HÉLLEN PATRÍCIA DE ANDRADE AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL NA RELAÇÃO ADVOGADO E CLIENTE EM FACE DO MONITORAMENTO EM PRESÍDIOS Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Msc.Neide Aparecida Ribeiro Brasília - DF 2012 Monografia de autoria de Héllen Patrícia de Andrade, intitulada “AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL NA RELAÇÃO ADVOGADO E CLIENTE EM FACE DO MONITORAMENTO EM PRESÍDIOS”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em _____ /_____/ 2012, defendida e aprovada pela banca examinadora constituída por: _________________________________________________________________________ Profª. Neide Aparecida Ribeiro Orientadora Curso de Direito – UCB ____________________________________________________________ Integrante: Prof. (a) ___________________________________________________________ Integrante: Prof. (a) Brasília - DF 2012 Decido esse trabalho, primeiramente a Deus, que me deu saúde e sabedoria para produção do mesmo, fruto de esforço e dedicação; à minha família, especialmente aos meus pais, Avilmar e Vanda, que sempre me apoiaram; à minha filha Letícia; ao meu companheiro Igor Malta e ao meu irmão Éverton. AGRADECIMENTO Agradeço à minha orientadora, professora Neide Aparecida Ribeiro, pelo grande esforço em trazer sugestões para o melhor desenvolvimento do trabalho. Agradeço também a todas as pessoas que me acompanharam nesta longa caminhada, abrindo novos horizontes ainda mais promissores do que aqueles obtidos no curso. “Uma das coisas mais difíceis de ficarem guardadas é justamente aquilo que pelo próprio nome não poderia ser revelado: O segredo... a mente humana é ainda fraca.” Sergio Siqueira RESUMO ANDRADE, Héllen Patrícia de. Afronta ao sigilo profissional na relação advogado e cliente em face do monitoramento em presídios. 2012. 71fls. Trabalho de conclusão de curso de Graduação em Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012. A profissão do advogado acompanha a evolução do direito e da justiça, as quais encontram diretamente ligadas às modificações da sociedade, tal profissão tem como objetivo amparar aqueles que se encontram injustiçados. Antigamente as partes defendiam os próprios interesses atuando pessoalmente perante o juízo, onde era permitido levar um amigo de confiança, que mesmo sem conhecimento jurídico pudesse auxiliar a parte no feito. Com o aumento considerável de demanda no poder judiciário, e com a criação dos cursos jurídicos, necessitou-se regulamentar a profissão, objetivando torná-la digna, com exigências e pré-requisitos para a formação do profissional, devendo ser executada conforme a ética e a moral. A deontologia jurídica constitui o dever ético e moral da conduta humana, resguardando ao advogado a sua inviolabilidade e o sigilo de dados e demais informações de clientes, sujeitando-se às penalidades quando violado esse direito. Contudo, recentemente essa violação se tornou presente na comunicação do advogado e seu cliente, tendo em vista que estão sendo gravadas as conversas nos parlatórios, impossibilitando assim a conversa pessoal e reservada, garantida pelos diplomas legais atinentes ao exercício da advocacia. O sigilo profissional é uma conquista da civilização dos povos, o qual consiste em informações obtidas pelos profissionais em razão do seu ofício, não contemplando informações adquiridas enquanto cidadãos. Resta provado que ao advogado é garantido ter acesso livre ao seu cliente, mesmo que este se encontre incomunicável, devendo esse direito ser garantido pelo Estado e por todos ligados, direta ou indiretamente, ao exercício da advocacia. Palavras-chave: Advogado. Deontologia Jurídica. Sigilo Profissional. Comunicação Pessoal e Reservada. ABSTRACT ANDRADE, Héllen Patricia de. Affront to professional confidentiality in attorneyclient relationship in the face of monitoring prisons. 2012. 71fls. Work completion for Graduation in Law, Catholic University of Brasilia, Brasilia, 2012. The profession of lawyer follows the evolution of law and justice, which are directly linked to changes in society, such a profession aims to support those who are wronged. Formerly parties defended their own interests acting personally before the court, where he was allowed to bring a trusted friend, that even without legal knowledge could help the party to do. With the considerable increase in demand in the judiciary, and the creation of legal courses, required to regulate the profession, aiming to make it worthy, with requirements and prerequisites for the professional formation and must be performed according to the ethics and moral. The legal ethics is the ethical duty and moral human conduct, the lawyer protecting its inviolability and confidentiality of data and other customer information, applying the penalties when violated that right. However, recently this has become present in communication between lawyer and his client, given that the conversations are being recorded in the parlors, thereby precluding a personal conversation and reserved, diplomais guaranteed by law pertaining to the practice of law. Professional secrecy is a civilization of people, which consists of information obtained by professionals because of work, not allowing information acquired as citizens. It remains to be proven that the lawyer is guaranteed to have free access to his client, even if that person is incommunicable, that right should be guaranteed by the state and all connected, directly or indirectly, the practice of law. Keywords: Lawyer. Legal Ethics. Professional Secrecy. Personal and Group Communication. SUMÁRIO INTRODUÇÃO... ...................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 – REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ADVOGADO............ 12 1.1 A PROFISSÃO DO ADVOGADO........................................................................ 12 1.1.1 Evolução Histórica......................................................................................... 14 1.1.2 Dos Diplomas Legais..................................................................................... 16 1.2 DEONTOLOGIA FORENSE................................................................................ 19 1.2.1 Princípios norteadores da Deontologia Forense........................................ 20 1.2.1.1 Princípio Fundamental da Deontologia Forense........................................... 21 1.2.1.2 Princípios Gerais da Deontologia Forense.................................................... 22 CAPÍTULO 2 – LIMITES E EXTENSÕES DO SIGILO PROFISSIONAL NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA.................................................................................. 30 2.1 CONCEITO DE SIGILO E SEGREDO................................................................ 30 2.1.1 O dever do sigilo............................................................................................ 31 2.1.2 A tutela do direito ao sigilo........................................................................... 33 2.2 O SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO..................................................... 35 2.2.1 Limitações e Restrições ao dever do sigilo................................................. 37 2.2.2 Violação do sigilo profissional e suas consequentes responsabilidades................................................................................................... 41 2.2.2.1 Responsabilidade Administrativa ou Disciplinar............................................ 42 2.2.2.2 Responsabilidade Civil.................................................................................. 43 2.2.2.3 Responsabilidade Criminal............................................................................ 45 CAPÍTULO 3 – AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL NO RELACIONAMENTO ADVOGADO E CLIENTE EM FACE DO MONITORAMENTO EM PRESÍDIOS............................................................................................................... 47 3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL................................................... 47 3.2 PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO............................ 49 3.3 DA COMUNICAÇÃO PESSOAL E RESERVADA COM O CLIENTE................. 50 3.3.1 Parlatório e o caráter pessoal da conversa do advogado com seu cliente....................................................................................................................... 56 3.4 GRAVAÇÃO DAS CONVERSAS ENTRE ADVOGADO E CLIENTE NOS PRESÍDIOS FEDERAIS E SUA AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL........................................................................................................ 59 CONCLUSÃO........................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 67 10 INTRODUÇÃO A intensidade da evolução histórica é determinante para a evolução do ordenamento jurídico do mundo e, por isso, no Brasil não poderia ser diferente. As reivindicações a fim de se obter direitos comuns a todos iniciaram a partir do convívio em sociedade e também devido as consequentes inter-relações. Nesse sentido, necessitou-se regulamentar uma profissão que pudesse solucionar os conflitos obtidos a partir do crescimento e desenvolvimento populacional. Foi então que a profissão do advogado foi regularizada, objetivando amparar aqueles que se encontram injustiçados. O presente trabalho aborda um tema cuja discussão envolve todos os profissionais do direito. Os principais objetivos consistem na importância da regulamentação da advocacia como uma profissão digna, além de expor o sigilo profissional como uma prerrogativa fundamental para o exercício do direito, onde o mesmo não possa ser violado, tendo como enfoque a Constituição Federal, o Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil, bem como os demais diplomas infraconstitucionais. A pesquisa apresenta também a indispensabilidade dos direitos e deveres deontológicos assegurados aos advogados quando em exercício profissional, devendo-se atentar aos princípios que lhes garantem um correto andamento processual, visando manter um Estado Democrático de Direito. O grande questionamento deste trabalho consiste na questão do sigilo profissional está ou não sendo afrontado diante dos monitoramentos realizados nos parlatórios dos presídios federais. A escolha do tema tem como argumento a atualidade do mesmo, tendo em vista que são recentes as instalações de câmeras de áudio e vídeo nos presídios, considerando-se que o tema está inserido no ambiente atual. Destaca-se a busca em trazer inicialmente os principais momentos da evolução histórica no que tange à profissão do advogado e sua consequente regulamentação, apontando os diplomas legais capazes de resguardar os direitos e de expor as obrigações dos mesmos, elencando alguns princípios exigíveis ao correto desempenho do profissional do direito. Em um segundo momento será apresentado uma das regras deontológicas 11 fundamentais quanto ao exercício da advocacia, qual seja, o sigilo profissional, o qual consubstancia, ao mesmo tempo, um direito e um dever ao advogado. Posteriormente é feita a exposição do conceito de sigilo, apontando as normas que o regulamenta, assim como o seu surgimento no contexto profissional, onde, em seguida, expõe as suas limitações e restrições, tendo em vista que sua violação pode causar prejuízos graves e irreparáveis ao cliente, devendo com isso, responsabilizar aqueles que o infringiu. Em seguida, no terceiro capítulo, são feitas explanações acerca do principal momento desse estudo. A questão da afronta ao sigilo profissional no relacionamento advogado e cliente em face do monitoramento em presídios. Nesse capítulo são apresentados alguns princípios que evidenciam o dever do advogado no que diz respeito ao sigilo profissional, apontando os procedimentos jurídicos necessários para a defesa do cliente, como a assistência jurídica, consubstanciada no direito à comunicação pessoal e reservada do advogado com o seu cliente, elencando os dispositivos legais que a regulam e, é claro, a afronta ao sigilo profissional decorrente de gravações realizadas durante a entrevista do advogado com o cliente nos parlatórios, sendo discutida essa questão com advogado atuante na área criminal, bem como com advogado de outra área, além da exposição de um Defensor Público. A apresentação desta pesquisa possibilita àqueles que a visualizaram, a compreensão do posicionamento doutrinário a respeito do assunto, além de expor a evolução das normas jurídicas inerentes ao exercício da advocacia. O método utilizado para concretização dos argumentos foi o dedutivo o qual tem o propósito de explicitar o conteúdo das premissas, partindo do geral para chegar às particularidades. É um trabalho acadêmico cujo objetivo é a realização de pesquisas em doutrinas, legislações pertinentes, além do posicionamento de profissionais que atuam na área. Essencialmente será um trabalho de levantamento bibliográfico e documental, no qual serão apresentadas as fontes utilizadas na pesquisa, bem como as lei pertinentes e ainda, outros recursos documentais, tais como artigos, periódicos e consultas a sítios da internet. 12 CAPÍTULO 1 – REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ADVOGADO Os direitos inerentes à pessoa humana passaram por diversas transformações e adaptações ao longo da história, fazendo com que sua evolução fosse lenta e gradual. A convivência em sociedade e consequentes inter-relações existentes podem ser consideradas como o marco para futuras reivindicações a fim de se obter direitos comuns a todos. O seu reconhecimento ou constituição não se dá de uma só vez, é decorrente da experiência de vida em sociedade, para tanto, a história do direito foi marcada por inúmeras fases, com peculiaridades diferentes, apresentando assim, pontos negativos e positivos1. Falar em direito implica dizer também sobre as sanções e evoluções deste, pois o crescimento populacional e seu desenvolvimento no âmbito da sociedade aumentam as possibilidades de conflitos e consequente necessidade de solução para os mesmos. Assim há de se falar em direito como também em obrigações. 