitos básicos: traumatismo sexualidade e recalque. Mas, suas investigações o conduzem a uma outra formulação teórica pois reconheceu a existência das fantasias de sedução. Assim, na carta 69 a Fliess, de 21.9.1897, Freud escreveu: ―Permite-me que te confie sem maiores delongas o grande segredo que no curso dos últimos meses se me foi revelando paulatinamente: já não acredito na minha Neurótica. (...) O primeiro grupo de motivos de minha atual incredulidade é formado pelos contínuos fracassos em conduzir minhas análises a uma verdadeira conclusão (...); em segundo lugar, a assombrosa circunstância de que todos os casos obrigavam a atribuir atos perversos ao pai; (...) em terceiro, a inegável comprovação de que 117 ________ Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896), 155 no inconsciente não existe um ‗signo de realidade‘, de modo que é impossível distinguir uma verdade de uma ficção afetivamente carregada (...); em quarto, a consideração de que nem mesmo nas psicoses mais profundas chega a irromper a recordação inconsciente, de modo que o segredo das vivências infantis não se traduz sequer no mais confuso estado delirante.‖118 A descoberta do conflito edipiano foi concomitante a descoberta da fantasia, particularmente, quando Freud deu início a sua auto-análise. Ele vai tratar deste tema em vários artigos, dedicando especial atenção às relações amorosas e hostis entre pais e filhos, e principalmente, quando reconheceu a barreira do incesto como uma interdição cultural instituída para preservar a família e a espécie, e formulou sua teoria das organizações pré-genitais infantis. Todavia, foi com a formulação da segunda tópica, especialmente, com o conceito de ego e de identificação, que o complexo de Édipo assumirá sua significação estruturante mais definida. Assim, no artigo A dissolução do complexo de Édipo, 1924, ele o reconhecerá ―como o fenômeno central do período sexual da primeira infância,‖119 situando-o no período da fase fálica, ou seja, no momento em que o órgão genital já assumiu um papel de destaque para a criança. Quando vai reconhecer a diferença sexual a partir de um único órgão, o pênis – o falo: aquele que tem e aquele que é castrado, em torno do qual a criança, tanto o menino quanto a menina, desenvolverá suas teorias sexuais infantis. Neste artigo, Freud assinalou a importância desse fenômeno, tanto a nível ontogenético, no qual é necessário que haja a superação do Édipo, para que haja novos investimentos objetais, quanto a nível da filogenética, quando dirá: 118 119 Mezan, Renato. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989, 66 Freud, S. A dissolução do complexo de Édipo (1924), 217 ―Embora a maioria dos seres humanos passe pelo complexo de Édipo como uma experiência individual, ele constitui um fenômeno que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está fadado a findar de acordo com o programa, ao instalar-se a fase seguinte preordenada de desenvolvimento.‖120 Em outras palavras, a exigência da superação do Édipo é filogeneticamente determinada pela barreira do incesto como forma de manutenção da própria espécie – o homem e a mulher. Assim, dentre os meios psíquicos constituídos para atender essa exigência de sobrevivência psíquica encontra-se o complexo de castração, que atua com uma função de interdição nessas relações edipianas primárias. Conforme Freud, é ―essa ameaça de castração o que ocasiona a destruição da organização genital fálica da criança.‖121 Esses complexos são diferentes tanto para a menina quanto para o menino. No menino, asseverou: ―se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte do corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse conflito, triunfa normalmente a primeira dessas forças: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo.‖122 O complexo de Édipo se constrói na trama do romance familiar, ou seja, nas relações afetivas entre pais e filhos, constituindo-se no ponto nuclear de toda a neurose. Sendo assim, quais os enlaces que permeavam a relação familiar de Breno e que fomentavam a formação do seu sintoma? A cena da primeira entrevista dá indicativos do quão problemática era a questão edipiana para Breno. Seu sintoma de conversão: ombros e pescoço arriado que o impedia de olhar de frente às pessoas; braços 120 Idem, 218 Idem, 219 122 Idem, 221 121 enrijecidos e rigidamente afastados do seu corpo; mão ―tipo gancho‖ e contratura nas pernas arqueadas. O pescoço curvado o impedia de olhar às pessoas de frente, como se seu olhar estivesse fixado no seu genital. Sua conversão o impedia de caminhar sozinho, sem estar pendurado nessa mãe; ambos expressavam intenso incômodo. O que continha, em todo esse quadro, que não ultrapassava o corpo? Na transferência, eu tento identificar esse momento e ele reconheceu a dor e a angústia que o invadiam, mas logo, abaixa a cabeça, dizendo que chora frente às emoções, pois não sabia nomear que emoções seriam importantes para ele, demonstrando ter muito medo de falar sobre elas, então, muda de assunto para dizer que foi bem nos exames, como se dissesse: eu não sei falar de meus problemas, mas a minha cabeça vai bem; como se fosse guiado por um movimento de negação da castração, que também comparecia nas suas identificações com os heróis, com quem pode ultrapassar todas as barreiras, no jogo ele é o homem fálico. Essa interpretação conduziume à hipótese de que este adolescente vivenciava uma intensa angústia de castração narcísica. E o ambiente familiar, traduzido nos desenhos como a cidade perigosa era-lhe muito ameaçador. Talvez, os perigos fossem: cortar o pé, o pênis e o direito de ser menino. A família de Breno compunha-se do pai, mãe e uma irmã, que era quatro anos mais nova que ele. Neste contexto, a mãe era a pessoa dominante, principalmente, por causa de seu excesso de autoritarismo; em casa, seu marido a apelidava de militar devido ser muito exigente e disciplinadora. Ela própria reconhecia sua rigidez afetiva, dizendo: ―eu não sou muito carinhosa, meu marido é que é mais carinhoso com eles (os filhos). Eu me escondo atrás da atitude dele de carinho.‖ Parecendo ser muito difícil, para ela, a relação amorosa com os filhos pois não sabia lidar com seus próprios afetos, escondendo-se por trás do marido. Breno expressava sentimentos de extrema ambivalência em relação a sua genitora, culpava-a pelo agravamento do seu estado, dizendo: ―ela fica exigindo que eu seja normal, por isso estou assim‖ ao mesmo tempo, dizia: ―mas eu a amo‖, embora ela queira ver-me castrado. Era justamente a ambivalência desses afetos que o atormentavam e o levavam a uma paralisação, expondo-o a uma dependência quase total do outro, particularmente sua mãe, pois seu pai, devido as suas próprias dúvidas e incertezas, colocava-se timidamente nessa relação, como se ele também se sentisse castrado. Ele vivenciava esse conflito com intenso medo e raiva, estes eram os afetos predominantes, embora tenha expresso em alguns momentos, sentimentos de profunda tristeza. Sentia uma grande raiva das pessoas pois elas não compreendiam seu sofrimento. Sua mãe duvidava de seu sofrimento pois, em casa, quando estava jogando vídeo game, seus sintomas desapareciam, então ela achava que ele não andava direito porque não queria, repreendia-o severamente para que ficasse normal, como se ela quisesse negar a gravidade do problema do filho, que causava-lhe muita angústia e, provavelmente muita culpa. Isto o aborrecia profundamente, dizia: ―eu fico assim porque as pessoas riem de mim. Elas ficam achando que sou palhaço.