ZERO HORA > DOMINGO | 18 | DEZEMBRO | 2005 Polícia > | 51 | PMs orientavam e extorquiam criminosos REPRODUÇÕES Quando encontrou seu Gol vido com vários tipos de crimes. 1999 arrombado e sem docu– Esses dois presos pelos carmentos, na noite de 31 de ouros já despertavam nossas sustubro, a médica Aline Fornari peitas – disse Lopes. As investigações feitas pelo dejamais imaginou que por trás legado Mocciaro indicam que os do seu drama pessoal estivesse PMs chegaram a ameaçar de uma complexa rede envolvenmorte o ladrão Jaques, caso o do ladrões, receptadores e po- Ivan Rezende criminoso não repassasse a eles liciais. E que a solução do seu dinheiro obtido com a revenda caso ajudaria a comprovar o dos veículos. Os policiais orienenvolvimento de funcionários tam a quadrilha de Jaques sobre públicos no crime organizado. a presença da Brigada Militar Eram 22h30min daquela nas proximidades e recomennoite, e Aline saía da casa de dam cautela. uma amiga na Rua Vasco da – Jamais imaginei que levar Gama, no bairro Bom Fim, em carro fosse uma engrenagem tão Porto Alegre, quando notou complexa – comenta a médica, que a porta do seu carro esta- Paulo André ao saber o resultado do inquérito va aberta. Os ladrões só não levaram o Gol porque a chave era codifi- sobre seu carro. Tanto os PMs quanto os suspeitos de cada. Mas furtaram vários documentos da médica. Seria apenas um incômodo roubar e receptar carros se reservaram se os objetos pessoais de Aline não aca- o direito de depor apenas perante a Jusbassem servindo de prova contra uma tiça. Consultado por ZH, o advogado das muitas conexões da Furto e Roubo que representou os policiais Paulo André e Rezende no inquérito, Fábio Rode Veículos SA. Numa operação que evidenciou o fun- drigues Silveira, diz que só vai se procionamento desta engrenagem, o delega- nunciar após ter acesso às gravações tedo André Mocciaro, da 2ª Delegacia de lefônicas do caso. Polícia Civil, encontrou na casa do ladrão de carros Jaques Roberto Alves dos Santos os objetos da médica Aline. Estavam lá uma pasta, o estetoscópio e uma agenda, que se constituíram em prova material do envolvimento de Jaques no furto. Em seis meses de investigações, o delegado comprovou que o bando furtou pelo menos 10 carros neste período. E tentou Nem só os policiais da 2ª DP de Porto levar outros, como o da médica Aline. Parte dos veículos foi desmanchada e Alegre e da 2ª de Gravataí mergulharam vendida. Jaques e outros quadrilheiros na investigação do submundo dos desvendiam rodas, CDs e estofamentos, manches. Um dossiê em mãos da cúpula da Poabandonando em alguns casos o chassi do veículo. As investigações comprova- lícia Civil mapeia o universo do furto e ram que grande parte das peças foi re- roubo de carros nas maiores cidades passada a Almir Bastos da Silva, dono de gaúchas e aponta os responsáveis por esuma autopeça de usados situada na Ave- ta indústria. A investigação, realizada no nida Sertório, 9.898, que acabou preso final de novembro, relaciona 14 grandes pelos policiais. Os veículos eram desmanchados numa oficina do bairro Sarandi, onde quatro pessoas foram presas. Como funciona Cerca de um terço dos veículos levados por ladrões a cada dia no Rio Grande do Sul é desmanchado. O desmantelamento dos veículos serve para alimentar uma rede que, nas estimativas policiais, inclui 1,2 mil lojas de peças usadas e cerca de 800 oficinas no Estado. A maior parte na Região Metropolitana. A OPERAÇÃO A pedido de revendas de autopeças, os donos de ferros-velhos encomendam à quadrilha marca e ano do veículo a ser depenado Os automóveis são furtados pelos ladrões e são para uma oficina de fundo de quintal e desmanchados. Peças sem número são separadas para venda e espalhadas em diversos pontos de comércio, para dificultar rastreamento. É necessário manter no pátio alguns veículos legalizados, comprados em leilões e de seguradoras. Eles dão a aparência de negócio lícito. As partes numeradas do veículos são geralmente prensadas e vendidas como sucata. Os motores, em especial o diesel, são desmonta- Investigação relaciona seis policiais suspeitos Policiais chegaram a ameaçar de morte um ladrão A maior surpresa das investigações é justamente a ligação de Jaques com policiais. O delegado Mocciaro comprovou que o ladrão recebia telefonemas de três soldados do 20º Batalhão de Polícia Militar. Dois deles, Paulo André Ribeiro Pereira e Ivan Dias Rezende, foram presos por ordem da Justiça a pedido da 2ª DP. O terceiro PM está indiciado, mas não foi preso. Até então estes policiais só tinham respondido a queixas por abuso de autoridade. O tenente-coronel Flávio Lopes, comandante do 20º BPM, ressalta que nos últimos nove meses foram afastados 10 policiais militares por terem se envol- receptadores de veículos ilegais – 10 deles na Grande Porto Alegre. Além da Capital, são relacionados donos de desmanches em Gravataí, Viamão, Pelotas e Caxias do Sul. Os policiais civis trabalham para reunir provas de que o material é oriundo de desmanche irregular. A mesma investigação relaciona seis policiais suspeitos de envolvimento na dos para venda em peças. Quando inteiros, a numeração é destruída. COMO AGE A REDE DE PROTEÇÃO Funcionários públicos corruptos (policiais e fiscais) são cooptados pelos financiadores dos desmanches de veículos e pagos para deixar funcionando os ferros-velhos e lojas de venda de peças ilegais. Como sãos protegidos os bandidos? Servidores corruptos mantêm o dono do desmanche alimentado com informações exclusivas. Por exemplo: dias das batidas da polícia. Tentam evitar também que não se infiltrem entre os ladrões e os desmanchados de carros informantes da polícia. E ensinam como impedir que a polícia consiga provas. cobrança de propina dos ladrões e receptadores de carros furtados. Três são agentes da Polícia Civil e três da Brigada Militar. Dois dos três PMs já estão presos por estes crimes. Os policiais civis supostamente recebem suborno para evitar repressão aos receptadores. Já os PMs são apontados no relatório por cobrar “pedágio” ilegal dos ladrões. O levantamento traz ainda duas estatísticas que embutem uma notícia positiva e uma negativa. A boa é que 61% dos veículos levados pelos ladrões acabam encontrados ou recuperados pela polícia. A ruim é que apenas 25% retornam intactos aos donos.