1.1 A PROFISSÃO DO ADVOGADO A profissão do advogado acompanha a evolução do direito e da justiça, as quais se encontram diretamente ligadas às modificações da sociedade, tendo tal profissão o objetivo de amparar aqueles que se encontram injustiçados. No entanto, historicamente, não se sabe precisar a época que caracteriza a origem da profissão do advogado. Para Paulo Luiz Netto Lôbo, as primeiras aparições da advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, não configuraram a existência de uma profissão, de uma atividade profissional reconhecida2. 1 SIQUEIRA, Dirceu Pereira. PICCIRILLO, Miguel Belinati. Direitos fundamentais: a evolução histórica dos direitos humanos, um longo caminho. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5414>. Acesso em: outubro de 2011 2 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6 ed. São Paulo: raiva, 2011, p. 17 13 Acredita que a advocacia tornou-se uma profissão organizada no século VI com a primeira Ordem de Advogados no Império Romano do Oriente, constituída pelo Imperador Justino, antecessor de Justiniano, impondo, para tanto, a obrigatoriedade de registro àqueles que fossem advogar no foro3. Contudo há entendimento que a função do advogado tenha surgido das primeiras relações entre as sociedades, de onde imergiu o direito, o qual procurava regular o conflito de interesses. Pois, com o crescimento populacional nas sociedades, decorrentes ao longo dos anos, aumentaram-se também os problemas, cada vez mais de difícil solução. Dessa forma, fez-se necessário uma pessoa para conhecer do direito e poder aconselhar e ajuizar as questões conflitantes, surgindo, com isso, a missão do advogado, a qual tornou indispensável e de suma importância para a sociedade, como prevê a Constituição Federal de 1988, ora vigente, em seu artigo 133, que preceitua: Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. No mesmo sentido o artigo 2º da Lei 8.906 de 1994, que dispõe sobre o Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), estabelece ser o advogado indispensável à administração da justiça. Etimologicamente, o termo advogado vem do latim “ad vocatus”, significando “aquele que é chamado pelas partes para auxiliar em suas alegações”4, ou mesmo patrono, defensor, intercessor. O termo advogado também pode ser encontrado no sistema jurídico do direito comparado, recebendo diversas denominações, como na Alemanha, onde é chamado de rechtsanwalt, na Grã-Bretanha como advocate, barrister, solicitor, ou na Itália, awocato. Luiz Lima Langaro cita o ensinamento do professor Louis Crémieu, da Faculdade de Direito da Universidade de Marselli, considerando-o como o melhor conceito para a figura do advogado, o qual estabelece que seja: 3 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6 ed. São Paulo: raiva, 2011, p. 17 4 LAGARO, Luiz Lima. Curso de Deontologia Jurídica. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p.39 14 Toda pessoa, licenciada em direito e munida do diploma profissional, regularmente inscrita na Ordem, cuja profissão consiste em consultar, conciliar e pleitear 5 em juízo . Assim, o advogado, quando devidamente habilitado, é considerado aquele que patrocina o cliente, que o protege, dando suporte necessário através dos seus conhecimentos técnicos, assumindo um papel decisivo, visando à busca incansável pela Justiça. 1.1.1 Evolução Histórica Como visto não se sabe precisar o exato momento da história que surgiu a profissão do advogado. Contudo existem entendimentos que os primeiros sinais do exercício da advocacia tenham ocorrido na Grécia Antiga, onde as partes defendiam os próprios interesses atuando pessoalmente perante o juízo. Permitia-se levar um amigo de confiança, que mesmo sem conhecimento jurídico pudesse auxiliar a parte no feito.6 As partes eram chamadas para exporem oralmente suas pretensões, surgindo com isso os “oratores”, que auxiliavam as mesmas em suas exposições. No entanto, conforme a lei vigente na época, conhecida como Lei de Sólon, os oradores não poderiam ser considerados profissionais em defesas. Desmóstenes foi considerado o primeiro grande orador da Grécia, por demonstrar grande vocação pelo feito, onde com perseverança superou o problema de gagueira declarando poemas contra o vento, além de forçar a fala com fragmentos de rocha na boca. Em Roma o papel de advogado era exercido pelos patronos, os quais possuíam o saber jurídico para defender os clientes7. 5 LAGARO, Luiz Lima. Curso de Deontologia Jurídica. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p.39 FERREIRA, Eduardo Oliveira. A origem dos advogados. Disponível em: <http://letrasjuridicas.blogspot.com/2008/07/origem-dos-advogados.html>. Acesso em: dezembro de 2011 7 SILVA, Vandeler Ferreira da. Advogado. Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/advogado/>. Acesso em: janeiro 2012 6 15 A classe de indivíduos profissionais ganhou individualidade e autonomia de profissão e em vez de forma verbal passaram a utilizar-se da forma escrita, originando o processo. Assim como ocorria na Grécia, em Roma também existia uma lei que proibia o recebimento de honorários, no entanto, enquanto na Grécia a lei local, embora nem sempre cumprida, nunca foi abolida, em Roma o Imperador Claudius a revogou e legalizou a advocacia como uma profissão. Em Roma desenvolveu-se uma classe de profissionais especialistas e conhecedores da lei conhecidos como Jurisconsultos, os quais eram consultados frequentemente pelos juízes romanos e governadores para obterem opiniões como parâmetro antes de tomarem suas decisões. Durante o início do Império Romano, qualquer pessoa poderia se considerar um advogado, tendo em vista que os jurisconsultos e advogados estavam formalmente ilegais, no entanto, com a formalização da profissão pelo Imperador Claudius isso mudou e então no Império Bizantino a profissão estava bem estabelecida e regulada. Com a queda do Império Ocidental ou Império Romano, a profissão do advogado entrou em colapso. Os litígios passaram a ser resolvidos de maneira arbitrária pelos nobres feudais, onde quem fosse defender ao outro era considerado como cúmplice, sofrendo as mesmas penas do réu8. Contudo, por volta do ano de 1190 a 1230 os homens passaram a estudar as leis canônicas como uma profissão de vida, época esta em que surgiram as primeiras universidades na Europa, fortalecendo os estudos do Direito. Em 1231, autoridades eclesiásticas da França determinaram que fosse necessário juramento dos advogados perante a corte do bispo para regular admissão como profissional. Assim, com o aumento considerável de demanda no poder judiciário, a necessidade de especialistas em leis foi crescente, ressurgindo fortalecida a classe de advogados, como mediadores entre o Estado editor de norma e o povo a ele submisso. 8 SOLLBERG, Rafael Gondim D`Halvor. O Advogado e a busca pela Justiça. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 71, dez 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6978>. Acesso em janeiro de 2012. 16 Desde o século XV, em todas as lutas sociais pela igualdade e direitos humanos encontravam-se presentes os advogados. No Brasil as primeiras manifestações a cerca de instalações de cursos jurídicos ocorreram após a Proclamação da Independência do país, em 7 de setembro de 1822. No entanto, somente em 1825 que o primeiro curso jurídico, a ser ministrado no Rio de Janeiro, foi aprovado pelo Imperador Dom Pedro I, o qual não chegou a ser inaugurado9. Assim, em 11 de agosto de 1827 foi sancionada uma lei imperial estabelecendo a criação dos cursos jurídicos, sendo que o primeiro veio a funcionar em 1º de março do ano seguinte, no Convento de São Francisco, o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo10. A princípio, nos cursos jurídicos eram ministradas disciplinas de caráter genérico, não contribuindo na formação profissional. Diante disso, viu-se um crescimento desproporcional da advocacia como profissão autônoma. Esse descompasso levou à necessidade de elaboração de normas, contendo exigência e pré-requisitos para a formação de um profissional do direito, ou seja, para a formação do Advogado. 1.1.2 Dos diplomas legais Como visto, com a criação dos cursos jurídicos, a profissão da advocacia, assim como todas as outras, precisou ser regulamentada, objetivando tornar-se uma profissão digna, com exigências e pré-requisitos para a formação do profissional. Para tanto era preciso um órgão com função de orientar a atuação dos advogados, disciplinando-os e aconselhando-os na conduta devida. Dessa forma, fortemente influenciados pelos estatutos criados pela associação portuguesa de maio de 1843, inclusive quanto à finalidade primordial da instituição, qual seja a criação da Ordem dos Advogados, um grupo de advogados reunidos na casa do Conselheiro Teixeira de Aragão, organizou o Instituto dos 9 OLIVEIRA, Rosalina Leal de. A inviolabilidade e o sigilo profissional do advogado. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4481>. Acesso em janeiro 2012. 10 COREA, Sabrina. Surgimento do curso de direito. Disponível em: <http://www.fmp.com.br/blog/index.php/surgimento-dos-cursos-de-direito/>. Acesso em: janeiro 2012. 17 Advogados Brasileiros, que veio a ser aprovado no dia 7 de agosto de 1843, o qual dispunha em seu artigo 2º a finalidade de organizar a Ordem dos Advogados 11 , assim previsto: Art. 2º. O fim do instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência. Somente em 1930, quase um século depois, a Ordem dos Advogados do Brasil foi criada pelo artigo 17 do Decreto n.19.408, o qual teve força de Lei no Governo Provisório. Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) assegura os direitos e deveres, realizando o controle e fiscalização dos profissionais nela inscritos. No entanto, conforme dispõe o artigo citado, cabe ao Estatuto dispor quais são os direitos e deveres que serão assegurados. Nesse sentido, foi no ano de 1963 com a Lei 4.215, que o primeiro Estatuto com tal finalidade foi instituído, sofrendo algumas alterações posteriores. Assim, em conformidade com a Constituição Federal, ora vigente, a Lei Federal n. 8.906 de 1994, trouxe o novo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB). O novo Estatuto prescreve a Ordem dos Advogados do Brasil, como órgão autônomo e independente, onde em seu artigo 44, § 1º, dispõe que não tem qualquer vínculo com a Administração Pública, encontrando limites na subordinação à Lei. No que diz respeito ao papel do advogado, o Estatuto outorgou-lhe algumas prerrogativas profissionais, capazes de garantir condições ao exercício da profissão. Entretanto, verifica-se que a legislação não se limita a prever direitos, mas igualmente, prevê obrigações, ou seja, deveres, assim anotados no Estatuto e em 11 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 244. 18 demais normas complementares, como o Código de Ética e Disciplina, visando, estabelecer punição diante de infrações às normas, e também orientar a conduta do advogado quando em exercício profissional. Pode-se definir o novo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil como um conjunto de normas dentro do ordenamento jurídico que visa estabelecer os direitos e os deveres dos advogados, assim como os fins e a organização da Ordem12. Em face da relevância que a profissão do advogado foi ganhando ao longo do tempo, na construção de um Estado Democrático de Direito, a atual Constituição Federal, de 1988, deu a advocacia brasileira status constitucional de garantia, estabelecendo a indispensabilidade do advogado na administração da justiça, tendo acento no artigo 133, o qual diz que: Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Vê-se dentre as normas existentes que não se pode considerar advogado qualquer pessoa, é necessário cumprir algumas determinações previstas no Estatuto, dentre as quais encontra a obrigatoriedade de graduação no curso de Direito, além de imprescindível aprovação no Exame de Ordem, assim previstas no art. 8º da lei nº 8.906 de 1994. Art. 8º. Para inscrição como advogado é necessário: I – capacidade civil; II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame de Ordem; V – não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI – idoneidade moral; VII – prestar compromisso perante o conselho. [...] A profissão da advocacia é modernamente amparada não apenas pela Constituição de 1988 ou mesmo pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, 12 OLIVEIRA, Rosana Leal de. A Inviolabilidade e o Sigilo Profissional. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4481>. Acesso em: janeiro 2012. 19 mas também é respaldada por diversos outros diplomas como o Código Penal, o Código Civil, seus respectivos Códigos Processuais, Código Tributário, entre outros. No entanto, não há que se dizer que tais diplomas legais apenas regulam os direitos assegurados ao advogado, mas disciplinam as normas que os advogados devem seguir para defender, proteger, amparar o seu cliente. 