‖ Indaguei-lhe: elas, quem? Respondeu-me: ―todo mundo, até mamãe. Fico com raiva, dá vontade de dar porrada, por isso fico nervoso. Elas não sabem que sofro, pensam que sou palhaço.‖ Mas Breno, quando indagado sobre seu sofrimento, só conseguia expressar, com muito esforço, umas poucas palavras, parecendo que o canal de elaboração psíquica, via o pensamento e a fala, estavam embotados. Neste ponto, desejo refletir um pouco sobre seu sintoma de conversão. Na transferência, ele usava o corpo para mostrar-me diferentes mensagens e solicitava que eu percebesse essas mensagens corporais, e isso constituiu-se num setting terapêutico importante para ele sentir-se mais seguro em deixar seu corpo com mais movimento, demonstrando muita expressividade. Freud, na sua clínica, particularmente, de Elisabeth e de Dora, observou o corpo falante de suas pacientes, e o considerou como um elemento importante na terapia e compreensão da formação do sintoma. Em Elisabeth, por exemplo, a variação de intensidade da sua dor na perna, era um elemento indicativo no processo terapêutico, bem como, a explicitação das conversões de Dora, permitiram-lhe avançar sua investigação da sexualidade infantil e compreender a operação do recalque sobre as pulsões sexuais – Dora era uma chupadora de dedo na infância e a repugnância desse prazer causavam-lhe dores estomacais. No entanto, neste artigo, ele advertiu: ―Até onde posso ver, todo sintoma histérico requer a participação de ambos os lados. Não pode ocorrer sem a presença de uma certa complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado. (...) Para a terapia, os determinantes mais importantes são os fornecidos pelo material psíquico acidental; os sintomas são dissolvidos buscando-se sua significação psíquica. Uma vez removido tudo o que se pode eliminar pela psicanálise, fica-se em condições de formar toda a sorte de conjecturas, provavelmente acertadas, sobre as bases somáticas dos sintomas, que em geral são contitucionais e orgânicas.‖123 Ou seja, essa significação condensada no corpo precisa ser conduzida para uma expressão verbal, pela fala, mas na histeria isso parece ser muito difícil e Breno fazia um enorme esforço para encontrar as palavras que pudessem nomear seu sofrimento; em alguns momentos, ele não as encontrava e isso o deixava muito excitado, e esse dispêndio de energia fazia-o dizer: ―eu não quero mais falar, estou cansado‖, o que era acolhido na análise, então ele relaxava com o silêncio. Entretanto, por que essa dificuldade? Considerei esta característica do sintoma de conversão importante, e retomarei a questão no final deste capítulo. Então, qual a significação psíquica do sintoma de Breno? Ele parecia falar da sua angústia de castração narcísica pois sentia-se atacado não só na sua imagem física, como também na imagem viril, e como não tinha palavras para nominar seus desejos libidinais, estava sempre invadido pelo medo e cólera contra os objetos internos que impunham essa castração. Esta hipótese fundamenta-se na formulação freudiana de sintoma apresentada no artigo, Inibições, Sintoma e Ansiedade, 1926, no qual esclareceu: ―os sintomas só se formam a fim de evitar a angústia: reúnem a energia psíquica que de outra forma seria descarregada como angústia. Assim este seria o fenômeno fundamental e o principal problema da neurose.‖ 124 Evitar a angústia seria a função desse processo defensivo mas, qual seria a origem da angústia, que Freud a caracterizou como tendo a qualidade de um afeto intensamente desprazeroso? 123 124 _______ Fragmento da análise de um caso de Histeria (1905), 45 _______ Inibições, sintomas e ansiedade (1926), 168 Nos Três Ensaios, quando ele tratou da angústia infantil, referiuse à angústia que a criança sente frente a separação da pessoa amada, porém reconheceu, que nem todas as crianças ficam tão angustiadas com a separação, somente aquelas ―com uma pulsão sexual desmedida, ou prematuramente desenvolvida, ou que se tornou muito exigente em função de mimos excessivos.‖125 Na nota acrescentada em 1920, neste artigo, ele diz que: ―um dos resultados mais significativos da investigação psicanalítica é a descoberta de que a angústia neurótica nasce da libido insatisfeita, é produto da transformação desta e, portanto, mantém com ela uma relação como a do vinagre com o vinho.‖126 Esta formulação manteve-se em vigor durante todo o percurso da obra freudiana, todavia, com a elaboração da segunda tópica, esta questão torna-se mais complexa, no artigo Inibição, Sintoma e Angústia, ele a abordará, dizendo: ―O nascimento foi encarado como sendo o protótipo de todas as situações ulteriores de perigo que se apoderavam do indivíduo sob as novas condições decorrentes de um modo de vida modificado e um crescente desenvolvimento mental. (...) Ou o estado de angústia se reproduzia automaticamente em situações análogas à situação original e era assim uma forma inadequada de reação em vez de apropriada, como fora na primeira situação de perigo, ou o ego adquiria poder sobre a emoção, reproduzia-a por sua própria iniciativa e a empregava como uma advertência de perigo, e como meio de por o mecanismo de prazer-desprazer em movimento.‖127 Assim duas modalidades da origem da angústia se apresentam: uma, involuntária e automática e, a outra, que provinha do ego. É dessa instância que procede a angústia como sinal de alerta, para tanto, dizia ele: 125 _______ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), 211 Idem, 211 127 _______ Inibições, sintomas e ansiedade ((1926), 186 126 ―o ego sujeita-se à angústia como uma espécie de inoculação, submetendo-se a um ligeiro ataque da doença a fim de escapar a toda a sua força. Ele vividamente imagina a situação de perigo, por assim dizer, com a finalidade inegável de restringir aquela experiência aflitiva a uma mera indicação, a um sinal.