Resenha 233 FUGA DAS PROFUNDEZAS KERSHAW, Alex. Fuga das Profundezas. Rio de Janeiro: Record, 2012. Francisco Eduardo Alves de Almeida No dia 25 de outubro de 1944 o submarino norte-americano USS Tang em sua quinta patrulha de combate sob o comando do lendário capitãode-corveta Richard O´Kane realizou seu derradeiro ataque contra um comboio japonês no Estreito de Formosa, entre a China Continental e a atual Taiwan. O Comandante da Força de Submarinos dos EUA no Pacífico, vicealmirante Charles Lockwood tinha em O´Kane um de seus mais destemidos comandantes. Não sem razão determinara, antes da patrulha, que O´Kane se dirigisse àquele região perigosa, porém repleta de comboios inimigos. A sorte fora lançada. O ´Kane não perdera tempo naquela patrulha. Atingira já alguns navios inimigos. Seu último torpedo contra aquele grupo de navios mercantes nipônicos foi disparado com uma confiança total. Seria mais uma vítima computada no seu total de 17 afundamentos comprovados em um total de 82.000 toneladas que já lhe haviam dado duas Navy Crosses durante a guerra. Eis que algo inesperado ocorreu. O torpedo que deveria seguir direto para o alvo, executou uma guinada de 180 graus e se dirigiu célere para o próprio Tang. Em poucos instantes o submarino foi atingido fortemente pela colisão de seu próprio torpedo, fazendo com que afundasse imediatamente. Dos 87 homens de sua tripulação cerca de metade morreu imediatamente. Começava então uma façanha de sobrevivência que ficaria marcada nos anais da História Naval como uma epopéia de coragem, perseverança e determinação. O livro de Alex Kershaw descreve exatamente aquela aventura única de O´Kane e de apenas oito sobreviventes de sua tripulação, após conseguirem sair de um submarino afundando, de permanecerem como náufragos em águas infestadas de inimigos e por fim por sobreviverem em um campo de prisioneiros de guerra no Japão. Capitão-de-Mar-e-Guerra (RM1), Doutor em Ciências Navais, Doutorando em História do PPGHC, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.18 n. 1 p. 231-233 jan/jun 2012 234 FUGA DAS PROFUNDEZAS Alex Kershaw, pesquisador experiente e competente escritor já escrevera livros de História Militar que se tornaram clássicos, como, por exemplo, o Longo Inverno no qual descreveu a atuação do pelotão mais condecorado do Exercito norte-americano pertencente ao 394o Regimento de Infantaria da 99o Divisão durante a Batalha do Bolsão em 1944 nas Ardenas. Por uma coincidência os sobreviventes desse célebre pelotão e do Tang tornaram-se prisioneiros de guerra, os primeiros na Alemanha e os segundos no Japão. O texto de Kershaw foi baseado fartamente na documentação oficial da Marinha dos EUA, especialmente do Naval Historical Center, de fontes secundárias inclusive do livro de O´Kane Clear de bridge! The war patrols of the USS Tang publicado em 1977, de coleções documentais de diversas universidades como a Regis University, Universidade de Minnesota, Lafayette College e do Williams College, além das sociedades de história de Indiana e de Minnesota e de entrevistas com os sobreviventes do submarino, utilizando técnicas de História Oral. Kershaw dividiu assim o livro em quatro partes. A primeira que chamou de “A Última patrulha” na qual começou com uma patrulha de combate de O´Kane em agosto de 1944 a bordo do Tang, depois passou a descrever a vida de O´Kane e a patrulha que iria provocar o afundamento de seu navio. A segunda parte retratou os momentos de terror dos sobreviventes quando aprisionados em um submarino que afundava rapidamente, nos momentos de chegada na superfície do mar e o aprisionamento pelos japoneses. Na terceira parte Kershaw se concentrou no período em que os sobreviventes foram prisioneiros dos japoneses e os sofrimentos por todos passados, quando o frio, a fome e os maus tratos foram a tônica e por fim a quarta parte, chamada de “De Volta das Profundezas” quando os debilitados sobreviventes foram libertados e voltaram aos Estados Unidos da América quando ocorreu a rendição japonesa após as explosões de Hiroxima e Nagasaki. De regresso a sua terra natal O´Kane recebeu a maior condecoração que um militar norte-americano poderia almejar, a Medalha de Honra do Congresso. Seus companheiros sobreviventes também receberam diversas condecorações e medalhas pela resistência e coragem com que resistiram aos inúmeros maus-tratos durante o período no cativeiro. A narrativa de Kershaw é direta e vibrante, o que leva o leitor a “viver” no ambiente em que ocorriam as ações e a compartilhar as dores e vitórias dos tripulantes do Tang. As notas referidas ao texto são de fácil consulta e as notações explicativas permitem ao leitor acompanhar a evolução das ações, como se delas participasse. A bibliografia é variada, além de contar com um índice remissivo, no caso do leitor querer retornar a algum ponto do texto que lhe tenha provocado dúvidas ou curiosidades. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.18 n. 1 p. 231 - 233 jan/jun 2012 235 Francisco Eduardo Alves de Almeida Trata-se assim de um livro fundamental de História Naval não só para Oficiais de Marinha, mas também para pesquisadores e alunos de estratégia, de ciência política, de relações internacionais e de história. Por sua linguagem fácil e direta o livro agrada também aos leigos que queiram apenas agregar conhecimentos sobre a guerra naval na Segunda Guerra Mundial. Pouco antes de falecer O´Kane, já atingido pelo mal de Alzheimer, ainda mantinha vivo em sua memória, apesar de sua moléstia, os últimos momentos de vida do seu querido Tang. Dissera a sua filha Marsha que sentia muita culpa, pois não seguira a máxima naval que apontava para o comandante afundar com o seu próprio navio. Em um dos seus últimos momentos de vida, quando caminhando com Marsha próximo ao mar, escutou as buzinas de nevoeiro trazendo à tona uma imagem traumática da perda de seu submarino. Segurou ele então o braço de sua filha e começou a puxar em direção ao mar dizendo “temos que ir, temos que ir, temos que ir salva-los”. Os seus amigos do Tang o estavam chamando para a última patrulha de combate. A passagem para o Valhalla. Recebido em: 25/04/2012 Aceito em: 18/07/2012 Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, v.18 n. 1 p. 231 - 233 jan/jun 2012