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ARTIGOS TEMÁTICOS
Ato analítico, ato jurídico: paradoxos, aporias, contradições
Paola Mieli∗
Resumo
O esforço sustentado em diversos países, visando regulamentar e definir sobre o
plano legislativo a prática da psicanálise confronta de forma radical ato analítico e ato
jurídico, e impõe repensar suas especificidades e suas incomensurabilidades. Este
esforço se inscreve, entre outros, em uma realidade social em transformação, que
implica uma extensão da noção de direito. As normas jurídicas, enquanto produtoras
de consumo nas democracias constitucionais atuais e no mercado global de hoje em
dia, representam um papel específico nessa mudança.
Palavras-chave: direitos do homem, Estado dos poderes, produtos jurídicos, discurso
capitalista.
Abstract:
The sustained effort in several countries to regulate and define the legislative level of
psychoanalysis’s practice confronts in a radical way analytical act and legal act, and
imposes rethinking about their specificities and incommensurability. This effort takes
part, among others, in a social reality in transformation that involves an extension of
the concept of law. The legal norms, while producing consumption in current
constitutional democracies and in today’s global market represent a specific role in
that change.
Keywords: human rights, state of power, legal products, capitalistic discourse.
∗
Presidente do Après-Coup Psychoanalytic Association (NY); membro do Le Cercle Freudien (Paris); membro do
The European Federation of Psychoanalysis (Strasbourg). Editora e diretora do Sea Horse Imprint (New York).
Professora no Department of Photography and Related Media of The School of Visual Arts in New York City.
[email protected]
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l fatto è che la democrazia non può prescindere, senza negare se
stessa, dal “relativismo etico” di cui la si accusa.
É fato que a democracia não pode prescindir, sem negar a si
própria, do “relativismo ético” de que é acusada.
Remo Bodei, Il noi diviso
O esforço que diversos países sustentam atualmente, visando regulamentar e definir a
prática psicanalítica no plano legislativo levanta muitas questões. Tradicionalmente, a regulação
da prática analítica foi prerrogativa dos institutos e das associações analíticas locais ou
internacionais, como ainda o é em diversos países. Na maior parte do tempo, funcionou sem
grandes obstáculos, inscrevendo a psicanálise e sua especificidade no tecido social. Em cem anos
de vida, os institutos e as associações resolveram e regulamentaram as questões relativas à
formação profissional, à prática analítica, à sua ética e à proteção dos pacientes, recorrendo muito
raramente a instâncias reguladoras externas à sua prática.
Ao proceder dessa maneira, a psicanálise considerou explicitamente a particularidade da
formação analítica, que, por sua própria natureza, difere de toda aprendizagem de cunho
profissional, e nunca cessou de inventar procedimentos - mais ou menos exitosos, porém sempre
in progress – para proteger a ética da análise e sua transmissão. Considerou-se implicitamente a
unicidade do ato analítico e a impossibilidade de compará-lo a outras formas de troca social.
O esforço atual de regulamentação legislativa introduz, no domínio da psicanálise, um
discurso eminentemente estrangeiro à natureza de sua prática, e isto exige uma nova reflexão
sobre a relação entre psicanálise e tecido social, entre ética profissional e demandas sociais, entre
ato analítico e ato jurídico.
Em certos casos, a regulamentação jurídica da prática é, paradoxalmente, fruto das lutas
intestinas entre facções psicanalíticas, as quais, ao apelar para uma instância terceira – a lei, o
Estado –, pretendem proteger os interesses do setor em nome de direitos específicos. Mas, se é
verdade que essas lutas colocam em questão a ética analítica dos grupos que as sustentam, é
igualmente verdadeiro que se inscrevem em uma realidade social em transformação, e que esta se
organiza sobre a noção ampliada de direito: se resultam em uma intervenção legislativa, é porque
se inscrevem na tendência atual que consiste em recorrer ao ato jurídico para regulamentar todo
tipo de transações sociais, até mesmo aquelas que, durante decênios, se auto-regularam
eficazmente.
Desejo debruçar-me sobre este último ponto, a tendência atual para se usar copiosamente
o ato jurídico e o que ela indica da realidade social em que se expressa. Esta interrogação é útil
também para os psicanalistas, pois eles são parte e função dessa realidade, e o fato de a utilizarem
para abrir um caminho no seio dos monopólios de poder, ou sofrerem seus efeitos, em um caso,
como no outro, sua posição em um determinado sistema é questionada. O confronto radical entre
o ato analítico e o ato jurídico impõe-nos repensar a especificidade e a incomensurabilidade
deles.
Chamamos de “‘Estados de direito’ os Estados onde funciona regularmente um sistema de
garantias dos direitos do homem” (BOBBIO, 1992, p.41). Esta definição, retirada do direito
positivo, tem uma história bem particular, a do reconhecimento dos direitos do homem e do
advento subsequente do Estado de direito.
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A base conceitual da ideia moderna dos direitos do homem reside no jusnaturalismo, na
tese filosófica segundo a qual o homem possui, por natureza, direitos inalienáveis (liberdade e
igualdade). A adoção do jusnaturalismo por parte da legislação funda uma nova concepção de
Estado, “[...] que não é mais absoluto e sim limitado, que não é mais fim em si mesmo e sim meio
para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência.” (BOBBIO, 1992, p.29).
Para que pudesse haver uma doutrina dos direitos do homem, era preciso desenvolver uma
concepção individualista da sociedade e do Estado, em contraste com a antiga doutrina orgânica,
que considerava a sociedade um todo maior que suas partes (1).
A doutrina dos direitos do homem nasce como defesa dos direitos do homem contra o
Estado: o Estado em função do indivíduo e não o indivíduo em função do Estado. O indivíduo
não mais como elemento do grupo social, mas, antes, o social constituído pelas relações entre os
indivíduos. Passa-se de uma forma de liame social fundado sobre as obrigações a que o indivíduo
está submetido (os Dez Mandamentos são um primeiro exemplo) para uma forma de laço
fundado sobre os direitos individuais. Eis o ponto central tanto do acontecimento histórico dos
direitos do homem, quanto de seus progressos.
A inscrição legislativa dos direitos transforma o direito natural à resistência contra o
Estado, que o jusnaturalismo apregoa, em um direito positivo, capaz de encetar uma ação judicial
contra os órgãos do Estado (2). É precisamente este poder que sustenta a noção de direito
individual. E é nesta vertente que vemos fermentar a expansão dos diretos no sistema neoliberal
atual.