‖128 No entanto, em relação a angústia que surge diretamente da libido insatisfeita, o sinal de alerta não funciona, o ego fica reduzido a um estado de desamparo em face de uma tensão excessiva decorrente da exigência pulsional, recorrendo ao processo defensivo da formação de sintoma. Entre as situações de perigo, de grande ameaça ao ego, Freud considerou ―a angústia de castração como a única força motora dos processos defensivos que conduzem a neurose,‖129 ressaltando, ainda, que essa ameaça torna-se mais forte com a chegada de um irmãozinho pois a ameaça maior e a perda do objeto querido. A separação do seio, a dejeção, chegada de um irmão têm equivalência simbólica, por isso reforçam as fantasias da castração. Então o falo torna-se um importante objeto da castração. Nesse sentido, recorro à clínica de Breno para ilustrar de forma bem nítida essa ameaça. Numa certa sessão, Breno falou do ciúme e da inveja que sentiu quando sua irmã nasceu; na época, ele tinha quatro anos, dizendo: ―eu fiquei com muita inveja quando minha irmã nasceu. Pensava que eles só iam ligar pra ela, iam esquecer de mim. Tinha muita inveja, mas eu era grande. Quando ela nasceu, um dia, a mamãe me pegou pegando água na geladeira e eu tomei na mamadeira. Ela disse, Breno, tu já és grande! (...) Eu lembro que eu acordava e ia no quarto. Pegava todos os lençóis e colocava em cima dela, ela ficava se mexendo. A mamãe quando via brigava, dizia que ela 128 129 Idem, 187 Idem, 129 era pequena, pra mim não fazer isso, e me colocava pra fora do quarto.‖ Intervi, dizendo-lhe: Sabe Breno a gente, às vezes, tem muita raiva de irmão, quer que ele desapareça. Imaginas tu eras o único filho, aí vem uma irmã e as atenções da mãe se voltaram todas para ela, isso dá muito ciúme, talvez fosse bom ficar no lugar dela. Ele diz: ―é, eu não queria vê-la, mas eu amo minha irmã.‖ Breno falava dessas recordações muito excitado, esperneando no divã como se fosse o próprio bebê sob os lençóis. No final desta sessão, ele saiu do consultório caminhando sozinho. Nesta perspectiva, o nascimento de sua irmã constituiu-se num importante incidente traumático em sua vida porque provocou-lhe uma intensa angústia de castração frente a possibilidade de perda do objeto amado, talvez se perguntasse se não seria melhor ser menina, que é outro fantasma da castração. Mas não se pode avançar nesta conjectura, pois foi muito curto seu tratamento. Porém, essa cena do bebê esperneando, remeteu-me ao desamparo. Breno ansiava pela presença de um outro que tratasse de seu sofrimento, da sua psicopatologia. Nas palavras de Manoel Berlinck: ―‗Psicopatologia‘ literalmente quer dizer: um sofrimento, uma paixão, uma passividade que porta em si mesmo a possibilidade de um ensinamento interno que não ocorre a não ser pela presença de um médico (pois a razão é insuficiente para proporcionar experiência). Como pathos torna-se uma prova e, como tal, sob a condição de que seja ouvida por um médico, traz em si o poder de cura. Isso coloca imediatamente a posição do terapeuta. Pathos não pode ensinar nada, ao contrário, conduz à morte se não for ouvido por aquele que está fora, por aquele que, na condição de espectador no teatro grego do tempo de Péricles, se inclina sobre o paciente e escuta essa voz única se dispondo a ter, assim, junto com o paciente, uma experiência que pertence a dois.‖130 130 Berlinck, Manoel Tosta. Psicopatologi Fundamental. São Paulo: Editora Escuta, 2000, 21 E nessa clínica a dois, escuto Breno falar, com muita freqüência do seu medo como algo muito castrador, certa sessão falou, com muito esforço e gaguejando: ―medo pra mim das pessoas. Eu fico, fico, fico incomodado. É incômodo. Aí eu perco a minha noção, todo apoio. Como é que faço isso ou aquilo? Medo das pessoas. É emocional! Isso é emocional! Aí eu tento encontrar minha coordenação motora e não consigo. Eu não consigo encontrar minha coordenação motora!‖ Essa fala de Breno, dentre outras, fizeram-me compreender que ele falava da sua impotência, do seu grande desamparo frente a forças conflitantes tão poderosas, que não conseguia dominar pois estava subjugado pelo medo. Nesse sentido, compreende-se o sentimento de profunda tristeza, que ele carregava, pois só sabia dizer que era emocional. Aí estavam os fantasmas que eram carregados de emoções fortes que o faziam solicitar apoio, suporte para os desejos típicos da adolescência, como se quisesse compreender o sentimento de impotência sexual ao qual condenou partes de seu corpo, particularmente, seus genitais. Essa foi uma condenação cruel, pois sabe-se o quão precioso é o pênis, como relata Freud: ―Essa parte do corpo, facilmente excitável, inclinada a mudanças e tão rica em sensações, ocupa o interesse do menino em alto grau e constantemente estabelece novas tarefas ao seu instinto de pesquisa. Ele quer vê-la também em outras pessoas, de modo a compará-la com a sua, e comporta-se como se tivesse uma vaga idéia de que esse órgão poderia e deveria ser maior. A força impulsiva que essa porção masculina do corpo desenvolverá posteriormente na puberdade.‖131 A força dessa porção masculina no corpo de Breno estava deslocada para seus membros, mas ele tinha um sonho, um sonho de tornar-se 131 ________ A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade. (1923), 181 viril, que ele mantinha numa identidade secreta, expressando vitalidade e combatividade para lutar pelo seu corpo, que vai se revelando no anseio dirigido ao terapeuta: ―eu quero ser normal, jogar bola, andar de bicicleta‖, mas estava impossibilitado devido ao sintoma de conversão que o impedia de caminhar sozinho, sem o auxílio da mãe. Essa oposição entre o desejo de uma autonomia, de um crescimento, e um desejo, também profundo, dependência do outro, de parecia ser seu conflito maior, e sua conversão colocava de forma bem transparente esse conflito, permitindo uma leitura possível do sentido do seu sintoma. Crescer, na concepção freudiana, ―conduz a um desligamento sempre crescente dos pais e a significação pessoal desses para o superego retrocede para o segundo plano;‖132 todavia, para Breno esse caminho era muito difícil e doloroso. Seu sintoma de conversão remetia-o a momentos muito primitivos e ele não conseguia caminhar com suas próprias pernas. Dizia: ―eu não quero regredir. Quero ficar grande assim‖ Parecia falar de uma força poderosa e ameaçadora que o atraía em sua direção, ao mesmo tempo em que, uma outra força, com igual poder, repelia essa atração; ou seja, seu sintoma revelava de forma crua o conflito edipiano que vivenciava, dessa forma, o impedimento de Breno estava centrado no complexo edipiano e no de castração. Esses fenômenos se constituem dentro de um contexto de relações parentais primárias, dos primeiros investimentos objetais, que formam a base a partir das quais irão construir-se as escolhas objetais futuras. Assim: ―a escolha de objeto da época da puberdade tem que renunciar aos objetos infantis e recomeçar como uma corrente sensual. A não confluência dessas duas correntes 132 ________ O problema econômico do masoquismo (1924), 209. tem como conseqüência, muitas vezes, a impossibilidade de se alcançar um dos ideais da vida sexual – a conjugação de todos os desejos num único objeto.