1.2 DEONTOLOGIA FORENSE Derivada do grego deontos (dever) e logos (tratado) compreendem por deontologia a ciência dos deveres no âmbito de cada profissão13. Nesse sentido, José Renato Nalini, conceitua profissão como: Uma atividade desenvolvida de maneira estável e honrada, ao serviço dos outros e a benefício próprio, de conformidade com a própria vocação e em atenção à dignidade da pessoa humana14. Independentemente de qual seja a profissão, todas requerem que sejam executadas conforme a ética e a moral. Assim, a Deontologia Forense ou também designada como Deontologia Jurídica, trata dos deveres e também dos direitos daqueles que exercem a profissão jurídica, como um juiz, procurador, advogado. A deontologia é estabelecida como o conjunto de regras e princípios que norteiam a conduta dos profissionais, designada para alguns, como Paulo Luiz Netto Lôbo, como ética profissional ou mesmo a moral no exercício das profissões. Sendo assim, vê-se presente no Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil, nos seus regulamentos e de forma expressa no capítulo I do Código de Ética e Disciplina, as regras deontológicas inerentes à profissão do advogado. Devendo-se, também, conduzir a conduta conforme a moral individual, social e profissional, assim disposto no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. 13 LAGARO, Luiz Lima. Curso de Deontologia Jurídica. 2 ed.atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p.3. NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2011. p. 325. 14 20 Nesse sentido, alguns filósofos diferenciam o conceito de moral do de ética, por entenderem que advém de origens diferentes, sendo moral derivada do latim, e ética derivada do grego, apesar de etimologicamente, ambos terem o significado de “costume”. Em Kant, por exemplo, a moral designa o conjunto dos princípios gerais, e a ética sua aplicação concreta15. Ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio. A moral, por sua vez é o conjunto de normas adquiridas pelo hábito de sua prática16. Contudo, a conduta ética não se faz de maneira precisa, consubstancia na fronteira da conduta ética e da não ética, conduzindo-se não apenas conforme a própria consciência, mas também conforme o bom senso, a retidão, a civilidade, a prudência. Assim, a compreensão da deontologia, em qualquer ramo, se faz necessário para que o profissional tenha um comportamento adequado, pois o mesmo é fator contribuinte para o merecimento do prestígio, respeito ou não da classe. 1.2.1 Princípios norteadores da Deontologia Forense No que diz respeito, particularmente, à deontologia forense, José Renato Nalini elenca alguns princípios, os quais traçam expectativas comportamentais, exigíveis a todos os profissionais jurídicos. Esses princípios dividem-se em duas categorias, contemplando o princípio fundamental e os princípios gerais da deontologia forense. 1.2.1.1 Princípio Fundamental da Deontologia Forense 15 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 7 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 19. 16 Ibidem, p. 19 21 O princípio fundamental consiste em agir segundo a ciência e consciência. Dessa forma, segundo Nalini, entende-se por ciência: Um conhecimento técnico adequado, exigível a todo profissional. O primeiro dever ético do profissional é dominar as regras para um desempenho eficiente na atividade que exerce17. Contempla um conhecimento técnico obtido no processo educacional ou mesmo com a inserção no mercado de trabalho, adaptando às inovações e avanços através de uma educação continuada. Nesse sentido Nalini, também adverte que: O ser humano precisa estar preparado para novas exigências do mercado. Estar intelectualmente inativo não representa apenas paralisação. É retrocesso que distancia o profissional das conquistas em seu ramo. Ao contratar um advogado para acompanhar a parte no processo, presumese que este tenha um conhecimento técnico e que busca a efetivação do direito do seu cliente, contudo, é certo que nem todos os profissionais detêm conhecimentos específicos e necessários para exercer sua profissão. Além da ciência, o profissional deve agir segundo a consciência, onde o mesmo não pode agir de forma descomprometida, mas visando uma função social através de um contínuo aperfeiçoamento, como bem salienta José Renato Nalini, ao dispor que: A consciência, portanto, deve ser objeto de contínuo aperfeiçoamento. Mediante exercício permanente, ela se manterá orientada. A tendência natural será a sua lassidão, o seu afrouxamento e autoindulgência própria ao egocentrismo humano18. Tendo em vista que o advogado pode sofrer com questões éticas e morais ao longo do exercício profissional, é fundamental que aja conforme a consciência, observando o fundamental dever da deontologia, afim de não comprometer o prestigio da advocacia. 17 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 329 18 Ibidem, p.330 22 1.2.1.2 Princípios Gerais da Deontologia Forense À Deontologia forense também é aplicada alguns princípios considerados como princípios gerais, além do princípio fundamental. São eles: a) Princípio da conduta ilibada: Apesar de ter um conceito impreciso, consiste em um comportamento límpido segundo o Código de Ética da profissão. Nesse sentido, José Renato Nalini discorre que: O aspecto moral impregna qualquer das carreiras jurídicas. A conduta ilibada é o comportamento sem mácula, aquele sobre o qual nada se possa moralmente levantar19. Assim, entende-se que decorre de um comportamento esperado, conforme o senso comum. b) Princípio da dignidade e do decoro profissional: Este princípio tem como pressuposto que todas as profissões são dignas, onde a dignidade constitui um valor inerente à pessoa humana. Assim, destaca Santaella López, citada por Nalini: [...] A dignidade constitui um valor inerente à pessoa humana, que deve ser protegido e respeitado. A projeção desse valor no exercício profissional é o que proporcional o decoro à corporação ou colégio profissional [...]20. 19 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 329 20 Ibidem, p. 332 23 No entanto, devido também a uma indeterminação ou vagueza conceitual, é através de algumas situações concretas, de desrespeito, que deduz enquadrar-se ao princípio. Nesse sentido fere a dignidade, como por exemplo, a prática de crime de receptação, de estelionato, entre outros. Assim, quanto ao decoro, encontra-se violado quando o profissional utiliza-se de vestimentas inadequadas ao exercício da profissão ou mesmo quando utiliza de expressões inconvenientes e vulgares. c) Princípio da incompatibilidade: Este diz respeito à impossibilidade de acumulação de cargos no que tange ao exercício da advocacia. Em regra, exige que a carreira jurídica deva ser de dedicação exclusiva, inadmitindo que seja exercida com outra qualquer, com exceção ao magistério. Neste sentido, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil prevê as seguintes situações em que há incompatibilidade no exercício profissional: Art. 28 – A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: I – Chefe do Poder Executivo e membros da mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais; II – membros de órgãos do Poder Judiciário do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exercem função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta ou indireta; III – ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público; IV – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro; V – ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza; VI – militares de qualquer natureza, na ativa; VII – ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais; VIII – ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas. 24 §1º - A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente. §2º - Não se inclui nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do Conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico. José Renato Nalini leciona que a “segunda atividade provocaria interferência na esfera jurídica”21, gerando uma possível confusão nas finalidades, ou mesmo poderia interferir no princípio da independência, ao estabelecer vínculos de subordinação. d) Princípio da independência profissional : Parafraseando o conceito de independência profissional dado por Nalini, temse o seguinte: A ausência de quaisquer vínculos interferentes na ação do profissional do direito, capazes de condicionar ou orientar sua atuação de forma diversa ao interesse da justiça22. No entanto, essa independência não significa excluir o controle ético, pois toda atividade humana não pode deixar de seguir o controle moral e ético, como bem salienta Ruy de Azevedo Sodré: Os cânones éticos, a que estão vinculados os advogados e que balizam a sua conduta profissional, é que asseguram a sua independência23. 21 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 333. 22 Ibidem, p. 339. 23 SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. 4 ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 65. 25 Desta forma, não pode o profissional sofrer interrupções de forma que sua atuação, perante a justiça, fique comprometida. O interesse não pode ser desvirtuado. e) Princípio da correção profissional: O princípio da correção profissional caracteriza-se pelo bom comportamento de quaisquer profissionais, considerando como correto aquele que utiliza a transparência nos seus atos, que atua no interesse do trabalho, sem se beneficiar com sua função. Nesse sentido, José Renato Nalini, destaca que: É um comportamento sério, sem sisudez; discreto, sem ser anônimo; reservado, sem ser inacessível; cortês e urbano, honesto [...]. Assim, deve o advogado se atentar para que sua atividade seja pautada nos princípios éticos e morais que regem a sociedade. f) Princípio do coleguismo: Este princípio expõe basicamente que os profissionais do direito não só devem atuar de forma ética, mas também de forma que possam colaborar uns com os outros. Sob o enfoque deontológico, entende ser uma verdadeira comunidade, um companheirismo consistente e não apenas superficial. Como destaca José Renato Nalini24, o coleguismo se traduz também no tratamento respeitoso dos profissionais mais jovens quanto aos mais experientes. O referido autor diferencia o coleguismo da solidariedade, dispondo que o coleguismo vincula-se com o exercício profissional, como por exemplo, substituir um 24 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 335 26 colega quando este se encontra impedido, enquanto que a solidariedade se fundamenta na dignidade humana, onde, por exemplo, defender o outro de injustiças contra sua honra. g) Princípio da diligência: O advogado, sob o enfoque da diligência, não atua somente em situações em que já existem conflitos, sendo assim, deve se antecipar e prevenir que essas ocorram. Segundo Nalini: Esse dever impede que se falte a compromisso assumido ou ao trabalho, se atrase para reuniões ou atos de ofício, se deixe de telefonar em seguida quando procurado por alguém. [...] Impõe ao profissional do direito o dever de completar a sua formação, inserindo-se num processo de educação continuada25. Em síntese o princípio da diligência traz normas de conduta as quais se sujeitam todos os seres humanos, incluindo-se o profissional do direito. h) Princípio da confiança: O advogado é constituído por seu cliente após analisado alguns atributos personalíssimos, dentre os quais se observa a questão da confiança, tendo em vista que o cliente busca no profissional o seu refúgio, para obter soluções de problemas que lhe atormenta. Contudo, além de se estabelecer a confiança, o advogado também tem o dever de fidelidade para com o seu cliente, conforme o explanado por José Renato Nalini: 25 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 336 27 O advogado tem ainda o dever da fidelidade em relação ao cliente, pois foi por este escolhido em razão de particularíssima confiança em seus méritos, capacidade e pessoa26. Assim como o advogado, os demais profissionais do direito, como juízes, promotores, também são participes no princípio da confiança, no entanto, a confiança não recai sobre a pessoa individual, mas sim na pessoa coletiva da magistratura. i) Princípio da fidelidade: O princípio da fidelidade está correlacionado ao princípio da confiança, tendo em vista que o profissional do direito deve portar-se de maneira que garanta lealdade ao seu cliente, devendo ter, conforme Nalini: Fidelidade à causa da justiça, exigível a todo e qualquer profissional do direito. Fidelidade à verdade e à transparência. Fidelidade aos valores abrigados pela Constituição [...]27. j) Princípio da reserva: O profissional do direito está sempre encarregado de guardar informações que dizem respeito exclusivamente à determinada parte. Assim, cumpre ao mesmo, evitar que essas informações sejam expostas a pessoas diversas. Diferentemente do dever de sigilo, o qual importa o silêncio do profissional, o princípio da reseva entende-se a todas e demais circunstâncias, nas quais as partes ou terceiros são implicados direta ou indiretamente. 26 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 337 27 Ibidem, p. 338 28 Nesse sentido, Nalini destaca que: Prudencial a conduta do operador jurídico no sentido de preservar os protagonistas do drama que se lhe apresenta, evitando tratar de assuntos profissionais em lugares diversos do foro, mesmo em sedes de associações de classe, onde se presume estejam os profissionais buscando o lazer ou interesses associativistas, não a continuidade do trabalho28. k) Princípio da lealdade e verdade: Como analisado, nos princípios supracitados, é fundamental que o profissional do direito seja leal ao seu cliente, devendo pautar-se com a dignidade e acima de tudo com a verdade, tendo em vista que o cliente deposita no profissional toda a sua confiança, desejando receber em troca a sua fidelidade. Nalini destaca que “a lealdade é uma regra costumeira, desprovida de sanção jurídica, mas eticamente sancionada pela reprovação comunitária”29. Num outro ponto, atenta-se para a conceituação da verdade, transmitindo o entendimento de São Tomás, qual seja: A verdade tem contornos cambiantes e cada um a reconhece, à sua maneira, através de estados íntimos, nem sempre transferíveis e tampouco incomunicáveis30. Destaca-se com isso, que a função social da profissão forense é comprometida com os princípios éticos e morais, devendo-se atentar contra qualquer tipo ato que possa ocasionar em violação dos mesmos. l) Princípio da discricionariedade: 28 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 340 29 Ibidem, p. 341 30 Ibid., p. 342 29 A discricionariedade contempla a possibilidade de o profissional atuar de forma livre quanto as suas escolhas, devendo pautar-se na conveniência, no conteúdo e também oportunidade. Essa possibilidade de escolha se dá pelo fato de presumir-se que o profissional tem conhecimento adequado e discernimento capaz de exercer devidamente a sua função. José Renato Nalini destaca que o juiz não é um escravo da lei, mas que mesmo subordinado a ela, “possui uma vasta área para selecionar o momento, as estratégias e as formas de atuação”31. O poder discricionário é também garantido, ao advogado, ao promotor de justiça e ao delegado de polícia, no entanto, cada um age sobre aquilo que corresponde a sua alçada. 