Por mais fundamentais que sejam, os direitos do homem são direitos históricos, “[...]
nascidos em certas circunstâncias caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes” (BOBBIO, 1992, p.5), e estão em contínua expansão. Ao lado dos direitos
sociais, chamados de direitos de segunda geração (direito ao trabalho, à educação), nasceram os
direitos de terceira geração (por exemplo, o direito de viver em um ambiente não poluído), assim
como os direitos de quarta geração, caracterizados pelos efeitos das novas pesquisas biológicas e
pelas manipulações genéticas que delas decorrem. A expansão do direito caminha pari passu com
o progresso científico e tecnológico.
A situação americana, representativa das formas atuais do neoliberalismo global e
iniciadora de recomendações e de práticas sociais rapidamente adotadas no nível internacional,
obriga-nos a interrogarmos a manipulação dos direitos de última geração – quer sejam de terceira,
quarta ou quinta geração. Esta é uma questão que nos concerne a todos, como cidadãos de um
sistema global em transformação. Mas que nos concerne diretamente como psicanalistas, uma
vez que, no interior deste sistema, as práticas “psi” têm um papel amplo e bem preciso.
Assistimos atualmente a uma proliferação do ato jurídico na regulamentação das trocas
sociais. Para nomear seus efeitos, falei de Estado dos direitos em lugar de Estado de direito (3).
Se um Estado de direito regulamenta a relação entre indivíduo e Estado, protegendo os direitos
individuais, um Estado dos direitos representa uma deriva e uma derivação, uma transformação
própria ao Estado de direito: de um lado, o Estado dos direitos encoraja a proliferação da noção
de direito individual, de outro, a manipula, para proteger a si mesmo ou para aumentar o poder e
o controle sobre o cidadão.
Há uma legião de exemplos. Para escolher um no domínio médico, que inclui a “saúde
mental” e, portanto, toda a esfera “psi”, imaginemos a nova lei HIPAA (Health Insurance
Portability and Accountability Act), promulgada pelo governo federal americano. HIPAA é uma
lei que defende o direito do cidadão ao segredo médico. De um lado, a lei declara que o cidadão
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tem o direito de recusar que sejam compartilhadas, utilizadas ou divulgadas as informações
médicas que lhe dizem respeito; de outro, em sua aplicação prática imediata, obriga todo o corpo
médico a demandar aos pacientes, para que sejam escutados e tratados, que assinem previamente
um termo em que declaram estar cientes de seu direito, ao mesmo tempo em que consentem a
divulgação de seu prontuário (4). Atualmente, nenhum paciente é tratado sem que tenha assinado
previamente essa declaração, ou seja, sem que, em nome da defesa do seu direito ao segredo
médico, este lhe seja retirado. As implicações são numerosas. Citemos, entre outras, a defesa dos
direitos do corpo médico, assim como dos agentes do Estado, a pedir informações de ordem
privada.
Outro exemplo da relação entre direitos e controle é o Patrioct Act. Introduzido
imediatamente após o 11 de Setembro, consiste numa série de medidas cujo objetivo é proteger
os cidadãos contra atentados terroristas, o que implica inquéritos e escutas telefônicas sem
autorização, dossiês pessoais sobre livros consultados nas bibliotecas, on-line ou comprados em
livrarias, utilização de tecnologias de vigilância, e assim por diante. A proteção do cidadão se
infiltra na esfera privada; em nome do direito ao bem-estar, eliminam-se direitos civis duramente
conquistados. Isso indica o quanto o Estado do bem-estar é um Estado disciplinar. Aliás, Foucault
mostrou que a máquina disciplinar é fundamentalmente democrática e implica tanto o controle
permanente do corpo do indivíduo quanto uma normalização de sua conduta.
Considero que continua sendo útil a procura de um vocabulário adequado para definir e
compreender a atual disseminação da noção de direito, e sua utilização pelas estruturas de poder.
Mas não estou satisfeita com os termos que empreguei para a diferenciação entre Estado de
direito e Estado dos direitos. Em primeiro lugar, num caso, como no outro, o que está em jogo é
sempre o Estado de direito; além disso, essa terminologia se presta a todo tipo de equívocos, em
particular, faz eco às críticas dos conservadores – das quais não compartilho absolutamente –
acerca da noção dos direitos dos cidadãos.
Talvez seja mais apropriado definir a expansão dos direitos que se sustenta na
proliferação do ato jurídico como uma expansão “dos poderes” no seio do Estado de direito.
Bobbio se exprime do seguinte modo:
Pode-se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre e justa, na qual são
global e simultaneamente realizados os direitos de liberdade e os direitos sociais; as
sociedades reais, que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos
justas e mais justas na medida em que menos livres. Esclareço dizendo que chamo de
“liberdades” os direitos que são garantidos quando o Estado não intervém; e de
“poderes” os direitos que exigem uma intervenção do Estado para sua efetivação.
Pois bem: liberdades e poderes, com freqüência, não são – como se crê complementares, mas incompatíveis [...] a sociedade histórica em que vivemos,
caracterizada por uma organização cada vez maior em vista da eficiência, é uma
sociedade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de uma falta de
liberdade. (BOBBIO, 1992, p.43-44).
A relação poder /liberdade representa uma aporia que se poderia qualificar de intrínseca à
expansão dos direitos. Sem entrar no mérito do que seria uma sociedade “livre e justa”, limito-me
a recolher a observação de Bobbio sobre a sociedade da “eficiência”, que define perfeitamente o
espírito das sociedades atuais do capitalismo avançado. Se tomamos de Bobbio sua oposição
entre liberdade e poder, podemos dizer que a atual fase de expansão dos direitos no Estado
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neoliberal é caracterizada por uma transformação do Estado de direito, não em Estado dos
direitos, mas em Estado dos poderes. Com efeito, o Estado dos poderes se organiza na expansão
do ato jurídico, um ato jurídico sempre ao alcance do cidadão.
Eu definiria o Estado dos poderes como a forma do Estado de direito que recorre
constantemente ao ato jurídico, de tal modo que a defesa dos direitos apela continuamente à lei,
para seu próprio funcionamento; este ato regulamenta cada vez mais a troca social, não somente a
relação entre indivíduos e Estado, mas também a relação dos indivíduos entre si. A satisfação dos
poderes individuais reduz a liberdade individual, na medida em que implica uma intervenção
constante do Estado, permitindo que o poder reforce o controle que exerce sobre o cidadão. O
reforço do controle pelo Estado é um efeito colateral da expansão do ato jurídico; em particular,
ele é a consequência do risco jurídico que a proliferação dos direitos individuais pode acarretar
para o Estado. Trata-se de um círculo vicioso.