‖133 Mas a superação do complexo de Édipo é determinada tanto por fatores constitucionais quanto por fatores hereditários, transgeracionais. E isso é muito importante, diz Freud: ―um dos melhores prenúncios de neurose posterior é quando a criança se mostra insaciável em sua demanda de ternura dos pais; por outro lado, são justamente os pais neuróticos, que em geral tendem a exibir uma ternura desmedida, os que mais contribuem, com suas carícias, para despertar a disposição da criança para o adoecimento neurótico. Deduz-se desse exemplo, aliás, que os pais neuróticos têm caminhos mais diretos que o da herança para transferir sua perturbação para os seus filhos‖134 E, como esse importante fator se apresenta no romance familiar de Breno? O fenômeno transgeracional: a marca do outro Em Breno, o adoecimento dos pais, o pathos de cada um, foram muito significativos na formação do seu sintoma. Nessa clínica, a angústia materna vai bloquear o trabalho analítico do filho. Assim, no percurso da análise, observei que a conversão de Breno vai se modificando, seu corpo endurecido pela enérgica rejeição ao ato masturbatório vai ficando trêmulo, seus órgãos que estavam inervados mantêm-se numa ininterrupta movimentação, parecendo sentir-se mais seguro para deixar seu corpo com mais movimento, como se toda a energia libidinal investida no objeto fosse 133 134 _______ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), 188 Idem, 210 retornando e fosse ocorrendo um maior investimento narcísico. No momento em que ele conseguiu dizer: ―tu notaste que os meus braços não estão mais levantados (levanta-se); oh, estou de pé; meu corpo não é mais inútil!‖, expressando muita alegria e orgulho, sua mãe retira-o da análise. D. Graça, sua genitora, bloqueou o trabalho analítico justamente quando viu a mudança em seu filho - nesse ínterim, ele havia falado muito vaidoso de si, que havia beijado uma menina na boca. Ela já o havia proibido de ficar no banheiro com a porta trancada, revelando ser muito invasiva na intimidade sexual do filho. Parecia que, conscientemente, ela tinha uma grande satisfação pela castração do filho, e ele compreendia isso e não queria ser o palhaço e sentia-se ferido com essa possibilidade de ser palhaço, dizia: ―eu fico assim porque elas riem de mim. Elas ficam achando que sou palhaço (...) elas não sabem que eu sofro, pensam que sou palhaço.‖ Dessa forma essa mãe tinha um prazer sádico em relação ao filho. No livro Neuroses de transferência: uma síntese, Freud vai tratar sobre a história filogenética da humanidade correlacionando-a com a história ontogenética do indivíduo. Diz ele: ―com isso chega-se ao problema da disposição filogenética atrás da individual, ou ontogenética, e não há contradição quando o indivíduo adiciona às suas disposições herdadas, baseadas em vivência anterior, as disposições recentes baseadas em vivências próprias‖135 Esta questão levará Ferenczi e Freud a realizarem um profundo e complexo estudo da arqueologia humana e nestes estudos um dos fatos constatados é que ― a neurose é também uma aquisição cultural.‖136 A cultura é passada de geração em geração, principalmente pela família, logo, a neurose 135 136 ________ Neuroses de transferência: uma síntese (1987), 71 Idem, 80 é uma aquisição familiar. Como escreve Françoise Dolto, no prefácio do livro da Maud Mannoni: ―cada ser humano possui em conseqüência de sua existência encarnada, uma imagem do homem e da mulher complementares; essa imagem, ele a molda através dos pais que o criam e é por causa desse empréstimo imaginário a pessoas reais que ele vai desenvolver-se identificando-se com elas segundo as possibilidades de seu patrimônio genético.‖ 137 Freud, no texto intitulado A novela familiar do neurótico dirá: quando o indivíduo, à medida do seu crescimento, liberta-se da autoridade dos pais, incorre numa das conseqüências mais necessárias ainda também numa das mais dolorosas que o curso do seu desenvolvimento ocasiona.‖138 Renato Mezan, na sua leitura freudiana, aborda esse tema dizendo que a criança para alcançar seu desejo de ‗ser grande‘: ―o de se emancipar da autoridade dos pais, é indispensável uma etapa intermediária a da critica da imagem, que em seus primeiros anos, a criança forma dos pais, como figuras dotadas de todas as perfeições e de todos os poderes. Esta crítica tem como momento essencial uma fantasia derivada do conflito edipiano, e dos impulsos sexuais e agressivos a eles vinculados, especialmente o de eliminar o rival do mesmo sexo.‖139 Mas, para que isso aconteça, é necessário que estes pais tenham se situado na sua própria sexualidade e, essa tarefa é difícil, independe da boa vontade dos pais, pois a dinâmica inconsciente obedece a outra lógica, de modo que, o fenômeno transgeracional pareceu-me muito importante e determinante, na formação do sintoma histérico de Breno. 137 Mannoni, Maud. A primeira entrevista em Psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1981, 22 Freud, S. A novela familiar do neurótico (1909). Obras Completas, Tomo II. Editorial Biblioteca Nueva. Madrid (España), 1361. 139 Mezan, Renato. Freud,, Pensador da cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, 233 138 Na entrevista com D. Graça, ela lembrou que sua mãe era paraplégica e que ela, como filha mais velha, a substituía nos cuidados com os afazeres domésticos, e saia com seu pai, um militar muito rígido, para compras. Lembrou que na morte de seu pai sentiu ―muito remorso por ter sido muito brigona com ele‖, por ele ter sido muito autoritário. Culpava sua mãe, pois nas brigas com seu genitor, ela [a avó materna], nunca ficava ao lado das filhas, sempre, só do pai, e isso a irritava profundamente. Na entrevista com seu pai, Sr. Carlos, ele disse: ―não sei, às vezes me sinto culpado por ter sido muito severo com Breno. Muitas vezes me descontrolava com alguma coisa que ele fazia, e várias vezes cheguei até a bater (...) eu procurava brincar com ele, jogava bola, mas ele sempre foi meio ruim de bola e eu, às vezes, dizia – puxa, Breno, deixa de ser perna dura, é assim que a gente joga; e ele todo desengonçado, não sabia lidar com a bola, e isso me irritava, e eu dizia – quando eu tinha a tua idade, eu era bom de bola (...), eu nunca fui bom de bola, dizia pra ele que era bom só porque, sabe como é, o filho da gente tem a gente como ídolo, então eu dizia que sabia. Seu Carlos falou, ainda, em tom acusatório, que teve pouco contato com seu pai pois, este abandonou sua esposa e os filhos, e eles foram criados na casa da avó materna, a matriarca da família. Assim, pareceu que esse pai trazia na sua história de vida uma marca muito forte do conflito edipiano, que passava para o filho uma dúvida, uma insegurança. Numa certa sessão, Breno diz: eu tô em dúvida, vou fazer quatorze anos, entrar na puberdade, e eu não sei se sou criança ou adulto. Perguntei: e o que é puberdade pra ti? ―Não sei, a mamãe que sabe (...) Ela [a dúvida] começou ontem, quando conversava com meu