31 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 343 30 CAPÍTULO 2 – LIMITES E EXTENSÕES DO SIGILO PROFISSIONAL NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA Como visto, a deontologia constitui o dever ético e moral da conduta humana, designando o conjunto, de regras e princípios, a ser seguido pelo profissional, impondo conduta compatível com os diplomas legais dispostos ao operador do direito32, bem como o Código de Ética, o Estatuto, as regras dispostas pela Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros diplomas infraconstitucionais. Diante da garantia constitucional atribuída ao advogado, qual seja ser indispensável à administração da justiça33, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil assegura a inviolabilidade profissional, visando o sigilo de dados e demais informações de clientes. Nesse sentido, o sigilo profissional encontra-se como uma das regras deontológicas fundamentais aplicáveis ao exercício da advocacia, pois consubstancia, ao mesmo tempo, um direito e um dever, onde o seu descumprimento pode trazer prejuízos graves e irreparáveis ao seu cliente, conforme será analisado posteriormente. 2.1 CONCEITO DE SIGILO E SEGREDO A idéia de sigilo está ligada ao conceito de segredo, sendo comumente utilizados como sinônimos, no entanto, possuem algumas distinções conceituais, mas que não interferem no seu entendimento. Etimologicamente o termo sigilo deriva do latim sigillum, “selo” considerado uma forma de fechar documentos. Por sua vez segredo deriva do latim secretum, “secreto”, aquilo que deva ser mantido ocultamente. Dessa forma, entende-se como segredo tudo aquilo que não possa ou não deva ser revelado, o que se oculta à vista, ao conhecimento dos outros, assim o 32 NALINI, José Roberto. Ética geral e profissional. 8 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 328 33 Artigo 133 da Constituição Federal de 1988. 31 sigilo consubstancia a idéia de guarda do segredo, ou seja, o sigilo representa o selo que lacra aquilo que não deva ser revelado34. Ao tornar o fato de conhecimento público, inexistindo caráter oculto, não há que se falar em sigilo.35 O sigilo contempla uma forma de proteção de fatos ou atos que advém da intimidade das pessoas, sendo inerente a determinada pessoa ou a um grupo restrito, cabendo a estas a decisão de revelar ou não. O direito do sigilo integra os direitos fundamentais do cidadão, consubstanciado na Constituição Federal de 1988, destinando à proteção do sigilo da pessoa. 2.1.1 O dever do sigilo O dever de guardar sigilo vem desde a antiguidade, com o juramento de Hipócrates, precedendo qualquer proteção legal. Hipócrates era considerado uma das figuras mais marcantes na história da saúde, o qual ficou conhecido como o “Pai da Medicina”. O seu famoso juramento trilhava que: [...] aquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto e ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei 36 inteiramente secreto [...] . Posteriormente, os Códigos Penais, em diversos países, passaram a dispor sobre o caráter punitivo àquele que violasse esse dever de guarda do sigilo, no que tange às profissões. Vê-se, assim, que o dever de guardar sigilo está presente em diversas classes profissionais, originando então o sigilo profissional, o qual corresponde à mesma etimologia do sigilo, mas com suas próprias características. 34 LAROUSSE, Dicionário da Língua Portuguesa. CARLOS, Maria. O Segredo Profissional do Advogado. Prêmio Bastonário Doutor Adelino da Palma Carlos. Setembro, 2004. 36 Juramento de Hipocrátes. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Hipócrates>. Acesso em: janeiro 2012 35 32 O sigilo profissional consiste na confiança depositada num profissional para conservação em segredo de informações que venha ter acesso em razão do ofício que exerça, não protegendo assim, segredo próprio, mas de outrem. Para Luiz Lima Langaro37, os sacerdotes, os médicos e advogados são incontestavelmente os maiores detentores do sigilo profissional. O dever imposto a esses profissionais resguarda a intimidade dos seus clientes. O sigilo profissional é uma conquista da civilização dos povos. Não contempla informações adquiridas pelos profissionais enquanto cidadão, mas aquelas obtidas em razão do ofício. Gladston Mamede38 destaca o preceito do artigo 26 do Código de Ética e Disciplina, combinado com o artigo 7º, inciso XIX do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, os quais dispõem o seguinte, respectivamente: Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão do seu ofício, cabendo-lhe recusar a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com a pessoa de que seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte. Art. 7º. São direitos do advogado: XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional. Dessa forma, desde o instante em que o advogado assume a defender o cliente judicialmente, sustenta um conjunto de direitos e deveres recíprocos. Hélcio Maciel França Madeira39 elenca dois deveres de um advogado, sendo que: O primeiro dever de um advogado em relação ao seu cliente é ser-lhe fiel. O litigante confia-lhe seus segredos e deixa em suas mãos a defesa de seus interesses. Se o advogado quiser, que recuse a causa, 37 LAGARO, Luiz Lima. Curso de Deontologia Jurídica. 2ed.atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p.71 MAMEDE, Gladston. Fundamentos da Legislação do Advogado. São Paulo: Atlas, 2002 (Série Fundamentos Jurídicos).p.119 39 MADEIRA, Hélcio Maciel França. História da Advocacia: origens da profissão de advogado no direito romano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 38 33 pois para isso é livre, exceto quando designado exofficio, mas se aceitá-la, deverá ser digno da confiança nele depositada. O segundo dever consiste em “o advogado estudar a causa com toda a sabedoria e com todo o seu zelo, não deixando de se esforçar na medida em que lhe seja possível”. Nesse sentido, observa-se que o dever do sigilo profissional atende às informações reveladas por seu cliente ou qualquer outro que tenha envolvimento direto, não contemplando informações que não estejam contidas nas causas ou processos em curso. Vê-se, contudo, que as informações abarcam uma diversidade de conteúdo, sendo improvável especifica-lo, ou mesmo especificado em lei. 2.1.2 A tutela do direito ao sigilo As normas constitucionais, e as infraconstitucionais que as regulamentam, estabelecem os direitos fundamentais inerentes ao ser humano. Embora não de modo explícito, e não ter sido elevado a patamar de princípio constitucional, o sigilo profissional tem sua inserção em diversos direitos especialmente protegidos pela Constituição Federal, decorrendo, principalmente, de um verdadeiro “estatuto da privacidade” 40 e do direito à ampla defesa. Essencialmente esses direitos encontram-se previstos no artigo 5º incisos X, XI, XII, XIV, XXXVIII e LV, da Carta Magna, que dispõem respectivamente: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; 40 Revista dos Tribunais. Do sigilo profissional do Advogado: natureza jurídica, extensão, limites e restrições. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n.869, março 2008. p. 75 34 XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráfica, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”; XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: [..] b) o sigilo das votações [...]; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente. Destaca-se, sobretudo que o sigilo também decorre dos atributos da intimidade, os quais se formam por elementos característicos marcados pela inviolabilidade. Conforme Marcos Antônio de Barros41, o direito à intimidade nada mais é do que direito ao segredo ou à reserva, integrante da categoria dos direitos da personalidade. O objeto da proteção constitucional, contudo, é a informação transmitida de um indivíduo a outro. Assim, com o objetivo de dar proteção à liberdade individual, o legislador ordinário tem-se dedicado dando atenção ao direito do sigilo. Nesse sentido, o Código Civil dispõe em seu artigo 229 que: Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo. [..] Da mesma forma o Código de Processo Civil declara que a testemunha poderá se escusar a depor por fatos que dizem repeito a dever de guarda do sigilo, por motivo de estado ou profissão, assim como as partes, as quais também encontram desobrigadas a depor pelo mesmo motivo42. No que diz respeito ao ramo do Direito do Trabalho, o trabalhador que viole o segredo da empresa comete falta grave, admitindo-se justa causa para rescisão do contrato por parte do empregador43. 41 BARROS, Marcos Antônio de. Sigilo Profissional: Reflexos da violação no âmbito das provas ilícitas. Justitia, São Paulo, 58 (175) jul/set 1996. p. 19 42 Artigos. 347, II 363, IV; 406, II e 414, §2º do Código de Processo Civil – Lei nº5.869 de 1973. 43 Artigo 482, g da Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto-Lei nº5.452 de 1943. 35 O Código Penal também trata da proteção ao dever do sigilo, tipificando como conduta criminosa a divulgação do segredo44. Ainda no ramo do Direito Penal, o Código de Processo Penal dispõe que: Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho. Dessa forma, vê-se que o segredo confiado a outrem deve ser respeitado, devendo o confidente preservar a confiança nele depositada, sob pena de responder por sua violação. 2.2 O SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO A Constituição Federal de 1988 assegurou a todos o acesso à informação, porém também o limitou, uma vez que existem situações que exigem determinada precaução. Dessa forma, como analisado, o artigo 5º inciso XIV da Carta Magna dispõe que “é assegurado a todos, o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional”. Note-se que o instrumento regulatório máximo de um país, ao mesmo tempo em que torna acessível a todos a informação, acaba por criar uma exceção para a regra, uma vez que existem situações em que o sigilo é fundamental. Nesse sentido, faz-se necessário a inclusão da profissão de advogado no rol de exceções constitucionais, tendo em vista que o sigilo de suas informações decorre das normas que estabelecem o direito à privacidade e à ampla defesa ou plena defesa em relação ao cliente. A profissão da advocacia é necessária à sociedade, como bem dispõe a Carta Magna, em seu artigo 133, o qual prevê que “o advogado é essencial à administração da justiça”, sendo certo que constitui uma função social. Dessa forma, o art. 154 do Código Penal destaca ser o advogado um “confidente necessário” em 44 Artigos. 153 e 154 do Código Penal – Decreto-Lei nº2.848 de 1940. 36 relação ao seu cliente, onde o sigilo profissional constitui o ponto central das normas legais e deontológicas que norteiam a profissão. O advogado é obrigado a guardar sigilo das confidências que tenham sido feitas ou qualquer outra informação, desde que em razão do seu ofício, inclusive documentos que se relacionem, direita ou indiretamente, com o fato. Contudo, conforme o doutrinador Ruy de Azevedo Sodré45, o sigilo profissional existe, também, em virtude de uma promessa tácita, “basta que um cliente vá consultar a um homem de leis, como tal”46. Assim, a guarda do segredo não depende de solicitação expressa do cliente e nem da exigência de garantias. O sigilo do advogado é necessário para que o cliente possa adquirir confiança no profissional, sendo inerente à profissão. No entanto, de acordo com o Código de Ética da Ordem dos Advogados, ao dispor as possíveis revelações do sigilo, vê-se que este não constitui caráter absoluto, podendo ser flexibilizado. De acordo com Marco Antônio de Barros: O advogado está submetido a rigoroso dever ético, moral e legal de preservação do sigilo, principalmente na área criminal, pois a exigência de obediência ao segredo funda sua prevalência no princípio constitucional da garantia da defesa47. O cliente deposita no advogado toda a sua confiança, pressupondo o correto desempenho da função deste, acreditando ser o sigilo profissional inerente à advocacia. Não havendo absoluta confiança para lhe revelar todos os fatos, não poderá o advogado exercer devidamente o seu ofício, pois a garantia da atuação profissional está no respeito a esse segredo. O sigilo imposto ao advogado é contrapartida que deve o profissional ao cliente, quanto à confiança nele depositada. Esse sigilo extrapola a relação entre advogado e cliente, incluindo nesta obrigação todos aqueles que compõem a Ordem dos Advogados do Brasil. Eusébio Gomes, citado por Ruy de Azevedo Sodré, pontifica que: 45 SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. 