Tomemos, por exemplo, a posição adotada pelo Estado de Nova Iorque na
regulamentação da licença de psicanálise. Ela responde, entre outras (5), à seguinte lógica:
defender o consumidor contra as práticas terapêuticas não regulamentadas – não tanto para velar
pelo bem-estar do cidadão (já que a auto-regulamentação da psicanálise pelos institutos analíticos
funcionou sem problemas), mas para prevenir toda acusação jurídica na matéria.
Regulamentação, então, para que a base da formação na profissão se faça sob o controle do
Estado, o que perturba e deforma tanto o espírito quanto a natureza da formação analítica. É o
Estado que estabelece um padrão de uniformidade e abaixa o nível da formação, de fato em
detrimento do consumidor, mas que protege antecipadamente o Estado contra eventuais ações
legais, tanto da parte do consumidor quanto da categoria profissional. Nesta ordem de ideias, é o
Estado que é protegido, e não o cidadão. Por outro lado, não se leva em consideração a
especificidade da psicanálise; ela é simplesmente equiparada a outras profissões – serviço social,
psicologia, medicina – e às normas jurídicas já existentes na regulamentação da saúde física e
mental, diante das quais ela deve se curvar (6).
No Estado dos poderes, o indivíduo é considerado, antes de tudo, um consumidor. A força
da expansão do ato jurídico é dada por seu valor de consumo. Na sociedade americana atual, o
recurso ao advogado para fazer valer seus próprios direitos transforma a lei em objeto comercial
de grande consumo e o business do advogado em um dos trabalhos mais expandidos e,
certamente, dos que recebem melhor remuneração. Não se dá um passo sem recorrer a um
advogado, quer se trate de resolver uma querela com o vizinho, com o seu próprio filho ou com o
colega de trabalho; quer se trate de fazer valer seus direitos contra um profissional liberal, a
indústria privada ou o Estado. O ato jurídico gerencia a vida comunitária (7).
A transformação atual da relação com a lei é bem evidente no interior de numerosas
reflexões no domínio da filosofia do direito. Uma corrente significativa neste aspecto, a do
niilismo jurídico, discerne no advento da era técnica, no sentido heiddegeriano do termo, a base
de uma mudança inevitável na natureza do direito. A ausência de bases teológicas ou metafísicas
para um fundamento do direito, a extinção da referência à vontade divina enquanto critério de
julgamento ou à tensão dualista phisis/nomos “limitam o horizonte jurídico à pura vontade
humana”. (IRTI, 2007, p.100). O direito encontra em si a sua origem; auto-suficiente, justifica
suas próprias escolhas com base em seu acontecimento “histórico e efetivo”. Esvaziado de seus
conteúdos, ele se torna independente como pura forma, fim em si mesmo. Segundo Irti, nas
democracias ocidentais, a sucessão de normas que constituem o direito obedece “à racionalidade
técnica” própria à economia capitalista. As normas jurídicas são consideradas um produto, isto é,
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o resultado de um mecanismo técnico, capaz de tratar de receber e de “tratar” todo e qualquer
material. A linguagem do direito extrai da linguagem da economia os seguintes termos: produção,
procedimentos, funcionamento, eficiência etc. (8)
O niilismo jurídico, que declara limitar-se a recolher e a exprimir as características da
modernidade jurídica, não pretende ser uma visão negativa; ele distingue, no declínio dos
sentidos unitários, a manifestação do “pleno desenvolvimento da vontade”, expressão da “fluidez
produtiva” jurídica, como escreve Irti, própria às democracias parlamentares atuais e ao mercado
global. É a estrutura democrática e o aparelho político de sua competência que garantem que haja
uma passagem na produção de normas, que “a vontade proponente se transforme em vontade
impositiva.” (IRTI, 2007, p. 104).
A concepção do diritto mite, direito moderado (9) (ou “direito dúctil”), de Zagrebelski,
examina também a atual expansão jurídica e seu distanciamento da visão positivista da certeza da
lei. A própria denominação “direito moderado” faz eco ao aspecto paradoxal da realidade atual
do direito. O diritto mite é a teoria da transformação do direito no constitucionalismo atual e,
simultaneamente, doutrina que sustenta a ideia de direito como unificação de situações
constitucionais plurais. O direito enquanto “força para a vida em comum”. (“Força di
convivenza”; Zagrebelski, 2007, p.94). A constituição é o pacto que estabelece um projeto de
vida em comum e a garantia de situações particulares; no direito moderado, os critérios deste
pacto estão submetidos a contínuas redefinições, estão abertos à pressão do novo, o qual, a partir
de sua posição de exclusão, demanda sua inclusão. A qualidade ideal do direito moderado – ou,
como poderíamos também dizer, direito mito (diritto mite) – enquanto porta-voz de uma vida
constitucionalmente comunitária, em que a “moral individual” converge com a “ética pública”,
mais parece constituir um modelo a ser alcançado do que um espelho da situação atual.
A qualidade de oxímoro (10) da expressão “direito moderado” engendra inevitavelmente
uma reflexão sobre a natureza violenta do direito, assim como uma interrogação sobre o tipo de
violência produzida pela proliferação do ato jurídico no Estado atual dos poderes.
Que haja violência contida no direito é um assunto sobre o qual já se debruçaram
numerosos pensadores. O direito recorta, justifica uma coisa, para excluir outra. Mas isso não é
tudo. “É um erro de cálculo não considerar o fato de que, em sua origem, o direito foi força bruta
e de que, ainda hoje, não pode dispensar o recurso à violência.” (FREUD 1923/1950, p.19-20)
(11). No princípio, o poder se funda na lei do mais forte, é pura violência. A união faz a força,
lembra Freud: o direito que emerge para opor-se ao poder excessivo do indivíduo representa, de
fato, a força da comunidade, uma força que, todavia, continua a ser violenta e está pronta para
cair sobre quem se oponha a ela. O direito é a continuação da violência original, uma
modificação desta violência; a violência é seu fundamento e garantia.
Freud concebe a aliança social como uma formação estruturalmente instável, sempre
suscetível à ameaça interna, tanto quanto à externa, e que repousa sobre dois elementos: a
coerção violenta e os laços de identificação entre seus membros. A “comunidade” deve ser
vigiada de forma permanente, deve se organizar, estabelecer normas para prevenir as temidas
rebeliões, instituir os órgãos que velam pelo respeito às prescrições – as leis –, executando atos
violentos em conformidade com o direito. (FREUD, 1923/1950, p.15-16).
Segundo Benjamin, o interesse do direito em monopolizar a violência é expressão de sua
salvaguarda, visto que a violência só representa uma ameaça quando se expressa fora do direito.