pai‖. Interroguei: o que vocês conversaram? ―Não sei, só sei que conversei com ele‖. Nesse instante, ele ficou trêmulo, com o corpo balançando acentuadamente e calado. Ele não quis mais falar sobre sua dúvida e mudou de assunto. Nessas configurações parentais, pode-se conjecturar que seu Carlos não havia superado sua vivência edipiana, tinha dúvidas sobre sua própria sexualidade. Essa posição de seu pai, não dava suporte para que Breno pudesse se descolar dessa mãe invasora, dominadora, e essa era a culpa que ele carregava em relação ao filho. Dessa forma, o drama conflituoso desse adolescente, uma dificuldade de fazer amor consigo mesmo, se havia construído nessa trama familiar. Neste contexto, a irritação, a raiva, a inervação, eram os afetos mais intensos que permeavam essa trama, havia pouco espaço para o amor e isso estava contido na sua complacência somática. Assim fui instigada a investigar a conversão como fenômeno constitutivo do corpo. Conversão: a constituição de um corpo erógeno Então, na transferência destacou-se toda essa impossibilidade de Breno elaborar essa cena primária que tem a ver com o discurso dos pais, quer dizer, o discurso inconsciente dos pais, que aprisionado no seu próprio sofrimento, transmitem essa dor. E isso, de alguma forma atuava nos seus sintomas. A mãe, tão enfática, produzia uma impossibilidade, em Breno, de fazer com que essa energia erótica, transformada em angústia neurótica, ultrapassasse as manifestações do seu corpo, do seu próprio corpo em direção à palavra, em direção às imagens, à representação de coisas. Freud já havia observado, desde o início de suas investigações sobre histeria, que a conversão é um processo que retém, enquanto os processos afetivos, são processos de descarga. Nesse sentido, a conversão de Breno, ao mesmo tempo, estava produzindo um corpo, um corpo identificado com esse pai - avô militar, com essa mãe militar, autoritária, mandona, com essa avó paraplégica. Talvez, as fantasias de Breno fossem constitutivas do seu corpo, ou seja, uma forma de constituição de um corpo erógeno que traz a marca de seu sentido originário, que vem dessa relação objetal. Freud ao tratar sobre a angústia, no artigo, Inibições, sintomas e Angústia, sublinhou: ―Na minha opinião, os outros afetos são também reproduções de experiências muito antigas, talvez mesmo pré-individuais, de importância vital; e devo estar inclinados a considerá-las como ataques histéricos universais, típicos e inatos, comparados com ataques recentes e individualmente adquiridos que ocorrem em neuroses histéricas e cuja a origem e significado como símbolos mnêmicos foram revelados pela análise.‖140 Estas formulações, dentre outras, fizeram-me pensar no processo de conversão como constitutivo do corpo erógeno. Regido pelos mesmos mecanismos do sonho: deslocamento, condensação e sobredeterminação, forma-se a defesa, com as características de uma repetição. Assim, diz Freud: ―Quando o estado de angústia é reproduzido depois como um afeto, faltarlhe-á oportunidade, da mesma forma como às repetições de um ataque histérico. Quando o indivíduo é colocado numa nova situação de perigo, talvez lhe seja bem desaconselhável 140 Freud, S. Inibições, sintomas e ansiedade (1926), 156, 157. reagir com um estado de angústia (que é uma reação a um perigo anterior) em vez de iniciar uma reação apropriada ao perigo atual.‖141 O nascimento representa o protótipo da situação de perigo porque ocasiona um perturbação econômica. Essa referência será o modelo das situações de perigo, dentre estas, a perda do objeto amado, que é algo muito angustiante. Isto fez-me supor, que Breno continha em seu sintoma o medo da perda do objeto, o qual revelava-se, na sua demanda excessiva de amor. Um pedido de amparo que lhe permitisse nomear essa vivência tão primitiva com o outro. Neste sentido, ele solicitava a presença do justo amor. Nas palavras de Manoel Berlinck: ―Amor de médico é amor justo: estabelece uma contrapartida, um novo equilíbrio com a parte doente de Eros.‖142 A partir desta perspectiva, sobre a primitividade do mecanismo da conversão, fui conduzida a refletir sobre a noção freudiana de desamparo, especialmente, sobre a noção de desamparo do sujeito frente a intensidade das forças pulsionais, bem como, a situação de desamparo ante a violência do outro mais forte, violência que se inscreve num contexto claramente sexual. Questões da clínica: desamparo e conversão A clínica de Breno conduziu-me à elaboração da hipótese de que a conversão é um processo psíquico muito primitivo de formação do 141 142 Idem, 158. Berlinck, Manoel T. In Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. III, nº 4, dezembro de 2000, 7 corpo erógeno e, como defesa, neste caso, ela constitui-se articulada ao desamparo. No artigo Inibições, sintomas e angústia, Freud parte do estudo da angústia para tratar do desamparo. Define a angústia como uma reação comum a todo organismo e que no homem se molda no processo do nascimento. ―A angústia, portanto, é um estado especial de desprazer com atos de descarga ao longo de trilhas específicas.‖143 Então, ele considerou os afetos como processos de descarga e, uma das funções do ego é poder conter, em si, um pouco desses afetos, particularmente, o de angústia, que causa um excesso de excitação, para poder ter um certo controle sobre ele. A reação de angústia é absorvida pelo ego que passa a usá-la como sinal de alerta frente a situação de perigo, nesse sentido ―o ego é a sede real da angústia.‖144 Ele considera que ―a angústia é um produto do desamparo mental da criança, o qual é um símile de seu desamparo biológico.‖145 Nas palavras de Daniel Delouya: ―Freud parte ali do estado primordial do desamparo do bebê para mostrar como a dor, implícita neste estado, impele o recém-nascido em direção ao objeto. É na ligação desta alteração interna ( fisiológica), subjacente a este anseio, com a resposta do objeto ao grito de apelo do bebê, que se dará a base para que se constitua, neste momento incipiente do psiquismo, a aliança entre a prefiguração do outro almejado e as próprias representações dos órgãos internos em estado de necessidade (a forma, o espaço e o movimento) – ou seja, as imagens corporais das moções pulsionais – e suas inflexões nas próprias representações motoras da fala, associadas a este grito‖146 143 _______ Inibições, sintomas e ansiedade (1926), 156. Idem, 164. 145 Idem, 162. 146 Delouya, Daniel. A dor entre o corpo, seu anseio e a concepção de objeto. In Dor. São Paulo: Editora Escuta, 1999, 29. 