4 ed. São Paulo: LTr,1991. p.393 46 Ibidem, p.393 47 BARROS, Marcos Antônio de. Sigilo Profissional. Reflexos da violação no âmbito das provas ilícitas. Justitia, São Paulo, 58 (175) jul/set 1996. p. 26 37 O segredo não pertence a quem faz a confidência, nem a quem a recebe; pertence á profissão, à sociedade que exige essa segurança dos homens, aos quais é entregue o cuidado de seus respeitáveis interesses48. Ao mesmo tempo em que o sigilo é considerado como dever, também o é como direito, sendo objeto de discussão entre as doutrinas. Embora o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei. 8.906/94) disponha ser um direito, sua violação é considerada uma infração disciplinar, sujeitando aqueles que infringirem esta norma às punições apresentadas pelo referido diploma, como também às punições apresentados pelo Código Civil e Código Penal. Entende-se que o sigilo é, sobretudo, um dever, pois se este fosse considerado como um direito, não poderia haver sujeição ao ilícito pelo seu não cumprimento. Assim também ensina o doutrinador Ruy de Azevedo Sodré. O sigilo é um dever e só seria, na realidade, um direito se o advogado tivesse a faculdade de revelar o sigilo, sem ficar responsável. Ele está obrigado, e, portanto, não é um direito e sim um dever49. Nem mesmo quando autorizado pelo cliente o advogado fica liberado do dever do sigilo, salvo exceções no limite da necessidade da defesa, como consagrado no Código de Ética e Disciplina. Art. 27. As confidencias feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado pelo constituinte. [...] Diante da relevância atribuída à guarda do segredo, a sua violação, sem a devida justificativa, sujeita os seus violadores à infração disciplinar, além de outras cabíveis. 2.2.1 Limitações e Restrições ao dever do sigilo 48 SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. 4 ed. São Paulo: LTr,1991. p.397 49 Ibidem, p.395 38 O sigilo profissional engloba todas as confidências ou quaisquer outras informações adquiridas pelo advogado em razão do seu ofício, inclusive documentos. No entanto, não são todas as informações e documentos que são abrangidas pela proteção legal50, uma vez que podem existir limitações ou restrições a este dever. O advogado Rodrigo Octávio de Godoy Bueno Caldas Mesquita traz, em seu 51 artigo , uma diferenciação importante, diante das exceções ao dever do sigilo, no que tange às limitações e restrições. Coloca que as limitações referem-se à fronteira do dever e direito de sigilo, sendo os casos ou situações que o sigilo sequer chega a existir. Quanto à restrição, são isenções autorizadas por lei, apesar da existência do dever de sigilo profissional. Sendo assim, são hipóteses da limitação ao sigilo: a) as confidências feitas ao advogado pelo cliente, utilizadas no limite da defesa, desde que haja autorização do constituinte; b) os fatos notórios; c) os fatos de conhecimento público; d) os fatos provados ou tornados incontroversos em juízo; e) aqueles dotados de presunção legal de existência ou de veracidade.52 Com a devida autorização feita pelo cliente, o advogado é a pessoa capaz de exercer a medida dos limites da defesa, respondendo, contudo, por eventuais excessos. No caso de haver excessos ficará configurado o abuso de direito, tornando-se um ato ilícito, assim exposto pelo Código Civil de 2002. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Quanto aos fatos notórios não há que se falar em sigilo, pois são acontecimentos de conhecimento geral, compreendido por qualquer pessoa, sendo desnecessária sua comprovação. Os fatos de conhecimento público, também podem ser levados a juízo para defesa do cliente, sem constituir desrespeito ao sigilo por parte do advogado. 50 Revista dos Tribunais. Do sigilo profissional do Advogado: natureza jurídica, extensão, limites e restrições. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n.869, março 2008. p.89 51 Ibidem, p.88 52 Ibid., p.88 39 Contudo, diferentemente dos notórios, necessitam de comprovação da sua veracidade em juízo, para terem validade jurídica, pois caso não ocorra tal comprovação as partes podem sofrer prejuízos. Dessa forma, vê-se que os fatos incontroversos, ou seja, aqueles que não deixam dúvida quanto a sua veracidade, não constituem segredo, assim como os documentos que se encontram em cartórios53. Por outro lado, como dito, há casos em que o advogado está devidamente autorizado pela lei a revelar determinadas informações, desde que haja uma justa causa, tratando-se, por tanto, de uma restrição e não de uma limitação. Entende-se por justa causa as hipóteses previstas no Código de Ética e Disciplina (CED), sendo; Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.(negrito meu) O Tribunal de Ética de São Paulo traz a orientação de que o advogado assume a responsabilidade de realizar a quebra do sigilo quando não há autorização da Ordem dos Advogados, sendo sua revelação submetida à análise da própria consciência e do bom senso profissional, dispondo também que o advogado deverá justificar a relevância dos motivos perante a Ordem, sob pena de infração disciplinar54. No tocante às hipóteses de quebra do sigilo, o artigo citado do Código de Ética e Disciplina dispõe de três situações. A primeira está prevista na Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro (Constituição Federal de 1988), a qual garante, em seu artigo 5º, caput, a inviolabilidade do direito à vida. Dessa forma, não existindo outra maneira para se evitar as ameaças à vida, praticadas pelo cliente contra o advogado, permite a este profissional a violação de tal sigilo, nos limites que for necessário para sua defesa. A segunda situação refere-se à honra. Esta é inerente à dignidade pertencente a qualquer pessoa e reconhecida perante as demais com quem convive, 53 Revista dos Tribunais. Do sigilo profissional do advogado: natureza jurídica, extensão, limites e restrições. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n.869, março 2008. p.90 54 Resolução 17/2000 do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Art. 4º caput e parágrafo único. 40 sendo um direito aplicado pelo simples fato de existir, considerada como “personalíssima e, portanto, intransferível, irrenunciável e imprescritível”55. Sua proteção está amparada na Constituição Federal, assim como em outros dispositivos infraconstitucionais, responsabilizando aqueles que a violarem, gerando também indenização por danos morais e materiais. No que diz respeito à honra de um profissional, como o advogado, sua violação afeta também toda a classe, pois o Estatuto e o Código de Ética preveem que: Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. Dessa forma, diante de uma situação onde o advogado, ou mesmo terceiros, estejam sofrendo graves ameaças à honra, é cabível a utilização do sigilo, sempre nos limites da defesa. A terceira situação ocorre quando o advogado é afrontado pelo cliente, assim, o profissional pode utilizar-se das informações, obtidas sob sigilo, para sua defesa, tanto para a de terceiros, sem exceder ao limite. Ressalte-se que a Resolução 17/2000, do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados de São Paulo, traz uma quarta situação em seu artigo 4º: o estado de necessidade. Art. 4º. O advogado que, esteja ou não no exercício da advocacia, encontra-se, em razão de justa causa ou estado de necessidade, na contingência de revelar segredo profissional, assume, em princípio e pessoalmente, a responsabilidade de fazê-lo sem autorização da Ordem, devendo, no entanto, a revelação, na forma, extensão e profundidade, ser submetida à analise da sua consciência e do bom senso profissional.[...] (negrito meu) Nesse sentido, conforme Carlos Roberto Gonçalves, o artigo 188 do Código Civil brasileiro (Lei. 10.406/2002) declara não constituir ato ilícito aqueles praticados 55 Revista dos Tribunais. Do sigilo profissional do advogado: natureza jurídica, extensão, limites e restrições. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n.869, março 2008. 41 em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, ou em um estado de necessidade56. Assim o Código Penal define estado de necessidade como: Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Dessa forma, o estado de necessidade se caracteriza a partir do momento que um indivíduo, apesar de não querer praticar o ato, o pratica na tentativa de defender a sua própria vida. 2.2.2 Violação do sigilo profissional e suas consequentes responsabilidades O advogado encontra respaldo legal para revelação do sigilo obtido no exercício da profissão, em algumas hipóteses, no que diz respeito às limitações e restrições, conforme já arrolados, não caracterizando qualquer ato ilícito. Contudo, quando ocorre a revelação de um sigilo sem justa causa, o profissional infringe a proteção legal ao mesmo, caracterizando, assim, um ato ilícito. Ressalta-se que as responsabilidades aduzidas ao profissional que comete a violação em análise, não se limita ao advogado, sendo cometida também aos auxiliares e aos servidores. A palavra responsabilidade remete a palavra obrigação. A prática de um ato gera responsabilidade por parte de quem a praticou, é o mesmo que responder pelos próprios atos, que acompanham seus motivos e razões. Diante disso, dentro do contexto desse trabalho acadêmico é necessária a apresentação dos tipos de responsabilidades cabíveis, as quais consubstanciam em responsabilidade administrativa, civil e criminal, independentes entre si. 56 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: parte geral. 17 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010 (Coleções Sinopses jurídicas, v.1) 42 2.2.2.1 Responsabilidade Administrativa ou Disciplinar A guarda do sigilo profissional é um dos deveres deontológicos fundamentais ao exercício da advocacia. Nos termos do Estatuto dos Advogados, em seu artigo 34 VII, a sua violação, sem justa causa, constitui uma infração disciplinar, consequentemente, sujeitando-se a uma sanção disciplinar. O diploma legal em comento dispõe, em matéria de procedimento disciplinar, a competência exclusiva do Conselho Seccional, do respectivo local onde tenha ocorrido a infração, para punir disciplinarmente os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, exceto quando a ilegalidade tenha ocorrido perante o Conselho Federal, de acordo com o seguinte artigo: Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal. O processo disciplinar é instaurado de oficio ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada57, sua tramitação segue conforme o próprio Estatuto, bem como o estabelecido no Código de Ética e Disciplina. Em caso de condenação, o profissional sujeita às penas previstas no art. 35 do respectivo Estatuto, nos seguintes termos: Art. 35. As sanções disciplinares consistem em: I – censura; II – suspensão; III – exclusão; IV – multa. Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do inscrito, após o trânsito em julgado da decisão, não podendo ser objeto de publicidade a de censura. Quanto a pena de censura, esta poderá ser convertida em advertência, quando presente atenuante. 57 Artigo 72, caput, do Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB). 43 2.2.2.2 Responsabilidade Civil A responsabilidade civil é caracterizada a partir do momento que um sujeito, possuidor de uma obrigação, deixa de cumpri-la. Posteriormente este passa a ser obrigado a reparar esse dano, o qual poderá ter cunho moral, religioso, social e ético, mas, via de regra, serão reparados aqueles danos que advenham de uma relação jurídica. Assim expõe o professor Sílvio de Salvo Venosa58: Os danos que devem ser reparados são aqueles de índole jurídica, embora possam ter conteúdo também de cunho moral, religioso, social, ético etc., somente merecendo a reparação do dano as transgressões dentro dos princípios obrigacionais. A responsabilidade civil do advogado, nas relações com o cliente, é considerada como responsabilidade contratual, advinda da imposição do mandato judicial, tendo em vista ser o mandato uma forma de contrato previsto no Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002)59. Conforme Carlos Roberto Gonçalves: A responsabilidade do advogado assemelha-se à do médico, pois não assume ele a obrigação de sair vitorioso na causa. São obrigações de meio as decorrentes do exercício da advocacia e não de resultado60. Assim, cumpre ao advogado, como obrigação contratual, dar conselhos às partes e defendê-las em juízo. Nesse sentido, cumpre também o dever de guarda do sigilo, onde não se pode divulgar o que conhece em razão do exercício profissional. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Responsabilidade Civil. Ed. 7. São Paulo: Atlas, 2007. p.2. 59 Artigo 653 a 692 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 2002. 60 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 6 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,1995 p. 274 44 Como dispõe José de Aguiar Dias o segredo profissional é imposição de ordem pública, e o advogado, como qualquer outro membro das profissões liberais, responde pela sua infração61. O Jurista ainda discorre sobre a lição de Calamanbrei, o qual ensina que: Visto ser o advogado obrigado ao segredo profissional, e que não pode, para não trair a verdade, trair a defesa, deve saber calar-se a tempo e encontrar no silêncio o meio de conciliar o seu dever de lealdade para com o juiz com o seu dever de advogado para com o cliente62. Nos termos gerais sobre fatos ilícitos, previsto no Código Civil brasileiro, incorre em responsabilidade civil aquele que violar o dever de sigilo. Constitui ato ilícito a violação de direito ou dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, por ação, omissão voluntária, negligência ou imprudência63, além do artigo 187 do Código Civil, o qual dispõe que: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Nesse sentido, também dispõe o Estatuto e seu Regulamento Geral sobre a responsabilidade subsidiária e ilimitada dos sócios, além da sociedade, que causar danos aos clientes, por ação ou omissão, no exercício da advocacia, com dolo ou culpa64. Diante disso, mesmo se houver a renúncia ao mandato por parte do patrono, não exclui a responsabilidade pelos danos causados culposa ou dolosamente aos clientes ou terceiros65. Ressalta-se que, quanto à existência do fato, ou sobre quem seja o autor já se acharem decididas em juízo criminal, não há mais o que ser questionado no âmbito civil, conforme o disposto no artigo 935 do Código Civil: 61 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 298. Ibidem, p. 298. 