(BENJAMIM, 1972). O direito exige a prerrogativa da violência: o fato de que o controle da
violência se faça por meios violentos é algo que pertence à própria natureza do direito. Eis o que
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evoca a anedota mencionada por Zagrebelski a propósito de um correspondente da televisão, o
qual, ao relatar a execução de uma pena de morte, começa sua reportagem dizendo: “Ontem,
Caryl Chessman foi assassinado.” A palavra assassinado no lugar de “executado” introduzia, da
maneira “a mais brutal possível”, como disse Zagrebelski, a relação entre lei positiva e justiça
(ZAGREBELSKY, 2007, P.17) (12).
“A noção de direito está ligada à de divisão, troca, quantidade. Ela tem algo de comercial.
Evoca em si mesma o processo, a petição. O direito só se sustenta em tom reivindicatório.”
(WEIL, S., 1996, p.75). Assim se exprime Simone Weil, acentuando tanto o aspecto comercial,
quanto o aspecto intrinsecamente usurpador do direito. Ao referir-se ao direito romano, no qual a
forma prototípica da propriedade legítima é o direito de captura, Weil insiste em que o direito
está enraizado na forma original da pertença: “Ele é sempre de alguém – ao mesmo tempo o
objeto e o modo, o conteúdo e a forma de uma posse. Em sua origem, o direito não é, mas se o
tem.” (ESPOSITO, 2002, p.33) (13).
A apropriação como alma da civilização jurídica ocidental funda a relação entre direito e
força que sustenta o laço social. Mas o que resulta novamente é uma realidade de aparência
paradoxal. “Quanto mais o indivíduo quer proteger aquilo que lhe é próprio do que é do outro,
mais ele deve se deixar possuir pela coletividade destinada a garantir esta defesa.” (ESPOSITO,
2002, p.31).
Embora sejam distantes as premissas ideológicas de Weil e de Bobbio, a tensão intrínseca
entre poderes e liberdades vem ao primeiro plano em ambas.
Isso nos remete às questões evocadas no início. As constatações sobre a fluidez produtiva
do direito, assim como aquelas sobre sua expansão benéfica enquanto direito moderado, não
abordam a relação existente entre transformação dos direitos, poderes e poder biopolítico. Não
obstante, as normas jurídicas, enquanto produto de consumo nas democracias constitucionais
atuais e no mercado global de hoje, desempenham um papel específico nesta mudança. A
utilização dos produtos jurídicos na sociedade do bem-estar e da eficiência carreia uma
maleabilidade do ato jurídico e um controle crescente da vida dos cidadãos, um reforço da função
disciplinar e de regulamentação do biopoder do Estado ou do biopoder global.
O Estado toma a seu encargo o bem-estar do cidadão: ao velar por sua saúde física e
mental, introduz leis especiais que garantam sua proteção. É o caso, por exemplo, da promoção
de diversos tipos de intervenções médicas de caráter preventivo (vacinas, mamografias,
colonoscopias, psicoterapias etc.). Em nome da vigilância, o cidadão é desresponsabilizado e se
dá prosseguimento a programas de higiene coletiva selecionados de acordo com interesses
políticos: fim à nicotina, fim às bebidas alcoólicas, sexo sem riscos e assim por diante.
Em tal contexto, a medicina confirma seu status de instância de propagação de normas.
Sua função chave não se esgota com o tratamento: ela desempenha um papel essencial na
avaliação e na prevenção. Neste sentido, ela demonstra ser um dos instrumentos mais poderosos a
serviço do direito, em particular, de sua função “imunológica”, para retomar o termo de Roberto
Esposito. No Estado de direito, a lei almeja prevenir os acontecimentos suscetíveis de ultrapassála, legiferando sobre o que escapa a seu controle, prevenindo as opções do futuro para estar
imune a elas. “O sistema jurídico serve de sistema de imunização para a sociedade.”
(LUHMANN, 1990, p.578).
Assim como a lei legifera sobre o que escapa a seu controle, a medicina se concentra na
prevenção do imprevisível. A avaliação é um dos instrumentos essenciais da sociedade da
prevenção, pois permite estabelecer a padronização dos programas e dos comportamentos. Não
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podemos deixar de observar, para voltar a um exemplo que nos concerne, que a própria ideia de
uma padronização da formação analítica – quer seja proposta pela American Psychoanalytic
Association ou instituída pelo Estado – pertence inteiramente a essa lógica (14). A relação entre
avaliação e prevenção, assim como seu efeito, aparece aqui claramente: o acordo, a homologação.
Eis um dos aspectos paradoxais da sociedade dos poderes e do bem-estar: o produto jurídico ao
alcance da mão do indivíduo não previne a homologação, ao contrário, a alimenta. A sociedade
do individualismo extremo se expressa por meio de medidas cada vez mais conformistas, que
uniformizam as características individuais. Não por acaso, o vocabulário que aplica e sustenta
essas medidas é o mesmo usado pelo mundo das empresas, do corporate world: assessment,
measure of success, control, grades, accountability etc. Ele reflete a mecanicidade do horizonte
onde se inscreve a ideia de indivíduo – uma mecanicidade que reduz o indivíduo tanto ao papel
do consumista quanto ao daquele que é produto do consumo.
Como observa Jean-Claude Milner: “Graças à avaliação, o controle alcança sua forma
pura; ele é apenas a livre circulação da obediência. Michel Foucault pôde dizer que a avaliação é
um saber-poder. A expressão deve ser tomada em toda a sua força; por meio da existência do
hífen, traço de união, Foucault apreendeu a domesticação mútua do saber pelo poder e do poder
pelo saber. O mesmo grau de servidão para todos, esta é a nova forma da liberdade e da
igualdade” (MILNER, 2005, p.59-60).
A noção de saúde física e mental a serviço do sistema psicomédico testemunha a aliança
entre medicina, direitos e poder. Isto nos concerne diretamente, uma vez que os diagnósticos
psiquiátrico-psicológicos desempenham uma função essencial nesta questão. Já citei o exemplo
do massacre de 2007 na Escola Técnica de Virgínia (MIELI, 2007). O diagnóstico de paranóia,
atribuído ao jovem responsável pelo massacre, por um lado responde satisfatoriamente a um
evento que gostaríamos de considerar e de permanecer considerando como fato isolado, por
outro, permite rever a aplicação das regras preventivas: a compra de armas de fogo está, desde
então, proibida a portadores de determinados diagnósticos. Desta maneira, a circulação de armas
é salvaguardada – se cada um tem o direito de ter acesso às armas de fogo, a indústria tem
também o direito de beneficiar-se com isso. Intensifica-se, ao mesmo tempo, o papel dos serviços
disciplinadores da saúde mental, fonte de diversos produtos a serem consumidos, antes de mais
nada, na indústria farmacêutica e hospitalar.