144 Esta interpretação da importante obra freudiana, Projeto para uma psicologia científica, que Daniel Delouya apresenta no seu artigo A dor entre o corpo, seu anseio e a concepção de seu objeto, leva a pensar que o mecanismo de defesa psíquico conversão origina-se nesse momento incipiente do psiquismo, num momento muito primitivo de constituição do eu. O mecanismo de transposição, característica mais evidente da conversão, demonstra per si, que não há uma elaboração psíquica da dor do desamparo, ou se há, é mínima; não há um pensar, não há uma linguagem que possa nomeá-la. O que parece haver é um transbordamento do afeto de desamparo, expresso num espernear, num grito de anseio dirigido ao outro. Como afirma, ainda, Delouya: ―E é apenas este outro dos inícios que, vindo ao encontro deste apelo, precipita-se no sujeito como experiência ou nele inscreve uma vivência. E esta que dota a dor de qualidade, transformando-a em afeto. Portanto, o outro afeta, ou melhor, concede afeto, por meio ou através da dor.‖147 Nessa dependência do outro, a relação mãe-bebê assume uma singularidade na vida do sujeito, pois a concessão do amor materno torna-se essencial no humano para que ele possa lidar com esse turbilhão de forças, internas e externas, que o expõe ao desamparo. Nas palavras de Mário Eduardo Pereira: ―A ternura e a presença calorosa da mãe constituem os primeiros pólos de organização do amor. Tudo que é da ordem do desejo e da nostalgia da unidade perdida terá necessariamente como referência esta primeira à afeição materna. Assim, Eros inscreve-se no inconsciente em uma ligação íntima e indissociável com o desamparo.‖ 148 147 148 Idem, 29. Pereira, Mário Eduardo Costa. Pânico e Desamparo. São Paulo: Editora Escuta, 1999, 368. A clínica de Breno forneceu um material muito primoroso sobre este tema. Quando ele recordou o nascimento da irmã, falou que sentiu muito ciúme e inveja e chegou a desejar sua morte, seu desaparecimento. Mas, foi muito incompreendido na expressão de seu sentimento de ameaça frente à possibilidade de perda do objeto amado. Ele recordou esse momento, muito excitado, esperneando que nem o bebê. Esse traço mnêmico, que se revelava na identificação de Breno com o bebê, parecia conter um pedido de proteção contra essa ameaça. Particularmente, na histeria, a perda do amor do objeto é um determinante fundamental na sua constituição pois produz um profundo sentimento de desamparo. Embora, Freud não tenha tratado sobre o tema do desamparo numa elaboração conceptual, esta problemática está presente em diversos momentos de sua obra. E, no estudo que Mário Eduardo Costa Pereira elabora, sobre a noção de desamparo em Freud, dirá: ―Em relação ao problema do desamparo, no entanto, o desenvolvimento da teorização freudiana parece avançar de modo muito mais contínuo, de maneira tal que as novas abordagens parecem ir mais longe que os textos precursores, no sentido de aprofundar e de precisar cada vez mais amplamente sua dimensão metapsicológica.‖149 Nessa dimensão metapsicológica, Freud vai tratar da questão do desamparo, concebida a partir do aspecto de dependência do bebê em relação ao adulto, referindo-se ―à condição de desamparo como impossibilidade de defesa em face do desejo onipotente do outro.‖ E a clínica de Breno parecia trazer essa dimensão, D. Graça, tinha muita dificuldade de amar os filhos, pois vivia angustiada com sua intensa insatisfação libidinal. 149 Idem, 126. Nas palavras de Freud: ―a mãe contempla a criança com sentimentos derivados de sua própria vida sexual.‖ D. Graça era extremamente invasiva na privacidade do filho e isso lhe era muito ameaçador, pois ela revelava um certo prazer com o seu sofrimento. E Breno, parecia compreender isso, e não queria ser palhaço, ou melhor, sentia-se ferido com essa possibilidade de ser palhaço. Nesse sentido, ele parecia solicitar a presença de um outro que pudesse tratar do seu sofrimento, na posição do médico que Platão apresentou em O banquete. Nas palavras de Manoel Berlinck: ―O médico, como nos lembra Platão, está constantemente na relação com amor porque as doenças físicas, em sua evolução, se apresentam como phatos, paixões amorosas. O médico cuida de Eros doente. Terapéia, em grego, é o cuidado exercido sobre Eros doente. O médico deve restabelecer o equilíbrio do corpo para que Eros doente pelo excesso de amor seja liberado desse excesso pelo amor que lhe traz o médico. Amor de médico é amor justo: estabelece uma contrapartida, um novo equilíbrio com a parte doente de Eros.‖150 A noção de desamparo em face ao crescimento das forças pulsionais aparece como central em Freud. Ela fundamenta o ponto de vista econômico de que: ―Todo indivíduo tem, com toda probabilidade, um limite além do qual o aparelho mental falha em sua função de dominar as quantidades de excitação que precisam ser eliminadas.‖151 Este ponto é muito importante porque permite compreender que o desamparo infantil não é superado com o amadurecimento da criança. Essa dimensão do sexual no humano implica numa falta de garantias que lhe possa assegurar um domínio sobre sua vida. Algo escapa, algo que a linguagem não consegue dar conta. 150 Berlinck, Manoel Tosta. In Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. III, nº4, dezembro / 2000 151 ______ Inibições, sintomas e ansiedade (1926), 172. Na leitura de Mário Eduardo Pereira: ―a relação do homem com sua existência é sempre marcada pela precariedade, pelas falsas ilusões e pelas tentativas mágicas de proteção contra os perigos.‖152 152 Pereira, Mário Eduardo Costa. Op. cit., 145. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desta dissertação foi realizar um estudo teórico-clínico da neurose denominada histeria de conversão, para obter maior compreensão do caso clínico de Breno. Busquei, então, a construção de um logos que representasse, com justeza, o vivido dessa clínica, que me permitisse elaborar a psicopatologia desse adolescente, que aos treze anos de idade sofria uma grave histeria. Breno apresentou a clássica histeria de conversão. Foi tratado com medicamentos neurolépticos, submetido a exercícios de reeducação motora, com barras de ferro, para correção da sua postura. Consultou vários especialistas: neurologista, psiquiatra, fisioterapeuta e professor de reeducação motora, sem obter nenhuma melhora. É importante observar que, desde 1888, no seu artigo Histeria, Freud já apontava como uma característica importante do sintoma histérico a grande resistência à influência química por meio de medicação. Breno resistia tanto à medicação quanto às barras de ferro e seu professor de reeducação motora, intrigado com seu sintoma, o encaminhou para avaliação psicológica. Como foi esclarecido no capítulo introdutório desta Dissertação, o atendimento clínico manteve-se durante um período extremamente curto, três meses, pois foi interrompido por decisão da mãe de Breno. Esse limite temporal impossibilitou a realização de uma análise mais profunda do seu conteúdo, todavia, creio que, embora breve, foi significativo e exemplar no sentido de pôr em evidência princípios, conceitos e muitas questões relativas à histeria de conversão. Desse modo, dois problemas evidenciaram-se nessa clínica: um, relacionado à formação do sintoma de conversão, particularmente, o