63 Artigo 186 do Código Civil – Lei nº 10.406 de 2002. 64 Artigo 17 do Estatuto do Advgoado e da Ordem dos Advogados do Brasil e artigo 40 do Regulamento Geral do Estatuto do Advogado e da OAB. 65 Artigo 13 do Código de Ética e Disciplina da OAB. 62 45 Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Contudo, diferentemente da criminal a responsabilidade civil é acumulável tanto com a responsabilidade disciplinar como também com a criminal. 2.2.2.3 Responsabilidade Criminal Ao contrário da Responsabilidade Civil, que visa reparar um dano causado, a responsabilidade penal possui natureza punitiva. Magalhães Noronha conceitua a responsabilidade penal da seguinte forma: É a obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas do seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as consequências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuricidade e que executá-lo66. Assim, como analisado, o sigilo profissional é uma instituição de ordem pública, onde os confidentes necessários ficam encarregados da guarda do sigilo, cumprindo com a confiança neles depositadas. Com o objetivo de proteção ao sigilo, o Código Penal brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940) prevê que a violação desse dispositivo, sem justa causa, constitui um ilícito criminal punível com detenção, conforme o artigo: Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. Assim também prevê o Código de Processo Penal, o qual dispõe que: 66 JESUS, Damásio de. Direito Penal. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 470 46 Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salve se, desobrigadas pela parte interessada, quiser dar seu testemunho. O dispositivo infraconstitucional visa à proteção da liberdade individual face ao mantimento em segredo das informações que, se reveladas, podem ocasionar dano à pessoa. O crime em comento é considerado como crime próprio, tendo como sujeito ativo aquele que detêm o segredo em razão da função, ministério, ofício ou profissão, e o revela. O Jurista Julio Fabbrini Mirabete67 conceitua função como um encargo derivado de lei, convenção ou decisão judicial, como os tutores, curadores, diretores de hospital ou escola e etc.; ministério como uma atividade de origem religiosa desempenhada por sacerdotes, pastores, freiras; ofício como atividade com fim lucrativo consistente na arte mecânica ou manual, como o sapateiro, costureiro entre outros; e a profissão como atividade intelectual e, por vezes, independente, como o médico, o advogado, engenheiro e outros. A responsabilidade penal também abrange os auxiliares da profissão, como por exemplo, os estagiários. No entanto, para que seja considerado como crime é necessário que tenha uma relação entre o conhecimento do segredo e o exercício profissional, independentemente da forma. O Código Penal considera como sujeito passivo aquele a quem interessava o mantimento secreto da informação, sendo a conduta típica a revelação do segredo a outrem. Contudo, caso haja justa causa quanto a necessidade de revelação do segredo, não é enquadrado como crime, tendo em vista que a proteção ao sigilo profissional é relativa.68 Considera como consumado o crime, quando há a revelação mesmo que a apenas uma pessoa, pois a conduta típica é revelar e não divulgar. 67 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal, volume 2: Parte especial. Arts. 121 a 234 do CP. 25 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007. p. 196 68 Ibidem, p. 197 47 CAPÍTULO 3 – AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL NO RELACIONAMENTO ADVOGADO E CLIENTE EM FACE DO MONITORAMENTO EM PRESÍDIOS Como anteriormente analisado, o sigilo profissional não se apresenta apenas como um dever contratual, mas sim como um dever com a ética e moral, visando o interesse da profissão. Alguns princípios constitucionais concretizam a ideia de que o advogado deverá, no desempenho de suas atribuições e fora delas, se atentar para o dever de guardar as informações a ele apresentadas por seu cliente, obedecendo ao dever de sigilo. Dentre estes princípios pode-se destacar o princípio da ampla defesa e do contraditório, bem como o princípio do devido processo legal. 3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL O princípio do devido processo legal é considerado como uma cláusula fundamental do Estado Democrático de Direito, conforme entendimento de Elizabeth Maria de Moura, a qual, também, dispõe que para que um Estado seja um Estado de Direito é preciso: Estar primeiramente submetido à lei e ao controle jurisdicional. Somente poderá ser realizado esse controle por meio de um processo estabelecido com princípios democráticos e igualitários69. Conforme Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz “a expressão devido processo legal é oriunda da expressão inglesa due processo of Law”70, sendo positivado pela primeira vez com a Constituição Federal de 1988, a qual adotou o devido processo legal como um de seus pilares, de onde derivam outros princípios processuais, 69 MOURA, Elizabeth Maria de. O devido processo legal na Constituição Brasileira de 1988 e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Celso Bastos Editor, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000. p.133 e 134 70 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Ed. Geográfica, 2009. p. 75 48 colocando-o como um direito constitucional fundamental do cidadão de forma expressa, conforme determina o artigo 5º: LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Embora só com o advento da Constituição de 1988 que o devido processo legal tenha sido expressamente adotado, já era possível observar esse princípio como uma garantia, tendo em vista que estava consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1942, conforme artigo seguinte: Art. 8º. Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela Lei. Bem como, o artigo 10: Art. 10. Toda a pessoa tem o direito, em plena igualdade, a que sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. Foi com a Constituição de 1946 que o princípio do devido processo legal passou a ser encontrado em texto constitucional brasileiro, embora de forma indireta, em seu artigo 141 §4º, o qual previa que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”. Contudo, observa-se que o texto apresenta o princípio da justicialidade ou acesso à justiça, conforme Ângelo Aurélio Gonçalves Pariz, o qual também discorre que “é do princípio do controle jurisdicional que deriva, implicitamente, o princípio do devido processo legal na Constituição de 1946”71. De forma geral, entende ser o princípio do devido processo legal uma garantia de proteção à liberdade do indivíduo, bem como num processo restritivo de direito. 71 PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Ed. Geográfica, 2009. p. 115. 49 Significa dizer que deve ser assegurada ao indivíduo paridade de condições em face do Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos daquele72. Para André Rovégno o devido processo legal significa: [...] a imposição de observância, pelo Estado, do feixe completo de princípios e normas que defendem o patrimônio jurídico do indivíduo [...]o devido processo legal é a cláusula de garantia das garantias processuais73. Desta forma, a observância deste princípio se torna imprescindível para o correto andamento processual. Pode-se definir o devido processo legal como um direito de ter um procedimento adequado, seguindo corretamente o seu percurso e possibilitando que os direitos assegurados ao indivíduo sejam garantidos. 3.2 PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO A Constituição Federal de 1988 traz expressamente em seu texto a proteção do princípio da ampla defesa e do contraditório, conforme o seu artigo 5º, nos termos seguintes: LV- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O contraditório e a ampla defesa são garantias constitucionais indissociáveis e intimamente ligadas ao devido processo legal. Nestes termos, entende-se por ampla defesa, conforme Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino: 72 ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 2 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 162 73 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookselles, 2005. p 243 50 O direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, administrativo ou judicial, todos os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se, se assim entender, 74 para evitar sua auto-incriminação . É aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas, físicas ou jurídicas. Já o princípio do contraditório, nas palavras de Alexandre de Moraes, consiste em: A própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (part conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor75. Independentemente da forma de acusação, formal ou não, é indispensável a presença dos princípios da ampla defesa e do contraditório, instituindo-se como a pedra fundamental de todo processo, em especial do processo penal. Contudo, o Supremo Tribunal Federal entende que, no âmbito do processo penal, não é exigível a garantia do princípio do contraditório na fase de inquérito policial, tendo em vista que constitui apenas um procedimento administrativo, preparatório para a acusação. No entanto, entende ser o contraditório e a ampla defesa inafastáveis e obrigatórios na fase judicial do processo.76 Isto posto, requer observar, que quanto ao princípio do contraditório, este encontra suas bases na máxima romana do audiatur et altera pars, ou seja, baseiase na recomendação de que a parte oposta deve ser ouvida77 3.3 DA COMUNICAÇÃO PESSOAL E RESERVADA COM O CLIENTE O advogado tem a função de lutar pelos interesses individuais do seu cliente perante o Tribunal, como também busca a justiça social. Conforme proclamado na 74 ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 2 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 165 75 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006. 76 ALEXANDRINO, op. cit. p. 167 77 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookselles, 2005. p 248 51 Constituição Federal, vê-se que a presença do mesmo é indispensável ao funcionamento da justiça78. Nestes termos, observa-se que o advogado é um profissional devidamente regulamentado, devendo, para exercer a profissão, estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, conforme previsto no Estatuto do Advogado e da OAB, o qual dispõe que: Art. 3º- O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). . A partir do momento que o profissional do direito adquire o status de advogado, passa a ser regulamentado, devendo agir conforme as regras ditadas. Assim como existem aquelas que devem ser obedecidas, existem também as regras as quais o profissional está resguardado de alguns direitos, dentre elas a Lei 8.906/1994 (Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil) a qual prevê que: Art. 7º. São direitos do advogado: III - comunicar-se com seu cliente preso, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis. Da mesma forma, a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso LXXIV, combinado com a Lei de Execução Penal, artigo 41, assegura aos presos ter assistência jurídica, podendo conversar em particular com seu advogado ou Defensor Público, caso não possua recursos financeiros suficientes, assim previstos, respectivamente: Art 5º [...]: LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Art. 41 Constituem direitos do preso: IX – Entrevista pessoal e reservada com advogado. 78 Artigo 133 da Constituição Federal de 1988. 52 Nos dizeres de Gladston Mamede 79 entende-se por comunicação pessoal “aquela que é fruto do encontro das pessoas, sem que tenha intermediação de outrem ou qualquer equipamento, bem como sem barreiras ou bloqueios”. Já em relação às comunicações reservadas, o referido autor, traduz ser “isolamentos dos demais, a fim de garantir o sigilo necessário à comunicação de informações que devem ser preservadas entre o cliente e seu advogado”. A assistência jurídica assegurada ao preso consiste nos procedimentos jurídicos necessários à defesa do cliente, como também a sua autodefesa, não podendo, portanto, ser privada, tendo em vista que a mesma possui uma grande relevância, onde o advogado poderá exercê-la independentemente de procuração. Nesse sentido, o Código de Processo Penal também prevê a indispensabilidade da entrevista prévia e reservada do cliente com seu advogado, conforme o parágrafo 5º do artigo 185: § 5º - Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com seu defensor; se realizada por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso. O direito do preso de entrevista pessoal com seu advogado também encontra definido na Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica – em seu artigo 8º como uma garantia judicial, nos termos seguintes: Art. 8º Garantias judiciais: 6. Direito ao acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor. (negrito meu) O Pacto foi promulgado no Brasil pelo decreto nº 678 (6/11/1992), consistindo em um documento normativo onde os países subscritos assumem deveres de proteção e se obrigam a adotar as ações necessárias à investigação e punição 79 MAMEDE, Gladston. Fundamentos da Legislação do Advogado. São Paulo: Atlas, 2002. p.37 53 daqueles que tenham praticado atos que violem os direitos humanos no âmbito de suas respectivas áreas jurisdicionais80. O doutrinador Paulo Lôbo ratifica que é garantido ao advogado comunicar-se com o cliente preso, “sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais”81, onde o descumprimento dessa prerrogativa caracteriza crime de abuso de autoridade, segundo o artigo 3º, alínea j, da Lei 4.898/1965, o qual define como abuso qualquer atentado “aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”. Ao Defensor Público são analogicamente asseguradas as garantias previstas ao advogado no Estatuto da Advocacia. Nesse sentido a lei complementar 132 de 2009 conferiu a proteção de entrevista pessoal e reservada com o assistido, alterando o artigo 128 da lei complementar 80 de 1994, o qual passou a vigorar com a seguinte redação: Art. 128 - São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei estabelecer: VI- comunicar-se pessoal e reservadamente, com seus assistidos, ainda quando eles se acharem presos ou detidos, mesmo incomunicáveis, tendo livre ingresso em estabelecimentos policiais, prisionais e de internação coletiva, independentemente de prévio agendamento. Recentemente, em entrevista à Revista Voz do Advogado, a OAB do Distrito Federal (DF) relatou uma situação de desrespeito às normas, onde sustenta que algumas administrações, como as delegacias, estão exigindo prévio agendamento ou mesmo procuração para que o advogado tenha acesso ao cliente82. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em maio de 2009, anulou a Resolução da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, a qual determinava agendamento prévio para a visita do profissional do direito ao cliente, conforme o artigo publicado pelo Consultor Jurídico em 2011, Rodrigo de Oliveira 80 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípios da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2008. p 101 81 LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.75 82 Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seccional do Distrito Federal. Voz do advogado. Prerrogativas na Delegacia. Ano 7 nº4 Brasília. Abril/maio de 2012. p. 13- 15. 54 Ribeiro, advogado e membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB do Rio de Janeiro83. Outro caso semelhante ocorreu no estado do Mato Grosso, também exposto por Rodrigo de Oliveira Ribeiro em seu artigo, o qual teve o seguinte entendimento perante o Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO - DIREITO DO PRESO ENTREVISTA COM ADVOGADO - ESTATUTO DA OAB - LEI DE EXECUÇÕES PENAIS - RESTRIÇÃO DE DIREITOS POR ATO ADMINISTRATIVO IMPOSSIBILIDADE. 1. É ilegal o teor do art. 5º da Portaria 15/2003/GAB/SEJUSP, do Estado de Mato Grosso, que estabelece que a entrevista entre o detento e o advogado deve ser feita com prévio agendamento, mediante requerimento fundamentado dirigido à direção do presídio, podendo ser atendido no prazo de até 10 (dez) dias, observando-se a conveniência da direção. 2. A lei assegura o direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o seu advogado (art. 41, IX, da Lei 7.210/84), bem como o direito do advogado de comunicar-se com os seus clientes presos, detidos ou recolhidos em estabelecimento civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis (art. 7º, III, da Lei 8.906/94). 3. Qualquer tipo de restrição a esses direitos somente pode ser estabelecida por lei. 4. Recurso especial improvido. Precedentes: REsp 673.851/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 21/11/2005. O motivo de constituir uma afronta à lei, ao prever a exigência de procuração para visitar seu cliente, conforme a OAB/DF, consiste no seguinte: Em muitos casos, a decisão do cliente de tornar o advogado seu procurador constituído se dará justamente na primeira comunicação pessoal entre eles84. Para que haja efetivamente a defesa é fundamental que o advogado tenha acesso ao cliente, assim poderá conversar e instruí-lo sobre os fatos. 83 RIBEIRO, Rodrigo de Oliveira. Direito do preso e prerrogativas da advocacia. <http://www.conjur.com.br/2011-jun-27/direitos-preso-prerrogativas-exercicio-advocacia#autores>. Acesso em: maio 2012. 84 Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seccional do Distrito Federal. Voz do advogado. Prerrogativas na Delegacia. Ano 7 nº4 Brasília. Abril/maio de 2012. p. 13- 15. 55 O direito a ampla defesa não pode ser retirado do preso, especialmente durante o cumprimento da pena. Por isso, faz-se necessário a entrevista com seu advogado, sempre que for imprescindível para sustentação do referido direito. Para Guilherme de Souza Nucci inexistem direitos absolutos, mesmo de status constitucional, entendendo que deve haver harmonia entre a proteção do direito de defesa, e o direito da coletividade à segurança pública.85 Nesse sentido, Nucci também dispõe que por mais perigoso que um condenado possa ser, não é admitido suprir absolutamente o direito de entrevista com o defensor, tendo nesse caso uma maior supervisão estatal. A violação dessa prerrogativa de entrevista implica em desrespeito a ampla defesa e assistência do advogado ao preso, sendo questão abordada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 200786, conforme a OAB/DF, a qual dispõe a afirmação de Celso de Mello, qual seja: Qualquer conduta dos agentes e órgãos do Estado que afronte direitos e garantias individuais, como o de defesa, cerceando e desrespeitando as prerrogativas profissionais do advogado, representa um inaceitável ato de ofensa à própria Constituição e, como tal, não será admitido nem jamais tolerado pelo Supremo Tribunal Federal. No que diz respeito aos presos recolhidos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), Guilherme de Souza Nucci entende que as atenções devem ser redobradas, podendo, inclusive, dificultar o ingresso do advogado, contudo, não permite que seja afastado totalmente, pois acarretaria na violação do direito garantido a todos87. O Regime Disciplinar Diferenciado é aplicado ao preso que se encontra recolhido em regime fechado, consistindo em um modo de sanção disciplinar onde ficará recolhido em cela individual por período de tempo que não ultrapasse 360 dias. Tem como característica um isolamento maior do preso, restringindo o seu contato com o mundo exterior. A Lei de Execução Penal n 7.210 de 2003, determina a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado aos presos que descumprirem o previsto no artigo 52, o qual prevê que: 85 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007. p 431. 86 Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seccional do Distrito Federal. Voz do advogado. Prerrogativas na Delegacia. Ano 7 nº4 Brasília. Abril/maio de 2012. p. 13- 15. 87 NUCCI, op.cit., p 431. 56 Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subvenção da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II – recolhimento em cela individual; III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol § 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. § 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando. O Regime Disciplinar Diferenciado é considerado com uma forma de segurança aos estabelecimentos prisionais, servindo, também, como uma garantia à ordem pública para prisão provisória ou no cumprimento da pena privativa de liberdade. 3.3.1 Parlatório e o caráter pessoal da conversa do advogado com seu cliente Além do desrespeito às normas, que garantem o acesso do advogado ao cliente, existem outros questionamentos do profissional do direito, que afrontam o seu regular exercício. Dentre eles destaca-se a questão dos parlatórios ou locutórios, como também são chamados, os quais consistem em locais designados para a conversa do advogado com seu cliente reservadamente88. 88 CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. Monitoramento em presídios federais. Revista Consulex. Ano XIV – nº 329. 1º de outubro de 2010. p. 28 57 Contudo, a grande questão é justamente o uso de parlatórios, tendo em vista que nesses locais são utilizados interfones para a conversa do cliente com o seu advogado, além do uso de vidros temperados que impossibilitam a visita pessoal com o cliente. Nesse sentido, Antônio Fernando Moreira, advogado criminalista, cita em seu artigo o entendimento de Alberto Zacharias Toron e Alexandra Lebelson Szafir, também criminalistas, os quais expõem que a imposição ao advogado de que sua conversa com seu assistido se dê por meio de um interfone atenta contra o caráter pessoal da conversa, aduzindo: (...) Sim, porque quanto o texto legal fala que o advogado tem o direito de ‘comunicar-se pessoal e reservadamente com seus clientes’, a expressão ‘pessoal’, na dicção do Estatuto, quer dizer sem mediação, ou seja, repele tanto o terceiro que possa funcionar como intermediário, uma espécie de ‘leva e traz’, como o telefone, o fax, a Internet, a videoconferência e, também, o interfone. Quisesse o legislador cuidar apenas do problema relativo ao sigilo da conversa entre o advogado e seu cliente, teria utilizado apenas a expressão ‘reservadamente’. O acréscimo quanto ao caráter pessoal da conversa tem a ver, obviamente, com a ausência de mediação, inclusive quanto a meios elétrico-eletrônicos. Mesmo porque, por outro lado, a utilização dos interfones não oferece ao advogado a segurança necessária quanto ao sigilo da sua conversa com o preso89. Aduzindo, ainda, o caráter pessoal e com o objetivo de garantir o acesso do advogado ao seu cliente, o presidente da OAB/DF, Francisco Caputo, requereu à Polícia Civil a normatização dos procedimentos quanto às prerrogativas do advogado, em conformidade com o disposto na Constituição Federal, no Pacto de San José da Costa Rica, assim como na Lei de Execução Penal e o Estatuto dos Advogados e da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme exposto anteriormente90. Os referidos diplomas dispõem, de forma geral, o direito do advogado de encontrar-se pessoal e reservadamente com seu cliente. 89 MOREIRA, Antonio Fernando. Parlatórios e confidencialidade da conversa entre advogado e cliente. Revista Consulex. Ano XIV – nº 329. 1º de outubro de 2010.p. 33 90 Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seccional do Distrito Federal. Voz do advogado. Prerrogativas na Delegacia. Ano 7 nº4 Brasília. Abril/maio de 2012. p. 13- 15. 58 Dessa forma, a Polícia Civil do Distrito Federal publicou uma portaria de número 8, de 30 de janeiro do presente ano (2012), a qual reconhece os direitos e prerrogativas garantidos ao advogado, dispondo o que segue: O DIRETOR GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL[...] Resolve: Art.1ºEstabelecer a todos os servidores da Polícia Civil do Distrito Federal que dispensem ao advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas ao seu desempenho, priorizando pela excelência no atendimento, em consonância com os princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Art. 2º Estabelecer aos Delegados de Polícia que disponibilizem, observando-se as regras de segurança, local apropriado para o advogado se entrevistar com o cliente preso, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, ainda que considerado incomunicável, bem como autorizar acesso aos autos de inquéritos policiais e demais atos procedimentais, podendo copiar peças, as suas expensas, e tomar apontamentos, nos limites da Lei. At. 3º Para o ingresso de Advogado na Divisão de Controle e Custódia de Presos – DCCP/DPE permanece em vigor a Ordem de Serviço nº 224-DPE, de 05 de setembro de 2007. Analisando a portaria, vê-se que esta tem por objetivo garantir aquilo que a Lei prevê, conforme aduz o próprio diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal: É só uma forma de deixar público que a Polícia tem condição de seguir a lei, explicitar que estamos à disposição para sermos parceiros na busca pelo Estado Democrático91. Dessa forma, observa-se que é um direito do preso ter um local destinado à sua entrevista com seu defensor, para que possam trocar informações sobre o processo e como devem proceder sem obstrução ou vigilância. 91 Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Seccional do Distrito Federal. Voz do advogado. Prerrogativas na Delegacia. Ano 7 nº4 Brasília. Abril/maio de 2012. p. 14 59 3.4. GRAVAÇÃO DAS CONVERSAS ENTRE ADVOGADO E CLIENTE NOS PRESÍDIOS FEDERAIS E SUA AFRONTA AO SIGILO PROFISSIONAL A competência para legislar sobre o Direito Penitenciário encontra-se na Constituição Federal de 1988, como uma competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Assim, perante o mesmo diploma legal, existe uma classificação penitenciária que estabelece onde a pena deve ser cumprida, em conformidade à natureza do delito, a idade e ao sexo do apenado92. Os estabelecimentos prisionais federais destinam-se ao recolhimento de presos, condenados ou provisórios, de alta periculosidade. A sua criação tem como objetivo garantir maior isolamento de tais detentos, evitando assim o contato com presos de menor periculosidade. Nesse sentido, o Decreto n.6.049 de 2007 estabelece que os estabelecimentos penais federais tem a finalidade de promover a execução administrativa, cuja inclusão se justifique no interesse da segurança pública93 Diante disso, os presídios de segurança máxima possuem como característica a extrema proteção, a qual é observada tanto no aspecto material da sua construção, como com os sistemas de visualização noturna de combate em possíveis casos de invasão. Visando uma maior proteção, as penitenciarias federais de segurança máxima foram dotadas de equipamentos de vigilância, tanto na parte externa dos presídios, quanto na parte interna. Contudo, as instalações internas geraram um descompasso, tendo em vista que possibilitam gravar as conversas entre os presos e seus advogados. A discussão de tal procedimento envolve tanto juízes quanto advogados. Uns defendendo a utilização destes equipamentos para gravação, enquanto que outros afirmam se tratar de afronta ao direito do preso conversar com seu defensor de forma privativa. 