Alcoolismo, bulimia, anorexia, depressão, traumatismos infantis etc. são diagnósticos que
desresponsabilizam e permitem a reprodução da mesma lógica, a qual associa os direitos ao
controle e ao consumo. O sujeito do Estado dos poderes é um sujeito que pode ser avaliado,
então, pode ser diagnosticado, sua responsabilidade pode lhe ser retirada por meio de
medicamentos; um sujeito ao qual é demandado que se adapte aos regulamentos higiênicos do
Estado (terapias, psicotrópicos, programas de recuperação, eletrochoques e assim por diante).
Além disso, a adoção da psicologia analítica pelo sistema jurídico assinala a relação entre
diagnóstico e direito. O recurso à infância traumática como circunstância atenuante do delito é
um instrumento comumente partilhado por psicólogos, advogados e juízes. O sujeito
medicamentosamente inocentado é a resposta fornecida pelo sistema dos poderes ao mal-estar
físico, psíquico e social.
Saúde ou bem-estar são, ante de mais nada, objetos de consumo; o corpo se conforma às
normas da produção. Do uso abundante da cirurgia ao uso abundante da farmacologia, os
exemplos se multiplicam. Os anúncios publicitários em horários nobres da televisão dos mais
diversos produtos farmacêuticos, como Prozac, Zoloft, Ritalina e derivados, prometem a saúde e
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a serenidade a que todos têm direito, assim como prometem a capacidade de concentração para as
crianças que sofrem de distúrbios da atenção na escola. As famílias devastadas, as classes sociais
desprotegidas, os professores sem preparo adequado, a fragmentação social, tudo isso fica
reduzido ao silêncio, sob a ótica do quick fix (15), típica da sociedade de consumo farmacológico.
Toda e qualquer novidade tecnológico/científica se transforma imediatamente em tecnologia de
consumo e de direito. Todos têm o direito de acesso às novidades, o Estado jurídico lhes dá essa
garantia.
Neste contexto, damo-nos conta com exatidão das implicações de uma tradição
psicanalítica como a “ortodoxa” norte-americana, a qual, contra a opinião de Freud, concebeu
desde o início a pretensa psicanálise como um setor da medicina e, como tal, a protegeu. Não por
acaso a ideologia farmacológica e a das neurociências, largamente em voga hoje em dia, foram
tão facilmente integradas na concepção psicanalítica dominante (a prescrição de neurolépticos
durante o tratamento é considerada uma norma), pois suas premissas já estavam inclusas na
concepção médica da psicanálise. O pensamento psicomédico acerca da questão apenas reproduz
a noção de indivíduo que é sustentada pela sociedade da eficiência, ignorando, talvez, o quanto
esta noção diverge da noção psicanalítica de sujeito.
O advento do Estado de direito não teria acontecido se uma posição histórico/social de
tipo individualista não se tivesse imposto. O sujeito jurídico repousa sobre a ideia de indivíduo. O
sujeito analítico, ao contrário, é o resultado de um ato, ele emerge do coletivo – o que indica que
não há equivalência entre o sujeito do inconsciente e o indivíduo contável como um número
inteiro.
No início, Lacan concebe o coletivo como um grupo formado por um número definido de
indivíduos e suas relações recíprocas. Todavia, a encenação do sofisma do tempo lógico lhe
permite apreender a especificidade própria ao coletivo (LACAN 1945/1995). Desde que as
pessoas estejam inseridas em uma relação sincrônica no seio do laço social, sua relação se
transforma. A sincronia opera a introdução da subjetividade entre os indivíduos, como enuncia
claramente Erik Porge, subjetividade esta que é determinada pelo modo como cada um se vê e se
concebe em relação ao outro (PORGE, 2008, p.50). O sujeito da asserção, de uma asserção do
tipo “sou um branco” (ou preto, ou vermelho, ou bom, ou triste, e assim por diante, asserção que
sustenta o direito de existir e a lógica da existência, a lógica do desejo, da vida, da antecipação da
morte), implica o atravessamento de um sujeito indefinido e de um sujeito recíproco, instâncias
lógicas no seio do coletivo. Lacan mostra claramente que a emergência do sujeito da asserção,
pelo fato mesmo de que ele se diz, implica uma nova forma de contar, que reflete o fato de que
“O coletivo não é nada senão o sujeito do individual” (LACAN 1945/1995, p213) (16). Na ordem
do coletivo, a relação entre indivíduos não é determinada por sua soma, mas, antes, pela divisão
subjetiva que esta relação instaura, destaca Porge. Esta nova forma de contar é subsidiária do laço
espaço-temporal que acompanha a emergência do sujeito da asserção, assim como da
inadequação da relação entre o um e o Outro, própria à relação de reciprocidade. Ela mostra que
fatores como a pulsão, o desejo e a identificação determinam a forma como o ser falante
(parlêtre) (17) exprime sua própria existência ao emergir no campo do Outro. Ela tanto assinala o
aparecimento do sujeito enquanto efeito da relação entre significantes, quanto seu esvaecimento.
A lógica do coletivo é a lógica em ato na transferência; é ela que faz com que a
transferência dê origem a um ato mediante o qual o sujeito humano, para retomar os termos de A.
Didier Weill, pode dizer “sim” ao direito de existir como sujeito do desejo (DIDIER-WEIL,
2008). Condição incontornável da própria noção de tratamento e de fim de análise.
http://www.uva.br/trivium/edicao1/artigos-tematicos/1-ato-analitico-ato-juridico-paradoxos-aporias-contradicoes.pdf
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O incomensurável da relação do um com o Outro, própria à emergência do sujeito na
linguagem, indica claramente a contradição implícita à relação entre indivíduo jurídico e sujeito
analítico, entre ato jurídico e ato analítico. Portanto, é importante distinguir o grupo, enquanto
entidade constituída por indivíduos, do coletivo sujeito do individual – mesmo se, em si, o termo
“grupo” condense algumas vezes as funções. Tenho tendência a pensar que a noção de massa
estudada por Freud representa uma forma do coletivo; o mais interessante é que a existência do
grupo, resultado de relações pulsionais e de identificações específicas, mostra o quanto o coletivo
pode ter um impacto no nível social e político. Com efeito, o fato de que o sujeito analítico se
distinga do indivíduo jurídico não significa que os efeitos do ato analítico não tenham impacto no
laço social. Ao contrário.
A ideia de Locke de um estado de natureza onde os homens são livres e iguais persiste até
mesmo quando a hipótese do estado de natureza é abandonada; ela opera como uma ficção
indispensável para sustentar a igualdade dos direitos. Trata-se, no fundo, de uma astúcia lógica.