processo de conversão: que processo é este e qual a sua natureza? E, o outro, relacionado ao desamparo: Breno falava, com muita freqüência, de um profundo sentimento de desamparo frente ao seu sintoma de conversão, que o impediu, literalmente, de caminhar na vida sem o amparo de um outro. Para dar conta desta problemática, consultei a obra freudiana que tratava sobre histeria, desde as referentes às suas primeiras formulações e hipóteses, como, as que se referiam aos fundamentos posteriores à descoberta da sexualidade infantil e do reconhecimento da persistência dos movimentos pulsionais inconscientes. Esta investigação foi enriquecida, especialmente, com a supervisão clínica da Dra. Joyce Mc Dougall, e com o ponto de vista da Psicopatologia Fundamental, que trata do phatos, do sofrimento humano, na posição do médico que Platão apresentou em O banquete, de que o médico cuida de Eros doente. Freud, como um grande médico, manteve-se nesta posição de cuidar de Eros doente, o que lhe permitiu elaborar suas teorias das diferentes psicopatologias. Assim, neste estudo, considerei importante acompanhar suas teorizações da histeria de conversão, através dos seus casos clínicos: Elisabeth e Dora, tendo em vista que a riqueza dessas clínicas permitiu-me compreender, com mais precisão, as características do sintoma de conversão. Nas suas primeiras formulações, observou, com muita acuidade e sensibilidade clínica, que os sintomas histéricos, como: dores, paralisias, ataques convulsivos, distúrbios da atividade sensorial, distúrbios intelectuais e distúrbios viscerais, dentre outros, eram decorrentes do processo psíquico de conversão, e continham em si uma representação simbólica requerendo, portanto, um tratamento psicoterapêutico, que permitisse ao paciente falar do seu sofrimento, já que as outras terapias eram inadequadas, pois não surtiam efeito de cura. Este conhecimento vai consolidar-se, na medida em que as investigações psicanalíticas do sintoma histérico avançam, constituindo-se num postulado teórico, sem o qual, qualquer teoria psicopatológica da histeria estaria fadada à sua própria invalidade terapêutica. Com Elisabeth, na elaboração de seu diagnóstico, Freud observou, durante o exame clínico de suas dores na perna, que quando pressionava ou beliscava a pele e os músculos hiperalgésicos de suas pernas, seu rosto assumia uma expressão peculiar, que era antes de prazer do que de dor, e este dado, dentre outros, fê-lo reconhecer que se tratava de uma zona histerogênica, ou seja, um sintoma de conversão, porque continha uma representação simbólica. Entendeu, desde então, que a conversão formava uma trilha que demarcava o corpo, e para tratá-lo era imprescindível a compreensão desse sentido que se havia construído na história de vida do paciente, e que, portanto, necessitava ser falado, para que a energia psíquica recalcada e condensada no corpo, pudesse ser liberada. E, em conseqüência dessa liberação via a fala, o sintoma desaparecia. O desaparecimento ocorria devido ao fato do paciente tomar consciência de seu conteúdo, ou seja, assumir a representação afetiva que fora recalcada. Nessa escuta psicoterápica freudiana, que também incluía a escuta de um corpo falante, ele pôde dimensionar o sintoma de conversão com a finalidade de defesa psíquica. Mas, defesa em relação a quê? Neste primeiro momento teórico, era uma defesa em relação à lembrança do incidente traumático que produzia um excesso de excitação, exigindo uma descarga. Esse excesso estava relacionado à intensidade da carga afetiva que era insuportável, e esta exigência de descarga estava fundamentada na hipótese do princípio da constância, a qual se mantém no percurso da obra freudiana. Assim, a formação do sintoma ocorria devido a ação do recalque que operava uma dissociação psíquica entre afeto e representação, ocasionando um enfraquecimento da representação potente, patogênica, através da retirada do afeto. Nesse sentido, destaca-se na leitura dos primeiros escritos de Freud, a importância da representação afetiva nesta primeira teoria, como causa da alienação histérica. Penso que esta relevância dos afetos na clínica e teoria mantém-se ao longo da obra freudiana, particularmente, com seus estudos sobre angústia e desamparo, quando retoma a concepção dos processos afetivos como processos de descarga. Uma das dimensões do desamparo em Freud, refere-se ao fato de a linguagem ser incapaz de dar conta do próprio sujeito e do seu destino, e aí ele pode ser invadido pela angústia. Na análise dos sonhos de Dora, Freud destacou, entre outras, duas características de sua sexualidade: a masturbação e a perversão que se manifestavam nas suas conversões: dor estomacal e afonia. Especificou várias peculiaridades do processo de conversão, as quais, já havia identificado desde os Estudos sobre Histeria, 1895, como: a sobredeterminação do sintoma, a inversão dos afetos e o predomínio do pensamento hipervalente. Nesta clínica, observou que a inversão de afetos estava associada ao deslocamento da sensação. Dora evitou a sensação prazerosa da zona genital, no contato físico com o objeto amoroso, na cena do beijo, devido ao afeto de repugnância que aflorou, em vez da satisfação do amor, ocasionando a sensação de dor no tórax. O sintoma da afonia revelava uma intensa estimulação da zona oral, através da vivência do sugar infantil. Reconheceu que as transgressões da função sexual, tanto na esfera do corpo, quanto na esfera do objeto, representavam uma característica do quadro clínico da histeria de conversão. Assim, em Dora, vai reafirmar que na histeria de conversão encontrava-se uma complacência somática, como um processo defensivo frente ao intenso conflito libidinal. A conversão produzia um investimento psíquico que erogenizava o órgão ou órgãos, que somatizados, passavam a ter um sentido próprio na fisiologia daquele paciente. Mais tarde, com a elaboração da segunda tópica, especificou que era uma defesa que emanava do ego contra os excessos das forças libidinais. De Elisabeth à Dora ocorreu uma mudança de aos determinantes dos excessos de excitação. enfoque quanto No primeiro caso, o determinante advinha do exterior, do incidente traumático, e sua lembrança produzia um excesso insuportável de lidar, e em função disso, como defesa psíquica, formava-se o sintoma. Essa insuportabilidade qualificava a dor afetiva presente na recordação, que havia se convertido. Mas, com Dora, a partir da fantasia histérica e da formulação da primeira tópica, na qual indicou a relevância dos processos psíquicos inconscientes na constituição dos sintomas, considerou a partir de então, as vivências sexuais infantis inconscientes como determinantes das psiconeuroses. Estas revelavam um recalcamento muito acentuado, excessivo, das aspirações libidinais. Todavia, o incidente externo traumático nunca deixou de ser considerado na análise psicopatológica