92 Artigo 5º, inciso XLVIII da Constituição Federal de 1988. Portal do Ministério da Jusitiça. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ887A0EF2ITEMID5AC72BD609F649AEBDB09A5A1D5A28B9P TBRNN.htm> Acesso em: maio de 2012 93 60 Para Alberto Zacharias Toron, advogado criminalista: O direito ao devido processo legal não se realiza se não houver liberdade e segurança na privacidade da conversa, de modo que o investigado ou acusado possa se manifestar com franqueza e sem temores, o que, convenha-se, é essencial ao pleno exercício do direito de defesa94. Desta forma, o que se percebe é que a aplicação ou ampliação de tecnologia de informação, no âmbito do sistema carcerário brasileiro, com intuito de trazer mais segurança, viola tanto a Carta Magna quanto os demais dispositivos que asseguram o direito à privacidade. Em contrapartida, o juiz federal Ricardo de Castro Nascimento95 coloca que “não existem seminaristas morando nas prisões” afirmando o que segue: O Poder Público tem o direito e o dever de dispor de toda a tecnologia permitida pela legislação para combater a criminalidade, mas isso não significa que irá usá-la indiscriminadamente. O referido juiz diz ainda que: O problema não está na existência dos equipamentos, mas no seu uso sem autorização judicial. [...] As escutas clandestinas é que são ilegais. Nessas hipóteses, é preciso apurar a origem da gravação e punir os culpados. Na visão do jurista o que deve ser feito é um controle daquelas informações que podem ser acessadas. O Juiz Federal aponta como exemplo a situação de uma gravação de conversa entre defensor e preso, realizado no presídio federal em Mato 94 TORON, Alberto Zacharias. Sigilo é essencial para o Estado de Direito. In. Folha de São Paulo, São Paulo, n.29669. 26/06/2010. Tendências/ Debates p. A3. ALBERTO ZACHARIAS TORON, doutor em direito pela USP, é advogado. Foi diretor do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 95 NASCIMENTO, Ricardo de Castro. Não há seminaristas morando nas prisões. In. Folha de São Paulo, São Paulo, n.29669. 26/06/2010. Tendências/ Debates p. A3. RICARDO DE CASTRO NASCIMENTO, juiz federal, é presidente da Ajufesp – Associação dos Juízes Federais de SP e MS e vice-presidente para a 3ª região da Ajufe – Associação dos Juízes Federais do Brasil. 61 Grosso do Sul, no qual se evitou um sequestro do filho do Presidente da República e de outras autoridades96. Porém, o que se discute no aspecto jurídico é a legalidade de tal procedimento e não se isso evitará prováveis ações criminosas. São diversos os dispositivos legais atuais capazes de sustentar tanto a ilegalidade das gravações dentro dos presídios quanto à violação de direitos inerentes aos seres humanos. Como fora citada anteriormente e novamente o faz necessário o artigo 5º, X da Constituição Federal de 1988 diz que: X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Diante desse preceito de privacidade da entrevista, a Constituição do Estado de São Paulo também cuidou de abordar o tema em seu artigo 105, dispondo que “o Poder Executivo manterá, no sistema prisional e nos distritos policiais, instalações destinadas ao contato privado do advogado com o cliente preso”. Assim, uma Resolução editada em 2006 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária97 também já recomendava a inviolabilidade dos princípios constitucionais conforme artigo: O Presidente do CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA [...] Resolve: Art. 1º Recomendar, em obediência às garantias e princípios constitucionais, que a inviolabilidade da privacidade nas entrevistas do preso com seu advogado seja assegurada em todas as unidades prisionais. Parágrafo único. Para a efetivação dessa recomendação, o parlatório ou ambiente equivalente onde se der a entrevista, não poderá ser monitorado por meio eletrônico de qualquer natureza. Para a corrente jurista, a utilização dos meios eletrônicos, de áudio e vídeo, inclusive dentro dos parlatórios, tem como objetivo o auxílio no combate ao crime organizado. 96 NASCIMENTO, Ricardo de Castro. Não há seminaristas morando nas prisões In. Folha de São Paulo, São Paulo, n.29669. 26/06/2010. Tendências/ Debates p. A3. 97 Resolução n 08, de 30 de maio de 2006 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. 62 Nos dizeres de Ricardo de Castro Nascimento “a colheita de provas corre em absoluto segredo de Justiça”98, alegando seguir os mesmo padrões do monitoramente telefônico, onde necessita de autorização do juiz, que seja convencido pelos indícios e posteriormente avaliados, desprezando então o conteúdo caso não dizem respeito a práticas criminosas. Contudo, a visão dos advogados engloba outro aspecto, tendo em vista que defendem o respeito às garantias constitucionais, primordialmente no que tange ao sigilo profissional. O dever do sigilo é o ponto central no exercício profissional do advogado, tendo como contrapartida o direito de comunicar-se “pessoal e reservadamente” com o seu cliente, conforme antes citado o artigo 7º, III do Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil, o qual diz que: Art. 7º. São Direitos do Advogado: III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis. (negrito meu) Sobre o tema, Alberto Zacharias Toron expõe a afirmação do Tribunal de Primeira Instância da União Européia: O princípio da confidencialidade das comunicações entre advogados e clientes constitui um complemento necessário ao pleno exercício dos direitos de defesa,[...] responde à exigência de que todo cidadão deve ter a possibilidade de se dirigir com toda a liberdade ao seu advogado99. Para que haja uma atuação digna, eficiente à defesa do cliente, considera-se necessário a liberdade na entrevista, tendo em vista que o advogado é um colaborador da Justiça. De acordo com o Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 44, I, é função do advogado: 98 NASCIMENTO, Ricardo de Castro. Não há seminaristas morando nas prisões In. Folha de São Paulo, São Paulo, n.29669. 26/06/2010. Tendências/ Debates p. A3. . 99 TORON, Alberto Zacharias. Sigilo é essencial para o Estado de Direito. In. Folha de São Paulo, São Paulo, n.29669. 26/06/2010. Tendências/ Debates p. A3. 63 I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Entende-se, pois, que a escuta das conversas é prática inconstitucional, incompatível com o Estado Democrático de Direito, além de contrariar o direito a ampla defesa. Com a escuta, não está violando apenas as prerrogativas asseguradas ao advogado, mas também o direito garantido a todo cidadão, incluindo os presos, conforme o disposto na Lei de Execução Penal, em seu artigo 41, IX, a qual dispõe a conversa pessoal e reservada com o advogado. O fato de existirem advogados que agem em parceria ao crime organizado, não justifica estender a violação das prerrogativas a todos os outros, assim não podem todos os advogados ter suas prerrogativas violadas em razão de poucos que divergem do objetivo da profissão. Em visita à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Taguatinga, foi feito uma entrevista com o Doutor Geraldo Vieira Junior, advogado criminalista há 15 anos, o qual trouxe algumas de suas considerações acerca no Monitoramento em Presídios Federais. Perguntado sobre o seu posicionamento em face do Monitoramento, quanto às instalações de câmeras de áudio e vídeo nos parlatórios, o mesmo respondeu da seguinte maneira: “Acredito que a ideia é abusiva, tendo em vista às prerrogativas do advogado, o qual é amparado pela Lei que rege o Estatuto, portanto violando o direito que lhe é conferido. Assim a confidência entre cliente e advogado fica prejudicada”. Questionado sobre o posicionamento dos Juízes, observando as informações obtidas pela imprensa, de onde tomou conhecimento do fato, o Doutor Geraldo respondeu que as afirmações dos juízes são suposições que ainda não foram totalmente comprovadas. Posicionamento equivalente ao do advogado acima tem o Doutor Ozvaldo da Silva, que apesar de não ser um profissional na área criminal, mas sim na área Cível, Família e Trabalhista, respondeu que é contra o monitoramento, pois viola o 64 direito que tem o advogado de encontra-se com seu cliente preso. Considerou ainda que: “Se houver dúvida quanto ao comportamento do advogado junto ao seu cliente, que seja fiscalizado de outra maneira que não viole a prerrogativa garantida pelo Estatuto”. Em outro momento, o mesmo questionamento, quanto à posição em face do Monitoramento em Presídios Federais, foi feito ao Doutor Igor Felipe Guskow, Defensor Público, o qual respondeu o seguinte: “A princípio a entrevista do preso com o advogado é reservada. Contudo, deve-se analisar o ponto de vista quanto ao monitoramento, devendo-se levar em conta a ponderação de interesses, onde de um lado temos o direito de defesa do réu, e de outro temos o direito investigativo do Estado, quanto ao comportamento do advogado. Nesse sentido, acredito que o monitoramento acaba por recear a defesa, violando o direito que tem o réu de apresentar sua versão dos fatos diante do seu advogado, podendo dizer, inclusive, o direito do réu “mentir”. Considero um abuso investigativo, tendo em vista que com o monitoramento, todos os advogados passam a ser vigiados, sem nem mesmo existir qualquer indício de prática criminosa. O Estado tem outras maneiras, as quais podem auxiliar na investigação do comportamento do Advogado, enquanto que o réu tem apenas o momento da entrevista para apresentar sua defesa ao seu defensor e poder ser instruído sobre o fato”. Vê-se que, apesar dos Profissionais atuarem em áreas diferentes, ambos tem o mesmo posicionamento, o qual corresponde à questão do monitoramento violar o direito do preso de ter uma defesa ampla e também violar a prerrogativa do advogado, que consiste em encontrar-se com seu cliente “pessoal e reservadamente”100, além de contrariar os princípios constitucionais da privacidade, ampla defesa e contraditório, conforme anteriormente explanado. 100 Artigo 7º, III, do Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil. 65 CONCLUSÃO Logo no início do trabalho foi exposta a importância da advocacia como profissão devidamente regulamentada, tendo em vista que o seu exercício era realizado de modo informal, sem conhecimento técnico sobre o tema exposto. Ficou evidente que para exercer a profissão é preciso seguir alguns preceitos, dentre os quais, formar-se no curso de Direito e, por conseguinte obter a carteira profissional perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para demonstrar a importância da advocacia na vida sócio-jurídica brasileira, o legislador determinou sua indispensabilidade à administração da justiça e sua inviolabilidade profissional, nos limites da lei, como forma inclusive, de segurança jurídica. Diante das explanações feitas, percebeu-se que ao profissional do direito são asseguradas algumas garantias, bem como estabelecidas algumas regras as quais devem ser obedecidas. Nesse sentido, a deontologia forense traça condutas imperativas, exigíveis a todas carreiras jurídicas, além de elencar as condutas compatíveis com o status constitucional do advogado e da sua função social. Assim, no campo teórico, são belas as disposições que garantem esses direitos, contudo, no campo prático tem-se observado pouca ou nenhuma efetividade, tendo em vista que uma das prerrogativas fundamentais dispostas ao advogado está sendo flagrantemente violada, qual seja, o sigilo profissional do advogado quando na defesa do seu cliente, devido às instalações de câmaras de áudio e vídeo nos parlatórios. O sigilo profissional entre advogado e cliente é uma relação de confiança, sendo respaldo pela Constituição Federal. Nota-se que esse dever de sigilo não está disposto apenas ao advogado, mas a todos envolvidos no contexto jurídico. Esta prerrogativa, ora elencada no artigo 7º do Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil e escolhida como tema principal dessa monografia, encontra-se respaldada por diversos outros dispositivos legais, os quais, inclusive, estabelecem punição àqueles que a violarem. Assim, vê-se que apesar da norma estabelecer que o preso deve ter uma assistência jurídica condizente, a fim de obter um devido processo, a realidade apresenta que esses dispositivos não estão sendo devidamente cumpridos, tendo 66 em vista a afronta diante do direito do advogado de comunicar-se pessoal e reservadamente com o cliente. O tema exposto, ainda é motivo de discussão entre os profissionais do direito, existindo diferentes posicionamentos a respeito. Assim, tem-se que cabe ao executor verificar qual o posicionamento seguir, contudo, é imprescindível a análise das disposições contidas no ordenamento jurídico. Entende-se que a manutenção de um Estado Democrático de Direito e dos dispositivos constitucionais dependem de políticas assistenciais capazes de proteger de forma mais segura os presos e seus defensores. Por fim, é de urgente relevância a divulgação dessa afronta à prerrogativa dos advogados, diante das gravações realizadas, devendo-se levar ao conhecimento público, além da criação de projetos capazes de resguardar esse direito. 67 REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 2 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. BARROS, Marcos Antônio de. Sigilo Profissional: Reflexos da violação no âmbito das provas ilícitas. Justitia, São Paulo, 58 (175) jul/set 1996. BARONI, Robison. Cartilha de ética profissional do advogado: perguntas e respostas sobre ética profissional do advogado ética geral questões formuladas em exame de ordem principais documentos da OAB sobre ética do advogado. 4. Ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 2001. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 – 10ª impressão. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 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