Assim proclama a declaração dos direitos do homem: “Todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos”, a despeito do aspecto contraditório e paradoxal desta afirmação,
tal como foi formulada, em 1948. Mas, como acentua Bobbio, liberdade e igualdade “não são um
dado de fato, mas um ideal a perseguir, não são uma existência, mas um valor; não são um ser,
mas um dever ser.” (BOBBIO, 1992, p.29).
A contradição intrínseca à noção de direito relembra aquela que Freud desvelou no
próprio coração do sujeito. O sujeito da linguagem está exposto a contradições antinômicas, uma
o convida a vir a ser, a sustentar e expressar seu próprio desejo, a outra – à qual o supereu
empresta sua voz – não cessa de censurá-lo, diminuí-lo e paralisá-lo. “É surpreendente constatar a
existência na psique de uma voz que poderia dizer, independentemente de todo contexto jurídico,
aquilo que todo tirano, abolindo os Direitos do Homem, é conduzido a dizer: aqui não há
liberdade, igualdade, fraternidade.” (DIDIER-WIELL, 2008). Esta voz coloca duas questões: o
que faz o sujeito unir-se também a seu perseguidor íntimo e como compreender a angústia de que
é possuído quando este censor é abolido?
Não é casual que a Hans Kelsen – para quem o direito positivo é síntese de imperativo e
de coerção (Grundnorme) e o mandato jurídico, pura expressão da validade intrínseca à norma –
Freud responda que a questão fundamental permanece sendo a de saber o que nos faz obedecer, o
que impede a nossa revolta contra o mandato. Trata-se de uma questão crucial, que estabelece um
contato intrínseco entre direito e psicanálise, entre domínio da lei e domínio da pulsão. Aliás,
como Freud não cessa de repetir, não haveria lei sem pulsão.
O ponto de contato não é senão o sujeito da linguagem. É o preço pago pelo sujeito da
linguagem para passar da natureza à Kultur. Indivíduo e sujeito se originam no mesmo universo
simbólico. O supereu é a nova contradição; ele é simultaneamente a lei e sua destruição. “Nisso,
ele é a palavra mesma, o comando da lei, na medida em que dela não resta mais do que a raiz”
(LACAN 1964/1979, p.123). Ele encarna a função mais reduzida da linguagem, a fala nua
enquanto puro imperativo. A fala no Estado de lei. O sujeito flerta (18) com a lei da qual se faz
objeto de gozo. Retira do direito toda a sua qualidade absoluta e violenta, para pôr-se a seu
serviço. Mas é um direito desmedido, insensato, separado de seu caráter histórico e comunitário;
uma essência do simbólico destinada a miná-lo. Apesar disso, ele mostra como direito e pulsão
convergem na subjetivação.
Tanto o ato jurídico, como o ato analítico, a relação entre eles e seu confronto no atual
Estado dos poderes têm em comum o fato de serem atravessados por uma série de contradições
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intrínsecas ao sujeito da linguagem. Contudo, eles são os porta-vozes de vertentes opostas entre si
– embora relacionadas uma à outra. Em termos freudianos, poderíamos dizer que um é porta-voz
do processo secundário, do domínio marcado pela censura, pela vocação à sistematização; o
outro, testemunha do processo primário e de sua relação com o secundário, da divisão subjetiva.
Se um expulsa a contradição, o outro está constantemente na sua escuta.
Seus respectivos lugares no laço social instauram uma distância radical. O discurso
jurídico é uma manifestação exemplar do discurso do mestre, no qual o lugar do agente
dominante é ocupado pela aspiração à totalidade, ao universal. E o discurso do mestre se encontra
nas antípodas do discurso do analista, é precisamente o seu avesso (LACAN, 1968-69/ 1992)
(19). Isto é mais do que suficiente para dizer que cada vez que o ato jurídico intervém no domínio
analítico, desnaturaliza radicalmente sua especificidade. Isto diz bastante também sobre o fato de
que a expansão do produto de consumo jurídico na sociedade dos poderes se opõe ao processo de
responsabilização próprio à ética analítica – contrária, justamente, à do sujeito
medicamentosamente desresponsabilizado. Aí está a origem da atual propagação de ofertas
terapêuticas ou farmacológicas, assim como da desconfiança em relação à psicanálise.
A redução do direito a objeto de consumo e a expansão do produto jurídico parecem ser o
efeito da fase atual do discurso capitalista, este último sendo o “substituto”, como diz Lacan, do
discurso do mestre. Neste substituto, o sujeito dividido ocupa o lugar dominante em forma de
sintoma, e o significante-mestre, o lugar da verdade, o que marca o triunfo da eucracia, do mito
do eu mestre que controla tudo – e acaba reduzindo o indivíduo a um puro objeto de consumo.
Então, Lacan acrescenta: o discurso capitalista funciona perfeitamente, não poderia funcionar
melhor, “mas, justamente, isso vai rápido demais, isso se consome, isso se consome tão bem que
isso se consume” (Lacan 1953/1978, p. 48) – a atual crise econômica parece confirmá-lo,
colocando a nu, em um “discurso que não seria do semblante”, a relação entre ato jurídico,
direitos e sistema financeiro, característica do neoliberalismo contemporâneo. Um castelo muito
firme se revela, repentinamente, um castelo de cartas.
Mas, justamente, um discurso remete a outro. Um existe em relação ao outro, parte do
mesmo tecido social. Engendram-se novos paradoxos. “Dizer que o sujeito sobre quem operamos
em psicanálise só pode ser o sujeito da ciência talvez passe por um paradoxo” (LACAN
1966/1995, p.873); é este, porém, o fundamento da psicanálise, visto que ela opera sobre o sujeito
que a ciência foraclui. A psicanálise surgiu correlativamente ao progresso do discurso da ciência;
ela se manifestou como sintoma do mal-estar na civilização, como eco da intrusão do real no
mundo. “Por um breve instante, nos foi possível perceber o que era esta intrusão do real. O
analista ainda está ali. Está ali como um sintoma. Ele só pode durar a título de sintoma.”
(LACAN, 1974/2004, p.82).