freudiana, e nos seus trabalhos posteriores, ele pareceu retomar esta questão com maior propriedade, particularmente no estudo sobre o desamparo. Em Breno, as aspirações estavam condensadas numa conversão que o impedia de tocar seu corpo, de sentir sua pele e seu sexo, de fazer amor consigo mesmo. O tesão de Breno, obedecendo a transgressão anatômica da perversão histérica, havia-se deslocado do seu pênis para outros membros que ficavam duros (os braços e as pernas). Na análise clínica, considerei a etiologia dos seus sintomas situada na sua intensa angústia de castração, pois sentia-se ameaçado tanto em relação à imagem física, como no referente à imagem viril, e essa angústia tinha, em sua base, o medo da perda do objeto amado. Nesse sentido, era possível compreender o sentimento de profunda tristeza, pois só sabia dizer que seu sintoma era emocional. Aí estavam os fantasmas que eram carregados de emoções fortes que o faziam solicitar apoio, suporte para os desejos típicos da adolescência, como se quisesse compreender o sentimento de impotência sexual ao qual condenou parte do seu corpo, particularmente seus genitais. Esta característica do seu sintoma, talvez merecesse ser considerada, a partir de aspectos que tangenciam o tema do narcisismo, porém, neste trabalho, detive-me em dois outros pontos: a formação do sintoma de conversão e o desamparo. O tema do narcisismo na histeria de conversão poderá ser objeto de uma próxima investigação. Freud partiu, como modelo, do estado de desamparo do bebê, tanto psíquico quanto biológico, que expõe o sujeito numa relação de dependência com o outro, para lidar com as exigências advindas das forças libidinais, bem como, daquelas advindas do mundo externo. Esse estado primordial de desamparo constitui-se na fonte da angústia. Uma das principais funções do ego é levar em consideração esse afeto angustiante, intensamente desprazeroso, porque produz um excesso de excitação, para que possa construir um certo nível de elaboração psíquica. E assim, Freud distinguiu dois tipos de angústia: a angústia automática e a angústia como sinal de alarme. Em relação a esta, o ego recorre a meios de proteção capazes de evitá-la ou, pelo menos, amenizá-la. No entanto, a angústia automática, decorrente da intensa insatisfação libidinal, invade o ego, expondo-o a um estado de desamparo, e o único recurso de defesa à sua integridade é a formação do sintoma. Então, o sintoma contém em si, desejos reprimidos, que pulsam, exigindo uma descarga, ou seja, há nele, uma ânsia de satisfação. Em relação ao sintoma, o ego não consegue administrá-lo porque em função do recalque, o sintoma torna-se um estranho. Desse modo, Breno olhava seu corpo, e indagava-se: ―não sei, eu olho e não tem motivo para ele ficar se movendo, ..., aí eu tento me controlar e não consigo, eu não consigo encontrar minha coordenação motora. Aí, eu não sei se faço as coisas certo ou errado.‖ Quer dizer, um eu que estranha um objeto que lhe é tão familiar – seu próprio corpo. E esse desamparo dirige seu anseio de satisfação ao outro. A um outro, que possa, com justo amor, acolher seu pathos. Assim, esta clínica revelou que Eros inscreve-se no inconsciente em uma íntima ligação com o desamparo. Nessa dependência do outro, a relação primordial, mãe-bebê, assume uma singularidade na vida do sujeito. Nesse sentido, a concessão do amor materno torna-se essencial na vida do humano, para que ele possa lidar com esse turbilhão de forças, internas e externas, que o expõe ao desamparo. A ternura e a presença calorosa da mãe constituem os primeiros pólos de organização do amor. Entretanto, D. Graça, mãe de Breno, tinha muita dificuldade em dar carinhos aos filhos, pois vivia angustiada com sua intensa insatisfação libidinal. Ela, também, estava aprisionada aos seus fantasmas edipianos, que se expressavam na sua identificação com seu pai militar e na rejeição à sua mãe paraplégica. Essa mãe contemplava seu filho com sentimentos derivados de sua própria vida sexual, que eram muito ambivalentes: ao mesmo tempo que expressava uma preocupação com o sofrimento do filho, também sentia satisfação em vê-lo castrado, e isto lhe era muito ameaçador. Nesse sentido, identifiquei na clínica de Breno, a importância do fator transgeracional parecia trazer a na constituição do seu sintoma, que marca dessa trama familiar, e isso agravava consideravelmente seu desamparo. Dessa forma, esta investigação permitiu-me compreender que o aparelho psíquico faz parte do sistema imunológico e o processo de conversão é constitutivo do corpo erógeno já que implica num investimento psíquico no órgão ou órgãos, que demarcam o corpo com representações simbólicas, revelando que não há uma solução de continuidade entre o psiquismo e o corpo. Na psicopatologia histérica, a conversão torna-se uma defesa contra a angústia do desamparo frente à perda do amor do objeto. No caso Breno, isso era acentuado devido à violência materna, uma violência que se inscrevia num contexto claramente sexual. Esta vasta produção científica que vem sendo produzida desde o século XIX, constituindo-se, a partir das elaborações de Freud, numa sólida teoria psicopatológica e psicoterapêutica da histeria, hoje em dia, pretende-se anular, retirando-se dos manuais internacionais de doenças: CID–10 e DSM, esta neurose, porém os histéricos e as histéricas continuam existindo, conclamando uma escuta do seu sofrimento, que só pode ser cuidado pela lente do amor. Referências Bibliográficas I- Obras de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1987. (1886) Observação de um Caso Grave de Hemianestesia num Homem Histérico. (1888) Histeria. (1893) Considerações para um Estudo Comparativo das Paralisias Motoras Histéricas e Orgânicas. (1950) Extratos dos documentos dirigidos a Fliess. (1895) Estudos sobre Histeria. (1893) Charcot. (1893) Sobre o Mecanismo dos Fenômenos Histéricos: Uma Conferência. (1894) As Neuropsicoses de Defesa. 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(1920) Além do Princípio do Prazer. (1923) O Ego e o Id. (1923) A organização genital infantil. (1924) Neurose e Psicose. (1924) O Problema Econômico do Masoquismo. (1924) A dissolução do Complexo de Édipo. (1924) A perda da realidade na neurose e na psicose. (1926) Inibições, Sintomas e Ansiedade. (1931) Sexualidade Feminina. (1933) A Dissecação da Personalidade Psíquica. ______ Neuroses de Transferência: uma síntese, Rio de Janeiro: Imago Ed. 1987. ______ A Novela Familiar do Neurótico (1909), Obras Completas, Tomo II, Editorial Biblioteca Nueva, Madrid. II- Outros autores: Armony, Nathália Sabbagh, O mal corporal em Freud, in Pulsional Revista de Psicanálise, ano XIII, nº 136, agosto de 2000. Bastos, Liana Albuquerque de Melo, Eu corpando : o ego e o corpo em Freud. São Paulo: Editora Escuta, 1998. Berlinck, Manoel Tosta (org.), Histeria. 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