A psicanálise permanece interrogando a ciência a partir do que ela foraclui: o sujeito e a
verdade como causa. Sob este prisma, a psicanálise terá uma vida longa, basta ver a proliferação
do discurso da ciência e sua aliança com o discurso capitalista – pelo menos, enquanto o vento
não tiver varrido as cartas do castelo. Com efeito, como constatamos diariamente em nossa
prática, o sintoma persiste, a verdade não cessa de retornar na experiência, e por uma via
diferente do confronto com o saber. Sem contar que, como o prenunciava Lacan há mais de trinta
anos, dois problemas insistem opressivamente: um deles é a expansão do discurso PS, ou PST,
um discurso “psi” pestilento, “inteiramente votado, finalmente, ao serviço do discurso do
capitalismo”, o outro, a questão de saber se a psicanálise sobreviverá em um mundo onde a
religião não apenas vem para o primeiro plano, como sufoca o real, ao inundar de sentido o sem
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sentido. “Mas você verá que a humanidade será curada da psicanálise. Por força de mergulhá-lo
no sentido, no sentido religioso naturalmente, acabarão recalcando esse sintoma.” (LACAN,
1974/2004, p.67). Declaração estranhamente radical da parte de Lacan. E, a seu modo, paradoxal,
se imaginamos que a psicanálise é correlativa à ciência. A propagação do fundamentalismo
religioso seria efeito do avanço da era tecnológica?
Declaração, no entanto, que atribui um grande peso à responsabilidade do analista. Em
sua ligação com o discurso da ciência, a psicanálise permanece por enquanto. Mas é
responsabilidade do analista fazê-la persistir e, portanto, interrogar-se sobre os efeitos de
consumo relativos ao discurso do capitalismo, por exemplo, interrogando-se sobre a relação entre
sujeito da ciência e resposta religiosa, ou sobre as transformações em curso na relação entre
biopoder, direito e democracia. É responsabilidade do analista afastar as ingerências e
manipulações do Estado da eficiência. Sustentar a diferença de seu ato.
A prática analítica se encontra diariamente confrontada com os efeitos da expansão do
produto jurídico: quer se trate da obrigação de denunciar os pacientes com ideias suicidas,
imposta pelo Estado em nome do direito à vida, quer se trate de fornecer diagnósticos para as
empresas de seguro saúde ou dossiês clínicos para os tribunais. Quer se trate, de forma mais
radical, da escuta do sofrimento do sujeito da linguagem, confrontado de um lado com a eucracia,
o reforço do sintoma e a promessa de um aumento em seus poderes individuais, de outro, com a
mecanicidade homologante à qual o reduz a sociedade da eficiência e da avaliação. A cada vez,
caberá ao analista inventar o ato analítico adequado à situação singular, criar as condições para
que, apesar das premissas, o ato analítico possa ter lugar. O que, aliás, foi sempre sua função.
É responsabilidade do analista proteger a transmissão de seu ato.
O analista está exposto à violência produzida pela proliferação do ato jurídico, a seus
efeitos de alienação e marginalização. A relação entre lei e exclusão. Ele é testemunha dos efeitos
de segregação da universalização da ciência, que Lacan predisse, da manipulação social que se
produz por seu intermédio e da desumanização consecutiva a seus aspectos normativos.
Desumanização, não o esqueçamos, de que os campos de concentração são uma de suas
manifestações. Debruçar-se sobre a deriva jurídica atual, e sobre a possibilidade de contribuir
para ressituar o direito em uma perspectiva democrática que o libere de sua função de objeto de
consumo, demonstra ser uma tarefa necessária. A resposta niilista arrisca tornar-se cúmplice, de
forma sofisticada, do mesmo biopoder – que, afinal de contas, a produz.
Se a democracia transforma a vontade da maioria em lei à qual todos estão submetidos,
salta aos olhos seu contraste radical com a prática da psicanálise, ou seja, a prática da
singularidade, da unicidade da condição subjetiva. O saber inconsciente não é democrático:
transmite-se exclusivamente de um a um. Eis o desafio da formação analítica.
Será que isto significa que psicanálise e democracia situam-se em posições antagônicas?
No que tange à democracia, é preciso distinguir entre democracia política e democracia social; é
preciso localizar onde e de que modo a democracia política faz obstáculo à democracia social e
faz do recurso ao direito da maioria uma forma de absolutismo, uma maneira de oprimir a
multiplicidade, a diferença, a minoria. É preciso localizar onde ela faz do recurso ao direito um
meio de manipular a constituição para fins pessoais, ou da transformação dos direitos individuais
uma ferramenta para multiplicar o controle biopolítico. Como toda prática social, a democracia é
uma formação instável: ela necessita de rearranjos constantes para fazer face às contradições que
contém implicitamente e produz explicitamente.
No campo da psicanálise, se é verdade que o sujeito está permanentemente em
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transferência com a alteridade, a emergência do sujeito do campo do Outro implica
necessariamente uma dialética entre o coletivo e o singular. Não é necessário observar que o ato
analítico, ao provocar o exílio da eucracia e dos mitos da verdade-toda e do tudo-saber, caminha
em direção ao encontro com a diferença, com o relativo, com o não-todo, em direção à expressão
da singularidade e do estilo próprios. Ele vai na direção de uma transformação ética que, como
acentua Guillermina Diaz, marca a passagem de uma posição subjetiva alieni uiris para uma
posição sui iuris (20).
Será que o efeito singular desta prática produz um impacto social? Talvez Freud faça
alusão também a isso, quando fala em exigências ideais, éticas e estéticas que foram
transformadas, fruto da trajetória da Kultur, deste processo singular de “civilização” que
transforma a violência subjetiva e atenta contra sua “intolerância constitucional” (FREUD,
1923/1950, p.26) – na forma como se expressa, chama a atenção a concepção de exigências
“transformadas”, sob a pena de um homem que se qualifica de pessimista e que refuta a ideia de
progresso histórico.
Que a prática psicanalítica e o discurso que a acompanha possam ter um impacto sobre o
social, sobre os desdobramentos da Kultur, parece confirmado pelo fato de que despertam
antipatias radicais nos períodos de absolutismo, seja ditatorial ou democrático. Ao desconstruir a
função mistificadora e alienante das identificações individuais e de grupo, ao dissipar a violência,
a psicanálise restitui ao indivíduo a responsabilidade por suas próprias escolhas e ações; ela lhe
permite tomar a seu encargo as causas de que é efeito. Portanto, tomar a seu encargo a
responsabilidade pela realidade social da qual faz parte. Neste sentido, a prática da singularidade
pode contribuir com a prática da democracia social, com sua permanente reordenação.
Por maior que seja sua diferença do ato jurídico, o ato analítico pode contribuir para sua
redefinição e para localizá-lo novamente no horizonte democrático. De resto, o sujeito do ato
jurídico é o mesmo sujeito sobre o qual a psicanálise opera.
Tradução do francês: Sonia Borges e Vera Pollo
Revisão da tradução: Vera Pollo
Notas
(1) “Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo (o indivíduo singular, deve-se observar), que
tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é
feito pelo Estado”. BOBBIO, 1992, p.60
(2) A primazia dos direitos (ius) sobre a obrigação já é uma característica do direito romano da época clássica, mas
diz respeito aos direitos que pertencem ao indivíduo enquanto sujeito econômico. “No Estado de direito, o indivíduo
tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos
cidadãos”. BOBBIO, 1992, p.61.
(3) Refiro-me a meu texto “Durer au titre de symptôme”, apresentado no terceiro congresso da Convergência, Paris,
junho de 2007, e publicado em Insistance n. 3, Eres, Paris 2007. Retomo aqui algumas das reflexões que fiz naquela
ocasião, com o objetivo de desenvolvê-las e aprofundá-las.
(4) “To give permission for the use and disclosure of Protected Health Information (PHI)”.
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(5) É necessário precisar que, no Estado de Nova Iorque, a intervenção do Estado na regulamentação se fez por
demanda dos psicanalistas, o que diz muito sobre o estado atual da psicanálise neste país, sobre as consequências das
lutas da categoria e sobre o uso copioso dos produtos jurídicos. São os “leigos”, ou “independentes”, que se
endereçaram ao Estado para proteger os interesses do setor contra a tentativa dos psicólogos de obter o “escopo da
prática” e, por outro lado, contra a tentativa da American Psychoanalytic Association de exercer o monopólio da
formação, excluindo meios diferentes de formação. Os “leigos” recorreram à lei, em nome de seus direitos, tendo
como interesse defender o consumidor e se endereçar a analistas “leigos”. E eles se serviram da lei. Hoje, o exercício
da profissão necessita uma licença fornecida pelo Estado nos seguintes setores: medicina, psicologia, trabalho de
clínica social, psicanálise. Naturalmente, a formação em psicanálise não tem nada a ver com essas licenças, continua
a ter lugar nos institutos que a ela se dedicam, e em outros lugares.
(6) A comissão organizada pelo “Departamento Estadual de Educação de Nova Iorque para promulgar as
regulamentações relativas às leis sobre a licença em psicanálise foi e é dirigida por um assistente social (social
worker). Os protestos de certos analistas sobre a natureza antipsicanalítica dessas regulamentações continuam a fazer
obstáculo ao princípio defendido pelos representantes do Estado que sustentam que a prática analítica deve se
conformar com os padrões educacionais existentes nas outras profissões que se referem à saúde mental, em
particular, o serviço social. A lei futura deve se conformar com a lei já existente.
(7) Inútil dizer que os meios econômicos de utilização dos meios jurídicos adquirem uma capacidade de poder cada
vez maior, o que mantém e radicaliza a diferença entre as classes sociais.
(8) “A racionalidade técnica não evolui nem discrimina os conteúdos e não está à altura de fazê-lo, porque ela não
pressupõe nada, portanto, é desprovida de um critério de seleção e discriminação. Ao formalismo dos procedimentos
corresponde a indiferença dos conteúdos.” (IRTI, 2007, pp. 101-102)
(9) N.T. Outras traduções possíveis para a expressão diritto mite seriam: direito flexível ou direito elástico. Algumas
linhas adiante, como se verá, a autora sugere a ideia de “direito mito”.
(10) N.T. Figura que consiste em reunir palavras aparentemente contraditórias: paradoxismo. (Buarque de Holanda,
Novo Dicionário Aurélio)
(11) Sigmund Freud, Warum Krieg? Gesammelte Werke XVI, S. Fisher Verlag, Frankfurt, 1950, p.19-20. Segundo
Freud, o grupo social se articula a partir da morte do detentor da força bruta; a aliança que se segue é consequência
do crime e da ambivalência que o acompanha. O poder se transfere a unidades maiores, constituídas por indivíduos
mais fracos, porém unidos por interesses comuns. Retomo aqui algumas considerações extraídas do meu texto
“Psychoanalysis and Democracy”, publicado na NAAP News, Volume 30 #4 New York, outono de 2007.
(12) A língua italiana emprega a palavra “giustiziato” para a portuguesa “executado”, o que diz bastante acerca da
relação entre justiça, direito e violência.
(13) Espósito afirma que os exames da noção de apropriação do direito de Weil, e sobretudo de Rudoholf Von
Jhering, iluminam tanto a origem do direito romano quanto a origem romana do direito.
(14) Para o Consortium (coligação promovida pela American Psychoanalytic Association, incluindo também a
American Academy of Psychoanalysis, o National Membership Committee on Psychoanalysis in Clinical Social
Work, e a Division 39 da American Psychoanalytical Association), a avaliação é o critério essencial da admissão do
candidato no programa de training em psicanálise, antes e independentemente da análise pessoal. Segundo o
Consortium, a admissibilidade dos candidatos em um instituto é estabelecida a partir de seus diplomas, do fato de
saber (previamente) diagnosticar os problemas mentais e de ter uma experiência da prática psicoterapêutica. A
avaliação consiste também em medir as aptidões pessoais: “As qualidades pessoais que se consideram necessárias
para fazer a formação analítica. O candidato deverá dar provas de integridade do caráter, apresentar uma
personalidade madura, mostrar boas motivações e aptidão para a autocrítica, assim como aptidões clínicas e
capacidades intelectuais adequadas. Os institutos farão funcionar os procedimentos que lhes permitam avaliar estas
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aptidões...” “Standards of Psychoanalytic Education, Accreditation Council for Psychoanalytic Education, The
Psychoanalytic Consortium”. Psychologist Psychoanalyst, Newsletter of Division 39, vol. XXI, autumn de 2001,
Washington DC, p.8.
(15) N.T. Em inglês no original
(16) Esta nova maneira de contar é aquela que Lacan define como Um mais a, cf. sua lição de 16 de fevereiro de
1973 de O Seminário, livro 20: mais, ainda.
(17). N.T. Termo da doutrina lacaniana que condensa os verbos parler, falar, e être, ser.
(18) No original: flirte, em inglês
(19) Como observa Liliana Donzis, a lei positiva coloca a norma como universal, mas exclui a lógica do não-todo,
relegada pelo positivismo para o domínio do impossível. “A norma não pode afirmar que o sujeito é não-todo
criminoso, e nenhum juiz poderia sancionar ou imputar o não-todo criminoso”.
(20) Em “Ato Psicanalítico. Ato Jurídico”, apresentado em Nodi freudiani, Milão, 8 de setembro de 2008.
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Recebido em: 13 de maio de 2009
Aprovado em: 29 de junho de 2009
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1.Ato analítico, ato jurídico paradoxos, aporias, contradições